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domingo, 31 de março de 2013

Sobre a vigilância da mente


Não é o tempo que lhes traz a compreensão, mas a vigilância da mente para compreender, no presente. É impossível estar alerta, enquanto a mente estiver anuviada pela ideia do tempo, de crenças e ideais.

Buscarei explicar o que quero dizer por vigilância da mente. A experiência é, afinal de contas, o modo pelo qual, vocês respondem aos incidentes da vida. Estar alerta é ser capaz de distinguir entre a pura ação e reações, quer sejam positivas, quer negativas. A reação positiva brota da própria individualidade intrínseca de vocês ou egoísmo e a reação negativa parte do exterior. Toda ação que não é pura, é reação, pois que é oriunda da sensação, tanto a positiva como a negativa. A ação pura, livre de toda reação, é isenta de intuito ou incentivo e desprendida do centro de egoísmo.

Para compreender uma experiência no presente, para colher a sua frescura, vocês devem ter a mente limpa de crenças, de ilusões. A compreensão plena de uma experiência lhes libertará de toda a experiência, que é tempo. Quando a mente estiver liberta de crenças e esperanças, é quando pode estar alerta; tal mente não se coaduna, porque não tem personalidade, que é limitação. A menos que a mente esteja livre, terá uma ideia preconcebida do que seja a verdade, deformando a vida segundo esse ideal, tornando-se dessa forma, incapaz de compreender o presente. Pois que a verdade não pertence a ideia, crença ou conceito algum, todas essas coisas são simplesmente a resistência criada pelo eu-consciência. Se, pois, vocês se amoldarem no presente com a concepção da verdade, do futuro, estarão apenas pervertendo a vida.

Vocês podem ainda dizer: “Não devo ter ideal, inspiração ou incentivo algum?” Direi: não. Não, porque, se o tiverem, estarão apenas se conformando e em tal não há entendimento. Enquanto que, se a mente de vocês se achar isenta dessas coisas, então compreenderão o presente, o seu pleno significado. Verão então que a mente de vocês desperta para essa inteligência, que é a verdadeira libertação de todas as ilusões da individualidade. A crença, mesmo quando lhes faculta temporário consolo e conforto, é apenas um sinal de decadência. A mente, quando carregada de crenças, torna-se negligente e imitadora; não é rápida em sua adaptabilidade. Ao passo que a mente sempre alerta, essa se renova. Não carece de estímulo do interior nem do exterior, pois todo estímulo é somente reação. Tal mente, assim livre, pode compreender a felicidade, a verdade.
(...)
Ao se tornarem plenamente conscientes de vocês mesmos no presente, em pensamento, emoção e, por conseguinte, em ação, estão se libertando do eu-consciência, que é limitação, que é uma qualidade.

A ação da maioria se baseia no desejo de obter algo, pelo medo ou pela ideia de recompensa no presente ou no futuro. Enquanto a ação repousar numa causa ou incentivo, tal ação criará futuro e, por conseguinte não haverá a compreensão do presente, que é, para mim, a verdade. Se a ação de vocês tem por base crença, vaidade ou posse, e disso não tiverem consciência , dela não se libertarão, não havendo compreensão. Em tal caso há perversão do pensamento, conduzindo à estagnação, à infelicidade. Mas se, pela inteligência, vocês procuram libertar a ação de vocês de todo intuito, a mente de vocês se tornará desperta e, só então poderão compreender o pleno significado de uma experiência. Deste modo, a reta ação sobrevém doce e naturalmente, se procurarem libertar a mente de vocês do “eu” pois que a reta ação é o pensamento e a conduta. Não busquem reta conduta que se torne um modo de proceder estereotipado e, portanto, sem vida. Busquem antes libertar a mente de vocês de toda limitação ou individualidade; tornem-se desprendidos – o que não implica indiferença – e então poderão não auxiliar, mas agir verdadeiramente. Daí emana a verdadeira atitude, o verdadeiro trabalho e a ordem social. A verdadeira ação por si mesma, ainda que governada pelo mais alto ideal de conduta, não dá compreensão. A compreensão só vem ao dissipar-se o centro do eu-consciência.
(...)
Por medo, vocês tem estabelecido salvadores, mestres, professores, e desse modo, vocês tem fechado a porta ao pensamento individual, através do qual, somente, a verdade se realiza. Havendo fechado a porta ao pensamento individual, vocês se tornam rudemente individuais, neste mundo das ações.

Espiritualmente, torna-se a mente qual um cordeiro; é porém, um animal terrível, no mundo das ações.
(...)
O que traz a sabedoria é a ação. Ação é sabedoria. Elas não podem ser separadas. E por termos separado a ação do nosso pensamento, das nossas emoções, da nossa capacidade intelectual de raciocinar, somos arrastados pelas coisas superficiais e assim explorados.
(...)
A alegria de viver está na ação espontânea. Para viverem como a flor, sem afãs, natural, intensa, plenamente no presente, não devem deixar a mente e o coração lutar pelas aquisições que nada mais fazem que criar a distinção entre o “eu” superior e o eu inferior.
(...)
A ação pode conduzir o indivíduo à liberdade, de modo a realizar ele esse pleno êxtase da plenitude; ou pode conduzir essa inação que nada mais é que cercar o indivíduo de futuras limitações.

A ação que conduz à inação baseia-se no egoísmo; a ação que liberta baseia-se na pesquisa que destrói o medo.

Krishnamurti – O medo - 1946

Cada momento é uma morte e um nascimento


O ser humano está sempre em crise. Ele é crise... constante, que não é acidental, mas essencial. O próprio ser das pessoas consiste de crise, daí a ansiedade, a tensão e a angústia.

O ser humano é o único animal que se desenvolve, que se move, que se transforma, que não nasce completo, fechado ou como uma coisa, mas como um processo.

Ele está em aberto, seu ser consiste em tornar-se, e esta é a crise. Quanto mais ele se torna, mais ele é.

O ser humano não pode tomar a si mesmo como algo garantido, do contrário, a pessoa se estagna e vegeta, e a vida desaparece. A vida somente permanece quando a pessoa está se movendo de um lugar a outro; a vida é este movimento entre dois lugares.

Não se pode ficar vivo num só lugar — esta é a diferença entre algo morto e um fenômeno vivo. Uma coisa morta permanece num lugar; ela é estática.

A coisa viva se move — não apenas se move, mas salta, pula. A coisa morta permanece sempre no conhecido, e o fenômeno vivo segue se movendo do conhecido em direção ao desconhecido, do familiar em direção ao não-familiar; esta é a crise. O ser humano é o mais vivo.

Você precisa continuar a se mover. O movimento cria problemas, pois ele significa que você precisa seguir morrendo para aquilo que você conhece, para o passado, que é familiar, confortável e aconchegante. Você o viveu, ganhou experiência, aprendeu muito com ele; agora não há perigo nele; ele se ajusta a você e você se ajusta a ele.

Mas o ser humano precisa se mover, precisa continuar a aventura. Você é uma pessoa somente quando continuamente prossegue nesta aventura — do conhecido ao desconhecido.

A mente se apega ao passado, pois ela é o passado. Mas seu ser deseja ir além do passado, deseja investigar. Seu ser tem um descontentamento intrínseco que eu chamo de descontentamento divino. Tudo que você tem, você consumou isso; tudo que você é, você consumou isso. Você deseja ter aquilo que você não tem e ser aquilo que você não é. O ser humano tateia no escuro à procura de mais ser, de um novo ser, de um ser mais rico.

Não é correto dizer que o ser humano nasce num dia e morre num outro. Isso é verdadeiro em relação aos outros animais, mas não em relação ao ser humano. Animais nascem um dia — eles têm um nascimento — e então um dia morrem. O ser humano está constantemente morrendo e constantemente nascendo.

Cada momento é uma morte e um nascimento. Nele, a morte e o nascimento não são opostos, mas são como duas asas de um pássaro, complementares, uma ajudando a outra.

A morte simplesmente ajuda o nascimento a acontecer. A morte segue limpando o terreno, de tal modo que o passado possa cessar e o futuro possa ser; a morte está a serviço do nascimento.

Na verdade, não está correto chamá-los de dois momentos. Trata-se de um processo visto de dois ângulos diferentes.

É como um portão, de um lado é a entrada e do outro é a saída; ou como a respiração: a mesma respiração entrando é chamada de inspiração e a mesma respiração saindo é chamada de expiração; trata-se da mesma respiração.

A morte é expiração, o nascimento é inspiração. O nascimento é a entrada, a morte é a saída, mas é a mesma energia de vida, a mesma onda.

Osho, em "A Sabedoria das Areias: Discursos Sobre o Sufismo"

sábado, 30 de março de 2013

O amor não é pessoal

A voz da cabeça não é a realidade do ser

Inventariando uma moral de segredos e mentiras

sexta-feira, 29 de março de 2013

Música: Eu não sei falar de amor



Eu não sei falar de amor
Kléber Albuquerque

Eu não sei falar de amor.
Os contadores sabem,
os profesores, os motoristas de taxi é só o que fazem
o homem com gel no cabelo esse certamente entende tudo do amor.

Eu não sei falar de amor.
Os escreventes sabem,
os despachantes, os astronautas (desses então nem se fala!)

Os operários no pátio da Ford repetem palavras de amor
Os militares preparam-se para a parada do amor
Os cegos decifram com a testa no braile do muro a palavra
AMOR

Eu não sei, eu não sei
Eu não
Eu não sei falar de amor

Nas cadeias moleculares
Na valsa do imperador
Nos olhos da avó mortinha
Da boca de quem me amou
De mim nenhuma palavra
Minha voz não se banhou
Nas águas da fonte do rio da palavra
AMOR

Se há medo não há amor e inteligência criadora


O amor deve ser igualmente para todos.
(...)
O amor não tem incentivos. Posto que implicitamente seja resultante do motivo, a ação não possui motivo, se for nascida do amor.
(...)
A verdadeira afeição, o padrão reto é o amor que é desapegado, pelo fato de ter apego a todas as coisas.

O verdadeiro amor é semelhante à flor, que dá perfume a todo transeunte e não cuida de quem recebe a sua deliciosa fragrância.
(...)
O verdadeiro desapego consiste em discernir o essencial do que não o é, em reter o essencial. Esta seleção se opõe à ideia que se tem vulgarmente do desapego: crê-se que ele consiste no eliminar o que é ilusório. Este eliminar é um ato negativo. Se em vez de eliminar o que não é essencial, esforçar-se em reter o que é essencial, a pessoa desapega-se de uma forma positiva.

De fato, o descobrimento do que é ilusório, pode levar à conclusão de que tudo não passa de ilusão. Esta conclusão não é exata. Os objetos são reais como são reais as emoções e os pensamentos. É o seu conjunto que constitui um mundo irreal, onde, apesar de tudo, nos é preciso descobrir a verdade.
(...)
Onde o "eu" não existe, já não há lugar para o medo, e então é quando o homem vem conhecer o desapego.

O temor que o homem tem de sofrer e de experimentar desilusões não o conduz senão à indiferença. Porém, a indiferença é um falso desapego. O desapego verdadeiro é o amor em si mesmo, sem objeto ou sujeito.

O homem liberto das suas limitações, do medo, do "eu" com todas as qualidades, atinge afinal a realidade.
(...)
Este estado sem medo é possível, somente nele pode haver êxtase, realidade, Deus. A não ser que uma pessoa seja completa, integralmente livre do medo, os problemas apenas se acrescentam e se tornam sufocantes, sem nenhum sentido ou razão alguma.

É isto o que quero dizer: que só na liberdade incondicionada há verdade, e sermos completamente nós mesmos, integrais em todo o nosso ser, é estarmos é incondicionados, o que revela a realidade.
(...)
Assim, o que é — sermos nós mesmos? E podemos ser nós mesmos em toda ocasião? Somente o podemos ser em toda ocasião, quando estamos fazendo alguma coisa que realmente amamos e se amamos completamente. Quando vocês fazem algo que não podem deixar de fazer com todo o ser, estão sendo vocês mesmos. Ou quando amam a outrem completamente, neste estado são vocês mesmos, sem nenhum medo, sem nenhum obstáculo. Nestes dois estados somos completamente nós mesmos.

Assim, temos de descobrir o que fazemos com o amor. Estou usando a palavra "amor" deliberadamente. O que é que vocês fazem com o amor, com todo o ser de vocês? Não o sabem. Não sabemos o que é sensato e o que é insensato fazer, e a descoberta do que é sensato e do que é insensato constitui todo o processo de viver. Quando vocês fazem algo com todo o ser, sem que haja sentimento de frustração ou medo, nenhuma limitação, neste estado de ação são vocês mesmos, independente de qualquer condição externa. Digo, se puderem chegar a este estado, quando são vocês mesmos na ação, então descobrirão o êxtase da realidade, Deus.

Vocês podem se conhecer, somente quando amarem completamente. Isto, novamente, constitui todo o processo da vida, não para ser colhido em alguns momentos, de algumas palavras minhas. Não podem ser vocês mesmos, quando o amor é dependente. Não há amor, quando há apenas a própria satisfação, ainda que seja mútua. Não há amor, quando há restrição; não há amor, quando se trata apenas de um meio para atingir a um fim; quando há apenas sensação. Não podem ser vocês mesmos, quando o amor está sob o jugo do medo; há então medo, não amor, medo que está se expressando por vários modos, embora vocês possam disfarçá-lo chamando-lhe de amor. O medo não lhes permite ser vocês mesmos.
(...)
Não pode haver amor, inteligência criadora, enquanto o medo existir sob qualquer forma. Se estiverem plenamente percebidos do medo com suas múltiplas atividades e ilusões, esse mesmo percebimento se tonará a chama da inteligência.

Quando a mente discerne por si mesma os obstáculos que impedem o pensamento claro, nenhum impulso artificial é necessário para o despertar da inteligência.

A mente que busca um método não está percebida de si própria, de sua ignorância, de seus temores. Espera apenas que talvez um método, um sistema de disciplina dissipe os seus temores e tristezas. A disciplina pode somente criar um hábito e, assim, embota a mente. Estar percebido sem escolha, estar consciente das múltiplas atividades da mente, de sua riqueza, de suas sutilezas, de suas decepções e de suas ilusões, é ser inteligente. Este mesmo percebimento dissipa a ignorância, o medo.

Se fizerem um esforço para estarem percebidos, esse esforço criará um hábito, impelido pela esperança de escapar á tristeza. Onde há profundo percebimento sem escolha, há a própria revelação, a única que pode impedir a mente de criar ilusões para si mesma e, por essa forma de se adormecer. Se houver constante vigilância da mente, sem a dualidade do observador e do observado, se a mente puder conhecer a si mesma tal qual é, sem que negue, afirme, aceite ou se resigne, então dessa mesma realidade advirá o amor, a inteligência criadora.
(...)
Uma ação nascida sem medo, portanto nascida da inteligência, é visceralmente verdadeira. Se a ação de vocês for baseada no medo, na autoridade, tal ação tem de criar o caos e a confusão. No libertar a ação de todo o medo, há amor, inteligência.
(...)
A tendência das pessoas para cultuarem a outrem, seja esse outrem quem for, destrói a inteligência; porém, o compreender e amar a outrem não está incluído no culto que nasce de um medo sutil. Só a mente limitada julga a outrem e uma tal mente não pode compreender a ardente qualidade da vida.
(...)
Como cristãos, que são, vocês professam amar o próximo: é este o ideal.

Ora, o que é que acontece na realidade? O amor não existe, porém, em lugar dele temos o medo, o domínio, a crueldade, todos os horrores e coisas absurdas do nacionalismo e da guerra. Na teoria, é uma coisa e, na prática, dá-se, exatamente, o oposto. Se, porém, pelo momento, deixarem de lado os seus ideais, se realmente fizerem frente à atualidade; se, ao invés de viverem num romântico futuro, experimentarem sem ilusões, àquilo que, de contínuo, está tendo lugar, consagrando-lhe, integralmente, a sua mente e coração, então agirão e conhecerão o movimento da realidade.
(...)
Presentemente, vocês são de tal maneira parte do processo intelectual e mecânico de viver que não podem compreender a sua artificialidade; ou recusam compreende-la, porque estando percebidos, isso significaria ação. Daí, a pobreza do próprio ser de vocês. Quando começarem a se perceber do processo do pensamento e se tornarem conscientes de que ele está criando, para si mesmo, a sua própria vacuidade e insucesso, esse mesmo percebimento dissipará o medo.

Haverá, então, amor, plenitude de vida.
(...)
Amem completamente, inteiramente, sem pensar no eu, e, por esse meio, libertem-se verdadeiramente do medo.
(...)
Na chama do amor todo medo é consumido.

Krishnamurti - O medo - Coletânea feita pela ICK - 1946

Percepções de Nisargadatta Maharaj

Antes que você possa conhecer qualquer coisa diretamente, não-verbalmente, você deve conhecer o conhecedor [aquele que conhece]. Até aqui, você achava que a mente era o conhecedor, mas não é assim. A mente o obstrui com imagens e idéias, as quais deixam cicatrizes na memória. Você toma a lembrança por conhecimento. O verdadeiro conhecimento é sempre fresco, novo, inesperado. Ele brota de dentro. Quando você sabe quem você é, você também é o que conhece. Entre o saber e o ser, não há diferença.
(...)
Além do mais, quem é o Guru? [É] Aquele que conhece o estado no qual não há nem mundo nem o pensamento sobre ele [o mundo], ele [o Guru] é o Mestre Supremo. Encontrá-lo significa alcançar o estado no qual a imaginação não é mais tomada por realidade, pela verdade, pelo que existe [pelo que é]. Ele é um realista no mais alto sentido do termo. Ele não pode e não discute com a mente e suas ilusões. Ele vem para lhe levar ao real; não espere dele nada além disso. O Guru que você tem em mente, aquele que lhe dá informações e instruções, não é o Guru real. O guru real é aquele que conhece o real, além do glamour das aparências. O que existe para você não existe para ele. O que você toma por certo, ele nega absolutamente. Ele quer que você veja a si mesmo como ele o vê. Aí [então] você não precisará de um guru para obedecer e seguir, porque você obedecerá e seguirá sua própria realidade.
(...)
Seu corpo dura pouco no tempo. Tempo e espaço estão apenas na mente. Você não está preso. Apenas compreenda a si próprio - isso, em si mesmo, é a eternidade.
(...)
Aquiete-se. Faça seu trabalho no mundo, mas interiormente aquiete-se. Então, tudo virá a você. Não confie em seu trabalho para sua realização. Ele pode trazer lucros para os outros, mas não para você. Sua esperança jaz em fazer silêncio na sua mente e no seu coração. Pessoas realizadas são muito quietas.
(...)
Como em um cinema tudo é luz, assim também a Consciência se torna o vasto mundo. Olhe atentamente e você verá que todos os nomes [palavras] e formas [geométricas ou não] são apenas ondas transitórias no oceano da Consciência, [e] que apenas a Consciência pode ser dita como existindo, não suas transformações. Na imensidão da Consciência, uma luz aparece, um pequeno ponto se move rapidamente e traça formas, pensamentos e sentimentos, conceitos e idéias, como uma pena escrevendo em um papel. A tinta que deixa o traço, é a memória. Você é esse pequeno ponto, e por seu movimento o mundo é sempre recriado. Pare de se mover e não haverá mundo. Olhe para dentro e você descobrirá que o ponto de luz é o reflexo da imensidão da luz no corpo, aparecendo como o sentimento de 'Eu Sou'. Há apenas luz, tudo o mais apenas aparece. Para a mente, ela [essa luz] aparece como escuridão. Ela pode ser conhecida apenas pelos seus reflexos. Tudo é visto à luz do dia, exceto a luz do dia em si mesma. A Suprema Ciência [a união definitiva entre criatura e criador] é ser o ponto de luz traçando o mundo. A luz, em si mesma, é a própria união. Mas para que servem os nomes, se a realidade está tão perto?
(...)
Eu Sou o que Eu Sou, nem com forma nem sem forma, nem consciente nem inconsciente. Eu Sou/Estou fora de todas essa categorias. Você não pode me encontrar pela simples negação. Eu Sou tanto tudo como nada. Nem ambos e nem nenhum dos dois. Estas distinções se aplicam ao Senhor do universo, não a mim. Eu Sou/Estou completo e perfeito. Eu Sou a existência do existir, o Saber do saber, a Plenitude da felicidade.
(...)
Nada o impede de se tornar um sábio aqui e agora, exceto o medo. Você tem medo de ser impessoal, do Ser impessoal. É tudo muito simples. Dê as costas aos seus desejos e medos, dos pensamentos que eles criam, e você estará imediatamente no seu estado natural.
(...)
Eu existo além do tempo. Não importa quão longa uma vida possa ser, é apenas um momento e um sonho. Da mesma maneira, eu existo além de todos os atributos. Eles aparecem e desaparecem na minha luz, mas não podem me descrever. O universo é todo nomes e formas, baseados em qualidades e diferenças, enquanto eu existo além. O mundo está lá porque eu sou, mas eu não sou o mundo. Eu sei que há um mundo, o qual inclui este corpo e esta mente, mas eu não os considero mais 'meus' do que outros corpos e mentes. Eles estão ali, no tempo e no espaço, mas eu sou intemporal e sem medidas.
(...)
Primeiro realize seu próprio ser. Isto é fácil, porque o sentimento de 'Eu Sou' está sempre com você. Então, encontre a si mesmo como o conhecedor [aquele que conhece], separado do conhecido. Uma vez que você [re]conhece a si mesmo como puro Ser, o êxtase da liberdade é [o] seu.
(...)
O valor definitivo do corpo é que ele serve para descobrir o corpo cósmico, o qual é o universo na sua totalidade. Na medida em que você se descobre se manifestando, você continua a descobrir que é sempre mais do que tinha imaginado.
(...)
Aquele que acredita que nasceu tem muito medo da morte. Por outro lado, para aquele que conhece a si mesmo verdadeiramente, a morte é um evento feliz.
(...)
Uma vez que você compreenda que a estrada é a meta, e que você está sempre na estrada, não para alcançar a meta, mas para aproveitar sua beleza e sua sabedoria, a vida cessa de ser uma tarefa e se torna natural e simples, um êxtase em si mesmo.
(...)
Uma coisa é bem clara para mim: tudo o que vive e se move tem seu Ser na Consciência, e Eu Sou/Estou dentro e além da Consciência. Eu Sou/Estou dentro como testemunha. Eu Sou/Estou além como Ser.
(...)
Dor e prazer sempre andam juntos. Liberdade de um significa liberdade de ambos. Se você não se importa com o prazer, não terá medo da dor. Mas há a felicidade, a qual não é nenhum dos dois, a qual está completamente além.
(...)
Identificar-se com o particular é todo o pecado que existe. O impessoal é real, o pessoal aparece e desaparece. 'Eu Sou' é o Ser impessoal, 'Eu sou isto' é a pessoa. A pessoa é relativa, e o puro Ser [é] fundamental.
(...)
Você fala sobre o fluxo do tempo como se você fosse estacionário. Mas os eventos que você testemunhou ontem, alguém mais pode ver amanhã. É você que está se movendo e não o tempo. Pare de se mover e o tempo cessa. Passado e futuro se fundem em no eterno agora. 
(...)
Enquanto se for consciente, haverá dor e prazer. Você não pode lutar contra a dor e o prazer no nível da Consciência. Para ir além deles, você tem de ir além da Consciência, o que é possível apenas quando você olha a Consciência como algo que acontece a você, e não em você, como algo externo, alienígena, superimposto. Então, subitamente, você está livre da Consciência, realmente sozinho, sem nada se intrometendo. E esse é o seu estado verdadeiro. A Consciência é uma irritação que faz você se coçar. Claro, você não pode escapar da Consciência , porque o próprio [ato de] escapar está dentro da Consciência. Mas se você aprender a olhar para a sua Consciência como um tipo de febre, pessoal e particular, na qual você está preso como um pintinho no seu ovo, dessa atitude virá a crise, a qual quebrará o ovo.
(...)
Não tente ser feliz, ao invés disso, questione a sua própria busca por bem-aventurança. É porque você não é feliz que você quer ser feliz. Descubra porque você é infeliz. Porque você não é feliz, você busca a bem-aventurança no prazer; o prazer traz a dor, e por isso você o chama de mundano; você então anseia por algum outro prazer, sem dor, ao qual chama de divino. Na realidade, o prazer é apenas uma folga da dor.
(...)
A Consciência em você e a Consciência em mim, aparentemente duas, [mas] realmente uma, buscam a unidade e isso é Amor.
(...)
Aquilo que você é, seu verdadeiro Self, você o ama, e o que quer que você faça, você faz para sua própria felicidade. Encontrar seu verdadeiro Self, conhecê-lo, amá-lo é sua urgência básica. Seja verdadeiro com você mesmo, ame a si mesmo absolutamente. Não finja que você ama os outros como a si mesmo. Você não pode amar o outro a menos que você tenha compreendido que ele [o outro] é um com você. Não finja ser o que você não é, não se recuse a ser o que você é. O seu amor pelos outros é o resultado do seu auto-conhecimento, não a sua causa. Sem a auto- realização, nenhuma virtude é genuína. Quando você sabe além de qualquer dúvida que a mesma vida flui através de tudo que é, e que você é essa vida, você irá amar tudo natural e espontaneamente. Quando você compreende a profundidade e a amplitude do seu amor por você mesmo, você sabe que cada ser vivo e o universo inteiro estão incluídos no seu afeto. Mas quando você olha para qualquer coisa como separada de você, você não pode amá-la porque você a teme. A alienação causa medo, e o medo aumenta a alienação. É um circulo vicioso. Apenas a auto-realização pode quebrá-lo.
(...)
Você reconhecerá que voltou ao seu estado natural pela completa ausência de todo desejo e medo. Além do mais, na raiz de todo desejo e medo, está o sentimento de não ser o que você é. Assim como uma junta deslocada dói enquanto está fora do lugar, e é esquecida tão logo volte à sua posição correta, assim toda auto-preocupação é [também] um sintoma de uma distorção mental, que desaparece tão logo se volte ao estado natural.
(...)
O que é religião? Uma nuvem no céu. Eu vivo no céu, não nas nuvens, as quais tantas palavras mantém unidas. Tire o palavreado, e o que permanece? A verdade permanece.

Nisargadatta Maharaj

quinta-feira, 28 de março de 2013

Descobrindo a causa fundamental do medo

O homem é autoridade absoluta para si mesmo; o homem é o seu próprio senhor, não é tributário das circunstâncias exteriores. Ele , por suas próprias tristezas, pelas suas complicações, pelos seus desentendimentos, faz parte do mundo, e o mundo que o rodeia é sua expressão.

(...)

Para onde quer que vocês se dirijam, verificarão que as pessoas buscam a felicidade que é permanente, durável e eterna. São, porém, colhidas como peixe na rede — rede má — das coisas transitórias que as rodeiam, pelos aborrecimentos, pelas atrações, antipatias, ódios, despeitos, por todas essas mesquinhas coisas que ligam o homem. É como se estivéssemos num jardim onde há muitas flores. Cada flor se esforça por expandir-se, por viver e proporcionar seu aroma, mostrar sua beleza, seus desejos, por evidenciar ao mundo seu pleno crescimento. Durante o processo de desabrochar, de conquistar, de expandir-se, perde-se o homem no que é exterior. Surge daí a complicação e ele têm de distinguir desde o começo o que é essencial do que o não é.

(...)

Como vocês podem compreender o ambiente? Como podem entender o pleno significado e merecimento? O que é que lhes impede de ver seu significado? O medo. O medo é a causa da busca de proteção ou segurança, segurança que ou é física ou espiritual, religiosa ou emocional. Enquanto existir esta busca, tem de haver medo, o qual então cria a barreira entre a mente de vocês e o ambiente e, por esse modo, cria um conflito; e esse conflito, vocês não podem dissolver, enquanto somente se preocuparem com o ajustamento, a modificação, e jamais com a descoberta da causa fundamental do medo.

Assim, pois, onde houver esta busca de segurança, de certeza, de uma meta impedindo o pensar criador, tem de haver o ajustamento chamado disciplina de si própria, que nada mais é que compulsão, a imitação de um padrão. Ao passo que, quando a mente vê que não existe tal segurança no ajuntamento de coisas ou de conhecimentos, então a mente liberta-se do medo, e portanto a mente é inteligência, e aquilo que é inteligência não se disciplina a si mesmo. Só há própria disciplina, onde não há inteligência. Onde há inteligência, há entendimento liberto da influência do controle e do domínio. 

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK

Onde há medo não pode haver inteligência

Quero falar agora a respeito do medo, que necessariamente cria compulsão e influência.

Nós dividimos a mente em pensamento, razão e intelecto; mas, para mim, a mente é inteligência criadora de si mesma, porém nublada pela memória; a mente que é inteligência, estando nublada pela memória, confunde-se com esse "eu" consciência, que é o resultado do ambiente. Assim, a mente torna-se escravizada pelo ambiente que ela própria criou através do desejo, e, portanto, há temor continuamente. A mente criou o ambiente e, enquanto não compreendermos este ambiente, deve haver medo. Não damos todo o nosso entendimento ao ambiente e não estamos plenamente conscientes dele e, assim, a mente torna-se escrava desse ambiente e por causa disso há medo; e a compulsão é o instrumento desse medo. Logo, naturalmente, a falta de entendimento do ambiente é produzida pela falta de inteligência, e, por não compreendermos o ambiente, o medo é, por essa forma, criado, necessitando de influência, seja externa ou interna.

E como é criada esta continua compulsão, a qual se tornou o instrumento, o penetrante instrumento do medo? A memória nubla a mente, e a mente nublada, é o resultado da falta de entendimento do ambiente, que cria conflito, e a memória torna-se consciência de si própria. Esta mente, nublada, limitada e confinada pela memória, busca a perpetuação do resultado do ambiente, que é o "eu"; assim, na perpetuação do "eu", a mente busca ajustamento, a alteração ou modificação do ambiente, seu crescimento e expansão. Como sabem, a mente está continuamente buscando o ajustamento ao ambiente; porém, este ajustamento não produz entendimento, nem podemos verificar o significado desse ambiente pela tentativa de modificar ou expandir esse ambiente. Porque a mente busca, continuamente, sua proteção, ela, nublada pela memória, tornou-se confusa, identificada com a própria consciência — essa consciência que deseja perpetuar-se; por conseguinte, ela se esforça por alterar, ajustar, modificar o ambiente ou, em outras palavras, a mente procura tornar o "eu" imortal, universal e cósmico, como julga ser possível.

Não é assim?

Portanto, a mente que busca imortalidade, deseja realmente a continuação desse "eu"-consciência, a perpetuação do ambiente; isto é, enquanto a mente se apegar a ideia do "eu"-consciência, que é apenas a falta de compreensão do ambiente e, portanto, a causa do conflito, ela continuará a procurar nessa limitação sua própria perpetuação, que denominamos imortalidade, ou aquela consciência cósmica em que o particular ainda persiste. Enquanto a mente, que é inteligência, estiver presa no cativeiro da memória, que é o "eu"-consciência, haverá a busca do falso pelo falso. Este "eu", como expliquei, é a falsa reação do ambiente; há uma causa falsa e ela está sempre buscando uma falsa solução, um falso efeito, um falso resultado. Assim, quando a mente nublada pela memória busca perpetuar-se como própria consciência, está procurando falsa imortalidade, falsa expansão cósmica ou o que quer que lhe queiram chamar.

Neste processo de perpetuação do "eu", dessa memória que é conservadora de si própria, na perpetuação desse "eu", nasce o medo — não o medo superficial, porém o medo fundamental, de que tratarei logo em seguida. Eliminem esse medo, que tem como sua expressão exterior a nacionalidade, o crescimento, a expansão, o êxito — eliminem esse medo fundamental e, então, a ansiedade pela perpetuação desse "eu" e todos os temores cessam. Portanto, o medo existirá, enquanto existir o desejo de perpetuação dessa coisa que é falsa: este "eu" é falso, portanto, devem ter uma falsa reação, a qual é o próprio medo. E onde existir o medo, deve existir disciplina, compulsão, influência, domínio e a busca do poder que a mente glorifica como virtude e divino. Se realmente refletirem sobre isto, verificarão que onde existir inteligência não pode existir a busca pelo poder.

Toda a vida está moldada pelo medo e pelo conflito e, portanto, pela compulsão, pela imposição de decretos e grilhões que alguns julgavam virtuosos e dignos e outros consideravam venenosos e maus. Não é assim? São estas as restrições que vocês estabeleceram em suas buscas de  perpetuação, livre de medo; nessa busca criaram disciplinas, códigos e autoridades, a vida de vocês está modelada, controlada e conformada pela compulsão de várias formas e graduações. Alguns denominam de virtuosa esta compulsão, outros a consideram perniciosa.

Temos, em primeiro lugar, a compulsão exterior, que é a repressão do ambiente sobre o indivíduo. A pessoa vulgar, que vocês denominam não evoluída, não espiritual, é controlada pelo ambiente, o ambiente exterior; isto é, pela religião, códigos de conduta, padrões de moral, autoridade política e social; é uma escrava de tudo isto, porque isto tudo está radicado nas necessidades econômicas do indivíduo. Não é assim? Eliminem integralmente as necessidades econômicas de que o indivíduo depende e então os códigos de conduta, padrões de moral e valores políticos, econômicos e sociais desaparecem. Portanto, nestas restrições do ambiente externo, que criam conflito entre o indivíduo e o ambiente, na qual o indivíduo é oprimido, vergado, torcido, torna-se ele progressivamente sem inteligência. O indivíduo que está meramente condicionado, a todo instante, pelo ambiente exterior, amoldado por certas regras, leis, reações, editos e padrões de moral — quanto mais o oprimirem, menos inteligente ele se torna. A inteligência, porém, é a compreensão do ambiente, percebendo seu significado sutil, liberto de compulsão.

Estas restrições impostas ao indivíduo, às quais ele chama ambiente externo, tem como seus expoentes os charlatões e exploradores na religião, na moralidade popular, e na vida política do homem. Explorador é o indivíduo que se utiliza de vocês, consciente ou inconsciente, e vocês se submetem consciente ou inconscientemente, porque não compreendem; se tornam econômica, social, política e religiosamente, o explorado, e ele se torna o explorador de vocês. Assim, por esta maneira, a vida torna-se uma escola, um molde, um molde de aço em que o indivíduo é batido para tomar forma, em que ele se torna mero dente da engrenagem de uma máquina, irrefletido e rigidamente limitado. A vida torna-se uma luta, uma batalha contínua, e assim ele estabeleceu essa falsa ideia de que a vida é uma série de lições a serem aprendidas, a serem adquiridas, de modo que ele possa, previamente, ser advertido para defrontar a vida amanhã, novamente, porém, com suas ideias preconcebidas. A vida torna-se meramente uma escola, não uma coisa a ser vivida, a ser gozada, a ser vivida com êxtase, plenamente, sem medo.

O ambiente externo domina o indivíduo, forçando-o a entrar nessa estrutura de aço, de padrões, de moralidades, ideias religiosas, de editos de moral, e como o indivíduo é esmagado pelo exterior, busca escapar e foge para um mundo que ele chama interior. Naturalmente quando a mente é torcida, conformada, pervertida pelo ambiente exterior e há um constante conflito externo, luta, constantes falsos ajustamentos, a mente espera por tranquilidade, por felicidade, por um mundo diferente; assim o indivíduo edifica um céu romântico de fuga, onde procura compensação para as perdas e o sofrimento no mundo externo.

Por favor, como disse, vocês estão aqui para descobrir, para criticar, não para se oporem. Podem se oporem, depois que tiverem refletido muito cuidadosamente sobre o que lhes digo. Podem levantar barreiras, se assim o desejarem, mas, primeiro, averiguem plenamente o que eu quero lhes transmitir, e, para o fazerem, necessitam de ser supercríticos, apercebidos, inteligentes.

Como lhes disse, o indivíduo, esmagado pelas circunstâncias exteriores que criam sofrimento e esforçando-se para escapar a essas circunstancias, cria um mundo interno, começa a desenvolver uma lei interna e cria suas próprias restrições individuais a que denomina disciplina ou cooperação com aquilo  a que aprendeu a chamar seu "eu" superior.

A maioria das pessoas — as pessoas pretensamente espirituais — rejeitaram a força externa do ambiente e a sua influência, porém, desenvolveram uma lei interna, um padrão interno, uma disciplina interna, a que chamam trazer o eu superior para o eu inferior; isto, em outras palavras, é mera substituição. Existe, assim, a própria disciplina. Há, depois, aquilo que denominam de voz interior, cujo poder e controle é, sem dúvida, muito maior do que o ambiente externo. Qual é, porém, finalmente, a diferença entre um e outro, entre o externo e o interno? Ambos controlam, pervertem a mente, que é a inteligência, pelo desejo de perpetuação de si mesma. E vocês têm também aquilo que chamam de intuição, que é apenas a apelação, sem travas, de suas próprias esperanças e desejos secretos. Assim, vocês completaram o mundo interno, aquilo que chamam de mundo interior, com tudo isto — disciplina de si próprio, voz interna e intuição. Tudo isto, se refletirem são formas sutis desse mesmo conflito, levadas para um mundo diferente em que não há entendimento, mas apenas uma padronização, um ajustamento a um ambiente mais sutil a que vocês denominam mais espiritual.

Como sabem, algumas pessoas buscaram e encontraram, no mundo exterior, distinções sociais e, igualmente, as pessoas denominadas espirituais, buscam apenas nesse mundo interno, e geralmente encontram, seus pares e superiores espirituais; e, assim como há conflito entre os indivíduos no exterior, também é criado um conflito espiritual no mundo interno, entre os ideais, as expansões e suas próprias ansiedades. Vejam, pois, o que foi criado.

No mundo externo não há expressão para a mente nublada pela memória, para esse "eu"-consciência não há expressão, porque o ambiente é demais forte, poderoso e esmagador; nele, ou vocês se adaptam ao molde ou, se não o fizerem, são esmagados. Assim, vocês desenvolvem uma forma interna, ou mais sutil, de ambiente, em que tem lugar exatamente o mesmo processo. Este ambiente por vocês criado é uma fuga do ambiente externo, e nele vocês também têm padrões de leis morais, instituições, o eu superior, a voz interna, e a isso constantemente se ajustam. Isto é um fato.

Em essência, estas restrições, denominadas internas e externas, nascem do desejo e, por isso, existe o medo; do medo surge a repressão, a compulsão, a influência, e o desejo de poder, que são apenas expressões exteriores do medo. Onde há medo não pode haver inteligência, e enquanto não compreendermos isto, deve haver na vida essa divisão em interna e externa e, portanto, as nossas ações têm de ser sempre influenciadas e compelidas pelo externo, e, portanto pelo falso, ou pelo interno, que é igualmente falso, porque também no interno vocês estão procurando apenas se ajustarem a determinados outros padrões.

O medo é criado, quando o falso busca a perpetuação de si próprio no falso ambiente. E, assim, o que acontece à nossa ação, que é a nossa conduta diária, ao nosso pensamento e emoção, o que acontece a tudo isto?

A mente e o coração amoldam-se ao ambiente, ao ambiente externo, porém, quando verificam que não podem, por tornar-se a compulsão demasiadamente forte, então voltam-se para um estado interno, em que a mente e o coração buscam perfeita tranquilidade e satisfação. Ou, então, saciaram-se completamente pelas conquistas sociais, econômicas, políticas e religiosas e depois voltam-se para o interno e ali também desejam ter sucesso, bom êxito, triunfo, e, para o atingir, devem sempre ter em vista uma culminância, um objetivo que se torna apenas um estado, ao qual a mente e o coração estão continuamente se ajustando.

Assim, neste ínterim, o que é que acontece aos nossos sentimentos, às nossas emoções, aos nossos pensamentos, ao nosso amor, à nossa razão? O que acontece, quando vocês estão meramente se ajustando, quando simplesmente estão se modificando, alterando? O que acontece a qualquer coisa, por exemplo a uma casa cujas paredes vocês decoram, embora seus alicerces estejam deteriorados? De modo idêntico, nossos pensamentos e emoções estão meramente tomando forma, alterando-se, modificando-se segundo um padrão, seja ele externo ou interno; ou de acordo com uma compulsão externa ou de uma direção interna. Assim, pois, as nossas ações estão sendo grandemente limitadas pela influência, em que todo o raciocínio se torna apenas a imitação de um modelo, um ajustamento a certa condição, e o amor torna-se apenas outra forma de medo. Toda a nossa vida — afinal a nossa vida são os nossos pensamentos, as nossas emoções, as nossas alegrias e dores — toda a nossa vida permanece incompleta, todo nosso processo de pensar ou de expressão dessa vida, é meramente ajustamento, uma modificação, jamais um preenchimento, uma plenitude. E daí surge problema após problema, o ajuste ao ambiente que deve estar, constantemente, mudando, e a conformidade com padrões, que também devem variar. Assim, vocês prosseguem nesta batalha a que chamam evolução, no crescimento do eu, na expansão dessa consciência que é apenas memória. Vocês inventaram palavras para apaziguar suas mentes, porém, continuam nessa luta.

Ora, se ponderarem, realmente, sobre isto, se reconhecerem tudo isto, e sem o desejo de alterar, sem o desejo de modificar, se tornarem apercebidos desse ambiente exterior, destas circunstâncias, destas condições, e também do mundo interno em que existem as mesmas condições, os mesmos ambientes que apenas denominaram por nomes mais sutis e mais bonitos; se realmente se aperceberem de tudo isto, então começarão a compreender o verdadeiro significado do externo e do interno; então surgirá uma percepção imediata, a libertação da vida, a mente torna-se, depois, inteligência e pode funcionar com naturalidade e de modo criador, sem esta constante luta. Então, a mente — a inteligência — reconhece os obstáculos, e porque os compreende, ela penetra-os; não há mais ajustamento, não há modificação, há somente entendimento. Por esta razão, a inteligência não depende do externo ou do interno, e nesse percebimento não há desejo, não há ansiedade, mas apenas a percepção do que é verdadeiro. Para perceber o que é verdadeiro não pode haver desejo.

Vocês sabem que, quando há um desejo ardente, a mente de vocês já está nublada, pervertida, porque a mente identifica-se com uma coisa e rejeita outra — onde há desejo ardente, não há entendimento; porém, quando a mente não se identifica com o "eu", mas se torna percebida tanto do externo como do interno, das sutis divisões, das várias emoções, das delicadas matizes da mente, que se divide em memória e inteligência — então, nesse percebimento, verificarão o pleno significado do ambiente que criamos através dos séculos, desse ambiente que denominamos externo e também interno, ambos os quais estão continuamente mudando, ajustando-se um ao outro.

Tudo o que lhes preocupa agora é a modificação, a alteração, o ajustamento, e, portanto, deve haver medo. O medo tem seu instrumento na compulsão, e esta só existe, quando não há entendimento, quando a inteligência não está funcionando normalmente.  

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK

quarta-feira, 27 de março de 2013

Meditação com Eckhart Tolle


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Filme: Quiz Show - A Verdade dos Bastidores

Título original: Quiz Show
Ano: 1984
Dirigido por: Robert Redford
Com: John Turturro, Ralph Fiennes, Rob Morrow mais
Gênero: Histórico , Drama
Nacionalidade: EUA
Tema: sobre o condicionamento da mídia

Final dos anos 50. Charles Van Doren (Ralph Fiennes) é um professor de literatura, filho de um conceituado ganhador do Prêmio Pulitzer, Mark Van Doren (Paul Scofield), que tentou a sorte no "Twenty-One", um programas de perguntas e respostas, concorrendo com Herbie Stempel (John Turturro), um judeu de memória enciclopédica. Charles descobriu que se tratava de um jogo de cartas marcadas, pois os candidatos sabiam previamente quais perguntas seriam feitas. Os produtores consideraram que Charles encarnava melhor a imagem de um vencedor, o que fez com que Stempel se sentisse preterido e ameaçasse denunciar o engodo, caso não lhe pagassem uma grande quantia. Como isto não surtiu efeito Stempel denunciou a farsa, que se tornou um grande escândalo nacional. Mas para isto acontecer foi necessário o empenho de Dick Goodwin (Rob Morrow), um advogado idealista, que trabalhava para uma subcomissão do Congresso.










Discernir o processo do "eu" é o começo do preenchimento

Preencher-se é ser inteligente; e para despertar a inteligência é necessário o reto esforço. E o vigor, para este fim, não pode ser artificial; e a vida não deve ser dividida em trabalho e realização interna. O trabalho e a vida interna devem estar juntos. A própria alegria do esforço reto abre as portas da inteligência.

O discernir do processo do "eu" é o começo do preenchimento.

(...)

Se vocês, como indivíduos, começarem a despertar para as limitações que lhes são impostas pela sociedade, pelas religiões, pelas condições econômicas, e começarem a investigar e, assim, a criar conflito, então dissiparão essa pequena consciência que chamo o "eu"; então, saberão o que é este preenchimento, este viver criador no presente.

(...)

Ao tentarem descobrir o mérito das fugas que, por vocês mesmos criaram, manifesta-se a verdadeira inteligência, e essa inteligência é felicidade criadora, é preenchimento.

(...)

O mundo é uma extensão de vocês, enquanto forem irrefletidos, presos à ignorância, ao ódio, à ambição; mas, quando ficarem sinceramente atentos, apercebidos, não haverá somente uma dissociação dessas causas que criam tristeza e sofrimento, mas também haverá essa compreensão, que é o preenchimento, o todo.

(...)

Ambição não é preenchimento. A ambição é inflação do eu. Na ambição há a ideia de proveito pessoal, sempre em oposição ao lucro de outrem; há nela o culto do êxito, a competição cruel e a exploração de outrem. No despertar da ambição há descontentamento constante, destruição e vacuidade; pois, no próprio momento do êxito, há um falecimento e, portanto, um renovado impulso para outras consecuções. Quando discernirdes profundamente que a ambição tem dentro de si  esta constante luta e angústia, então compreenderão o que é o preenchimento. O preenchimento é a expressão fundamental daquilo que é verdadeiro. Com frequência, porém, toma-se equivocadamente uma reação superficial pelo preenchimento. O preenchimento não é apenas para uns poucos, mas exige profunda inteligência. Na ambição há o objetivo e o incitamento no sentido da sua consecução; porém, o preenchimento requer um ajuste contínuo e a reeducação de todo de todo o nosso ser social. Onde há ambição, há também a busca de recompensa por parte dos governos, das igrejas ou da sociedade, ou então há o desejo das recompensas das virtudes com suas consolações. No preenchimento desaparece integralmente a ideia de recompensa e de punição, pois todo o medo cessa por completo.

Façam experiências relativas ao que estou dizendo, e discirnam por si mesmos. A vida atual de vocês está repleta de ambição, não de preenchimento. Vocês se esforçam para se tornarem alguma coisa, em lugar de se perderem nas limitações que impedem o verdadeiro preenchimento.

(...)

O preenchimento é a fruição do profundo entendimento da nossa própria existência e de nossas ações.

(...)

O preenchimento é perfeição. Você não podem se preencher no futuro. O preenchimento não depende do tempo. O preenchimento está no presente.

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK

No percebimento encontra-se o reino da vida

Vou explicar o que entendo por percebimento. Precisamos nos tornar conscientes do que somos.

Como nos tornamos conscientes do que somos? Ficando interessados. Isto é, ao tomarmos interesse surge uma natural concentração que desperta a vontade. Concentração é a convergência de todas as energias sobre alguma coisa em que estamos interessados. Por exemplo, quando nosso desejo está em ganhar dinheiro e no poder que ele dá, ou quando ficamos absorvidos num livro ou em qualquer atividade criadora, há, então, uma concentração natural.

A vontade desperta, quando há interesse. Quando não há vontade, surge a dispersão do pensamento, contradição de desejos. O começo do percebimento é a natural concentração do interesse, em que não há conflito de desejos e escolha, e, por isso, há a possibilidade de se compreenderem os diferentes desejos que se opõem. Se o pensamento está procurando um certo resultado definido, há exclusão ou agregação, o que conduz à falta de plenitude e isto não é o percebimento de que falo. Vocês não podem compreender toda a complexidade do processo do ser de vocês, se estiverem procurando resultados ou tentando alcançar um estado que pensam ser a paz, a realidade ou a libertação. Percebimento é a compreensão total do processo do desejo consciente e inconsciente.

No princípio mesmo do percebimento há a compreensão do que é verdadeiro. A verdade não é um resultado ou um intuito, mas é para ser compreendida. No próprio processo da compreensão, por exemplo, da ambição, há a realização do que é verdadeiro. Esta compreensão não nasce da simples razão ou da emoção, porém é o resultado do percebimento da perfeição da ação-pensamento.

Quando estamos conscientes, temos a percepção de um processo dual que em nós ocorre, — querer e não querer; desejos incontidos e desejos reprimidos. Os desejos incontidos têm a sua própria vontade. A concentração sobre os desejos incontidos e sua ação, cria um mundo de competição e divisão em mundanismo, amor da posse e ansiedade pela continuidade pessoal. Ao percebermos as consequências destes desejos incontidos, que tanta dor e tristeza nos causam, nasce o desejo de refreá-los, com sua própria vontade típica. Assim, há conflito entre a vontade incontida e a vontade de reprimir. Este conflito tanto pode criar compreensão, como confusão e ignorância. A vontade incontida e a vontade de reprimir são a causa da dualidade, fato que não pode ser negado.

Embora os opostos tenham uma causa comum, não podemos passar ligeiramente sobre eles, ou colocá-los de lado; temos de compreendê-los, para ficarmos livres do conflito dos opostos.

Sendo invejosos e, por isso, conscientes do conflito e da dor, procuramos cultivar o seu oposto, mas nisto não há libertação da inveja. O motivo que nos leva a cultivar o oposto é muito importante; se for um desejo de fugir da luta e do sofrimento da inveja, então o seu oposto torna-se idêntico a ele mesmo, e, porquanto, não há libertação da inveja. Ao passo que, se considerarmos profundamente a causa intrínseca da inveja e nos tornarmos percebidos de suas várias formas, com suas incitações, então, neste entendimento, há libertação da inveja, sem criar seu oposto. A concentração que surge no processo de percebimento não resulta do auto-interesse ou da mórbida introspecção. Estar interessado é ser criador e isto é felicidade. Esta concentração do interesse vem naturalmente, quando há percebimento. Quando há compreensão do processo dos desejos incontidos, com sua denominada vontade positiva e repressiva, nasce a plenitude, o preenchimento que não é criação do intelecto. O intelecto, a faculdade de discernir, é o instrumento do entendimento e não um fim em si mesmo. O entendimento transcende à razão e à emoção.

(...)

O percebimento surge, quando há interesse em compreender, mas o interesse não pode ser criado pela simples vontade e controle. Se derem verdadeiro valor às coisas, somente para não haver conflito, estão vivendo num estado de ilusão, pois então não compreenderão o processo do desejo que cria conflito e dor.

(...)

Existe a auto-análise, a introspecção, se não tiverem entendido a experiência do presente. Na auto-análise vocês saem para fora do fluxo da vida, examinando uma coisa que é passada e morta; ao passo que existe um processo natural de observação, de exame no movimento, no viver, que pertence à própria vida.

(...)

O percebimento é o processo da plenitude, e a introspecção é incompleta. O resultado da introspecção é mórbido, doloroso, ao passo que o percebimento é entusiasmo e alegria.

(...)

O percebimento está no momento da ação; se estamos percebidos entendemos compreensivamente, como um todo, causa e efeito da ação, o processo imitativo do medo, suas reações, etc. Este percebimento liberta o pensamento das causas e influências que o limitam e prendem, sem criar mais cativeiro, e assim o pensamento torna-se profundamente flexível, o que é ser imortal. A auto-análise ou introspecção tem lugar, antes ou depois da ação, preparando, assim, o futuro e limitando-o.

(...)

No percebimento há somente o presente, isto é, estando apercebidos, veem o processo passado de influência que controla o presente e modifica o futuro. O percebimento é um processo integral, não um processo de divisão. Por exemplo, se faço a pergunta "acredito em Deus?", no próprio decurso da pergunta posso observar, se estiver apercebido, o que é que me leva a fazer esta pergunta; se estou atento, posso compreender quais foram e quais são as forças em ação, que estão me compelindo a fazer esta pergunta. Então, estou apercebido das várias formas de medo, daquele com que os meus antepassados criaram uma certa ideia de Deus e a me transmitiram, e, combinando sua ideia com as minhas reações presentes, modifiquei ou mudei o conceito de Deus. Estando desperto, compreendo este processo inteiro do passado, seu efeito no presente e no futuro, integralmente, como um todo.

(...)

Por favor atentem bem nisto. Não pode haver percebimento, essa vigilância da mente e das emoções, enquanto a mente estiver ainda prisioneira do prazer e da dor. Isto é, quando uma experiência lhes proporciona dor e ao mesmo tempo lhes dá prazer, vocês nada fazem. Só agem, quando a dor é maior do que o prazer; porém, se o prazer for maior, absolutamente nada fazem, porque não há conflito agudo. É somente quando a dor ultrapassa o prazer, quando aquela é mais aguda, que exige a ação.  

(...)

O percebimento de todo o ser de vocês está na razão direta da consciência de seus pensamentos-emoções.
(...)

Vocês pensam separadamente na emoção; não pensam com sentimento. A reação faz vocês pensarem, porém, não ousam pensar por completo, nesse percebimento emocional de que falo, porque, se o fizessem, seriam forçados a afrouxar as ligaduras que lhes prendem. Vocês tem de se tornarem perfeitamente simples, inteligentes.

Quando estiverem verdadeiramente livres da distinção entre pensamento e emoção como funções separadas, então não haverá percebimento, mental nem emocional; será o percebimento perfeito, no qual mente e coração estarão fundidos em um só.

No percebimento, cessa toda a distinção. A distinção individual na ação somente desaparece pelo pensamento ao completar-se a si próprio pelo percebimento emocional; isto é, por meio da perfeita harmonia da mente e do coração.
(...)
É somente quando existe inteligência, essa harmonia da mente e do coração, esse constante percebimento, que é discernimento do intrínseco valor das coisas, liberto de tradições do passado e de esperanças no futuro, que acontece a realização da eternidade.

(...)

Mediante o percebimento alcança-se o reino da vida.  

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK

Penetrando o real sentido de viver


Antes de mais nada, desejo declarar que não pertenço a sociedade alguma. Não sou teosofista nem missionário teosófico e nem tampouco tenho o propósito de lhes converter a qualquer forma específica de crença. Acredito não ser possível seguir a alguém ou aderir a determinada crença e, ao mesmo tempo, possuir capacidade de pensar com clareza.

Eis porque a maioria dos partidos, das sociedades, das seitas e das corporações religiosas se tornam meios de exploração.

Tampouco sou portador de uma filosofia oriental, concitando-lhes para que a aceitem. Quando falo na Índia, dizem-me ali que anuncio uma filosofia do ocidente; e quando venho para países ocidentais, dizem que trago um misticismo oriental que não é prático e que, portanto, é inútil para o mundo das ações. Se, porém, realmente refletirem, verão que para o pensamento não há nacionalidades, nem tão pouco se acha ele restrito a qualquer país, clima ou povo. Portanto, peço-lhes que não considerem o que vou dizer-lhes como o resultado de um determinado preconceito racial, de uma especificada idiossincrasia ou peculiaridade. O que tenho a lhes dizer é atual, efetivo no sentido de poder ser aplicado à vida atual do homem, e não, absolutamente, coisa teórica, baseada em certas teorias ou crenças, porém sim baseado, se me é permitido personalizar, em minha própria experiência. É praticável e aplicável ao homem.

Agora, o pleno significado do que vou lhes dizer, somente pode ser compreendido por meio da experiência e, portanto, da ação. Para a maioria de nós é agradável a discussão sobre questões filosóficas que não se relacionam com as nossas ações diárias; ao passo que aquilo de que lhes falo não é uma filosofia nem um sistema de pensamento, e seu profundo significado somente pode ser compreendido por meio da experiência e, consequentemente, da ação.

O que lhes digo não é uma teoria ou crença intelectual para ser meramente discutida, para servir de motivo para controvérsias; é coisa que exige reflexão demorada; e, para descobrir a sua utilidade prática, a verdade que contém, o que é necessário é de ação e não de debate intelectual. Não é um sistema para ser memorizado nem um conjunto de conclusões a ser aprendido e automaticamente executado. Deve ser criticamente compreendido.  Crítica, porém, é coisa diferente de oposição. Se realmente forem críticos, não se oporão pura e simplesmente, mas irão se esforçar para averiguar se o que eu digo tem mérito intrínseco em si mesmo. Isso exige da parte de vocês clareza de pensar, de modo que lhes seja possível passar além da ilusão das palavras, não permitindo que os seus preconceitos, sejam eles econômicos ou religiosos, lhes impeçam de pensar fundamentalmente. Isto é, vocês têm de pensar, a partir do começo, pensar simples e diretamente. Todos nós temos sido educados com muitos preconceitos, muitas ideias preconcebidas; fomos criados em meio de tradições que corrompem, limitados pelo ambiente, e, por isso, o nosso pensamento está, continuamente, sendo torcido e pervertido, impedindo, desta forma, a simplicidade da ação.

Tomem, por exemplo, a questão da guerra. Sabem que muita gente discute sobre se a guerra é um bem ou um mal. Certamente, não pode haver duas maneiras de encarar o assunto: a guerra é, fundamentalmente, um mal, seja defensiva ou ofensiva. Ora, para pensarmos, desde o princípio, a respeito desse assunto, a mente tem de estar inteiramente liberta da doença do nacionalismo. Somos impedidos de pensar fundamentalmente, direta e simplesmente, em virtude dos preconceitos que tem sido explorados, durante as idades, sob a forma de patriotismo, com todo o seu cortejo de coisas absurdas.

Por muitos séculos, pois, temos criado hábitos, tradições, preconceitos, que impedem o indivíduo de pensar de maneira integral, fundamental, acerca dos vitais assuntos humanos.

Ora, para compreender os múltiplos problemas da vida, com todas as suas variedades de sofrimento, temos de, por nós próprios, descobrir seus motivos e causas fundamentais, com seus implícitos resultados e efeitos. Porque, se não estivermos plenamente conscientes das nossas ações e das suas causas e respectivos efeitos, exploraremos e seremos explorados, nos tornaremos escravos de sistemas, vindo as nossas ações a se tornarem apenas mecânicas e automáticas. Enquanto não pudermos, conscientemente, libertar as nossas ações de seu efeito limitador, por meio da compreensão do significado de suas causas, a não ser que, conscientemente, rompamos com as velhas formas de pensamento que ao nosso redor temos construído, não nos será possível ultrapassar as inúmeras ilusões que nos rodeiam e que temos criado, nas quais estamos embaraçados.

Cada qual tem de perguntar, a si próprio, o que está buscando, a fim de averiguar se está meramente deixando-se arrastar pelas circunstâncias e condições ambientes, sendo, portanto, irresponsável e irrefletido. Aqueles entre vocês, que realmente se acharem descontentes, aqueles que forem críticos, devem já ter perguntado a si próprios o que é que cada indivíduo anda procurando.

Vocês procuram conforto, segurança, ou procuram a compreensão da vida?

Muitas pessoas dirão que estão buscando a verdade. Se, porém, analisarem a natureza de suas aspirações, de sua busca, verificarão que, realmente, estão em busca de conforto, de segurança, de uma fuga do conflito, do sofrimento.

Ora, se vocês andam em busca de conforto, de segurança, essas coisas terão de se basear na aquisição, portanto, na exploração e na crueldade. E, de disserem que estão buscando a verdade, se tornarão prisioneiros da ilusão; pois que a verdade não é coisa em cujo encalço se corra, não pode ser buscada, tem de ser um acontecimento. Isto é, seu êxtase é somente perceptível, quando a mente está, completamente, despojada de todas as ilusões que tenha criado em virtude da busca de sua própria segurança e conforto. Só então terá lugar o alvorecer daquilo que é a verdade. Expressando isto de outra maneira: temos de interrogar, a nós próprios, no sentido de saber em que é que toda a nossa vida, todo o nosso pensamento e toda a nossa ação se baseiam. Se pudermos responder a esta pergunta, de modo completo e verdadeiro, então, por nós mesmos, averiguaremos quem é o criador das ilusões, o criador dessas supostas realidades, das quais temos nos tornados prisioneiros.

Se, realmente, refletirem sobre isto, verificarão que toda a vida de vocês está baseada no conseguir segurança, salvação e conforto individual. Desta busca de segurança, naturalmente, nasce o medo. Ao buscar conforto, ao tentar fugir da luta, do conflito e da tristeza, a mente tem de criar várias vias de fuga, e essas vias tornam-se as nossas ilusões. Portanto, o medo, que é a resultante da busca individual da segurança, é também o criador das ilusões. Este medo arrasta-lhes de uma para outra seita religiosa, de uma filosofia para outra, de um instrutor para outro, até encontrarem a segurança e o conforto que desejam.  A isto chamam busca da verdade e da felicidade.

Conforto e segurança são coisas que não existem; existe somente a clareza de pensar, que produz a compreensão da causa fundamental do sofrimento, a qual, unicamente, pode libertar o homem. Nessa libertação reside a beatitude do presente. E digo-lhes que existe uma eterna realidade, a qual só pode ser descoberta, quando a mente esta liberta de todas as ilusões. Portanto, tenham cautela contra a pessoa que lhes dá conforto, pois nela tem de haver exploração; essa pessoa cria uma armadilha, na qual ficam presos como o peixe na rede.

Na busca do conforto e da segurança, a vida chegou a ser dividida em vida religiosa ou espiritual e vida econômica ou material. A segurança material encontra-se por meio da posse de bens que proporcionam o poder; e é em virtude desse poder que vocês esperam alcançar a felicidade. Para atingir esta segurança material, este poder, tem de haver exploração, a exploração do próximo, mediante um sistema deliberadamente estabelecido, que tem se tornado hediondo, pelas suas múltiplas crueldades. Esta busca de segurança individual em que se acha incluída também a nossa família, criou as distinções de classe, os ódios de raça, o nacionalismo; coisas essas que, eventualmente, terminam em guerras.

E há um fato curioso que vocês podem cerificar, se sobre ele refletirem: a religião, a quem competia a condenação da guerra, ajuda a promovê-la. Os sacerdotes, que se teriam como sendo os educadores do povo, animam toda as espécies de abusos criados pelo nacionalismo, e que cegam o povo, em momentos de ódio nacional. Naturalmente, pois, vocês criam um sistema baseado no conforto e na segurança individual, a que chamam religião. Vocês é que têm criado as religiões, que são formas cristalizadas do pensamento e que têm por fim assegurar a imortalidade pessoal.

Assim, pois, em virtude da busca de segurança individual, movidos pelo desejo de continuidade do ser individual, vocês têm criado uma religião que lhes explora, por meio das cerimônias, por meio dos pretensos ideais. O sistema que vocês chama de religião, e que foi originariamente criado em virtude dos seus anseios de segurança, tornou-se tão poderoso, tão realista, que muito poucos são os que se libertam do seu peso, do fardo esmagador da tradição e da autoridade. O ponto inicial de partida para uma verdadeira critica reside na investigação dos valores que a religião, ao nosso redor, estabeleceu.

Ora, todos nós estamos encerrados neste campo; e enquanto estivermos escravos de um ambiente e de valores não pesquisados, não colocados em dúvida, sejam passados ou presentes, eles têm de perverter a integridade das ações. Esta perversão é a causa do conflito entre o indivíduo que busca a segurança, e a coletividade; entre o indivíduo e o contínuo movimento da experiência. E do mesmo modo por que, individualmente, temos criado este sistema de exploração e de esmagadora limitação, temos também de, individual e conscientemente, derrubá-lo, por meio da compreensão relativa ao alicerce dessa construção, e não pelo mero criar de novos conjuntos de valores, que nada mais serão que novas linhas de fuga. E assim, verdadeiramente, começaremos a penetrar o significado real do viver.

Sustento que existe uma realidade, embora deem-lhe o nome que quiserem, a qual somente poderá ser compreendida e vivida, quando a mente e o coração tiverem penetrado a ilusão dos falsos valores e deles tiverem se libertado. Somente então existirá o eterno.

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK

Podem ser resolvidos os problemas pessoais?

Jiddu Krishnamurti e David Bohm

terça-feira, 26 de março de 2013

Não há realidade no pensamento psicológico

Pergunta: Como podem unir-se o pensador e o pensamento?

Krishnamurti: "Como"? é uma pergunta de colegial. Mas vamos averiguar se é possível unir os dois processos que separam as coisas, quando em curso. Em primeiro lugar, sabemos que o pensador e o pensamento são separados. Estamos conscientes disso? Para você o pensador e o pensamento são duas entidades separadas e você deseja saber se é possível uni-las. Se o pensante está separado e está sempre dominando o pensamento, o pensamento está sempre tolhido e o pensante sempre a subjugá-lo. Não haverá trégua, haverá uma batalha constante entre o pensador e o pensamento. Preciso averiguar se é possível os dois existirem juntos, de modo que não haja divisão, nem batalha; porque reconheço que só quando não há luta existe algo novo.

A violência não produz a paz; só quando não há violência, há paz. Identicamente, preciso verificar se o pensador e o pensamento são duas entidades separadas, eternamente divididas, nunca unidas.

Você e eu vamos empreender juntos a viagem para descobrir e "experimentar" verdadeiramente o fato. Sabemos que o pensante e o pensamento estão separados. A maioria de nós nunca sequer refletiu a respeito, — o temos como um fato verdadeiro. Só quando alguém lhe faz essa pergunta, você começa a indagar; eu o interpelo, agora, e portanto você está indagando, está fazendo a viagem de investigação. Essa viagem é a compreensão do que é, do que está realmente acontecendo, e não do que você desejaria que acontecesse.

Porque estão separados o pensante e o pensamento? Não pergunto se deviam ou não estar separados, e, sim, porque estão separados. Estão separados por força do hábito. Nunca duvidamos disso; nós o aceitamos e o reconhecemos como coisa certa e verdadeira; por conseguinte, transformou-se em hábito. O pensante está separado do seu pensamento e a luta entre os dois, a dominação do pensamento pelo pensante, é um hábito diário, nosso — sendo o hábito, rotina, repetição. Isso é um fato, você não acha?

O que aconteceria se o pensante e o pensamento não estivessem separados? Minha mente se acostumou com esse hábito. O que lhe aconteceria se esse hábito cessasse? Sentir-se-ia perdida, não é assim? Ver-se-ia desnorteada, perplexa, diante de uma coisa inesperada, nova; por isso, a mente prefere viver de hábitos; e, assim, diz ela: "conservarei o meu hábito. Já que não sei o que acontecerá se aquelas duas entidades se juntarem, é melhor deixar as cosias como estão". Você está, pois, mais interessado na continuação do hábito do que em procurar saber o que aconteceria se o pensante e o pensamento se juntassem.

Por que desejamos que continue o velho hábito? Pela razão muito clara de que desejamos segurança, certeza, alguma coisa em que nos apoiarmos; porque é a única que conhecemos. Estamos bem seguros com relação ao pensador e o pensamento. Nunca pensamos no que aconteceria se eles se juntassem. A certeza faz com que nos apeguemos ao que é velho. Isso é um fato psicológico, um fato observável. Nosso problema, pois, não é de como unir o pensante e o pensamento, mas sim, de por que a mente busca segurança, certeza. Pode a mente existir sem certeza, sem estar procurando alguma coisa em que se apoiar — saber, crença, ou o que quer que seja? A mente não pode se abstrair do processo de segurança. A mente que conhecemos está segura; não lhe interessa indagar; só lhe interessa estar bem abrigada, em perfeita segurança.

Por que a mente procura por segurança? Porque você percebe que o pensamento se modifica subitamente, a qualquer instante; não há realidade no pensamento; por isso, o pensamento cria o pensante, como entidade permanente que subsistirá indefinidamente; tem, pois, no pensante interesses adquiridos. A mente, assim,  encontra a sua segurança no pensante, a certeza, que é o velho hábito.

Temos, pois, de verificar se a mente pode em algum tempo ter segurança, ou se está apegada à mera ilusão de segurança. A mente tem o poder de criar a ilusão de segurança, e, de a ela se apegar; consequentemente, enquanto estiver em busca de segurança, não será capaz de compreender o outro estado. Enquanto a mente não estiver interessada em descobrir o que acontecerá se se ajuntarem o pensante e o pensamento, continuará apegada àquilo a respeito de que está bem segura.

Nosso problema, por conseguinte, consiste em saber se há segurança, certeza. Existe tal coisa? Evidentemente não existe. Você não achará segurança, nem em Deus, nem em sua esposa, nem nos bens materiais que deseja. Não existe segurança. Disso você não está convencido; disso você ainda não teve experiência alguma. Sem segurança, sem coisa alguma em que a mente possa apoiar-se, a que possa segurar-se, apegar-se, reina uma solidão absoluta. Porque a mente teme estar só, a mente inventa o pensante, como entidade permanente, de existência contínua. Ou, se não inventa o pensante, inventa Deus, a propriedade, a esposa... qualquer coisa serve: uma árvore, uma pedra, uma imagem esculpida.

A mente, em seu desejo de segurança, criou o pensante como entidade separada do pensamento e se acostumou a esta divisão pelo hábito; onde existe hábito, existe permanência, e a mente se torna mecânica. Ao perceber realmente — não apenas verbalmente, mas como uma experiência real — que o pensante é o resultado do pensamento, que ele busca permanência na continuidade, você verá então que não há esforço por parte da mente para efetuar a união dos dois. Só existe, então, um estado de compreensão, sem palavras, sem o processo de pensamento constituído de pensante e pensamento. Para tal necessita-se uma extraordinária intuição de todo o processo da consciência, que estivemos considerando nesta tarde, sendo essa intuição o processo da meditação. Essa meditação só é possível quando a mente compreende todo o conteúdo da consciência, isto é, você mesmo.

Um olhar minucioso e destemido sobre aquilo que somos



Somente a inteligência pode levar o homem à plenitude da vida e à descoberta do significado da tristeza. A inteligência começa a funcionar no momento em que se dá a agudeza do sofrimento, quando a mente e o coração não mais se evadem pelas várias avenidas que tão habilmente haveis aberto e que tão aparentemente razoáveis, efetivas e reais são. Se cuidadosamente observardes, sem preconceito, vereis que enquanto existir uma fuga, não tereis solucionado, não tereis defrontado face a face o conflito e, portanto, o vosso sofrimento é mero acumulo de ignorância. Quer isto dizer que, quando cessamos de fugir pelos canais já bem conhecidos, então, ao dar-se a agudeza do sofrimento, principia a inteligência a funcionar.

Krishnamurti - Ojai 1934

segunda-feira, 25 de março de 2013

Na meditação não há espaço para a vontade


O processo mecânico dos sistemas produz insensibilidade, gera repressão ou a resistência ao que realmente vocês são, o querer sobrepor ao que são o que pensam que deveriam ser; isso envolve conflito, batalha. Querendo controlar, reprimir, disciplinar a vocês mesmos, se forçam a ficar sentado, imóvel, respirando "corretamente", tudo isso na esperança de, no fim de certo tempo, alcançarem uma coisa a cujo respeito não sabem absolutamente nada. Por conseguinte, o homem sensato rejeita toda e qualquer ideia de sistema ou método, compreendendo que eles não o levarão a parte alguma. Mas, lhes inculcaram a ideia de que são capazes de "experimentar" a Verdade, de alcançar a "iluminação", de descobrir a Realidade. Já não ouviram seus gurus, as pessoas que lhes instruem sobre "como meditar", já não os ouviram dizer que "experimentaram" a Verdade, a Realidade? Há dias alguém veio nos dizer: "Experimentei a Realidade, sei o que é a Verdade"; não se pode enunciar maior absurdo.

Escute, senhor: Quando um homem diz "sei", que é que ele sabe? Ao dizer "sei", isso significa que sei de algo já acabado. Certo? Eu só sei o que já acabou, que está no passado; portanto, estou vivendo no passado. Observem isso, por favor, em sua própria vida. Se digo "lhe conheço", só conheço a imagem que tenho de você, e essa imagem é o passado. Portanto, o homem que diz que sabe o que é a Verdade, não sabe. Ele sabe de algo já morto, acabado.

Já refletiram sobre a palavra "experiência"? Ela significa "atravessar" (um certo estado). Depois de "atravessarem" qualquer estado, ele está acabado; mas, se não se completa o movimento, ele se registra na mente como "memória", e o que se experimenta é o passado. No justo momento em que experimentarem qualquer coisa — cólera, sexo, violência — não há nenhuma "experimentador". Já notaram isso? Quando você está muito enraivecido, quando sente muita inveja, nesse momento está totalmente ausente o "eu", o "você" — o "experimentador". Este último só chega um instante após e você diz, então: "Estive com raiva" Portanto, os que dizem que sabem não sabem. Os que dizem ter experimentado a Realidade jamais a experimentaram, porque "experimentar" não significa apenas "passar por uma coisa", mas também reconhecê-la. Do contrário, não há experiência. Se eu já não lhe conhecesse, não poderia lhe reconhecer (e "lhe reconhecer" é experiência). Assim, a palavra "experiência" implica reconhecimento. Reconhecer implica que já conhecem; e o que já conhecem não pode ser o Real. Portanto, rejeitem completamente todos os sistemas. Tenham cautela com os que dizem "experimentei" e dos que dizem "sei". Não se deixem cair nessa armadilha. Esse é o meio de que eles se servem para explorar vocês.

Disseram que vocês devem se concentrar, que devem aprender a concentração. Vocês já investigaram o que implica a concentração? Implica ação da vontade, ou seja resistir a qualquer outro pensamento e focalizar toda a energia, todo o pensamento numa certa coisa, numa sentença, palavra ou frase, na recitação de mantras... repetir, repetir, repetir. Concentração implica resistência. Vocês resistem à infiltração de qualquer outro pensamento, ou controlam os seus pensamentos, para que não se ponham a divagar. A concentração pois, é vontade, na forma de resistência ou repressão, quando necessitamos de uma mente livre, uma mente viva, cheia de energia. A mente em constante conflito desperdiça energia, e vocês necessitam dessa energia. Assim, se puderem se desfazer de seus sistemas favoritos, se puderem ver como um fato verdadeiro que a concentração é meramente resistência e, por conseguinte, incessante conflito e desperdício de energia, estarão aptos a descobrir por si mesmos os requisitos necessários ao estado de meditação.

Podemos agora investigar juntos — não, "meditar juntos"? Este é um dos expedientes em uso: meditação coletiva: juntar-se uma porção de gente e todos de olhos fechados para meditar sobre isto ou aquilo. Nós estamos investigando em comum o que é meditação; não estamos "meditando em comum", pois vocês não sabem o que é meditação, só sabem o que os outros lhes disseram. Tenham cuidado com o que dizem os outros, inclusive este orador, pois vocês se deixam persuadir muito facilmente. E vocês se deixam persuadir porque estão muito ansiosos por experimentar algo que pensam ser maravilhoso. Portanto, não se deixem influenciar por este orador.

Averiguemos o que significa "a mente em meditação". Já dissemos que vocês tem de rejeitar todos os sistemas e métodos, todo desejo de experiência, e explicamos o que significa esse desejo, ou seja o "motivo" existente atrás do desejo de experiência. Assim, devem rejeitar todas essas e também tudo o que anda por aí com o nome de "meditação" — respirar de certa maneira, dançar, tornar-se emotivo, sentimental. Que é, pois, essa coisa chamada "meditação"? Vocês vão descobrir; não descobrir "como meditar", porém, a natureza e estrutura da mente que se acha totalmente livre, sem funcionar, sem nenhum movimento da vontade, porque vontade significa resistência. Vocês não estão aprendendo nada deste orador. Vocês são seu próprio guru e seu próprio discípulo, porque vocês é que precisam descobrir isso. Precisam aprender, em vez de imitarem ou seguirem autoridades.

Dessa forma, o principal é compreenderem a si mesmos, porque, sem essa compreensão, vocês não tem uma base racional para nenhum pensamento, nenhuma estrutura. Se não se compreendem, como podem compreender outra coisa qualquer, e muito menos uma coisa que talvez não exista? O primeiro movimento, pois, é compreenderem a si mesmos, verem-se exatamente como são e não como gostariam de ser. Compreendam-se. Malevolência, brutalidade, violência, avidez, inveja, torturante solidão e desespero — eis o que são vocês. E, por não terem sido capazes de compreender e ultrapassar o que são, inventaram o "eu superior", o "Atman" — um dos maiores artifícios com que se iludem. Deste modo, vocês tem o conflito entre o que são e o que pensam ser, ou como o Atman de vocês diz que "devem ser". Estão, pois, fazendo um jogo que não lhes ajuda a se compreenderem. Para compreenderem o que são, precisam olhar para si mesmos. Se quero conhecer aquela árvore ou aquele pássaro, tenho de olhá-lo. Cumpre-me olhar a mim mesmo, porque não sei o que sou. Devo aprender sobre o que sou, sem a ajuda de nenhum filósofo ou psicólogo, de nenhum livro, guia ou guru.

Averiguemos o que somos. Nós somos o dinheiro depositado no banco, somos invejosos, ambiciosos, corruptos, dizemos uma coisa e fazemos outra, somos hipócritas, nos mascaramos, nos dissimulamos; e, de permeio com tudo isso, há o sentimento de tristeza, de dor, de ansiedade, há lágrimas, há os tormentos da solidão. Eis o que somo; e, se não o compreenderem e ultrapassarem, como poderão algo de sumamente belo? Cabe a vocês, pois, compreenderem o que são; e surge aqui uma grande dificuldade: porque o que sois é um movimento constante, uma contínua mutação; não são permanente ávido, ou permanentemente violento, ou permanentemente "sexual": há mutação, movimento constante — viver. Compete a vocês compreender essa coisa viva e, para compreende-la, precisam observá-la, em cada minuto, como coisa nova. Percebem a dificuldade? Para compreender o que sou — uma entidade viva, e não uma coisa morta — tenho de me observar, e o que observo num minuto, tenho de largá-lo, para tornar a observá-lo no próximo instante. Estou, assim, observando em cada minuto, como coisa nova, uma entidade viva; não levo para o próximo minuto o que aprendi, a fim de, com este conhecimento, observar aquela coisa sempre nova. Se assim fizerem, verão que essa é uma das coisas mais fascinantes, porque, então, a mente retém muito pouco, conservando apenas o conhecimento técnico essencial, e nada mais. Desta maneira, ela esta apta a observar o movimento do "eu" — essa entidade tão complexa — não só no nível superficial, mas também profundamente.

(...) No nível superficial, e estando atento, vocês podem se observar, em cada minuto, de maneira nova. Mas, como irão observar os segredos de suas mentes, os ocultos "motivos", a complexa herança de vocês? Tudo isso existe, de forma oculta. Como vocês observarão? Observar não é analisar, mas, sim, estar vigilante durante o dia, percebendo todo o movimento, as mensagens indiretas e sugestões dos desejos secretos. Observem com o espírito aberto, para descobrirem os "motivos", as intenções, a tradição, o fundo hereditário.

Assim, observando todas essas coisas durante o dia, ao chegar a noite, irão dormir com a mente completamente quieta. Não terão, então, sonhos, porque os sonhos são a continuação, em forma simbólica, dos conflitos do dia; pois, compreendendo o movimento diário da vida de vocês, suas ambições, suas invejas, irritações, etc., estarão esvaziando a mente de todo o passado. Dessa forma, devem aprender sobre vocês mesmo, constantemente. Aprender é presente ativo. Há, então, disciplina. Vivemos a reprimir, a controlar, a ajustar, a imitar, e a isso chamamos "disciplina"; mas essa é a disciplina do soldado... Nessa espécie de disciplina que vocês tem, praticada pelo guru  de vocês e por todos os outros, não há liberdade nenhuma. Há decomposição, deterioração, ao passo que, no aprender sobre nós mesmos a todas as horas, e não "após ter aprendido", cria-se a ordem própria desse aprender.  Se estou aprendendo acerca do processo do viver, esse mesmo aprender traz sua ordem própria e, portanto, sua peculiar virtude. A virtude que se cultiva não é virtude. Há, pois, necessidade de conhecer a si mesmos, necessidade dessa ordem que é disciplina, e não deve haver nenhuma ação da vontade.

(...) Na ação da vontade há escolha — não quero fazer isto, quero fazer aquilo. Estão compreendendo?  Compreendam isso, por favor, porque, se não aprenderem tudo isso sobre vocês mesmos, terão uma vida de aflição. Dessa aflição poderão fugir, lutando. E só estas duas cosias vocês conhecem: resistir, fugir. Resistência significa luta. E, quanto à fuga, há toda uma cadeia de fugas: os templos, os gurus, as drogas, o beber, o sexo... E em tudo isso está implicada a vontade. Pode a pessoa viver, cada dia, sem o movimento e a ação da vontade, quer dizer, viver uma vida em que não haja escolha de espécie alguma?

Havendo escolha, há contradição. Só há escolha quando estão confusos, não? Quando não sei o que fazer, estou confuso; dessa confusão vem a escolha e, da escolha, a ação da vontade. Por que vocês estão confusos? A maioria das pessoas está; por que? Isso acontece porque não aceitam o que realmente é. Vocês querem mudá-lo noutra coisa. E, no momento em que o fazem, há conflito e, por causa desse conflito, confusão. A ação da vontade, pois, é produto da confusão.

A meditação é um movimento em que não existe nenhuma ação da vontade... Vocês necessitam de uma mente são, lógica, racional, e não de uma mente entorpecida. Se vocês têm luz, não precisam de mais nada, não há necessidade de se criarem esses centros chamados chakras  e kundalinis, que nunca alcançará aquele estado em que não existe o tempo, aquele estado de beleza, verdade, e amor.
Por conseguinte, rejeitem as velas os gurus e os livros que lhes oferecem. Não repitam nunca uma palavra que não tenha sido compreendida por vocês mesmos, que vocês mesmos não tenham provado e achado verdadeira.

Krishnamurti — Bombaim, 17 de fevereiro de 1971 
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill