Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

Mostrando postagens com marcador não sei. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador não sei. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 19 de abril de 2018

O amor não pode ser separado do sofrimento


O amor não pode ser separado do sofrimento

[...] Para a maioria de nós, a morte é o fulcro do medo. Tememos a morte e, por essa razão, nunca lhe compreendemos o imenso significado. O medo, invariavelmente, deforma a percepção, faz-nos fugir àquilo que tememos; e quando fugimos do fato que é a morte ou ficamos acabrunhados de dor pela morte de um amigo, é-nos impossível aprofundar ou compreender, no seu todo, o problema da morte.

Já discorremos sobre o medo e o sofrimento e penso que devemos estar agora aptos a considerar sensata e profundamente este problema da morte. Como já salientei, o amor, o sofrimento e a morte “andam juntos”, são inseparáveis. Isto não é mero conceito filosófico — não estou “fazendo filosofia”. Mas, se vos investigardes com profundeza, vereis que o amor não pode ser separado do sofrimento e o sofrimento não pode desligar-se da morte, pois os três, na realidade, são um só todo. Também não há nenhuma possibilidade de se compreender a beleza e a imensidão da morte, se existe qualquer vestígio de temor.

Para compreendermos a morte, acho que devemos examinar a questão do pensar negativo e da renúncia. Porém, não tomeis isso por algo teórico, impraticável. É a mente indolente que tudo rejeita como teórico, ou o reduz a um sistema ou padrão de ação, perdendo, assim, a essência real, o significado profundo do que estou dizendo. Eis porque vos peço que escuteis de espírito aberto, amigavelmente, sem concordar nem discordar, sem nenhum motivo. Se formos capazes de escutar com calma e prazer, sem motivo algum, o problema da morte, então talvez apreendamos o pleno significado dessa coisa imensa que está à nossa espera.

Primeiramente, gostaria de considerar junto convosco isso a que se pode chamar “pensamento negativo”. Bem poucos são os que pensam negativamente, e o pensar negativo é a mais elevada forma de pensamento; é ver o falso como falso, ver o que é verdadeiro no falso, e ver o que é verdadeiro na verdade. Não podemos ver o que é falso, se meramente consideramos o falso como oposto do verdadeiro; só podemos ver o que é falso quando não há nenhum contraste, nenhuma comparação. O contraste e a comparação nascem do pensar positivo. Se desejo compreender meu filho, por exemplo, tenho de desistir de comparar; devo olhá-lo assim como é. Se o considero em termos de aprovação ou reprovação — e tanto uma como outra coisa se baseiam na minha aceitação de um padrão estabelecido pela tradição, pela experiência, pela opinião, etc. — nesse caso, o chamado pensamento positivo e a chamada ação positiva me impedem a compreensão. Só podemos compreender quando não há comparação, nem julgamento, mas a simples percepção do fato real; e essa percepção é pensar negativo.

Desejaria explicar um pouco mais esse pensar negativo, porque, para percebermos sua extraordinária beleza e vitalidade, precisamos em primeiro lugar compreender o estado da mente que se acha livre do “conhecido”. Cumpre escutar o que se está dizendo, não como se fosse uma exposição filosófica, ou um sistema que deveis seguir, porém escutá-lo para descobrirdes, por vós mesmo, a verdade contida na questão. Aí sentados, como estais, experimentai realmente o que se está dizendo. Não deixeis para pensar nisso posteriormente — “posteriormente” não significa nada. Para o compreenderdes tendes de vivê-lo agora, no momento presente.

Falei do “pensar negativo” e disse ser a mais elevada forma de pensamento. Nós, em geral, nunca nos achamos num estado no qual digamos “Não sei” — a não ser num sentido muito superficial. Há dois estados de “não saber”. Num deles, a mente diz “Não sei”, mas espera ou procura uma resposta. Nesse estado a mente traduz o que encontra conforme seu próprio fundo ou condicionamento. No escutar, peço-vos experimenteis convosco, para verdes que realmente é assim. Mas há um outro estado em que a mente diz: “Não sei”, e não espera nem procura resposta nenhuma. Está ela, então, completamente vazia, seu estado é de negação total, e só para essa mente é que pode despontar aquela coisa extraordinária denominada “criação”.

Espero ter esclarecido bem os dois estados: o da mente positiva, que diz: “Não sei”, mas quer saber, e o da mente que diz “não sei” e nenhuma resposta está procurando. Em regra, é-nos extremamente difícil acharmo-nos no estado de “não saber”, em que não se procura resposta, porque não gostamos da incerteza. Mas a mente que tem certeza está ainda enredada no “conhecido”, e é necessário estarmos completamente livres do conhecido para compreendermos o incognoscível, que é a morte. Vejamos, pois, o que se implica na negação da “vida do conhecido”.

Para a maioria de nós, a vida é conflito, dor. Há luta incessante, efêmera alegria, muitas pressões e tensões, um fundo de memória acumulada que “responde” a cada desafio, e cuja resposta é sempre inadequada. Há o preenchimento e o sofrimento decorrente do não preenchimento; há avidez, inveja, cólera, ódio, angústia; há o denominado “amor”, uma chama toda envolta na fumaceira do apego, da dependência, do ciúme. O tédio de ir para o emprego diariamente, a familiaridade e o desdém existentes em nossas relações, a constante “corrente subterrânea” do medo — eis a nossa vida, para a qual desejamos continuidade. Nossa vida cotidiana se tornou um hábito. Ela é superficial, vazia, e procuramos preencher esse vazio com crenças e dogmas religiosos, com santos, salvadores, mestres. Nossa vida, com seus apetites sexuais, sua ânsia de fama, seu desejo de conforto, poder, posição, prestígio — é um círculo fechado de esperança e desespero. Eis tudo o que conhecemos; e quando a morte chega, tememos deixar o “conhecido”, deixar esta nossa insignificante vida, porque com ela estamos tão acostumados! Eis porque há conflito entre o viver e o morrer. As posses a que estamos apegados, nosso dinheiro, nossa casa, nossa família, nosso nome, nosso caráter, nossa experiência, nossa lembrança das coisas que fizemos e que não fizemos — tudo isso constitui o “conhecido” e, quando se aproxima a morte, temos medo de deixá-lo. Queremos a continuidade de todas as insignificâncias que conhecemos.

Ora bem. Podeis ter ideias, teorias, a respeito da reencarnação, da ressurreição, ou podeis estar apegados a alguma outra crença, mas a morte é o fim da “vida do conhecido”; e o mais importante é rejeitarmos a “vida do conhecido” — rejeitá-la sem motivo algum. Por “vida do conhecido” entendo nossa vida de mesquinhez, ciúmes, nossa ambição, nossa avidez. Temos de rejeitar totalmente essa vida, cortá-la pela raiz, mas sem haver motivo algum para fazê-lo; porque, se temos algum motivo, esse próprio motivo dá continuidade à “vida do conhecido” e, por consequência, não há possibilidade de se experimentar a extraordinária profundeza da morte.

Em geral, é com amargor que chegamos ao “fim do conhecido”; chegamos ao fim de nosso cativeiro, cheios de ansiedade e medo. Não morremos felizes, calmos, belamente. A ideia da morte nos põe num estado de desespero e, por essa razão, se somos sutis, inventamos uma filosofia do desespero, ou recorremos à “filosofia da esperança”, como o faz a maioria das pessoas chamadas religiosas. Ora, o relevante é rejeitarmos tudo isso por o termos compreendido, quer dizer, rejeitarmos, sem qualquer razão, a vida que conhecemos; e veremos, então, que nossa mente se achará num estado em que começará a libertar-se do “conhecido”. Essa é uma das coisas que precisamos fazer, a fim de podermos compreender a imensidade e a potência criadora da morte.

E agora consideremos a questão do tempo. Há tempo cronológico e tempo psicológico. Não estou falando do tempo cronológico, do tempo marcado pelo badalar do sino daquela igreja. Refiro-me à terminação do tempo psicológico, e essa terminação só pode verificar-se quando a mente não está buscando, obtendo, “chegando”; compreendeu inteiramente esse “mecanismo” e, por conseguinte, não há o amanhã como resultado das experiências de hoje.

O tempo em cujo decurso vamos para o emprego, nos dirigimos a um encontro com alguém, tomamos um ônibus, etc., é coisa completamente diferente do tempo psicológico, que formamos com a esperança; eu não sei, mas saberei; estou enraivecido, mas me encontrarei finalmente num estado de paz; sou nacionalista, estreito, fanático, mas o tempo gradualmente trará a libertação desse estado de mediocridade. O tempo, a mente o utiliza para mover-se, psicologicamente, daqui para ali. E enquanto existir em cada um de nós esse tempo psicológico, não haverá possibilidade de compreendermos o que é a morte.

Para compreender o que é a morte, a mente deve estar completamente livre do medo. Deve achar-se num estado em que diz para si própria: “Eu não sei” — e não procura nem deseja resposta alguma. Esse é o estado livre do conhecido. Significa que a mente já não busca, psicologicamente, preparar-se para, através do tempo, “vir a ser alguma coisa”. Vereis, então, se aí chegardes, que toda ideia de continuidade cessa por inteiro. Morre a mente para todas as suas insignificantes ansiedades, apetites, invejas, vaidades — morre para tudo isso imediatamente, e nesse morrer nenhuma ideia existe de continuidade. Só quando há um fim, pode haver um novo começo. Com o “fim do passado”, desponta algo totalmente novo.

O que chamamos “pensamento” dá à mente a ideia da continuidade — e eis o que é “tempo psicológico”, porquanto todo pensamento resulta de nosso condicionamento, nossa memória, nossa experiência. Todo desafio provoca uma “resposta” desse fundo, e essa resposta é o pensamento “em ação”, por conseguinte, não há espontaneidade, jamais há “resposta” que esteja livre do passado. Mas, quando tem fim o nosso pensamento, nossa avidez, nossa inveja, nossa ambição e sede de poder, toda a estrutura psicológica da sociedade, que constitui o “eu” — quando tudo isso termina, sem motivo algum, a mente se acha num estado de “não saber”, completamente vazia; e só então há morte.

Que sucede, na realidade, quando morreis fisicamente? Deixais tudo para trás; nada podeis levar convosco. Não importa quantos motivos tenhais para viver, com a morte não se discute. Não podeis dizer à morte: “Ainda preciso fazer isto e aquilo, dai-me mais um mês, mais um ano”. Quando a morte chega, ela lá está, absoluta, peremptória. Podeis crer na reencarnação ou noutra forma de ressurreição, no futuro, mas todas as crenças são irrelevantes ao terdes pela frente o fato da morte. E se, interiormente, morrerdes para a estrutura psicológica da sociedade, para todas as acumulações do passado, podereis ver que a morte é criação — não a criação do escritor, do músico, do pintor, do cientista, porém criação que não tem começo nem fim. E, se não estamos nesse estado de criação, que é morte, que é amor, nossa vida pouco significa.

Por conseguinte, não tomeis o que estou dizendo por uma certa filosofia lógica ou superlógica, mas penetrai realmente em vós mesmo, compreendendo-vos completamente. Negai totalmente tudo o que até agora considerastes vida — vossas experiências, vossa ambição, vossa avidez, vossa inveja — e vereis que nesse findar se encontra uma morte que é “criação atemporal” e que, se desejardes dar-lhe nome diferente, se pode chamar “Deus”, o “imensurável”, o “desconhecido”.

Krishnamurti, Saanen, 7 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Atenção é um estado de “não saber”

Atenção é um estado de “não saber”

Se permitis, prosseguiremos com o que estávamos falando anteontem, ou seja sobre o significado da meditação. No Oriente, a meditação é uma prática diária de suma importância para aqueles que a exercem profundamente; mas talvez não seja tão importante nem tão séria no Ocidente. Mas, por ela envolver o mecanismo total da vida, convém considerar o seu significado.

Seria de todo fútil limitarmo-nos a seguir palavras ou frases, permanecendo no mero nível verbal. Se apenas seguimos esta questão intelectualmente, isso é o mesmo que acompanhar um ataúde até a cova. Mas, se deveras a aprofundardes, ela vos revelará as coisas mais extraordinárias da vida. Como disse, não estamos lendo o primeiro capítulo de um livro, porquanto não tem fim o mecanismo total da vida. Temos, porém, de considerar cada ponto que for surgindo.

Examinaremos a matéria com certa profundeza e amplitude, como o vereis; mas, antes disso, acho necessário compreender o que é pensamento negativo e o que é pensamento positivo. Não estou empregando as palavras “positivo” e “negativo” em sentidos opostos. Os mais de nós pensamos positivamente, acumulamos, adicionamos; ou, quando achamos conveniente, proveitoso, subtraímos. O pensamento positivo é imitativo, acomodatício, ajustando-se ao padrão da sociedade ou àquilo que deseja; e com esse pensamento positivo estamos quase todos satisfeitos. Para mim, tal pensamento não conduz a parte alguma. Mas o pensamento negativo não é o oposto do pensamento positivo; constituí um estado, um processo completamente diferente; e, a meu ver, impede compreender isso claramente, antes de prosseguirmos. Pensar negativamente é desnudar a mente de todo; pensar negativamente é aquietar o intelecto, o repositório de reações.

Deveis ter notado que o intelecto está constantemente muito ativo, constantemente reagindo; o intelecto tem de reagir, senão morre. E, no seu reagir, ele cria “mecanismos” positivos a que chama “pensar”; e todos esses mecanismo são defensivos, mecânicos. Quem observa seu próprio pensar poderá ver que o que estou dizendo é muito simples, nada complicado.

O mais importante é manter-se o intelecto plenamente desperto e sensível, sem reagir; por essa razão, considero necessário pensar negativamente. Poderemos depois apreciar isso mais extensamente, mas, se compreendestes o que acabo de dizer, vereis que o pensamento negativo não implica esforço algum, ao passo que o pensamento positivo exige esforço; e esforço é conflito e implica consecução de objetivo, repressão, contradição.

Observai vossa própria mente, vosso próprio intelecto a funcionar; não vos limiteis a ouvir minhas palavras. As palavras não têm significação profunda, servindo unicamente para transmitir, comunicar algo. Se permanecerdes no nível verbal, não podereis ir muito longe.

Sabemos, pois, que — por motivo de nossa educação, meio cultural, influências sociais, religiosas, etc. — todos nós temos o intelecto muito ativo, mas a totalidade da mente está bem embotada. E tornar o intelecto tranquilo e ao mesmo tempo plenamente sensível, ativo mas sem cultivar meios de defesa, isso é tarefa verdadeiramente árdua, como deveis saber se já considerastes esta matéria. E manter o intelecto extraordinariamente ativo, porém totalmente tranquilo, isso nenhum esforço exige.

O esforço afigura-se à maioria de nós como uma parte de nossa existência; aparentemente, não podemos viver sem ele: o esforço para sairmos da cama de manhã, o esforço de irmos para a escola, o escritório, o esforço para sustentar uma atividade contínua, o esforço para amarmos alguém. Toda a nossa vida, do momento de nascermos ao momento de baixarmos à sepultura, é uma série de esforços. Esforço implica conflito; e nenhum esforço existe no observar as coisas tais como são, o fato, tal qual é. Mas nós nunca nos observamos como somos, consciente ou inconscientemente. Sempre tratamos de modificar, substituir, transformar, reprimir o que vemos em nós mesmos. Tudo isso gera conflito; e a mente, o intelecto que se acha em conflito nunca está quieto. E para pensarmos profundamente, penetrarmos mui profundamente, necessitamos de um intelecto que não esteja embotado, que não esteja disposto a dormir, que não se deixe narcotizar pela crença, pelas suas defesas — necessitamos de um intelecto intensamente ativo e ao mesmo tempo tranquilo.

É o conflito que embota a totalidade da mente; assim, se desejamos investigar a questão da meditação, se desejamos penetrar profundamente a vida, temos, desde o início, de compreender o conflito e o esforço. Se tendes observado, deveis saber que nosso esforço é sempre para alcançarmos um alvo, tornar-nos alguma coisa, termos êxito; e por essa razão existe conflito e frustração, com o inerente sofrimento, esperança e desespero. E o que está sempre, a todos os momentos, em conflito, embota-se. Não conhecemos pessoas que vivem em contínuo conflito, e não sabemos como estão embotadas? Assim, para podermos ir muito longe e muito profundamente, temos de compreender perfeitamente a questão do conflito e do esforço. O esforço, o conflito resulta do pensamento positivo; quando há pensar negativo — a mais elevada forma do pensar — não há esforço, nem conflito.

Ora, todo pensar é mecânico, porquanto todo o pensar constitui uma reação de nosso fundo de experiência, nosso fundo de memória E, sendo mecânico, o pensar nunca pode ser livre. Poderá ser razoá­vel, sensato, lógico, conforme o seu fundo (background), sua educação, seu condicionamento; mas o pensar nunca pode ser livre.

Não sei se já experimentastes descobrir o que é pensar, não me refiro à definição lexicológica da palavra, ou à respectiva ideia filosó­fica, mas pergunto se já observastes que o pensar é reação.

Prestai atenção, porquanto temos de examinar esta matéria. Quando vos faço uma pergunta familiar, respondeis imediatamente, porque estais familiarizado com a resposta. Se se faz pergunta um pouco mais complicada, há um retardamento da resposta, enquanto o intelecto está funcionando, a buscar na memória a resposta. Se a pergunta é mais complicada ainda, mais longo se torna o intervalo de tempo, durante o qual o cérebro está a pensar, a buscar, esforçando-se por achar a resposta. E se vos fazem uma pergunta com a qual não estais absolutamente familiarizado, dizeis: “Não sei”. Mas esse “não sei” representa um estado em que o intelecto está esperando achar uma resposta, seja consultando livros, seja perguntando a alguém; ele espera achar a resposta. Todo esse mecanismo de pensar é, acho eu, muito fácil de perceber; é o que estamos fazendo a todas as horas, é a reação do Intelecto, provinda de nosso depósito de experiências, conhecimentos.

Ora, o estado da mente que diz “não sei” e aguarda uma resposta difere por inteiro do estado da mente que diz “não sei” e não fica à espera de resposta. Espero estejais entendendo, porquanto, se isso não ficar bem claro, receio que não podereis compreender o que vem a seguir. Ainda estamos falando sobre meditação e penetrando o problema do intelecto e da mente. Se não se compreende a raiz do pensamento, é completamente impossível transcender o pensamento.

Há dois estados: o intelecto que diz “não sei” e procura resposta, e o outro estado de “não saber”, por não haver resposta. Se isso ficar bem claro, podemos então passar a investigar a questão da atenção e da concentração.

Todos sabem o que é concentração. Sabe-o o colegial, quando deseja olhar para a janela e o professor lhe diz: “olhe para seu livro”. O colegial obriga sua mente a olhar para o livro, quando seu desejo real é olhar pela janela; por conseguinte, há conflito. É familiar à maioria de nós esse mecanismo de obrigar o intelecto a concentrar-se. E tal mecanismo de concentração é mecanismo de exclusão, não achais? Vedais o acesso, fechais a porta a qualquer coisa que perturbe a concentração. Por conseguinte, onde há concentração, há distração. Estais entendendo? Pois educam-nos para nos concentrarmos — que é mecanismo de excluir, vedar — e por isso há distração, conflito.

Ora bem, a atenção não é mecanismo de concentração, e nela não há distração. À atenção é coisa bem diversa, e vou agora apreciá-la.

Notai, por favor, que estamos falando de assunto muito sério; e vir aqui não é como ir a um concerto para divertimento. Este assunto requer grande trabalho de vossa parte, significa examinar sem nenhuma tendência para desejar ou não desejar. Se não podeis acompanhar-me seriamente, nesse caso ficai tranquilamente a escutar, escutai as palavras e esquecei-as. Mas, se penetrardes profundamente, há muita coisa para descobrir. Porque vereis — enquanto vou aprofundando a questão — que a liberdade é necessária. Quando a mente está em conflito, fazendo esforço, não há liberdade; não a há, tampouco, quando há concentração e resistência à distração. Mas, se compreendemos o que é a atenção, estamos então, também, começando a compreender que o conflito cessou completamente, existindo, portanto, a possibilidade de ficar a mente de todo livre — não apenas a mente superficial, senão também a mente inconsciente, onde se ocultam nossos secretos pensamentos e desejos.

Já sabemos o que é concentração; mas, que é atenção? Faço esta pergunta e a reação instintiva de cada um é achar a resposta, dar uma explicação, uma definição; e quanto mais engenhosa a explicação, mais satisfeitos ficamos. Não estou dando nenhuma definição; estamos investigando negativamente. Se se investiga com o pensar positivo, nunca se descobrirá a beleza da atenção. Mas, se compreendestes o que é pensar negativo — que não é pensar em termos de reação, e, nele, o intelecto não pede resposta alguma — descobrireis então o que é atenção. Vou examinar isso um pouco.

Atenção não é concentração; nela não há distração; na atenção não há conflito, não há busca de fim; o intelecto, portanto, está atento, o que significa que não tem fronteiras; está tranquilo. Atenção é o estado mental em que desapareceu todo o conhecimento, e só há investigação.

Tentai, uma vez, uma coisa simples. Ao sairdes a passeio, ficai atento. Notareis como ouvireis, como vereis muito mais do que com o intelecto concentrado; porque atenção é um estado de “não saber” e, portanto, de investigação. O intelecto, então, investiga, sem causa, sem motivo — e essa é a investigação pura, a qualidade da verdadeira mente científica. Ela pode ter conhecimentos, mas seus conhecimentos não interferem na investigação. Por conseguinte, uma mente ativa é capaz de concentrar-se; mas sua concentração não é resistência nem exclusão. Estais-me seguindo?

Esse estado de atenção é próprio da mente que não está atulhada de informações, conhecimentos, experiências; o estado da mente que vive no “não saber”. Isso significa que o intelecto, a mente, abandonou todas as influências, todos os preconceitos, todas as sanções; compreendeu a autoridade, dissolveu a ambição, a inveja, a avidez e está totalmente oposta à sociedade e sua moral. Ela já não segue. Essa mente já pode investigar.

Ora, para se investigar profundamente, requer-se silêncio. Se desejo admirar aquelas montanhas e ouvir a correnteza do rio, não só o meu intelecto deve estar tranquilo, mas também minha mente inteira — consciente e inconsciente — deve estar de todo quieta, para ouvir. Se o intelecto está a tagarelar, se a mente deseja apreender, segurar, então já não está vendo, escutando a beleza do som da corrente. A investigação, portanto, implica liberdade e silêncio.

Como sabeis, já se escreveram livros sobre como alcançar uma mente serena por meio da meditação e da concentração. Volumes já foram escritos acerca desta matéria — mas isso não significa que eu tenha lido qualquer deles. Pessoas que me procuram me têm falado a respeito deles. Exercitar a mente para se tornar silenciosa é puro contrassenso. Se treinais vossa mente para se tornar silenciosa, achai-vos então num estado de decadência, porquanto a mente que se ajusta por medo, por avidez, inveja ou ambição, é mente morta, embotada, estúpida. A mente embotada, estúpida, pode tornar-se quieta, mas permanecerá limitada e medíocre, e nada novo chegará a ela.

Assim, a mente atenta está isenta de conflito e, portanto, é livre; e essa mente é tranquila, silenciosa. Não sei se já alcançastes este ponto; se o alcançastes, deveis saber que isso de que estou falando é meditação.

Nesse processo de autoconhecimento, descobrireis que a mente silenciosa não é mente morta, porém em extremo ativa. Sua atividade não é a atividade que visa a um objetivo, nem atividade de somar e subtrair; porque esse estado intensamente ativo se tornou existente sem busca e sem esforço algum; em todo o percurso, ela tudo compreendeu, cada fase de seu existir. Não houve repressão de espécie alguma e, portanto, não há medo, nem imitação, nem ajustamento. E se a mente faz estas coisas, não há possibilidade de silêncio.

Agora, que acontece depois disso? Até agora empregamos palavras para efeito de comunicação; mas a palavra não é a coisa. A palavra “silêncio” não é o silêncio. Portanto, compreendei isto: para existir o silêncio, a mente deve estar livre da palavra.

Ora, quando a mente está verdadeiramente tranquila, portanto, ativa e livre, e não se está importando com a comunicação, a expressão, a realização — é então que há criação. Essa criação não é uma visão. Os cristãos têm visões do Cristo; e os hínduístas têm igualmente visões de seus pequenos deuses ou grandes deuses. Estão reagindo de acordo com seu condicionamento; estão projetando suas visões, e o que eles veem nasce de seu próprio fundo (background); o que veem não é o fato, porém coisa “projetada” de seus desejos, ânsias, esperanças. Mas a mente atenta e silenciosa não tem visões, porque se libertou de todo o seu condicionamento. Desse modo, essa mente sabe o que é a criação — que é coisa bem diferente da chamada “ação criadora” do músico, do pintor, do poeta.

Em seguida, se já alcançastes este ponto, vereis que há um estado mental fora do tempo e do espaço, em que, por conseguinte, se pode ver ou receber o imensurável. E o que se vê e se sente, tal como o estado de experimentar, pertencem ao momento e não são para guardar na memória.

Assim, aquela realidade imensurável, indenominável, que nenhuma palavra tem, aquela realidade só se manifesta quando a mente está toda livre e silenciosa, num estado de criação. O estado de criação não é um simples estado alcoólico, estimulado; mas quando uma pessoa compreendeu e passou por esse processo de autoconhecimento, e se acha livre de todas as reações de inveja, ambição e avidez, ver-se-á, então, que a criação é sempre nova e, por conseguinte, sempre destrutiva. E a criação nunca pode existir dentro da estrutura da sociedade, dentro da estrutura de uma individualidade limitada. Por conseguinte, a individualidade limitada a buscar a realidade nenhuma significação tem. E, quando há aquela criação, dá-se a total destruição de todas as coisas que um homem acumulou, e, por conseguinte, existe sempre o novo. E o novo é sempre verdadeiro, imensurável.

PERGUNTA: O “estado de atenção total” e o “desejo sem motivo” são a mesma coisa?
KRISHNAMURTI: Senhores, o desejo é uma coisa extraordinária, não achais? O desejo, para nós, é cheio de torturas; conhecemos o desejo como conflito e, por isso, lhe impusemos limitações. E nossos desejos são tão insignificantes, tão estreitos, tão mesquinhos, tão medíocres! Desejamos um carro, desejamos ser mais belos, desejamos conseguir algo. Vede como tudo isso é insignificante! E eu pergunto se existe desejo sem torturas, sem esperança e desespero. Existe. Mas isso não pode ser compreendido enquanto o desejo gerar conflito. Mas, havendo compreensão da totalidade do desejo, dos motivos, das torturas, das renúncias, da disciplina, dos tormentos que atravessamos — quando tudo isso foi compreendido, dissolvido, de modo que desapareceu completamente — então, talvez o desejo seja coisa diferente. Poderá ser Amor. E o amor pode ter sua expressão própria. O amor não tem amanhã e não pensa no passado; e isso significa que o intelecto não atua sobre o amor. Não sei se já observastes isto: como o intelecto interfere no amor, diz que ele deve ser respeitável, divide-o como divino e pecaminoso, está sempre a moldá-lo, controlá-lo, guiá-lo, ajustando-o ao padrão da sociedade ou da própria experiência.

Há, porém, estado de afeição, de amor, no qual não interfere o intelecto; e esse amor talvez possa ser encontrado. Mas, por que comparar? Por que dizer “ele é assim ou assado”?

Senhores, não sei se já observastes uma gota de chuva que caí do céu. Essa gota é da mesma natureza que todos os rios e todos os oceanos, todas as torrentes, e da água que bebeis. Mas aquela gota de chuva não está pensando que irá ser o rio. Ela cai, completa, total. Da mesma maneira, quando a mente passou por todo esse processo de autoconhecimento, ela está completa. Nesse estado não há comparação. A criação não é comparativa; e porque é destrutiva, não contém em si nada de velho.

Sendo assim, devemos, não verbal ou intelectualmente, porém realmente, empenhar-nos nesse processo de autoconhecimento, agora e por todo o sempre, pois não há fim do autoconhecimento. E como não tem fim, não tem começo e, por conseguinte, está no presente.

Outra coisa sobre a qual desejo falar é esta: por que gostamos de adorar? Como sabeis, todos gostamos de adorar um símbolo, um Cristo, um Buda. Por quê? Eu poderia apresentar-vos uma multidão de explicações: gostamos de identificar-nos com algo que é maior do que nós; gostamos de entregar-nos a algo que pensamos ser verdadeiro; gostamos de estar na presença de algo sagrado, etc. Mas a mente que adora é mente que está a morrer, a declinar. Quer cultueis o herói que vai alcançar a Lua, o herói do passado ou do presente, quer cultueis o homem que vos fala de um palanque, tudo vem a ser a mesma coisa; se rendeis culto, o estado criador nunca se tornará existente, nunca poderá aproximar-se de vós. E a mente que não conhece esse estado extraordinário sofre perenemente. Assim, uma vez compreendido o problema do culto, ele morre, como o cair de uma folha no outono. Pode então a mente prosseguir, livre de barreiras.

Krishnamurti, Saanen, 8 de agosto de 1961, O Passo Decisivo

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Meditação e a percepção do mecanismo do "eu"

Meditação é a percepção 
do mecanismo do "eu"

PERGUNTA: Pareceis rejeitar a ioga, e concordo convosco em que a ioga é muitas vezes praticada como método de fugir a 'o que é'. Mas, se evitamos a fixação artificial da mente num objeto escolhido e permitimos que a nossa chamada meditação assuma o caráter de investigação, abrangendo todo o campo de 'o que é', sem esperar resposta, isso, sem dúvida, é o que costumais recomendar. Não achais, também, que poderíamos executar mais facilmente essa coisa difícil se tivéssemos aprendido a quietar o corpo e a respiração?

KRISHNAMURTI: O interrogante, com efeito, deseja saber "como meditar": se o quietar o corpo e controlar a respiração não facilitará a meditação, que é o processo de investigação de todo o campo de 'o que é', sem fugir dele. Vejamos, pois, se podemos descobrir "como meditar". Ora, se tiverdes a bondade de escutar sem focar a atenção numa determinada sentença, numa determinada frase da resposta, poderíamos investigar, juntos, toda a questão de "como meditar". Para mim, o "como" não constitui, em absoluto, o problema. O problema é: que é meditação? Se não sei o que é meditação, a mera pergunta sobre como meditar nada significa. O que investigo, pois, não é "como meditar", que método seguir, como estar apercebido de 'o que é', sem fugir, como quedar-me tranquilo, como repetir certas palavras, etc. Não estamos tratando de nada disso. Se sei o que é meditação, então a questão de "como meditar" não constituirá problema algum, naturalmente.

Ora, que é meditação? Como não sabemos o que é meditação, não temos nenhuma ideia sobre como começar. Devemos, pois, abeirar-nos do problema com a mente aberta, não é verdade? Compreendeis? Deveis abeirar-vos dele com uma mente livre, dizendo "Não sei", e não com uma mente ocupada, perguntando "Como meditar?" Vede: se verdadeiramente prestardes atenção a este problema — o que não significa aderir ao que estou dizendo, mas, sim, experimentar realmente a coisa, ao mesmo tempo que vamos falando — descobrireis por vós mesmo o significado da meditação. Até agora nos temos abeirado do problema com uma atitude de indagação sobre "como meditar", que sistemas seguir, como respirar, quais as práticas da ioga que convém adotar, etc., etc.; porque, pensando que sabemos o que é meditação, achamos que o "como" nos levará a algo. Mas sabemos de fato o que é meditação? Eu não sei, e penso que vós também não sabeis. Portanto, nós dois temos de abeirar-nos da questão com uma mente que diz "Não sei", ainda que tenhamos lido centenas de livros e praticado muitas disciplinas da ioga. Vós não sabeis, realmente. Só estais esperando, só estais desejando, querendo chegar, através de determinado padrão de ação, de disciplina, a certo estado. E tal estado pode ser completamente ilusório; pode ser apenas o vosso próprio desejo. E, sem dúvida o é; é a vossa própria "projeção", como reação à vossa aflitiva existência diária.

Assim, a primeira coisa, a coisa essencial, não é "Como meditar?", mas, sim, descobrir o que é meditação. Portanto, a mente deve chegar-se a esse problema sem nada saber; e isso é dificílimo. Estamos muito acostumados a pensar que a meditação requer necessariamente um determinado sistema — repetição de palavras, na oração, adoção de uma determinada postura, fixação da mente em certa frase ou imagem, respirar de maneira regular, manter o corpo num estado muito tranquilo, controle completo da mente; estamos bem familiarizados com tudo isso. E pensamos que nos levará a alguma coisa que se acha além da mente, além do mecanismo transitório do pensamento. Pensamos que já sabemos o que desejamos, e agora estamos comparando os diferentes métodos para saber qual é o melhor de todos. A questão relativa a "como meditar" é completamente falsa. Mas posso descobrir o que é meditação? Esta é a questão real. É uma coisa extraordinária o meditar, o saber o que é meditação e, portanto, investiguemo-la. Sem dúvida, a meditação não é a prática de qualquer sistema, achais que é? Pode a minha mente eliminar de todo esta tradição de disciplina, de método? Tradição existente não só aqui, mas também na Índia? Essa eliminação é necessária — não achais? —, visto que não sabemos o que é meditação. Sei como concentrar-me, como controlar, disciplinar, sei o que devo fazer; mas não sei o fim a que se chega com isso. Disseram-me, apenas: "Se fizerdes estas coisas, alcançareis algo", e, como sou ávido, ponho-me a praticar tais exercícios. Assim, pois, a fim de descobrir o que é meditação, posso eliminar a exigência do método?

A própria investigação desta questão é meditação, não é? Estou meditando no momento em que começo a indagar o que é meditação, em vez de "como meditar?" No momento em que começo a descobrir, por mim mesmo, o que é meditação, a minha mente, como não o sabe, tem de rejeitar tudo o que sabe, o que significa que tenho de pôr à margem o meu desejo de alcançar um estado. Porque o desejo de alcançar é a raiz, é a base da minha busca de método. Tenho conhecido momentos de paz, de serenidade, e o sentimento de um "outro estado"; e desejo alcançá-lo de novo, torná-lo um estado permanente; e por esta razão ponho-me a procurar o "como". Penso que já sei o que é aquele outro estado, e que um método me conduzirá a ele. Mas, se já sei o que é essa outra coisa, ela então não é a coisa verdadeira, porém, sim, meramente uma projeção de meu próprio desejo. Minha mente, quando está deveras investigando o que é meditação, compreende o desejo de realização, obtenção de resultado e, portanto, está livre dele, do desejo. Por conseguinte, ela se livrou completamente de toda e qualquer autoridade; pois não sabemos o que é meditação, e ninguém pode dizer-nos o que ela é. Minha mente está, toda ela, num estado de "não saber"; não recorre a nenhum método, oração, repetição de palavras, concentração, porquanto percebe que a concentração é simplesmente outra forma de realização. A concentração da mente numa dada ideia, esperando que assim se exercitará para ir mais além, mediante "exclusão", essa concentração implica também um "estado de saber". Assim, se eu "não sei", então todas estas coisas terão de desaparecer; não estou mais pensando em termos de realizar algo, de chegar a um fim. Já não há a ideia de que a acumulação me ajudará a alcançar a outra margem.

Assim, depois de fazer isso, já não descobri o que é meditação? Não há conflito, não há luta; há compreensão da desnecessidade de acumular, compreensão, a todas as horas, e não em dado momento. Meditação, pois, é o processo de completo desnudamento da mente, depuração de toda tendência de acumulação e realização, que constitui a própria natureza do "eu". A prática de métodos variados só poderá tornar mais forte o "eu". Podeis disfarçar o "eu", embelecê-lo, requintá-lo; mas ele é sempre o "eu". A meditação, pois, é o descobrimento das atividades do "eu".

Vereis, se vos aprofundardes bastante nisso, que nunca há um momento em que a meditação se torna hábito. Porque o hábito implica acumulação, e, onde há acumulação, há o mecanismo do "eu" a pedir mais, a exigir mais acumulação. Tal meditação está dentro da esfera do conhecido, e nenhuma significação tem, a não ser como método de auto-hipnotismo. A mente só pode dizer "Não sei" — realmente e não apenas verbalmente - depois de haver eliminado, pelo percebimento, pelo autoconhecimento, toda ideia de acumulação. A meditação, pois, significa, "morrermos para nossas acumulações", e não o alcançar de um estado de silêncio, de tranquilidade. Enquanto a mente for capaz de acumular existirá sempre a ânsia de mais. E o mais exige o sistema, o método, o estabelecimento da autoridade, coisas essas que representam, verdadeiramente, a própria tática do "eu". Depois de perceber a falácia de tudo isso, a mente se vê num estado de "não saber". Esta mente pode perceber aquilo que não é mensurável e que só pode manifestar-se momento por momento.

Krishnamurti, Sexta Conferência em Londres, 26 de junho de 1955

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Pode a mente, de fato, dizer “Não sei”?


Pode a mente, de fato, dizer “Não sei”?

PERGUNTA: Tendo “experimentado” seriamente, durante muitos anos, o vosso ensino, tornei-me plenamente apercebido da natureza parasitária da consciência do “eu”, cujos tentáculos vejo estender-se a cada um dos meus pensamentos, palavras e atos. E o resultado foi que perdi toda a confiança em mim mesmo, todo o incentivo. O trabalho se me tornou canseira, e o laser tédio. Minha existência é uma quase constante tortura psicológica, e mesmo essa tortura me parece ser um truque do “eu”. Vejo-me num beco sem saída, em todos os setores da minha vida, e pergunto-vos o mesmo que tenho perguntado a mim próprio: E agora?

KRISHNAMURTI: Estais “experimentando” o meu ensino, ou estais “experimentando” a vós mesmo? Espero que percebais a diferença. Se estais “experimentando” as coisas que digo, tendes então de chegar ao ponto de perguntardes “E agora?”, porque nesse caso estais forcejando para alcançar um resultado que pensais que eu alcancei. Pensais que eu tenho uma coisa que vos não tendes, e que se “experimentardes” o que digo, a ganhareis também. É assim que procede a maioria das pessoas. Interessamo-nos por essas coisas com uma mentalidade comercial: Fazer isto, a fim de obter aquilo. Rezarei, meditarei, e farei sacrifícios, a fim de obter uma certa coisa.

Ora, vós não estais praticando o meu ensino. Eu nada tenho para ensinar. Ou, melhor, eu só vos digo que observeis a mente, que vejais até que profundezas ela pode chegar. Portanto, vós é que sois importante, e não o ensino. É de muita importância descubrais vossos próprios modos de pensar e, tudo o que esse pensar implica, como estive tentando mostrar-vos hoje de manhã. E se estais observando o vosso próprio pensar, se estais vigilante, “experimentando”, descobrindo, largando, isto é, morrendo cada dia para tudo o que acumulastes, então nunca fareis a pergunta “E agora?”

Vede, a confiança é uma coisa completamente diferente da “confiança em si mesmo”. A confiança que nasce quando estamos descobrindo, momento por momento, é toda diferente da confiança em si mesmo, resultante da acumulação de descobrimentos, que se tornam saber e vos conferem importância. Percebeis a diferença? Por conseguinte, o problema da confiança em si mesmo desaparece completamente. Há só o constante movimento do descobrir, a constante leitura e compreensão, não de um livro, mas de vossa própria mente, de toda a vasta estrutura da consciência. Não estais então em busca de resultado algum. É só quando buscais um resultado, que dizeis: “Pratiquei tais e tais coisas, mas não ganhei nada com isso e perdi a confiança em mim mesmo. E agora?” Mas, se, ao contrário, estais examinando e compreendendo os movimentos da vossa mente, sem visardes uma recompensa, um alvo, sem o incentivo de ganho, há então autoconhecimento, de onde vereis surgir uma coisa maravilhosa!

PERGUNTA: Como impedir que o percebimento se torne uma técnica nova, “a última moda” em matéria de meditação?

KRISHNAMURTI: Sendo esta uma questão muito séria, vou examiná-la com certa profundeza, e espero não estejais fatigados demais, para seguirdes, com uma vigilância sem, tensão, as operações da vossa própria mente.

É importante meditar, porém mais importante ainda é compreender o que é meditação, pois do contrário a mente ficará restrita a mera técnica. O aprender uma nova técnica consistente em respirar de certa maneira, ficar sentado em certa posição, com o tronco ereto, ou praticar um dos vários sistemas de silenciar a mente — nada disso é importante. O importante é que vós e eu investiguemos o que é meditação. Nesse próprio investigar do que é a meditação, estou meditando. Compreendeis? Ouvi com calma, Senhores; não concordeis nem discordeis.

É sumamente Importante o meditar. Se não sabeis o que é meditação, isso é como ter nas mãos uma flor sem perfume. Podeis ter um extraordinário talento oratório, saber pintar ou gozar a vida, possuir conhecimentos enciclopédicos e saber relacioná-los, mas todas essas coisas não terão significação alguma, se não sabeis o que é meditação. Meditação é o perfume da vida, tem beleza infinita. Abre portas que a mente não é capaz de abrir, penetra profundezas inacessíveis à mente mais erudita. A meditação, pois, é importantíssima. Mas sempre fazemos a pergunta errada e por isso obtemos, resposta errada. Dizemos: “Como meditar?”, e lá vamos à procura de um certo swami, de uma certa pessoa extravagante, ou apanhamos um livro, ou seguimos um sistema, na esperança de aprendermos a meditar. Ora, se pudermos varrer tudo isso para o lado— os swamis, os iogues, os intérpretes, os mestres de respiração e de imobilidade — chegaremos inevitavelmente a esta pergunta: “Que é meditação?”

Escutai agora com atenção. Não estamos mais perguntando como meditar, nem qual é a técnica da vigilância, mas, sim, o que é meditação — que é a pergunta correta. Se fazeis uma pergunta incorreta, recebeis resposta incorreta; mas, se fazeis a pergunta correta, então esta própria pergunta revelará a resposta correta. Assim, que é meditação? Sabeis o que é meditação? Não repitais o que ouviste outro homem dizer, ainda que, como eu, conheçais alguém devotado à meditação há vinte e cinco anos. Vós sabeis o que é meditação? É claro que não sabeis, não é exato? Podeis ter lido o que muitos sacerdotes e santos e eremitas disseram a respeito da contemplação e da oração, mas não me estou referindo a nada disso. Estou falando sobre a meditação; não interessa o significado lexicológico da palavra, que podeis procurar depois no dicionário. Que é meditação? Não sabeis. E sobre esta base é que meditais!... (Risos). Não riais, por favor; continuai a escutar. “Eu não sei” — alcançais a beleza desta frase? Ela significa que minha mente está despida de toda técnica, toda informação a respeito da meditação, tudo o que outros dela disseram. Minha mente não sabe. Só podemos avançar na investigação do que é a meditação, quando somos capazes de dizer honestamente “Não sei”; e não se pode dizer “Não sei” se persiste em nossa mente qualquer vislumbre de informações de segunda, mão — o que disse o Gita, ou a Bíblia, ou São Francisco, a respeito da contemplação ou das virtudes da oração, coisa de que tanto se fala nas revistas, hoje em dia, e que se tornou a última moda. Tudo isso tendes de afastar de vós, porque, se copiais, se seguis, revertereis ao “coletivo”.

Nessas condições, pode a mente pôr-se no estado em que seja capaz de dizer “Não sei”? Esse estado é o começo e o fim da meditação, porque, nele, cada experiência é compreendida e não guardada. Entendeis? Desejais controlar o vosso pensar; e quando controlais o pensar, não permitindo distrações, vossas energias se consomem no controlar e não no pensar. Compreendeis? Só pode haver acumulação de energia, quando não a desperdiçamos em controlar, em subjugar, em lutar contra distrações, suposições, pretensões, incentivos. E esta enorme carga de energia, de pensamento, é completamente sem movimento. Compreendeis? Quando dizeis “Não sei”, não há movimento do pensamento, não é verdade? Só há movimento de pensamento quando começais a indagar, a investigar, já que vossa investigação vai sempre do conhecido para o conhecido. Se não estais compreendendo agora, talvez compreendais mais tarde.

A meditação é um processo de purificação da mente. A purificação da mente só é possível quando não há “controlador”. No controlar, o controlador dissipa energia. A dissipação de energia resulta do atrito entre o controlador e o objeto que ele quer controlar. Mas quando dizeis “Não sei”, não há movimento do pensamento em direção alguma, visando a uma resposta; a mente está de todo em todo imóvel. E para que a mente esteja imóvel, faz-se necessária uma energia extraordinária. A mente não pode estar imóvel, se lhe falta energia — não a energia que se dissipa no conflito, na repressão, na dominação, na oração, no buscar, no rogar, mas aquela energia que é total atenção. Todo movimento do pensamento em qualquer direção representa dissipação de energia, e para que a mente possa ficar em completa imobilidade, é necessária a energia da atenção total. Só então pode surgir uma coisa que não podemos chamar a nós, que não podemos ir procurar, uma coisa que dispensa a respeitabilidade, que não se ganha com a virtude nem com sacrifícios — o Estado Criador, o Atemporal, o Real.

Krishnamurti, 28 de agosto de 1955
Realização sem esforço
_____________________________________
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill