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sábado, 21 de abril de 2018

A autopiedade é a raiz de todo sofrimento

A autopiedade é a raiz de todo sofrimento

Esta manhã talvez possamos deixar de lado os nossos problemas — problemas econômicos, problemas atinentes a nossas relações pessoais, problemas de doença, e também os mais importantes que nos rodeiam, de ordem nacional e internacional: a guerra, a fome, as revoltas populares, etc. Não queremos fugir deles, mas se pudermos pô-los de parte, por esta manhã, pelo menos, talvez possamos capacitar-nos para considerá-los de maneira diferente com a mente mais fresca, percebimento mais penetrante — e, assim, atacá-los de maneira nova, com maior vigor e clareza.

A mim me parece que só o amor pode produzir a revolução correta, e que qualquer outra forma de revolução — isto é, revolução baseada em teorias econômicas, em ideologias sociais, etc. só pode acarretar mais desordem, mais confusão e aflição. Não há esperança de resolvermos o básico problema humano mediante reformas e reorganizações parciais. Só quando há um grande amor podemos ter uma visão total e, por conseguinte, uma ação plena, em vez dessa atividade fragmentária, parcial, que atualmente chamamos revolução, e que a nada conduz.

Hoje desejo falar sobre uma coisa que abarca a totalidade da vida — algo que não é fragmentário, porém constitui um acesso total à existência humana; e, para podermos entrar com certa profundeza nesta matéria, devemos libertar-nos de todas as teorias, e crenças, e dogmas. Em geral, aramos sem cessar o solo da mente, mas parece que nunca semeamos; analisamos, examinamos, “desmontamos” as coisas, mas não compreendemos o movimento da vida.

Pois bem; penso haver três coisas que devemos compreender profundamente, para podermos sentir o movimento total da vida. São elas: o tempo, o sofrimento e a morte. Compreender o tempo, compreender o pleno significado do sofrimento, e “viver com a morte” — tudo isso exige a clareza do amor. O amor não é uma teoria, e tampouco um ideal. Ou uma pessoa ama, ou não ama. Ele não pode ser ensinado. Não podeis tomar lições para aprender a amar, nem nenhum método existe mediante cuja prática diária chegueis a saber o que é o amor. Mas, eu acho que se pode chegar ao amor, natural, fácil, espontaneamente, quando se compreende realmente o significado do tempo, a extraordinária profundeza do sofrimento, e a pureza que vem com a morte. Assim, talvez possamos considerar — realmente, e não teórica ou abstratamente — a natureza do tempo, a natureza ou estrutura do sofrimento, e essa coisa extraordinária que chamamos “a morte”. Essas três coisas não são separadas. Se compreendermos o que é o tempo, compreenderemos o que é a morte, bem como o que é o sofrimento. Mas, se considerarmos o tempo como coisa separada do sofrimento e da morte, e tentarmos ocupar-nos dele isoladamente, nosso acesso será então fragmentário e, por conseguinte, nunca perceberemos a maravilhosa beleza e a vitalidade do amor.

Vamos, pois, tratar do tempo, não como abstração, porém como coisa real — sendo o tempo duração, a continuidade da existência. Há o tempo cronológico, horas e dias que se estendem a milhões de anos; e foi o tempo cronológico que produziu a mente com a qual funcionamos. A mente é um resultado do tempo como continuidade da existência, e o seu aperfeiçoamento ou polimento através dessa continuidade chama-se progresso. Tempo é também a duração psicológica criada pelo pensar como um meio de preenchimento. Servimo-nos do tempo para progredir, preencher-nos, “vir a ser”, produzir um certo resultado. De ordinário, o tempo é para nós uma escada que leva a alguma coisa de maior importância — ao desenvolvimento de certas faculdades, ao aperfeiçoamento de determinada técnica, à realização de um fim, de um objetivo, louvável ou não; assim, julgamos que o tempo é necessário para a compreensão do verdadeiro, de Deus, daquilo que excede todo o esforço humano.

Em regra, considera-se o tempo como o período de duração entre o momento presente e um certo momento no futuro, quando teremos realizado nossos alvos; e desse tempo nos servimos para cultivar o caráter, livrar-nos de um certo hábito, desenvolvermos um músculo ou a visão das coisas. Há dois mil anos a mente cristã vem sendo condicionada para crer num Salvador, no inferno, no céu, e, no Oriente, idêntico condicionamento se verifica há muito mais tempo. Pensamos que o tempo é necessário para tudo o que temos de fazer ou compreender, e, por conseguinte, ele se torna uma carga, uma barreira ao percebimento real; impede-nos de ver imediatamente a verdade relativa a qualquer coisa, porque pensamos que para isso o tempo é necessário. Dizemos “amanhã, ou daqui a anos, compreenderei essa coisa com extraordinária clareza”. No momento em que admitimos o tempo, estamos cultivando a indolência, aquela peculiar preguiça que nos impede de ver prontamente a coisa tal como é.

Supomos que necessitamos de tempo para romper o condicionamento que a sociedade — com suas religiões organizadas, seus códigos de moralidade, seus dogmas, sua arrogância e seu espírito de competição — nos impôs. Pensamos em termos de tempo, porque o pensamento é produto do tempo. O pensamento é reação da memória — sendo memória o fundo que foi acumulado, herdado, adquirido pela raça, pela comunidade, pelo grupo, pela família, e pelo indivíduo. Esse fundo é produto do mecanismo aditivo da mente, e sua acumulação levou tempo. Para a maioria das pessoas, a mente é memória, e sempre que há um desafio, uma exigência, é a memória que “responde”. Sua “resposta” é como a “resposta” do cérebro eletrônico, que funciona por associação. E sendo a reação da memória, o pensamento é, por sua própria natureza, produto do tempo e o criador do tempo.

Notai que o que estou dizendo não é uma teoria, uma coisa em que deveis refletir. Sobre ela não precisais refletir, porém, antes vê-la, porque assim é. Não vou entrar nos seus complicados pormenores, mas já vos apontei os fatos essenciais, e vós os vedes ou não os vedes. Se me estais seguindo, não apenas no sentido verbal, discursivo ou analítico, porém vendo realmente que assim é, percebereis como é enganador o tempo; e a questão é então — se o tempo pode parar. Se somos capazes de ver todo o mecanismo de nossa própria atividade — ver sua profundeza, sua superficialidade, sua beleza, sua fealdade — não amanhã, porém imediatamente, então esse próprio percebimento é a ação que destrói o tempo.

Se não compreendermos o tempo, não compreenderemos o sofrimento. Eles não são, como procuramos torná-los, duas coisas diferentes. Exercer um cargo, estar com a família, gerar prole — não são incidentes separados, isolados. Pelo contrário, estão profunda e intimamente relacionados; não podemos perceber essa extraordinária intimidade de relação sem a sensibilidade oriunda do amor.

Para compreender o sofrimento, devemos, com efeito, compreender a natureza do tempo e a estrutura do pensamento. O tempo tem de parar, porque, do contrário, ficaremos meramente repetindo as informações que temos acumulado, exatamente como um cérebro eletrônico. A menos que o tempo termine — o que significa o fim do pensamento — haverá mais repetição, ajustamento, modificação contínua. Nunca existirá nada novo. Somos cérebros eletrônicos “glorificados” — um pouco mais independentes, talvez, mas sempre máquinas, em nossa maneira de funcionar.

Assim, para compreender a natureza do sofrimento e como ele pode terminar, temos de compreender o pensamento. Os dois não existem separadamente. Ao compreender-se o tempo, atinge-se o pensamento; e a compreensão do pensamento é a extinção do tempo e, por conseguinte, o término do sofrimento. Se isto está perfeitamente claro, podemos então olhar o sofrimento e, não, adorá-lo, como o fazem os cristãos. O que não compreendemos, adoramos ou destruímos. Colocamo-lo num templo, numa igreja, ou num “canto escuro” da mente, onde lhe rendemos um culto de temor; ou desprezamo-lo e repudiamo-lo; ou fugimos. Mas aqui não estamos fazendo nada disso. Vemos que há milênios o homem luta com o problema do sofrimento, sem ter podido resolvê-lo até agora; assim, deixou-se calejar por ele, aceitou-o, considerando-o uma parte inevitável da vida.

Ora, o mero aceitar do sofrimento não só é insensato, mas também concorre para embotar-nos. Faz a mente insensível, brutal, superficial, e a vida, por conseguinte, se torna falsa, um mero mecanismo de trabalho e de recreação. Leva o homem uma existência movimentada, como negociante, cientista, artista, sentimentalista, como pessoa dita religiosa, etc. Mas, para compreendermos o sofrimento e dele nos libertarmos, temos de compreender o tempo e, por conseguinte, o pensamento. Não se pode negar o sofrimento ou fugir dele, recorrendo a distrações, a igrejas, a crenças organizadas; tampouco devemos aceitá-lo e divinizá-lo; e, para se evitar isso, requer-se muita atenção, que é energia.

O sofrimento está enraizado na autopiedade. Para o compreendermos, cumpre extinguir essa autopiedade. Não sei se já observastes como tendes pena de vós mesmo ao dizerdes; “Estou sozinho no mundo!” — Havendo autopiedade, está preparado o solo em que o sofrimento lançará suas raízes. Ainda que justifiqueis a autopiedade, ainda que a racionalizeis, que procureis poli-la, revesti-la com ideias, ela continuará existente, minando-vos profundamente. Assim, para que o homem possa compreender o penar, deverá livrar-se dessa brutal e egocêntrica trivialidade que é a pena de si mesmo. Podeis sentir autopiedade por motivo de doença, pela morte de um ente querido, ou por não vos terdes realizado e, por conseguinte, vos sentirdes frustrado; mas, independentemente de sua causa, a autopiedade é a raiz do sofrimento. E, uma vez livre desse sentimento, podereis encarar o sofrer sem lhe renderdes culto, sem dele fugir, ou sem lhe dardes uma significação sublime, espiritual, como, por exemplo, dizendo que deveis penar para achar Deus — o que é puro contrassenso. Só a mente embrutecida, estúpida, se conforma com a amargura. Por conseguinte, não devemos aceitá-la, em nenhuma forma, nem rejeitá-la. Ao libertar-vos da autopiedade, vos despojais de toda a sentimentalidade e emocionalismo que ela suscitou, e estareis pronto para olhar o sofrimento com total atenção.

Espero que o estejais fazendo, junto comigo, nesta viagem, e não aceitando apenas verbalmente os dizeres do orador. Tende cuidado com a passiva aceitação do sofrimento, a racionalização dele, as escusas, a autopiedade, a sentimentalidade, a atitude emocional ante o amargor, porquanto tudo isso é dissipação de energia. Para compreenderdes o sofrimento, deveis aplicar-lhe toda a atenção, e nesta atenção não há lugar para escusas, para sentimento, racionalização, não há lugar para nenhuma espécie de comiseração própria.

Suponho estar sendo bem claro ao ressaltar a necessidade de darmos inteira atenção ao sofrimento. Nessa atenção, não há esforço para resolvê-lo ou compreendê-lo. A pessoa só está olhando, observando. Todo esforço para compreender, racionalizar ou fugir, impede aquele estado imparcial de completa atenção, no qual pode ser compreendida essa coisa chamada sofrimento.

Não estamos analisando, nem investigando analiticamente o sofrimento com o intuito de dele nos livrarmos, pois isso é apenas mais uma artimanha mental. A mente que o analisa supõe tê-lo compreendido e que está liberta. Puro contrassenso. Podeis libertar-vos de determinada forma de sofrimento; mas ele ressurgirá de outra maneira. Estamos falando do sofrimento em sua totalidade, o sofrimento em si, seja vosso, seja meu ou de outro qualquer ente humano.

Como disse, para se compreender o sofrimento é necessário compreender o tempo e o pensamento. Requer-se um percebimento não seletivo de todas as formas de fuga, de toda a autopiedade, de todas as verbalizações, de modo que a mente se aquiete diante de uma coisa que deve ser compreendida. Não há então divisão entre o observador e a coisa observada. Não há aquele que — como observador, como pensador — observa o sofrimento; só há o estado de sofrimento. Esse “estado de sofrimento”, não-dividido, é necessário, porque, quando olhais o sofrimento como observador, criais o conflito que embrutece a mente e dissipa a energia e, por conseguinte, não há atenção.

Quando a mente compreende a natureza do tempo e do pensamento, quando desarraigou a autopiedade, a sentimentalidade, o emocionalismo, etc., então o pensamento — que criou toda essa complexidade — termina, e o tempo já não existe; assim, ficais direta e intimamente em contato com essa coisa a que chamais sofrimento. O sofrimento só se conserva ao fugirmos dele, ao desejarmos evitá-lo ou divinizá-lo. Mas, quando não houver nada disso, porque a mente estará em direto contato com o sofrimento e, por conseguinte, completamente silenciosa em relação a ele, descobrireis, então, que ela dele se libertou. Desde que estejamos em direto contato com o penar, este fato, por si só, dissolve todos os fatores que o produzem, inerentes ao tempo e ao pensamento. E, assim, cessa de todo o sofrer.

Como, agora, compreender essa coisa que chamamos “a morte”, e que tanto nos assusta? O homem tem criado muitas maneiras tortuosas de considerar a morte — divinizando-a, negando-a, apegando-se a inumeráveis crenças, etc. Mas, para compreender a morte, deveis por certo considerá-la de maneira nova; porque em verdade nada sabeis a respeito da morte, sabeis? Podeis ter visto pessoas morrerem e ter observado em vós mesmo ou em outro a aproximação da velhice, com a concomitante deterioração. Sabeis que há o findar da vida física, por velhice, acidente, doença, assassínio ou suicídio, mas não conheceis a morte como conheceis o sexo, a fome, a crueldade, a brutalidade. Ignorais o que é morrer e, enquanto não o souberdes, a morte nenhuma significação terá. O que temeis é uma abstração, algo que não conheceis. Desconhecendo a plenitude da morte, ou o que ela implica, a mente tem-lhe medo — medo do pensamento, e não do fato que ela desconhece.

Vejamos isso com certa profundeza.

Se morrêsseis repentinamente, não teríeis tempo para pensar na morte e temê-la. Mas, há um intervalo entre agora e o momento em que se apresentará a morte, e durante esse intervalo tendes bastante tempo para vos preocupar e para racionalizar. Desejais “transportar” para a próxima vida — se há uma próxima vida — todas as ansiedades e desejos e conhecimentos que tendes acumulado, e, assim, inventais teorias ou credes numa certa espécie de imortalidade. Considerais a morte algo separado da vida. A morte está lá e vós aqui, ocupado em viver — em guiar vosso carro, em ter relações sexuais, em alimentar-se, em exercer vossa atividade, acumular conhecimentos, etc. Não desejais, morrer porque ainda não concluístes o livro que estais escrevendo, ou porque ainda não sabeis tocar violino com “virtuosidade”. Por isso, separais a vida da morte, dizendo: “Agora compreenderei a vida, e oportunamente compreenderei a morte”. Mas, as duas não estão separadas — e eis o que importa compreender em primeiro lugar. A vida e a morte constituem um todo, estão intimamente relacionadas, e não podeis isolar uma delas e procurar compreendê-la separadamente da outra. Isso é o que em regra fazemos. Dividimos a vida em compartimentos estanques. Se sois economista, então a ciência econômica é tudo o que vos interessa, e nada sabeis acerca do resto. Se sois médico especialista de nariz e garganta ou do coração, viveis anos seguidos neste limitado campo de conhecimento e, quando morreis, este é o vosso céu.

Como disse, considerar a vida fragmentariamente é viver em constante confusão, contradição, aflição. Tendes de ver a totalidade da vida; e só se pode ver essa totalidade quando há afeição, quando há amor. O amor é a única revolução que produzirá a ordem. É inútil adquirir constantes conhecimentos de Matemática, Medicina, História, Economia, e depois reunir todos esses fragmentos; isso não resolverá coisa alguma. Sem o amor, a revolução só conduz ao endeusamento do Estado ou à adoração de uma imagem, ou a inumeráveis e tirânicas perversões, e à destruição do homem. Do mesmo modo, quando a mente, medrosa que é, põe a morte à distância, separando-a do viver diário, tal separação só serve para gerar mais medo, mais ansiedade, e uma multiplicidade de teorias a respeito da morte. Para se compreender a morte, é necessário compreender a vida. Mas a vida não é continuidade do pensamento, continuidade essa responsável por todas as nossas aflições.

Assim, pode a mente trazer a morte, da distância em que se acha, para o imediato (o agora)? Entendeis? A morte, com efeito, não se acha em nenhum lugar remoto: ela está aqui e agora. Está presente quando falamos, quando nos divertimos, quando escutamos, quando nos dirigimos ao escritório. Está aqui a cada instante da vida, exatamente como o amor. Percebendo-se esse fato, deixa de haver medo à morte. Tememos, não o desconhecido, porém a perda do conhecido. Tememos perder nossa família, ficar só, sem companheiros; tememos a dor da solidão, ficar privado das experiências, dos haveres acumulados. É o conhecido que temos medo de largar. O conhecido é memória — memória a que nos apegamos. Mas a memória é apenas uma coisa mecânica — como os computadores o provam sobejamente.

Para compreendermos a beleza e a extraordinária natureza da morte, precisamos livrar-nos do conhecido. No morrer para o conhecido, está o começo da compreensão da morte, porque a mente então se torna fresca, nova, e nenhum medo existe; por conseguinte, pode-se entrar naquele estado que se chama “a morte”. Assim, do começo até o fim, a vida e a morte são inseparáveis. O sábio compreende o tempo, o pensamento e o sofrimento, e só ele é capaz de compreender a morte. A mente que morre a cada instante, que não armazena experiência, é imaculada e, por conseguinte, se acha num perene estado de amor.

Desejais fazer perguntas a este respeito, para entrarmos em mais pormenores?


PERGUNTA: Qual a diferença entre o vosso pensar e o pensamento cristão sobre o amor?

KRISHNAMURTI: Sinto não poder dizê-lo. Eu não penso no amor. Não se pode pensar no amor; se o fazeis, não se trata de amor. Como deveis saber, há enorme diferença entre o sexo, e o pensamento a respeito do sexo, que estimula a sensação. A mente que se ocupa da mera satisfação sexual, que pensa no sexo, que se excita por meio de imagens, de figuras, de pensamentos, é de qualidade destrutiva. Já “a outra coisa” (o amor) difere muito: sentimo-la sem a interferência do pensamento. Analogamente, não se pode pensar a respeito do amor, de acordo com o padrão de nossa memória ou conforme o que tendes ouvido dizer: que ele é bom, profano, sagrado, etc. Porque esse pensar não é amor. O amor não é cristão nem hinduísta, não é oriental nem ocidental, não é vosso nem meu. Só quando uma pessoa se liberta de todas essas ideias de nacionalidade, raça, religião, etc. — só então saberá o que é amar.

Vede, estive falando nesta manhã acerca da morte, a fim de bem a compreenderdes — não apenas enquanto estais aqui, neste pavilhão, mas durante a nossa vida — e por conseguinte ficardes livre do sofrimento, livre do medo, e saberdes realmente o que significa morrer. Se agora, e nos dias vindouros, vossa mente não continuar vigilante, ilesa, sã, então o mero escutar de palavras será completamente fútil. Mas, se vos achais profundamente atento, ciente de vossos pensamentos e sentimentos; se não estais interpretando o que diz o orador, porém observando realmente, por vós mesmo, enquanto ele vai descrevendo e penetrando o problema, então, após sairdes daqui, vivereis — não só com exultação, mas também com a morte e o amor.

Krishnamurti, Saanen, 28 de julho de 1964,

A mente sem medo



sexta-feira, 20 de abril de 2018

Viver no presente é viver sem desespero

Viver no presente é viver sem desespero

Estivemos considerando muitos problemas atinentes à nossa vida cotidiana, pois, sem a compreensão desses cotidianos problemas de conflito, avidez, inveja, ambição, agonias do amor — sem a completa compreensão deles, é totalmente impossível a uma pessoa descobrir, por si própria, se algo existe além das coisas construídas pelo cérebro: a "respeitável" moralidade da rotina diária, as invenções das numerosas igrejas do mundo inteiro, o muito óbvio ponto de vista materialista e a atitude intelectual perante a vida.

Ora, a meu ver, todo problema humano que continua a ser "um problema" há de, inevitavelmente, embotar e insensibilizar a mente, porque esta fica a dar voltas e mais voltas, sem conseguir sair de sua confusão e aflição. É, portanto, vitalmente necessário compreender e liquidar cada problema logo que surge. Creio que raros dentre nós compreendemos que qualquer problema humano que não seja imediatamente resolvido confere à mente um senso de continuidade, com infinito conflito, que torna a mente insensível, embotada, estúpida. Este fato precisa ser claramente compreendido; é necessário, igualmente, compreender que não estamos falando com base em nenhum sistema de filosofia, ou considerando a vida segundo determinada linha de pensamento. Como sabeis, temos examinado várias questões — mas não de um ponto de vista oriental ou ocidental. Tratamos de cada problema, não como cristãos ou hinduístas, ou budistas-zen, ou de qualquer outro ponto de vista tendencioso, porém, tão só, como entes humanos racionais, inteligentes, livres de tendências e neuroses.

Desejo apreciar nesta manhã uma questão importante, ou seja a morte — não só a morte do indivíduo, mas também a morte como ideia que vimos mantendo há séculos como problema, sem o termos até hoje resolvido. Há, não só o medo individual à morte, mas também uma monstruosa atitude coletiva em relação à morte — tanto na Ásia como nos países ocidentais — atitude que precisa ser compreendida. Vamos, pois, considerar juntos esta importante questão.

Quando consideramos um vasto e importante problema, as palavras só têm o fim de possibilitar a comunicação, a comunhão entre nós. Mas, as próprias palavras podem facilmente tornar-se um obstáculo, quando se está tentando compreender esta profunda questão da morte, a menos que lhe dispensemos atenção completa e não tratemos, apenas verbal, leviana ou intelectualmente, de descobrir uma razão para sua existência.

Antes, ou mesmo no mecanismo de compreender essa coisa extraordinária chamada a morte, teremos também de compreender o significado do tempo, outro fator importante em nossa vida. O pensamento cria o tempo, e o tempo controla e modela nosso pensamento. Estou empregando a palavra "tempo", não apenas no sentido cronológico — ontem, hoje e amanhã — mas também no sentido psicológico — o tempo que o pensamento inventou, para alcançar, realizar, adiar. Ambos (o tempo cronológico e o tempo psicológico) são fatores em nossa vida, não? Precisamos estar apercebidos do tempo cronológico, pois de outro modo não poderíamos reunir-nos aqui às onze horas. O tempo cronológico é evidentemente necessário, nos eventos de nossa vida; esta é uma questão simples e clara, que não há necessidade de examinarmos muito profundamente. Assim, o que temos de explorar, discutir e compreender é o mecanismo psicológico que chamamos "tempo".

Por favor, como tenho dito em cada uma de nossas reuniões, se vos limitardes a escutar as palavras, acho que não poderemos ir muito longe. Em geral, somos escravos das palavras e dos conceitos ou fórmulas resultantes de combinações de palavras. Não façais pouco caso disto, pois cada um de nós tem sua fórmula, conceito, ideia, ideal — racional, irracional, ou neurótico — em conformidade com o qual estamos vivendo. A mente se está orientando por um certo padrão, uma determinada série de palavras, combinadas em conceito ou fórmula. Isto é verdade em relação a cada um de nós, e não vos enganeis a esse respeito — existe uma ideia, um padrão segundo o qual estamos moldando nossa vida. Mas, se desejamos compreender esta questão da morte e da vida, têm de desaparecer definitivamente todas as fórmulas, padrões e "ideações" — que só existem porque não compreendemos o viver. O homem que está vivendo total e completamente, sem medo, nenhuma ideia tem a respeito do viver. Sua ação é pensamento, e seu pensamento é ação; não são duas coisas separadas. Mas, porque tememos a coisa chamada "morte", separamo-la da vida; colocamos a vida e a morte em dais compartimentos estanques, separados por largo espaço, e vivemos em conformidade com a palavra, a fórmula do passado, a tradição do que foi; e a mente que se acha enredada nesse mecanismo nunca terá a possibilidade de ver todas as implicações da morte, e da vida, nem tampouco de compreender o que é a verdade.

Se, investigando junto comigo esta questão, a estais investigando como cristão, budista, hinduísta, ou o que quer que seja, vos vereis completamente confusos. E se, para esta investigação, trouxerdes o resíduo de vossas numerosas experiências, o conhecimento adquirido dos livros e de outras pessoas, também assim não só ficareis desapontados, mas também algo confusos. O homem que realmente deseja investigar, deve estar, em primeiro lugar, livre de todas estas coisas, que constituem seu background, seu cabedal — e aí se encontra nossa maior dificuldade. Precisamos libertar-nos do passado, mas não como reação, porque, sem essa liberdade, não é possível descobrir-se nada novo. A compreensão é liberdade. Mas, como disse há dias, mui poucos de nós desejamos ser livres. Preferimos viver numa protetora estrutura construída por nós mesmos ou pela sociedade. Toda perturbação que se verifica dentro desse padrão causa-nos grande inquietação, e, a ver-nos perturbados, preferimos uma vida de negligência, morte e declínio.

Para investigarmos esta imensa questão da morte, não só devemos estar apercebidos, sem escolha, de nossa escravidão às fórmulas, aos conceitos, mas também de nossos temores, nosso desejo de continuidade, etc. Para investigar, é necessário chegar-nos ao problema de maneira nova. Notai por favor, que isto é muito importante. A mente deve estar lúcida e não embargada por nenhum conceito ou ideia, para podermos examinar uma coisa tão extraordinária, como deve ser a morte. A morte deve ser algo extraordinário, e não essa coisa que procuramos "enganar" e que tanto tememos.

Psicologicamente, somos escravos do tempo — que é a memória de ontem, do passado, com todo o seu acúmulo de experiências; não só nossa memória como pessoa particular, mas também a memória do "coletivo", da raça, do homem através das idades. O passado se constitui dos sofrimentos do homem, individuais e coletivos, de suas aflições, alegrias, sua tremenda luta com a vida, com a morte, com a verdade, com a sociedade. Tudo isso é o passado — o "ontem" milhares de vezes multiplicado; e, para quase todos nós, o presente é o movimento do passado para o futuro. Não há essas divisões rigorosas de passado, presente e futuro. O que foi, modificado pelo presente, é o que será. Isso é tudo o que sabemos. O futuro é o passado, modificado pelos acidentes do presente; o amanhã é o ontem, remodelado pelas experiências, as reações e o conhecimento de hoje. É a isso que chamamos "tempo".

O tempo é coisa que foi construída pelo cérebro, e este, a seu turno, é resultado do tempo, de milhares de dias passados. Todo pensamento é resultado do tempo, reação da memória de ontem, das ânsias, frustrações, fracassos, sofrimentos, iminentes perigos; e com esse fundo consideramos a vida, consideramos todas as coisas. Se há Deus, se não há, qual a função do Estado, a natureza das relações, como superarmos ou ajustarmo-nos ao ciúme, à ansiedade, ao sentimento de culpa, ao desespero, ao sofrimento — todas estas questões consideramos com aquele fundo temporal.

Ora, o que quer, que consideremos com esse fundo, se desfigura; e quando é muito grande a crise que nos exige atenção e a olhamos com os olhos do passado, atuamos neuroticamente, como o faz a maioria de nós, ou construímos para nós mesmos uma muralha de resistência a ela (a crise). Tal é o inteiro mecanismo de nossa vida.

Notai, por favor, que estou expondo tudo isso verbalmente, mas se olhardes apenas as palavras e não observardes vosso próprio mecanismo de pensar — e isso significa vos verdes tais como sois — então, não levareis, ao sairdes daqui, nesta manhã, uma compreensão completa da morte; e essa compreensão é necessária, para que possais ficar livres do medo e ingressar numa esfera completamente diferente.

Como vimos, estamos perenemente traduzindo o presente em termos do passado, e desse modo conferindo continuidade ao que foi. Para a maioria de nós, o presente é a continuação do passado. Encontramo-nos com os sucessos diários de nossa vida — que têm sempre sua novidade, seu significado — com o peso morto do passado, criando dessa maneira aquilo que denominamos "futuro". Se tiverdes observado vossa própria mente, não apenas a consciente, mas também a inconsciente, sabereis que ela é o passado, que nela nada existe de novo, nada que não esteja corrompido pelo passado, pelo tempo. E há aquilo que chamamos "o presente". Existe um presente não contaminado pelo passado? Existe presente que não condicione o futuro?

Provavelmente nunca pensastes nisto, e teremos de examiná-lo um pouquinho. Em geral, só queremos viver no presente, porque o passado é tão pesado, tão oneroso, tão inesgotável, e o futuro tão incerto. A mente moderna diz: "Vivei completamente no presente. Não vos preocupeis com o que irá acontecer amanhã, porém vivei para hoje. A vida, de qualquer maneira, é tão aflitiva, e já nos bastam os males de um só dia; portanto, vivei cada dia completamente, e esquecei tudo o mais". Isso, obviamente, é uma filosofia do desespero.

Ora, é possível viver-se no presente sem se trazer para ele o tempo, que é o passado? Decerto, só podeis viver nessa totalidade do presente quando compreendeis a totalidade do passado. Morrer para o tempo é viver no presente; e só se pode viver no presente após compreender-se o passado — e que significa que devemos compreender nossa própria mente, não apenas a mente consciente, que frequenta diariamente o escritório, que acumula conhecimentos e experiência, que tem reações superficiais, etc., mas também a mente inconsciente, na qual estão sepultadas as tradições acumuladas, da família, do grupo, da raça. Sepultado no inconsciente se acha também o imenso sofrer do homem e o medo à morte. Tudo isso é o passado, que sois vós mesmo — e deveis compreendê-lo. Se o não tiverdes compreendido; se não tiverdes investigado os movimentos de vossa própria mente e coração, de vossa avidez e sofrimento; se não vos conhecerdes completamente, não podereis viver no presente. Viver no presente é morrer para o passado. No mecanismo de compreensão de vós mesmo vos tornais livre do passado, que constitui vosso condicionamento — vosso condicionamento de comunista, de católico, protestante, hinduísta, budista, o condicionamento que vos foi imposto pela sociedade, e por vossa própria avidez, inveja, ânsias, desesperos, pesares e frustrações. É vosso condicionamento que dá continuidade ao "eu", ao "ego".

Como outro dia apontei, se não conheceis a vós mesmo — tanto vossos estados conscientes como os inconscientes toda a vossa investigação se desviará, receberá uma tendência. Não tereis base para o pensar racional, claro, lógico, são. Vosso pensar seguirá um certo padrão, uma certa fórmula ou sistema de ideias — mas isso não constitui o pensar verdadeiro. Para se pensar lúcida e logicamente, sem se tornar neurótico, sem se deixar prender a nenhuma forma de ilusão, é necessário compreender todo esse mecanismo da própria consciência, construído pelo tempo, pelo passado. Mas, pode-se viver sem o passado? Isso, por certo, é morte. Entendeis? Voltaremos à questão do presente, após vermos, por nós mesmos o que é a morte.

Que é a morte? Eis uma pergunta que interessa a moços e velhos; portanto, fazei-a a vós mesmo. A morte significa apenas o findar do organismo físico? É disso que temos medo? É nosso corpo que desejamos continue a existir? Ou é por uma outra forma de continuidade que ansiamos? Todos percebemos que o corpo, a entidade física se gasta pelo uso, por ação de várias pressões, influências, conflitos, ânsias, exigências, sofrimentos. Alguns provavelmente gostariam se se pudesse fazer o corpo durar cento e cinquenta anos ou mais, e é possível que os médicos e cientistas possam, juntos, encontrar afinal alguma maneira de prolongar a agonia em que em regra vivemos. Mas, mais cedo ou mais tarde, o corpo morre, o organismo físico chega a seu fim. Como qualquer máquina, acaba por desgastar-se.

Para a maioria de nós, a morte é algo muito mais profundo do que o findar do corpo, e todas as religiões prometem uma certa espécie de vida além da morte. Ansiamos por uma continuidade; queremos uma garantia de que algo subsistirá após a morte do corpo. Esperamos que a psique, o ego — esse ego que muito experimentou, lutou, adquiriu, aprendeu, sofreu, gozou; esse ego que no Ocidente se chama "alma" e que tem outro nome no Oriente — esperamos que esse ego subsista. Assim, o que nos interessa é a continuidade, e não a morte. Não queremos saber o que é a morte; não querermos conhecer o extraordinário milagre, a beleza, a profundeza, a vastidão da morte. Não desejamos investigar essa coisa que desconhecemos. O que queremos é só — subsistir. Dizemos: "Eu, que vivo há quarenta, sessenta, oitenta anos; eu, que tenho minha casa, minha família, meus filhos e netos; eu, que há tantos anos frequento diariamente o escritório; eu, com minhas contendas e apetites sexuais — quero continuar a viver." Só isso nos interessa. Sabemos que há morte, que é inevitável o findar do corpo físico e, por conseguinte, dizemos: "Preciso de uma garantia da continuidade de mim mesmo após a morte". Eis porque temos crenças, dogmas, ressurreição, reencarnação — mil-e-uma maneiras de fugir à realidade da morte; e, quando nos vemos em guerra, erguemos cruzes em intenção dos desventurados que tombaram. Essa coisa vem acontecendo há milênios.

Ora, em verdade nunca nos aplicamos de corpo e alma a investigar o que é a morte. Dela só nos abeiramos com a condição de nos ser garantida a continuidade numa vida futura. Dizemos: "Desejo que o "conhecido" continue existente" — e esse "conhecido" são nossas qualidades, nossas capacidades, a lembrança de nossas experiências, de nossas lutas, preenchimentos, frustrações, ambições; e, também, nosso nome e nossas posses. Tudo isso é o "conhecido", que desejamos continue a existir todo inteiro. Uma vez nos seja dada a certeza dessa continuidade, talvez então desejemos investigar o que é a morte e se existe o "desconhecido" — que deve ser algo maravilhoso que cumpre descobrir.

Estais vendo, pois, a dificuldade. O que desejamos é a continuidade, e nunca perguntamos a nós mesmos o que é que constitui a continuidade, que dá origem a essa cadeia, esse movimento da continuidade. Se observardes bem, vereis que é o pensamento, e nada mais, que nos dá a noção da continuidade. Por meio do pensamento vos identificais com vossa família, vossa casa, vossos quadros ou poesias, com vosso caráter, vossas frustrações, vossas alegrias. Quanto mais pensais num dado problema, tanto mais fortaleceis a raiz e a continuidade desse problema. Se gostais de alguém, pensais nessa pessoa, e esse próprio pensamento dá a noção de continuidade no tempo. É claro que deveis pensar; mas sois capaz de pensar momentaneamente e depois abandonar o pensamento? Se não dissésseis: "Eu gosto disso, é coisa minha — é meu quadro, uma expressão de minha personalidade, meu Deus, minha mulher, minha virtude — e quero conservá-lo" — se não dissésseis tal coisa, não teríeis nenhum sentimento de continuidade no tempo. Mas, nunca pensais em cada problema de maneira clara e completa. Há sempre o prazer que desejais conservar, e a dor de que desejais livrar-vos, o que significa que pensais em ambas essas coisas; e, assim, o pensamento dá continuidade a ambas. O que chamamos "pensamento" é reação da memória, da associação — essencialmente a mesma coisa que a "reação" de um computador; e chegastes ao ponto em que, por vós mesmo, percebeis a verdade disso.

Em geral, não desejamos descobrir por nós mesmos o que é a morte; pelo contrário, desejamos continuar a existir no "conhecido". Se morre meu irmão, meu filho, minha mulher ou marido, fico aflito, sozinho, a lastimar-me, sendo isso o que chamo "sofrimento", e sigo vivendo nesse perturbado, confuso, lastimável estado. Separo a morte da vida, desta vida de disputas, amarguras, desespero, desilusões, frustrações, humilhações, insultos, porque esta é a vida que conheço, e a morte eu desconheço. A crença e o dogma me satisfazem, até morrer; e é isso o que em geral, nos acontece.

Ora, esse senso de continuidade que o pensamento dá á consciência é inteiramente superficial, como se pode ver. Nele, não há nada de misterioso ou de nobilitante; e, ao compreenderdes o seu total significado, pensareis, quando necessário, clara, lógica, sãmente, sem sentimentalismo, sem a constante ânsia de preenchimento, de ser ou vir a ser alguém. Sabereis, então, viver no presente; e viver no presente significa morrer de momento a momento. Sereis então capaz de investigar porque vossa mente, nada temendo, não tem ilusões. Ser sem ilusões é absolutamente necessário, e só há ilusões enquanto existe medo. Não havendo medo, não há ilusão. Nasce a ilusão quando o medo se enraíza na segurança — segurança, na forma de determinada relação, de uma casa, uma crença, ou na forma de posição e de prestígio. O medo cria a ilusão. Enquanto existir o medo, a mente estará enredada em várias formas de ilusão e, por conseguinte, nenhuma possibilidade terá de compreender a morte.

Vamos agora investigar o que é a morte — eu, pelo menos, o vou investigar, expor; mas vós só compreendereis a morte, só podereis com ela viver completamente, conhecer-lhe a profundeza, o significado pleno, quando não tiverdes medo e, por conseguinte, nenhuma ilusão. Estar livre do medo é estar vivendo completamente no presente, e isso significa que não se está funcionando mecanicamente no hábito da memória. De modo geral, estamos interessados na reencarnação, ou em saber se continuaremos a viver após a morte do corpo — e tudo isso é muito fútil. Já compreendemos a futilidade desse desejo de continuidade? Percebemos que é, cinicamente, o "mecanismo" do pensar, a máquina do pensamento, que exige continuidade? Uma vez tenhais percebido esse fato, compreendereis a extrema superficialidade, a estupidez de tal exigência. O "eu" subsiste após a morte? Que importa isso? E que é esse "eu" que desejais continue existente? Vossos prazeres e sonhos, vossas esperanças, desesperos e alegrias, vossas posses e o nome de que sois portador, vosso insignificante caráter e o conhecimento que adquiristes em vossa vida angustiada, estreita, conhecimento que foi acrescentado pelos professores, pelos literatos, pelos artistas. E isso que desejais subsista, só isso.

Ora, quer sejais velho, quer moço, tendes de acabar com tudo isso — extirpá-lo radicalmente, "cirurgicamente", à maneira do operador com seu bisturi. A mente se torna então sem ilusão e sem medo; por conseguinte, é capaz de observar e de compreender o que é a morte. O medo existe por causa do nosso desejo de conservar o "conhecido". O "conhecido" é o passado vivente no presente e a modificar o futuro. Assim é nossa vida, dia após dia, ano após ano, até morrermos; e como pode essa mente compreender aquilo que não tem "tempo", que não tem "motivo", que é totalmente desconhecido?

Compreendeis? A vida é o desconhecido, e vós tendes ideias a respeito dela. Evitais encarar a morte, ou tratais de racionalizá-la, dizendo-a inevitável; ou tendes uma crença que vos dá consolo, esperança. Mas, só a mente amadurecida, a mente sem medo, sem ilusão, e sem essa estúpida busca de "auto-expressão" e de continuidade — só essa mente pode observar e descobrir o que é a morte, já que sabe viver no presente.

Prestai atenção a isto, por favor: Viver no presente é viver sem desespero, porque não há apego ao passado, nem esperança para o futuro; por conseguinte, a mente diz: "O hoje me basta". Ela não foge ao passado, nem fecha os olhos ao futuro, porém compreendeu a totalidade da consciência, que não é só individual, mas também coletiva, e, por conseguinte, não existe nenhum "eu" separado da multidão. Com a compreensão total de si própria, compreendeu a mente tanto o "particular" como o "universal"; por conseguinte, rejeitou a ambição, o preconceito, o prestígio social. Tudo isso desapareceu da mente que está vivendo toda no presente e, por conseguinte, morrendo, a cada minuto do dia, para tudo o que se torna conhecido. Vereis, então, se tiverdes chegado até ai, que a morte e a vida são uma só coisa. Estais vivendo totalmente no presente, completamente atento, sem escolha, sem esforço. A mente está sempre vazia, e desse vazio vós olhais, observais, compreendeis, e, por conseguinte, viver é morrer. O que tem continuidade nunca pode ser criador. Só o que finda pode saber o que é criar. Quando a vida é também morte, existe a Verdade, há criação; porque a morte é o desconhecido, como o são a Verdade e o Amor.

Desejais fazer perguntas e debater sobre o que estivemos dizendo nesta manhã?

PERGUNTA: Morrer é ato de vontade, ou é o próprio desconhecido?

KRISHNAMURTI: Senhor, já morrestes, alguma vez, para vosso prazer — morrestes para ele, simplesmente, sem argumentar, sem reagir, sem procurar criar condições especiais, sem perguntar de que maneira abandoná-lo ou porque deveis abandoná-lo? Tereis de fazer isto ao morrerdes fisicamente, não é verdade? Com a morte não se discute. Não se pode dizer à morte: "Dai-me mais alguns dias de vida". Não há esforço de vontade no morrer — morremos, pura e simplesmente. Ou já morrestes alguma vez para vossos desesperos, ambições — abandonando tudo isso, simplesmente, pondo-o de lado, como a folha que morre no outono, sem nenhuma batalha da vontade, nem ansiedade sobre o que vos irá suceder se o fizerdes? Já fizestes isso? Parece-me que não. Quando sairdes daqui, morrei para algo a que estais apegado — vosso hábito de fumar, vosso apetite sexual, vossa ânsia de ser famoso, como artista, como poeta, como isto ou aquilo. Abandonai isso, simplesmente, varrei-o para o lado, como o farteis com qualquer coisa estúpida — sem esforço, sem escolha, sem decisão. Se vosso morrer for total — e não apenas o desistir de fumar cigarros ou de beber — de que fazeis um problema tremendo — sabereis o que significa viver no momento presente — supremamente, sem nenhum esforço, com todo o vosso ser; e então, talvez, uma porta se vos abrirá para o Desconhecido.

Krishnamurti, Saanen, 21 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho

quinta-feira, 19 de abril de 2018

O amor não pode ser separado do sofrimento


O amor não pode ser separado do sofrimento

[...] Para a maioria de nós, a morte é o fulcro do medo. Tememos a morte e, por essa razão, nunca lhe compreendemos o imenso significado. O medo, invariavelmente, deforma a percepção, faz-nos fugir àquilo que tememos; e quando fugimos do fato que é a morte ou ficamos acabrunhados de dor pela morte de um amigo, é-nos impossível aprofundar ou compreender, no seu todo, o problema da morte.

Já discorremos sobre o medo e o sofrimento e penso que devemos estar agora aptos a considerar sensata e profundamente este problema da morte. Como já salientei, o amor, o sofrimento e a morte “andam juntos”, são inseparáveis. Isto não é mero conceito filosófico — não estou “fazendo filosofia”. Mas, se vos investigardes com profundeza, vereis que o amor não pode ser separado do sofrimento e o sofrimento não pode desligar-se da morte, pois os três, na realidade, são um só todo. Também não há nenhuma possibilidade de se compreender a beleza e a imensidão da morte, se existe qualquer vestígio de temor.

Para compreendermos a morte, acho que devemos examinar a questão do pensar negativo e da renúncia. Porém, não tomeis isso por algo teórico, impraticável. É a mente indolente que tudo rejeita como teórico, ou o reduz a um sistema ou padrão de ação, perdendo, assim, a essência real, o significado profundo do que estou dizendo. Eis porque vos peço que escuteis de espírito aberto, amigavelmente, sem concordar nem discordar, sem nenhum motivo. Se formos capazes de escutar com calma e prazer, sem motivo algum, o problema da morte, então talvez apreendamos o pleno significado dessa coisa imensa que está à nossa espera.

Primeiramente, gostaria de considerar junto convosco isso a que se pode chamar “pensamento negativo”. Bem poucos são os que pensam negativamente, e o pensar negativo é a mais elevada forma de pensamento; é ver o falso como falso, ver o que é verdadeiro no falso, e ver o que é verdadeiro na verdade. Não podemos ver o que é falso, se meramente consideramos o falso como oposto do verdadeiro; só podemos ver o que é falso quando não há nenhum contraste, nenhuma comparação. O contraste e a comparação nascem do pensar positivo. Se desejo compreender meu filho, por exemplo, tenho de desistir de comparar; devo olhá-lo assim como é. Se o considero em termos de aprovação ou reprovação — e tanto uma como outra coisa se baseiam na minha aceitação de um padrão estabelecido pela tradição, pela experiência, pela opinião, etc. — nesse caso, o chamado pensamento positivo e a chamada ação positiva me impedem a compreensão. Só podemos compreender quando não há comparação, nem julgamento, mas a simples percepção do fato real; e essa percepção é pensar negativo.

Desejaria explicar um pouco mais esse pensar negativo, porque, para percebermos sua extraordinária beleza e vitalidade, precisamos em primeiro lugar compreender o estado da mente que se acha livre do “conhecido”. Cumpre escutar o que se está dizendo, não como se fosse uma exposição filosófica, ou um sistema que deveis seguir, porém escutá-lo para descobrirdes, por vós mesmo, a verdade contida na questão. Aí sentados, como estais, experimentai realmente o que se está dizendo. Não deixeis para pensar nisso posteriormente — “posteriormente” não significa nada. Para o compreenderdes tendes de vivê-lo agora, no momento presente.

Falei do “pensar negativo” e disse ser a mais elevada forma de pensamento. Nós, em geral, nunca nos achamos num estado no qual digamos “Não sei” — a não ser num sentido muito superficial. Há dois estados de “não saber”. Num deles, a mente diz “Não sei”, mas espera ou procura uma resposta. Nesse estado a mente traduz o que encontra conforme seu próprio fundo ou condicionamento. No escutar, peço-vos experimenteis convosco, para verdes que realmente é assim. Mas há um outro estado em que a mente diz: “Não sei”, e não espera nem procura resposta nenhuma. Está ela, então, completamente vazia, seu estado é de negação total, e só para essa mente é que pode despontar aquela coisa extraordinária denominada “criação”.

Espero ter esclarecido bem os dois estados: o da mente positiva, que diz: “Não sei”, mas quer saber, e o da mente que diz “não sei” e nenhuma resposta está procurando. Em regra, é-nos extremamente difícil acharmo-nos no estado de “não saber”, em que não se procura resposta, porque não gostamos da incerteza. Mas a mente que tem certeza está ainda enredada no “conhecido”, e é necessário estarmos completamente livres do conhecido para compreendermos o incognoscível, que é a morte. Vejamos, pois, o que se implica na negação da “vida do conhecido”.

Para a maioria de nós, a vida é conflito, dor. Há luta incessante, efêmera alegria, muitas pressões e tensões, um fundo de memória acumulada que “responde” a cada desafio, e cuja resposta é sempre inadequada. Há o preenchimento e o sofrimento decorrente do não preenchimento; há avidez, inveja, cólera, ódio, angústia; há o denominado “amor”, uma chama toda envolta na fumaceira do apego, da dependência, do ciúme. O tédio de ir para o emprego diariamente, a familiaridade e o desdém existentes em nossas relações, a constante “corrente subterrânea” do medo — eis a nossa vida, para a qual desejamos continuidade. Nossa vida cotidiana se tornou um hábito. Ela é superficial, vazia, e procuramos preencher esse vazio com crenças e dogmas religiosos, com santos, salvadores, mestres. Nossa vida, com seus apetites sexuais, sua ânsia de fama, seu desejo de conforto, poder, posição, prestígio — é um círculo fechado de esperança e desespero. Eis tudo o que conhecemos; e quando a morte chega, tememos deixar o “conhecido”, deixar esta nossa insignificante vida, porque com ela estamos tão acostumados! Eis porque há conflito entre o viver e o morrer. As posses a que estamos apegados, nosso dinheiro, nossa casa, nossa família, nosso nome, nosso caráter, nossa experiência, nossa lembrança das coisas que fizemos e que não fizemos — tudo isso constitui o “conhecido” e, quando se aproxima a morte, temos medo de deixá-lo. Queremos a continuidade de todas as insignificâncias que conhecemos.

Ora bem. Podeis ter ideias, teorias, a respeito da reencarnação, da ressurreição, ou podeis estar apegados a alguma outra crença, mas a morte é o fim da “vida do conhecido”; e o mais importante é rejeitarmos a “vida do conhecido” — rejeitá-la sem motivo algum. Por “vida do conhecido” entendo nossa vida de mesquinhez, ciúmes, nossa ambição, nossa avidez. Temos de rejeitar totalmente essa vida, cortá-la pela raiz, mas sem haver motivo algum para fazê-lo; porque, se temos algum motivo, esse próprio motivo dá continuidade à “vida do conhecido” e, por consequência, não há possibilidade de se experimentar a extraordinária profundeza da morte.

Em geral, é com amargor que chegamos ao “fim do conhecido”; chegamos ao fim de nosso cativeiro, cheios de ansiedade e medo. Não morremos felizes, calmos, belamente. A ideia da morte nos põe num estado de desespero e, por essa razão, se somos sutis, inventamos uma filosofia do desespero, ou recorremos à “filosofia da esperança”, como o faz a maioria das pessoas chamadas religiosas. Ora, o relevante é rejeitarmos tudo isso por o termos compreendido, quer dizer, rejeitarmos, sem qualquer razão, a vida que conhecemos; e veremos, então, que nossa mente se achará num estado em que começará a libertar-se do “conhecido”. Essa é uma das coisas que precisamos fazer, a fim de podermos compreender a imensidade e a potência criadora da morte.

E agora consideremos a questão do tempo. Há tempo cronológico e tempo psicológico. Não estou falando do tempo cronológico, do tempo marcado pelo badalar do sino daquela igreja. Refiro-me à terminação do tempo psicológico, e essa terminação só pode verificar-se quando a mente não está buscando, obtendo, “chegando”; compreendeu inteiramente esse “mecanismo” e, por conseguinte, não há o amanhã como resultado das experiências de hoje.

O tempo em cujo decurso vamos para o emprego, nos dirigimos a um encontro com alguém, tomamos um ônibus, etc., é coisa completamente diferente do tempo psicológico, que formamos com a esperança; eu não sei, mas saberei; estou enraivecido, mas me encontrarei finalmente num estado de paz; sou nacionalista, estreito, fanático, mas o tempo gradualmente trará a libertação desse estado de mediocridade. O tempo, a mente o utiliza para mover-se, psicologicamente, daqui para ali. E enquanto existir em cada um de nós esse tempo psicológico, não haverá possibilidade de compreendermos o que é a morte.

Para compreender o que é a morte, a mente deve estar completamente livre do medo. Deve achar-se num estado em que diz para si própria: “Eu não sei” — e não procura nem deseja resposta alguma. Esse é o estado livre do conhecido. Significa que a mente já não busca, psicologicamente, preparar-se para, através do tempo, “vir a ser alguma coisa”. Vereis, então, se aí chegardes, que toda ideia de continuidade cessa por inteiro. Morre a mente para todas as suas insignificantes ansiedades, apetites, invejas, vaidades — morre para tudo isso imediatamente, e nesse morrer nenhuma ideia existe de continuidade. Só quando há um fim, pode haver um novo começo. Com o “fim do passado”, desponta algo totalmente novo.

O que chamamos “pensamento” dá à mente a ideia da continuidade — e eis o que é “tempo psicológico”, porquanto todo pensamento resulta de nosso condicionamento, nossa memória, nossa experiência. Todo desafio provoca uma “resposta” desse fundo, e essa resposta é o pensamento “em ação”, por conseguinte, não há espontaneidade, jamais há “resposta” que esteja livre do passado. Mas, quando tem fim o nosso pensamento, nossa avidez, nossa inveja, nossa ambição e sede de poder, toda a estrutura psicológica da sociedade, que constitui o “eu” — quando tudo isso termina, sem motivo algum, a mente se acha num estado de “não saber”, completamente vazia; e só então há morte.

Que sucede, na realidade, quando morreis fisicamente? Deixais tudo para trás; nada podeis levar convosco. Não importa quantos motivos tenhais para viver, com a morte não se discute. Não podeis dizer à morte: “Ainda preciso fazer isto e aquilo, dai-me mais um mês, mais um ano”. Quando a morte chega, ela lá está, absoluta, peremptória. Podeis crer na reencarnação ou noutra forma de ressurreição, no futuro, mas todas as crenças são irrelevantes ao terdes pela frente o fato da morte. E se, interiormente, morrerdes para a estrutura psicológica da sociedade, para todas as acumulações do passado, podereis ver que a morte é criação — não a criação do escritor, do músico, do pintor, do cientista, porém criação que não tem começo nem fim. E, se não estamos nesse estado de criação, que é morte, que é amor, nossa vida pouco significa.

Por conseguinte, não tomeis o que estou dizendo por uma certa filosofia lógica ou superlógica, mas penetrai realmente em vós mesmo, compreendendo-vos completamente. Negai totalmente tudo o que até agora considerastes vida — vossas experiências, vossa ambição, vossa avidez, vossa inveja — e vereis que nesse findar se encontra uma morte que é “criação atemporal” e que, se desejardes dar-lhe nome diferente, se pode chamar “Deus”, o “imensurável”, o “desconhecido”.

Krishnamurti, Saanen, 7 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Sobre o pensar amadurecido

Sobre o pensar amadurecido

Hoje vou apreciar a questão da morte. Apreciá-la-ei em conexão com a velhice e a madureza mental, o tempo e a negação, que é amor. Mas, antes de começar, devemos perceber claramente e compreender a fundo, que o medo, em qualquer de suas formas, perverte e cria a ilusão, e que o sofrimento embota a mente. A mente embotada, a que se acha enredada em qualquer espécie de ilusão, nenhuma possibilidade tem de entender a extraordinária questão da morte. Nós buscamos abrigo na ilusão, na fantasia, no mito, em ficções de todo o gênero. E a mente que de tal maneira se deixou embotar não pode de modo nenhum compreender essa coisa que se chama “a morte”; tampouco pode alcançá-la a mente embotada pelo sofrimento — conforme explicamos em palestra anterior.

A questão do medo e do sofrimento não admite filosofar, nem fugir. Ela nos acompanha como nossa sombra, e temos de compreendê-la direta e imediatamente. Não podemos “transportá-la” de dia para dia, por mais profundo que nos pareça ser o penar ou o temor; quer consciente, quer inconsciente, o medo tem de ser prontamente compreendido. A compreensão é imediata; não vem no decorrer do tempo. Não deriva do contínuo investigar, buscar, indagar, exigir. Ou vedes tudo, completamente, “num clarão”, ou nada vedes. Já tratei disto suficientemente nas duas palestras precedentes, em que estivemos considerando o medo e o sofrimento.

Nesta tarde desejo examinar essa coisa chamada “morte” — tão familiar a todos nós. Temo-la observado, temo-la visto, mas nunca a experimentamos; nunca tivemos oportunidade de transpor os umbrais da morte. Ela deve ser um estado extraordinário. Desejo examiná-la, não sentimentalmente ou romanticamente, não com um conjunto de crenças organizadas, porém em sua realidade, como um fato: tomar conhecimento dela assim como tomo conhecimento do grasnar daquele corvo que está pousado na mangueira — da mesma maneira concreta. Mas, para perceberdes uma coisa concretamente, deveis ouvir com a mesma atenção com que ouvis aquela ave; não fazeis esforço algum, mas estais ouvindo. Não dizeis “Que corvo importuno! Preciso escutar o que alguém está dizendo”; mas ouvis a ave e também o que se está dizendo. Mas, quando quereis ouvir apenas o orador e resistir à ave e ao barulho que faz, não ficais ouvindo nem a ave nem o orador. E é de supor que seja isso o que acontece com a maioria de vós quando desejais escutar alguém falar sobre um complexo e profundo problema.

Em maioria, nunca aplicamos nossa mente de maneira total, completa. Nunca “viajastes” com um pensamento até o seu final. Jamais vos entretivestes com uma ideia, para verdes todo o seu conteúdo e ultrapassá-la. Por isso, será muito difícil, para vós, o que vou dizer, se não prestardes atenção, isto é, se não escutardes sem esforço, com prazer, graciosamente, despreocupadamente. É coisa dificílima para a maioria de nós: escutar. Porque estamos sempre traduzindo, sem escutar verdadeiramente o que se diz.

Desejo considerar a morte como um fato — não vossa morte, nem minha morte, nem a morte de alguém, alguém de quem gostais ou de quem não gostais: a morte como problema. Como sabeis, somos governados pelas imagens, pelos símbolos; os símbolos têm para nós desmedida importância, tornaram-se mais “reais” do que a própria realidade. Se começo a falar sobre a morte, pensais logo em alguém que perdestes, e isso vos impede de olhar o fato. Vou apreciar esta questão de diferentes pontos de acesso — não simplesmente o que é a morte e o que há após a morte; estas são perguntas de todo infantis. Quando se compreende que a morte implica algo verdadeiramente extraordinário, não se faz a pergunta “Que há depois da morte?” Assim, é necessário considerar o que é a madureza. Uma mente amadurecida nunca perguntará: “que há após a morte, há uma vida futura, uma continuidade?”

Tratemos, pois, de compreender o que é o pensar amadurecido, o que é madureza e o que é velhice.

A maioria de nós sabe o que é a velhice, pois, quer nos agrade, quer não, todos envelhecemos. Velhice não significa madureza. A madureza mental nenhuma relação tem com o saber. A velhice poderá conter o saber, e não conter a madureza. E poderá continuar cultivando seus conhecimentos e tradições. A idade é um processo mecânico do organismo que envelhece pelo uso constante. Todo corpo que se gasta constantemente, em lutas, agitações, sofrimentos, medo — depressa envelhece, tal qual uma máquina. Mas o organismo envelhecido não constitui a mente amadurecida. Temos, pois, de compreender a diferença entre velhice e madureza.

Em geral, nascemos jovens; mas a geração que envelheceu não tarda a tornar velhos os jovens. A geração precedente, envelhecida no saber, na dissipação, na discórdia, no sofrimento, no temor, exerce sua influência nos moços e, depois, como já é velha na idade, desaparece. Tal é a sina de cada geração que fica tolhida pela estrutura social da geração anterior. A sociedade não cria uma pessoa nova, uma nova entidade: quer que ela seja respeitável e, por conseguinte, molda-a, dá-lhe a forma desejada, destruindo, assim, o frescor, a inocência da mocidade. É isso o que estamos fazendo com todos os jovens, aqui e no mundo inteiro. E esses jovens, ao alcançarem a virilidade, já estão velhos; nunca amadurecerão.

A madureza requer a destruição da sociedade, isto é, da estrutura psicológica social. A menos que sejais duros com vós mesmo, a menos que estejais completamente libertado da sociedade, nunca amadurecereis. A estrutura social — essa estrutura psicológica de avidez, inveja, poder, posição, obediência — se dela não vos libertardes de todo, psicologicamente, nunca sereis um ente amadurecido. E vós necessitais de uma mente madura. A mente que em sua madureza está só, a mente que não está sendo mutilada, maculada, e que nenhuma carga leva — só essa é a mente madura.

E deveis compreender isto: a madureza não depende do tempo. Se claramente perceberdes, sem nenhuma desfiguração, a estrutura psicológica da sociedade em que nascestes, em que estais sendo criado, educado, então, no mesmo instante dessa percepção, estareis livre dela. A madureza vem instantaneamente, e não no decorrer do tempo. Não podeis amadurecer como o fruto na árvore. O fruto necessita de tempo, de sombra, luz, de ar puro, de chuva; e, nesse “processo”, ele amadurece, prepara-se para cair. Mas a madureza não “amadurece”: é instantânea; ou estais maduro ou não estais. Eis porque tanto releva, psicologicamente, perceber como vossa mente está tolhida na estrutura psicológica da sociedade em que fostes educado, da sociedade que vos fez respeitável, que vos obrigou a ajustar-vos, que vos impôs o padrão de suas atividades.

Acho que é possível ver, total e imediatamente, a natureza venenosa da sociedade, assim como se vê uma garrafa com a etiqueta “veneno”. Quando a virdes assim, não tocareis nela, porque sabeis ser perigosa. Mas, vós não sabeis que a sociedade é um perigo, que ela é, para o homem amadurecido, um veneno mortal. Porque madureza é aquele estado em que a mente está só, não influenciada, ao passo que a estrutura psicológica social nunca deixa um homem permanecer só, pois está sempre a moldá-lo, consciente e inconscientemente. A mente madura é a mente de todo só, desimpedida; porque compreendeu, ela é livre. E essa liberdade é instantânea. Não apodeis trabalhar para conquistá-la, não podeis procurá-la, não podeis disciplinar-vos, a fim de a obterdes; e essa é a beleza da liberdade. A liberdade não resulta do pensamento; o pensamento nunca é livre, não pode ser livre.

Assim, se está compreendida a índole da madureza, podemos agora considerar o tempo e a continuidade. Para a maioria de nós, o tempo é uma realidade concreta. O tempo medido pelo relógio é uma realidade concreta — nós temos de encerrar esta reunião às 7 horas ou 7,15; leva tempo para chegardes a vossa casa; precisa-se de tempo para adquirir conhecimentos; é também necessário para se aprender uma técnica. Mas, afora esse, existe outro tempo? Existe tempo psicológico? Nós construímos o tempo psicológico, o tempo representado pela distância, o espaço existente entre mim e aquilo que desejo ser, entre o passado, que fui “eu”, o presente que sou “eu”, e o futuro, que ainda serei “eu”. É assim que o pensamento constrói o tempo psicológico. Mas, existe esse tempo? Para descobrirdes isso por vós mesmo, deveis considerar a continuidade.

Que se entende pela palavra “continuidade”? Qual o sentido profundo desta palavra, tão comum em nossos lábios? Se pensardes continuamente numa certa coisa, como, por exemplo, num prazer que experimentastes, se nele pensais constantemente, todos os dias, todos os minutos, esse pensar confere continuidade àquele prazer fruído. Se pensais em algo doloroso, tanto no passado como no futuro, esse pensamento lhe dá continuidade. Isto é simples. Se gosto de uma certa coisa, e nela penso, esse pensar estabelece uma relação entre o que foi e meu desejo de tê-la de novo. Vereis a simplicidade disto se lhe aplicardes a vossa mente; não é uma coisa complexa. Se não compreendeis o que é a continuidade, não compreendereis o que vou dizer sobre a morte. Deveis compreender o que estive expressando, não como uma teoria ou crença, porém como uma realidade que podeis perceber por vós mesmo.

Se pensais a todas as horas em vossa mulher, em vossa casa, em vosso filho, em vosso emprego, estabelecestes uma “continuidade”, não é exato? Se tendes um ressentimento, um temor, um sentimento de culpa, e nisso pensais frequentemente, recordando-o, lembrando-o, tirando-o do passado, estabelecestes uma “continuidade”. Nossa mente funciona nessa continuidade, todo o nosso pensar é constituído dessa continuidade. Psicologicamente, vós sois violento; e pensais em “não ser violento” — no ideal; e, assim, com vosso pensar em “não ser violento” estabelecestes a continuidade do “ser violento”. Vede, por favor, a necessidade de compreender isto, que é bem simples, uma vez percebido que o pensamento, que o pensar numa certa coisa dá continuidade a essa coisa, quer seja ela agradável, quer desagradável, quer proporcione alegria ou sofrimento, quer pertença ao passado ou seja algo que irá verificar-se amanhã ou na próxima semana.

Assim, é o pensamento que firma a continuidade da ação — por exemplo, a ação de ir para o escritório, dia após dia, mês após mês, durante trinta anos até a mente se tornar uma mente morta. Do mesmo modo estabeleceis uma “continuidade” com a família. Dizeis: “É minha família”; nela pensais; procurais protegê-la; buscais construir uma proteção psicológica, nela e ao redor dela. Dessa forma, a família se torna sumamente importante, e vós estais destruído. A família destrói; é mortífera, porque faz parte da estrutura social que prende o indivíduo. Assim, uma vez estabelecida a continuidade, psicológica e fisicamente, o tempo se torna muito importante — não o tempo marcado no relógio, porém o tempo como meio de “chegar”, o tempo como meio de alcançar, de ganhar, de ter êxito, psicologicamente. Não podeis ter êxito, não podeis ganhar, a menos que penseis nisso, até vossa mente ficar toda entregue a esse pensamento. Assim, psicologicamente, o desejo de continuidade segue o “caminho” do tempo, e o tempo gera o medo; e o pensamento, como tempo, tem pavor à morte.

Deste modo, se não fosse o “tempo interior”, a morte ocorreria a cada instante, e não seria temível. Isto é, se a cada minuto do dia, o pensamento não der continuidade ao prazer ou à dor, ao preenchimento ou à falta de preenchimento, ao insulto, à lisonja, a tudo aquilo a que o pensamento dá atenção, a morte ocorre então a cada minuto. Devemos morrer a cada minuto — não teoricamente. Eis porque importa compreender o mecanismo do pensamento. O pensamento é meramente uma “resposta”, um reflexo do passado; ele não tem a validade da árvore que vedes concretamente.

Assim, para compreenderdes o extraordinário significado da morte — pois a morte tem significação, e sobre isso falarei mais adiante — deveis compreender esta questão da continuidade, perceber a verdade respectiva, perceber o mecanismo do pensamento, criador da continuidade.

Gosto de vosso rosto, e nele penso; estabeleci, assim, convosco uma relação de “continuidade”. Não gosto de vós, e penso nisso; estabeleci assim a continuidade desse sentimento. Agora, se não pensardes naquilo que vos causa prazer ou dor, se não pensardes no amanhã ou no que esperais ganhar, se ides ter êxito, se ides ter fama, notoriedade, etc.; se não pensardes, absolutamente, em vossa virtude, vossa respeitabilidade, no que os outros dizem ou deixam de dizer; se vos mantiverdes total e completamente indiferente — não haverá então “continuidade”.

Não sei se sois, de alguma maneira, indiferentes a alguma coisa. Não me refiro ao acostumar-se com ela; vós vos acostumastes com a feira de Bombaim, a imundície das ruas, à maneira como viveis. Acostumastes-vos; isso não significa que sois indiferente. Ficar acostumado com uma coisa, habituar se a ela, embota, insensibiliza a mente. Mas, ser indiferente é coisa muito diversa. Nasce a indiferença ao rejeitardes, ao negardes um hábito. Quando vedes o feio, e dele estais apercebido; quando vedes a beleza do céu, numa certa tarde, e estais consciente dela; quando vedes sem desejar nem recusar, sem aceitar nem repelir, sem “fechar a porta” a coisa alguma — sois então totalmente, interiormente, sensível a tudo o que vos cerca. Daí resulta uma indiferença de extraordinária força. E tudo o que é forte é "vulnerável” (sensível), porque sem resistência. Mas a mente que só resiste está aprisionada no hábito e, por conseguinte, embotada, insensibilizada. A mente indiferente está apercebida de quanto é artificial nossa civilização, nosso pensamento, de como são feias as nossas relações; percebe a beleza de uma árvore, de um rosto, de um sorriso; e ela nada rejeita, nem aceita, porém, simplesmente, observa — não intelectualmente, não friamente, porém com fervente e amorosa indiferença. Essa observação não significa desapego, pois nada há a que se apegar. Só quando a mente tem apego — à casa, à família, ao emprego — é que se pode falar em desapego. Mas, há na “indiferença” uma doçura, um perfume, uma qualidade de extraordinária e vital energia (talvez não seja esta a definição lexicográfica da palavra “indiferença”). Devemos ser indiferentes — em relação à saúde; à solidão, ao que dizem ou ao que não dizem; ao êxito e ao não êxito; indiferentes à autoridade.

Agora, se prestais atenção, podeis ouvir uma pessoa atirando, fazendo muito barulho com uma espingarda. Podeis muito facilmente acostumar-vos com isso; provavelmente já estais acostumados e fazeis ouvidos moucos — mas isso não é indiferença. Indiferença é escutar sem resistência, “acompanhar” o barulho, nele “viajar”, indefinidamente. O barulho, então, não vos perturba, não vos perverte, não vos faz indiferente. Escutais então todo e qualquer barulho — o barulho de vossos filhos, de vossa mulher, dos pássaros, o barulho do falatório dos políticos; escutais tudo com indiferença é, portanto, com compreensão.

A mente, para compreender o tempo e a continuidade, tem de ser indiferente ao tempo, não procurar encher esse espaço a que chama “tempo” com divertimentos, com devoções, com barulho, com leituras, com assistir a um filme — de todas as maneiras possíveis — como agora estais fazendo. E, enchendo-o com o pensamento, com a ação, com divertimentos, com sensações, com bebidas, com uma mulher, com um homem, com Deus, com vosso saber — lhe destes continuidade; por esta razão nunca sabereis o que é morrer.

Ora, a morte é destruição. A morte é peremptória. Não podeis argumentar com ela, dizer-lhe: “Ainda não! Esperai piais uns dias”. Não há discutir, não há implorar. A morte é inexorável, absoluta. Nunca fazemos frente ao que é inexorável, absoluto; sempre procuramos contorná-lo. Por isso, tememos tanto a morte. Podemos inventar ideias, esperanças, temores; e ter crenças, como a de que “seremos ressuscitados”, de que “renasceremos” — tudo sutilezas da mente, em sua esperança de uma continuidade que é do tempo, que não é um fato, que é mera criação do pensamento. Falando sobre a morte, não me refiro a vossa morte ou minha morte; falo acerca da morte, esse fenômeno extraordinário.

Para vós, um rio significa aquele rio com que estais familiarizado, o Ganges ou o rio de vossa aldeia. Ao ouvirdes a palavra “rio”, imediatamente vos acode ao espírito a imagem de determinado rio, mas jamais conhecereis a natureza real de todos os rios, o “rio real” se à vossa mente só se apresenta o símbolo de determinado rio. O rio são as águas rutilantes, as margens pitorescas, as árvores que o orlam; não um certo rio, mas a “qualidade-de-rio” de todos os rios, a beleza de todos os rios, a graciosa curva de todo curso d’água, toda corrente. O homem que só vê um certo rio tem mente medíocre, superficial. Mas a mente que vê o rio como um movimento, como água, não o relacionamento com certo país, certa ocasião, certa aldeia; que vê sua beleza, essa mente se libertou do “particular”.

Se — como hinduísta, criado com vossos livros sagrados, etc. — pensais numa montanha, à vossa mente se apresenta provavelmente a visão do Himalaia, que é o que para vós significa “uma montanha”. Essa a imagem que prontamente se vos apresenta. Mas a montanha não é o Himalaia. A montanha é aquela altura lá no céu azul, de nenhum país, coberta de brancura, modelada pelos ventos e os terremotos.

A mente que pensa nas montanhas de maneira ampla, em rios que não são de nenhum país, não é medíocre, não é uma mente inibida pela pequenez. Se pensais na palavra “família”, ocorre-vos imediatamente vossa própria família; por isso, a família se torna uma coisa mortal. Nunca sereis capaz de apreciar o problema da família em geral, porque estais sempre a relacioná-lo — pela continuidade do pensamento — com aquela “particular” família a que pertenceis.

Assim, falando sobre a morte, não estamos falando de vossa morte ou de minha morte. De fato, não importa muito se vós morreis ou se eu morro. Todos morreremos, felizes ou desgraçados. Felizes, se tivermos vivido plenamente, completamente, com todos os nossos sentidos, com todo o nosso ser, cheios de vitalidade e de saúde. Ou morreremos como criaturas lastimáveis, debilitados pela idade, frustrados, torturados, sem nunca termos conhecido um dia feliz, rico, uma momentânea visão do Sublime. Estou, pois, falando sobre a Morte, e não a morte de determinada pessoa.

A morte significa o fim. E o que nos assusta, o que nos apavora é o fim — cessar de trabalhar, abandonar tudo, partir — perder a família — perder alguém que pensamos amar — o acabar de uma “continuidade” em que tanto pensamos no decorrer dos anos. O que tememos é o findar. Não sei se alguma vez tentastes, deliberada, consciente e resolutamente, pôr fim a alguma coisa — ao hábito de fumar, de beber, de frequentar o templo, ao desejo de poder — extingui-la radicalmente, assim como o bisturi do cirurgião extirpa um câncer. Já tentastes alguma vez “extirpar” a coisa que mais prazer vos dá? É fácil remover uma coisa que nos causa dor; mas não é fácil “extirpar”, deliberadamente, com a precisão de um cirurgião, com sensível precisão, algo que é agradável, sem saber o que amanhã acontecerá, sem saber o que acontecerá um momento após. Se, ao “extirpá-lo”, já sabeis o que acontecerá depois, nesse caso, não estais “operando” verdadeiramente.

Se já fizestes isso, deveis saber o que significa morrer. Se já eliminastes tudo o que em vós existia, todas as raízes psicológicas — esperança, desespero, sentimento de culpa, ansiedade, êxito, apego — então, dessa “operação”, dessa negação da inteira estrutura social (não sabendo o que vos sucederá, se "operardes” radicalmente), dessa negação total provirá a energia com que podereis enfrentar isso que chamamos a Morte. Justamente esse “morrer” para tudo o que tendes conhecido, essa deliberada extirpação de tudo o que conheceis — é morrer. Tentai-o uma vez — não como um consciente e deliberado ato de virtude, visando a descobrir algo; tentai-o, como que a brincar — pois aprende-se mais “brincando” do que com o esforço consciente e deliberado. Quando negais dessa maneira, destruís tudo; e tendes de destruir tudo; porque, sem dúvida, da destruição surgirá a pureza — a mente imaculada.

Psicologicamente, nada do que a geração passada construiu merece ser conservado. Olhai a sociedade, o mundo que a geração passada criou. Se alguém tentasse tornar o mundo mais confuso, mais desgraçado ainda, não o conseguiria. Tendes de eliminar tudo isso instantaneamente, varrê-lo para a sarjeta. E para “extirpá-lo”, varrê-lo, destruí-lo, necessitais de compreensão e também de algo bem mais importante do que a compreensão, ou seja, a “compaixão”, a sensibilidade.

Vede, nós não amamos. Só vem o amor quando nada mais resta, depois de negardes completamente o mundo — não essa coisa enorme chamada “o mundo”: o pequeno mundo em que viveis — a família, o apego, as disputas, o domínio, vossos êxitos, vossas esperanças, vossos “pecados”, vossas obediências, vossos deuses e vossos mitos. Quando negais esse mundo inteiramente, quando nada mais resta de vossos deuses, esperanças, desesperos; quando nada mais buscais — então, desse grande vazio, surge o Amor, que é uma singular realidade, um fato extraordinário não provocado pela mente que tem “continuidade” mediante a família, o sexo, o desejo.

E, se vos falta o amor — que, na realidade, é o “desconhecido” — não importa o que façais, o mundo permanecerá no caos. Só com a total negação do “conhecido” — o que sabeis, vossas experiências, vosso conhecimento (não vosso conhecimento técnico, porém o conhecimento de vossas ambições, de vossas experiências, de vossa família), só quando tiverdes negado totalmente o “conhecido”, o tiverdes apagado de todo, “morrido” para ele, vereis que restará um vazio extraordinário, um extraordinário espaço em vossa mente. Apenas nesse espaço sabemos o que é amar. Nele apenas é possível a criação — não a criação consistente em gerar filhos ou em espalhar tintas sobre uma tela: aquela Criação que é a energia total, o Incognoscível. Mas, para a alcançardes, deveis morrer para tudo o que conheceis. Nesse morrer há grande beleza, inesgotável e vital energia.

Krishnamurti, Bombaim, 7 de março de 1962, A mutação Interior



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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill