Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

Mostrando postagens com marcador vontade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador vontade. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 25 de março de 2013

Na meditação não há espaço para a vontade


O processo mecânico dos sistemas produz insensibilidade, gera repressão ou a resistência ao que realmente vocês são, o querer sobrepor ao que são o que pensam que deveriam ser; isso envolve conflito, batalha. Querendo controlar, reprimir, disciplinar a vocês mesmos, se forçam a ficar sentado, imóvel, respirando "corretamente", tudo isso na esperança de, no fim de certo tempo, alcançarem uma coisa a cujo respeito não sabem absolutamente nada. Por conseguinte, o homem sensato rejeita toda e qualquer ideia de sistema ou método, compreendendo que eles não o levarão a parte alguma. Mas, lhes inculcaram a ideia de que são capazes de "experimentar" a Verdade, de alcançar a "iluminação", de descobrir a Realidade. Já não ouviram seus gurus, as pessoas que lhes instruem sobre "como meditar", já não os ouviram dizer que "experimentaram" a Verdade, a Realidade? Há dias alguém veio nos dizer: "Experimentei a Realidade, sei o que é a Verdade"; não se pode enunciar maior absurdo.

Escute, senhor: Quando um homem diz "sei", que é que ele sabe? Ao dizer "sei", isso significa que sei de algo já acabado. Certo? Eu só sei o que já acabou, que está no passado; portanto, estou vivendo no passado. Observem isso, por favor, em sua própria vida. Se digo "lhe conheço", só conheço a imagem que tenho de você, e essa imagem é o passado. Portanto, o homem que diz que sabe o que é a Verdade, não sabe. Ele sabe de algo já morto, acabado.

Já refletiram sobre a palavra "experiência"? Ela significa "atravessar" (um certo estado). Depois de "atravessarem" qualquer estado, ele está acabado; mas, se não se completa o movimento, ele se registra na mente como "memória", e o que se experimenta é o passado. No justo momento em que experimentarem qualquer coisa — cólera, sexo, violência — não há nenhuma "experimentador". Já notaram isso? Quando você está muito enraivecido, quando sente muita inveja, nesse momento está totalmente ausente o "eu", o "você" — o "experimentador". Este último só chega um instante após e você diz, então: "Estive com raiva" Portanto, os que dizem que sabem não sabem. Os que dizem ter experimentado a Realidade jamais a experimentaram, porque "experimentar" não significa apenas "passar por uma coisa", mas também reconhecê-la. Do contrário, não há experiência. Se eu já não lhe conhecesse, não poderia lhe reconhecer (e "lhe reconhecer" é experiência). Assim, a palavra "experiência" implica reconhecimento. Reconhecer implica que já conhecem; e o que já conhecem não pode ser o Real. Portanto, rejeitem completamente todos os sistemas. Tenham cautela com os que dizem "experimentei" e dos que dizem "sei". Não se deixem cair nessa armadilha. Esse é o meio de que eles se servem para explorar vocês.

Disseram que vocês devem se concentrar, que devem aprender a concentração. Vocês já investigaram o que implica a concentração? Implica ação da vontade, ou seja resistir a qualquer outro pensamento e focalizar toda a energia, todo o pensamento numa certa coisa, numa sentença, palavra ou frase, na recitação de mantras... repetir, repetir, repetir. Concentração implica resistência. Vocês resistem à infiltração de qualquer outro pensamento, ou controlam os seus pensamentos, para que não se ponham a divagar. A concentração pois, é vontade, na forma de resistência ou repressão, quando necessitamos de uma mente livre, uma mente viva, cheia de energia. A mente em constante conflito desperdiça energia, e vocês necessitam dessa energia. Assim, se puderem se desfazer de seus sistemas favoritos, se puderem ver como um fato verdadeiro que a concentração é meramente resistência e, por conseguinte, incessante conflito e desperdício de energia, estarão aptos a descobrir por si mesmos os requisitos necessários ao estado de meditação.

Podemos agora investigar juntos — não, "meditar juntos"? Este é um dos expedientes em uso: meditação coletiva: juntar-se uma porção de gente e todos de olhos fechados para meditar sobre isto ou aquilo. Nós estamos investigando em comum o que é meditação; não estamos "meditando em comum", pois vocês não sabem o que é meditação, só sabem o que os outros lhes disseram. Tenham cuidado com o que dizem os outros, inclusive este orador, pois vocês se deixam persuadir muito facilmente. E vocês se deixam persuadir porque estão muito ansiosos por experimentar algo que pensam ser maravilhoso. Portanto, não se deixem influenciar por este orador.

Averiguemos o que significa "a mente em meditação". Já dissemos que vocês tem de rejeitar todos os sistemas e métodos, todo desejo de experiência, e explicamos o que significa esse desejo, ou seja o "motivo" existente atrás do desejo de experiência. Assim, devem rejeitar todas essas e também tudo o que anda por aí com o nome de "meditação" — respirar de certa maneira, dançar, tornar-se emotivo, sentimental. Que é, pois, essa coisa chamada "meditação"? Vocês vão descobrir; não descobrir "como meditar", porém, a natureza e estrutura da mente que se acha totalmente livre, sem funcionar, sem nenhum movimento da vontade, porque vontade significa resistência. Vocês não estão aprendendo nada deste orador. Vocês são seu próprio guru e seu próprio discípulo, porque vocês é que precisam descobrir isso. Precisam aprender, em vez de imitarem ou seguirem autoridades.

Dessa forma, o principal é compreenderem a si mesmos, porque, sem essa compreensão, vocês não tem uma base racional para nenhum pensamento, nenhuma estrutura. Se não se compreendem, como podem compreender outra coisa qualquer, e muito menos uma coisa que talvez não exista? O primeiro movimento, pois, é compreenderem a si mesmos, verem-se exatamente como são e não como gostariam de ser. Compreendam-se. Malevolência, brutalidade, violência, avidez, inveja, torturante solidão e desespero — eis o que são vocês. E, por não terem sido capazes de compreender e ultrapassar o que são, inventaram o "eu superior", o "Atman" — um dos maiores artifícios com que se iludem. Deste modo, vocês tem o conflito entre o que são e o que pensam ser, ou como o Atman de vocês diz que "devem ser". Estão, pois, fazendo um jogo que não lhes ajuda a se compreenderem. Para compreenderem o que são, precisam olhar para si mesmos. Se quero conhecer aquela árvore ou aquele pássaro, tenho de olhá-lo. Cumpre-me olhar a mim mesmo, porque não sei o que sou. Devo aprender sobre o que sou, sem a ajuda de nenhum filósofo ou psicólogo, de nenhum livro, guia ou guru.

Averiguemos o que somos. Nós somos o dinheiro depositado no banco, somos invejosos, ambiciosos, corruptos, dizemos uma coisa e fazemos outra, somos hipócritas, nos mascaramos, nos dissimulamos; e, de permeio com tudo isso, há o sentimento de tristeza, de dor, de ansiedade, há lágrimas, há os tormentos da solidão. Eis o que somo; e, se não o compreenderem e ultrapassarem, como poderão algo de sumamente belo? Cabe a vocês, pois, compreenderem o que são; e surge aqui uma grande dificuldade: porque o que sois é um movimento constante, uma contínua mutação; não são permanente ávido, ou permanentemente violento, ou permanentemente "sexual": há mutação, movimento constante — viver. Compete a vocês compreender essa coisa viva e, para compreende-la, precisam observá-la, em cada minuto, como coisa nova. Percebem a dificuldade? Para compreender o que sou — uma entidade viva, e não uma coisa morta — tenho de me observar, e o que observo num minuto, tenho de largá-lo, para tornar a observá-lo no próximo instante. Estou, assim, observando em cada minuto, como coisa nova, uma entidade viva; não levo para o próximo minuto o que aprendi, a fim de, com este conhecimento, observar aquela coisa sempre nova. Se assim fizerem, verão que essa é uma das coisas mais fascinantes, porque, então, a mente retém muito pouco, conservando apenas o conhecimento técnico essencial, e nada mais. Desta maneira, ela esta apta a observar o movimento do "eu" — essa entidade tão complexa — não só no nível superficial, mas também profundamente.

(...) No nível superficial, e estando atento, vocês podem se observar, em cada minuto, de maneira nova. Mas, como irão observar os segredos de suas mentes, os ocultos "motivos", a complexa herança de vocês? Tudo isso existe, de forma oculta. Como vocês observarão? Observar não é analisar, mas, sim, estar vigilante durante o dia, percebendo todo o movimento, as mensagens indiretas e sugestões dos desejos secretos. Observem com o espírito aberto, para descobrirem os "motivos", as intenções, a tradição, o fundo hereditário.

Assim, observando todas essas coisas durante o dia, ao chegar a noite, irão dormir com a mente completamente quieta. Não terão, então, sonhos, porque os sonhos são a continuação, em forma simbólica, dos conflitos do dia; pois, compreendendo o movimento diário da vida de vocês, suas ambições, suas invejas, irritações, etc., estarão esvaziando a mente de todo o passado. Dessa forma, devem aprender sobre vocês mesmo, constantemente. Aprender é presente ativo. Há, então, disciplina. Vivemos a reprimir, a controlar, a ajustar, a imitar, e a isso chamamos "disciplina"; mas essa é a disciplina do soldado... Nessa espécie de disciplina que vocês tem, praticada pelo guru  de vocês e por todos os outros, não há liberdade nenhuma. Há decomposição, deterioração, ao passo que, no aprender sobre nós mesmos a todas as horas, e não "após ter aprendido", cria-se a ordem própria desse aprender.  Se estou aprendendo acerca do processo do viver, esse mesmo aprender traz sua ordem própria e, portanto, sua peculiar virtude. A virtude que se cultiva não é virtude. Há, pois, necessidade de conhecer a si mesmos, necessidade dessa ordem que é disciplina, e não deve haver nenhuma ação da vontade.

(...) Na ação da vontade há escolha — não quero fazer isto, quero fazer aquilo. Estão compreendendo?  Compreendam isso, por favor, porque, se não aprenderem tudo isso sobre vocês mesmos, terão uma vida de aflição. Dessa aflição poderão fugir, lutando. E só estas duas cosias vocês conhecem: resistir, fugir. Resistência significa luta. E, quanto à fuga, há toda uma cadeia de fugas: os templos, os gurus, as drogas, o beber, o sexo... E em tudo isso está implicada a vontade. Pode a pessoa viver, cada dia, sem o movimento e a ação da vontade, quer dizer, viver uma vida em que não haja escolha de espécie alguma?

Havendo escolha, há contradição. Só há escolha quando estão confusos, não? Quando não sei o que fazer, estou confuso; dessa confusão vem a escolha e, da escolha, a ação da vontade. Por que vocês estão confusos? A maioria das pessoas está; por que? Isso acontece porque não aceitam o que realmente é. Vocês querem mudá-lo noutra coisa. E, no momento em que o fazem, há conflito e, por causa desse conflito, confusão. A ação da vontade, pois, é produto da confusão.

A meditação é um movimento em que não existe nenhuma ação da vontade... Vocês necessitam de uma mente são, lógica, racional, e não de uma mente entorpecida. Se vocês têm luz, não precisam de mais nada, não há necessidade de se criarem esses centros chamados chakras  e kundalinis, que nunca alcançará aquele estado em que não existe o tempo, aquele estado de beleza, verdade, e amor.
Por conseguinte, rejeitem as velas os gurus e os livros que lhes oferecem. Não repitam nunca uma palavra que não tenha sido compreendida por vocês mesmos, que vocês mesmos não tenham provado e achado verdadeira.

Krishnamurti — Bombaim, 17 de fevereiro de 1971 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Vontade e energia

Necessitamos de muita energia, vitalidade e empenho para realizar uma transformação radical em nós mesmos. Se, nesse processo de autotransformação, estivermos também interessados na existência exterior, teremos de considerar o que podemos fazer pelo resto do mundo. Além disso, precisamos ver ainda, não só como conservar energia, mas também como aumentá-la. O fato é que desperdiçamos muita energia tagarelando, cultivando incontáveis opiniões sobre as coisas, convivendo com fórmulas e conceitos, e num infindável conflito interior. Creio que tudo isso significa desperdício de energia. Há, contudo, uma causa muito maior de desperdício da energia vital necessária não apenas a produzir uma mutação em nós, mas também a penetrar profundamente e ultrapassar as fronteiras do pensamento.
Os antigos diziam: refreie o sexo, controle os sentidos, faça juramentos para não dissipar energia: deve concentrar sua energia em Deus ou em qualquer coisa. Mas todas essas disciplinas também significam desperdício de energia, pois fazer juramento implica resistência. A energia é necessária não somente para uma mudança exterior, superficial, mas também para produzir uma profunda transformação ou revolução interior. Precisamos ter uma grande energia sem causa nem motivo para que haja total tranqüilidade, pois só ela pode provocar uma explosão. Vamos examinar isso tudo.
O que vemos é que os seres humanos desperdiçam energia – em disputas, ciúme, ansiedade, na interminável busca de prazer. É claro que isso é perda de energia. E não será também perda de energia manter opiniões e crenças sobre as coisas – o comportamento dos outros, o que os outros devem fazer etc.? Não será perda de energia ter fórmulas e conceitos? Dentro desta cultura somos encorajados a ter conceitos e viver de acordo com eles. Não é fato que possuem fórmulas e conceitos, isto é, imagens do que devem ser, do que deve ser feito – o pensamento a rejeitar “o que é” e a formular “o que deve ser”? Todo esse esforço significa desperdício de energia e espero que possamos partir daí.
Qual é a causa fundamental do desperdício de energia? Independente dos padrões culturais que adquirimos em relação ao desperdício de energia, há algo mais profundo: podemos viver no dia-a-dia sem qualquer espécie de resistência? Resistência é vontade. Sei que todos foram educados para empregar a vontade, controlar – viver segundo o “devemos, não devemos, temos de, não temos de”. A vontade, contudo, independe do fato. Vontade é afirmação pessoal, do “eu”, sem levar em conta “o que é”. Vontade é desejo; é a manifestação do desejo. Nessa afirmação de resistência do desejo, como vontade, que nenhuma relação tem com o fato, mas depende do desejo pessoal, do eu, vivemos superficial ou profundamente. 
Sabendo o que é a vontade, pergunto: podemos viver neste mundo sema intervenção da vontade? A vontade é uma forma de resistência, divisão. É o “eu quero” contra alguma coisa que “eu não quero”, “eu devo” contra o “eu não devo”. A vontade, portanto, contra um muro de resistência, contra toda espécie de ação. Só entendemos a ação em conformidade com uma fórmula, um conceito, ou visando a um ideal e realizando-se de acordo com ele, com esse padrão. É a isso que chamamos ação e nela há conflito. No “deve ser” que estabelecemos como ideal e modelo de ação, há imitação; daí, o conflito entre o ato e o ideal uma vez que a ação não passa de uma aproximação, imitação, conformismo. Sinto que isso representa um total desperdício de energia e vou mostrar porque. 
Espero que estejamos observando nossas próprias atividades, nossas próprias mentes para ver como aplicamos a vontade na ação. Repetindo o que já dissemos, a vontade independe do fato, do que é; depende é do eu, daquilo que ele deseja – não, do que é, mas do que ele quer. E o que ele deseja depende das circunstâncias, do meio, da cultura e assim por diante; está divorciado do fato. Por conseguinte, ocorre uma contradição, uma resistência ao que é e isso é desperdício de energia.
A ação ocorre agora – não, amanhã nem no passado. A ação está no presente. Poderá haver ação sem que haja idéias, fórmulas, conceitos – uma ação em que não ocorra qualquer resistência da vontade? Quando há vontade, há contradição, resistência, esforço, o que implica desperdício de energia. Portanto, quero verificar se existe um tipo de ação sem a intervenção da vontade como afirmação do eu que exerce resistência. 
Como vêem, somos escravos da atual cultura, somos essa cultura e, para que exista uma nova espécie de ação, uma nova espécie de vida e, desse modo, uma nova cultura, (não, a contra-cultura, mas algo totalmente diferente), precisamos compreender todo esse problema da vontade. A vontade pertence à velha cultura que envolve ambição e desejo, auto-afirmação e agressividade do eu. Para que haja um modo de viver inteiramente diferente, precisamos compreender a questão básica: pode haver ação livre de fórmulas, conceitos, ideais ou crenças? A ação que se baseia no conhecimento, isto é, no passado e, portanto, condicionada, não é, de fato, ação. Sendo condicionada pelo passado e dependendo dele, só pode provocar discórdia e, desse modo, conflito. Por conseguinte, quero ver se é possível um tipo de ação livre de vontade e escolha.
Noutro dia, dissemos que onde há confusão há escolha. O homem que vê as coisas com clareza (não, neuroticamente nem com obstinação) não faz escolha. Significa isso que escolha, vontade e resistência, que é o eu em ação, implicam desperdício de energia. Pode haver ação livre de tudo isso de modo que a mente viva neste mundo, utilizando o conhecimento e, ao mesmo tempo, livre das limitações do conhecimento? O orador afirma que há um tipo de ação sem resistência, sem a interferência do passado e sem a presença do eu. Tal ação é instantânea porque não depende do tempo, isto é, do passado que, repleto de conhecimentos e experiências ainda hoje atuantes, gera o futuro. Há, portanto, uma ação instantânea e completa em que não entra a vontade. Para compreender isso, a mente deve aprender a observar, a ver. Se a mente vê as coisas em conformidade com uma fórmula que estabeleça o que se deve ser, ou o que devo ser, então a ação provêm do assado. 
Assim, pergunto: haverá um tipo de ação sem motivo, que nasça no presente e que não produza contradição, ansiedade nem conflito? Como já disse, a mente treinada dentro de uma cultura que aceita a vontade e funciona e age de acordo com ela – essa mente, é claro, não conhece a ação de que estamos falando, uma vez que está condicionada. Por conseguinte, poderá a mente (nossa mente) perceber tal condicionamento, libertar-se dele e agir de modo diferente? Se minha mente está treinada pela educação a funcionar de acordo com a vontade, nesse caso talvez não possa compreender o que significa agir sem a vontade. Desse modo, meu empenho não é descobrir como agir sem a intervenção da vontade, mas descobrir se minha mente pode libertar-se do seu condicionamento, o condicionamento da vontade. É nisso que estou interessado e por isso percebo, quando olho para mim mesmo, que tudo que faço encerra um motivo secreto, provém da ansiedade, do medo, do desejo de prazer etc. Dessa forma, será que essa mente, pode ficar livre de tudo isso instantaneamente e agir de modo diferente?
Assim, a mente precisa aprender a olhar. Para mim, esse é o problema básico. Mas pode essa mente, produto do tempo, de culturas diversas e diversas experiências e conhecimentos, pode essa mente olhar com olhos descondicionados? Pode ela funcionar livre de seu condicionamento? Por conseguinte, preciso aprender a olhar para o meu condicionamento sem qualquer intenção de mudá-lo, transformá-lo ou transcendê-lo. Preciso ser capaz de olhá-lo como ele é. Se quiser mudá-lo, volto a agir pela vontade. Se quiser fugir dele, ainda estou resistindo a ele. Se aceito uma parte e rejeito a outra, isso ainda significa escolha. E escolha, como já frisamos, é confusão. Posso, portanto, pode esta mente olhar sem qualquer resistência, sem qualquer escolha? Posso olhar as montanhas, as arvores, meu vizinho, minha família, os políticos, os sacerdotes sem qualquer imagem? A imagem representa o passado. Por conseguinte, a mente tem de ser capaz de olhar. Quando olho o que é em mim mesmo e no mundo, sem resistência, então, graças a esta observação, ocorre uma ação imediata que não resulta da vontade. Entendem?
Desejo descobrir como viver e agir neste mundo e, não, entrar para um mosteiro ou fugir para algum nirvana descrito por um guru que promete: “Se fizer isso, conseguirá aquilo”. Mera tolice. Descartando tal coisa, quero descobrir como viver neste mundo sem criar resistências, sem a intervenção da vontade. Quero também descobrir o que é amor. Desse modo, condicionada que é a desejar prazer, gratificação, satisfação e, por isso mesmo, a resistir, minha mente percebe tudo o que o amor não é. O que é amor? Para descobrir o que é, temos de negar, eliminar completamente o que não é. Pela negação, chegamos ao positivo; não procurem o positivo; só podem ir a ele compreendendo o que não é. Assim, se quero descobrir o que é a verdade, sem saber o que ela é, devo ser capaz de ver o falso. Se não tiver a capacidade de perceber o falso, não posso ver o que é a verdade. Portanto, preciso descobrir o falso.
O que é falso? É tudo que o pensamento engendra – psicologicamente; não, tecnologicamente. Foi assim que o pensamento criou o eu, o ego, com suas memórias, agressividade, separatividade, ambição, competitividade, imitação, medo e recordações – tudo isso foi o pensamento que engendrou. E foi o pensamento também que criou inúmeros engenhos maravilhosos. Portanto, o pensamento, na condição de eu, que essencialmente não é nada, é falso. Quando a mente vê o falso, então, surge a verdade. Assim também, quando a mente indaga, em profundidade, o que é amor, sem dizer que é “isto” ou “aquilo”, mas simplesmente indaga, nesse caso ela pode ver o que não é e descartar, completamente, o falso, pois, do contrário, não descobriremos o real. Seremos capazes de fazer isso – dizer, por exemplo, “o amor não é ambição”? Uma mente ambiciosa, que deseja atingir algo, que deseja tornar-se poderosa, uma mente agressiva, competitiva, imitativa, uma mente assim talvez não compreenda o que é amor – percebemos isso, não? 
Pois bem, pode a mente ver o falso disso? Pode ela perceber que a mente ambiciosa talvez não possa amar e, ao ver o falso, pô-lo de lado imediatamente? Só quando negamos o falso por completo é que surge uma coisa diferente. Podemos ver, com clareza, que a mente que deseja um ganho, conseguir alguma coisa, neste mundo ou na chamada busca espiritual da iluminação, não pode amar? O anseio de encontrar, atingir é ambição. Por conseguinte, pode a mente ver o falso disso e largá-lo imediatamente? Se não for assim, jamais descobrirão o que é, jamais descobrirão o que é o amor. Amor não é ciúme, é? Amor não é possessividade, dependência. Percebem? Não deixem o problema para amanhã; acabem com ele agora. Largar o falso instantaneamente não depende da vontade. Depende de ver, realmente, o que é falso. Quando descartamos o que é falso, o que não é, então surge outra coisa. 
A coisa, agora, fica um pouco mais difícil. Será que o amor é prazer? Ou preenchimento? Se realmente desejamos uma mente cheia de amor, teremos de aprofundar muito a questão. Por isso perguntamos: será que o amor é prazer, gratificação, preenchimento? Dissemos que o desejo de prazer significa que é o pensamento que ainda atua; é ele que, afastado do que é, funciona como desejo e vontade, persegue o prazer. Já associamos o amor ao sexo e, como neste há prazer, fizemos dele um enorme problema. O sexo se tornou a coisa mais importante da vida. Tentamos atribuir a ele um grande significado, considerá-lo uma realidade profunda que encerra união, harmonia e outras qualidades transcendentais. Porque tem o sexo tanta importância em nossa vida? Provavelmente porque nada mais temos além dele; talvez porque no resto vivamos mecanicamente. Não somos originais, nada criativos – “criativo”, não no sentido de pintar quadros, compor canções e poemas, pois isso é apenas um lado superficial da criatividade. Como somos, de certo modo, pessoas de segunda mão, o sexo e o prazer se transformaram em algo muitíssimo importante. É por isso que confundimos sexo com amor e, sob essa capa, cometemos toda espécie de iniqüidade. 
Por conseguinte, podemos acaso descobrir o que é amor? Essa é uma pergunta que o homem sempre fez. Como não consegue, ele diz: “Ame a Deus”, “Ame essa idéia”, “Ame o Estado”, “Ame seu vizinho”. Não, que não devamos amar o vizinho; mas isso se tornou apenas uma transação social; não é o amor que sempre se renova. Assim, o amor não é produto do pensamento, que é prazer. Como já dissemos, o pensamento é velho, não é livre, provém do passado, e, por isso, nenhuma relação tem o amor com o pensamento. A maior parte de nossa vida, sabemos disso, é uma luta – tensão, ansiedade, sentimento de culpa, desespero, uma profunda sensação de solidão e sofrimento; essa é nossa vida. Isso, de fato, é o que é e isso não queremos enfrentar. Mas, o que acontece quando enfrentamos, sem escolha nem resistência? Podemos enfrentar o medo, o ciúme, ou lá o que seja, sem procurar dominar – apenas olhar, sem o desejo de mudar, conquistar, controlar, observando apenas, dando total atenção ao que é? Que acontece quando olhamos nossa vida cheia de vicissitudes, nosso cotidiano vulgar ou não? Não somos então possuídos de uma enorme energia? Temos dissipado energia resistindo a essa condição, lutando para superá-la, transcendê-la, na tentativa de compreendê-la, de mudá-la. Por conseguinte, quando olhamos nossa vida como é, não ocorre, então, uma transformação do que é? Essa transformação, contudo, só se dá quando possuímos aquela espécie de energia em que a vontade não intervem. 
Como sabem, adoramos explicações e teorias, satisfazemo-nos com filosofia especulativa e somos levados por tudo que implica desperdício de tempo e energia. Precisamos enfrentar o que de fato é: a miséria, a pobreza, a poluição, a desastrada divisões entre povos e nações, as guerras que nós, os seres humanos, já promovemos – pois elas não surgiram por milagre; todos somos responsáveis por tudo isso: eis o que temos de enfrentar. E uma das coisas mais importantes da vida que também temos que encarar é a morte. Não obstante, o ser humano está sempre evitando esse problema. Tanto as civilizações antigas quanto as modernas têm procurando suplantá-lo, conquistá-lo, imaginando que há imortalidade, imaginando vida após a morte – tentam fazer qualquer coisa, menos enfrentar o problema. Mas pode minha mente enfrentar algo que não conhece? Infelizmente, se me permitem dizer, muitos já leram bastante sobre isso. Provavelmente já leram o que os filósofos e instrutores indianos têm afirmado, ou talvez já tenham lidos outros filósofos e possuam formação cristã. Estão impregnados do conhecimento e das afirmações e opiniões alheias. E estão fadados a isso embora talvez não admitam o fato; mas é o que está no sangue, uma vez que são produto dessa civilização e cultura. E isso é uma cosia que desconhecem totalmente. A única coisa que sabem é que sentem medo de chegar ao fim. E a morte é isso. 
O medo nos impede de olhar o fato assim como também nos impede de viver livres da ansiedade, do sofrimento, do sentimento de culpa – e todos conhecemos bem esse problema terrível. O medo tem impedido que vivamos e nos impede que olhemos o que é a morte. O medo nos leva a desejar consolo; daí, a idéia de reencarnação, a volta a uma nova vida etc. Não vamos entrar nisso porque o que nos interessa é verificar se a mente pode enfrentar o fato do findar. E é isso mesmo o que vai acontecer de qualquer maneira – quer estejamos relativamente bem de vida – vai acontecer com a velhice, doença ou acidente. Será que a mente pode encarar esse imenso problema que desconhecemos? Podemos investigá-lo como se o víssemos pela primeira vez – sem ninguém para nos dizer o que fazer, sabendo que procurar lenitivo significa fuga ao fato? Podemos, portanto, enfrentar o inevitável como se nunca antes o tivéssemos deparado? 
Qual é o estado da mente que é capaz de olhar alguma coisa que desconhece por completo – sabendo apenas que existe a morte orgânica? O organismo acaba por insuficiência cardíaca, em virtude de tensões, doenças, etc. Mas a questão psicológica é esta: pode a mente encarar uma coisa cônscia de que nada sabe a respeito dela, olha-la, viver com ela e compreendê-la completamente? Pode olhá-la sem qualquer temor? No momento em que sentimos medo, começamos a escolher e, então, intervem a vontade, há resistência e dissipamos energia. Mas, quando cessa a energia do eu, podemos encarar a morte.
Para enfrentar uma coisa inteiramente desconhecida, necessitamos de muita energia, não? E tal só é possível quando já não existe mais vontade, resistência, escolha nem dissipação de energia. Para enfrentar o que desconhecemos, temos de contar com a mais intensa energia e, quando ocorre essa energia total, haverá porventura medo da morte? Ou haverá medo de continuar? Só quando vivo uma vida de resistência, vontade e escolha é que tenho medo de não ser ou de não viver. Mas, quando a mente está diante do desconhecido e livre de tudo mais, há uma enorme energia. E nessa suprema energia, que é inteligência, há morte? Verifiquem.   
_________
Krishnamurti. Saanen, 29/07/71. THE AWAKENING OF INTELLIGENCE. London, V. Gollancz, 1973, p.361-5. Tradução do trecho: Vanfredo
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill