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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Uma mente que é produto do temor, jamais encontrará o amor

[...] Vocês só podem ter inteligência apenas quando há liberdade, e não, temor. E uma mente disciplinada nunca pode descobrir o que é a Verdade — isto é, uma mente que é produto do temor, jamais encontrará o amor. 

[...] Não digam: "o que me acontecerá, se eu não me disciplinar?" — O que lhes aconteceu, até agora? — pois suponho que tenham se disciplinado, até agora; pelo menos dizem que estão se disciplinando. Qual é a situação de vocês? Vivem lutando incessantemente, entre aquilo que desejam ser e aquilo que são realmente. 

Por que não se livram da teoria ideológica relativa ao que deveriam ser, que não contém nenhuma verdade? O fato é: o que são atualmente? Por que não procuram compreender este fato? A compreensão do que são não exige disciplina; ao contrário, podem examiná-lo livremente, livremente lhe investigar a verdade. Em geral, porém, não queremos compreender o que somos, sempre em demanda do que deveríamos ser, esperando assim fugir ao que somos. A compreensão do que somos é o único fato, a única realidade; e nessa compreensão haverão de encontrar a verdade infinita de que "o que é" é, e de que "o que é" nunca é estático. Mas isso requer uma mente não carregada de temor, não tolhida por uma ideia de disciplina ou daquilo que meu pai, minha mãe, meu guru, minha sociedade possam dizer de mim. 

A disciplina impede a inteligência. A inteligência é o resultado da libertação do temor. Mas vocês acham que não devem ficar livre do temor. Pensam que o temor conserva o homem no caminho reto e que, por conseguinte, devem disciplinar o seu filho para que ele não se rebele contra vocês, e lhe ensinar o que acreditam ser a Verdade. Começam, pois, a condicioná-lo, por meio do temor; querem que se ajuste ao padrão da sociedade de vocês. Instalam, assim, gradualmente, no seu espírito, o temor e lhe destroem a inteligência. É isso o que está sucedendo à maioria de nós, não é exato? Talento, erudição, capacidade de argumentar, de citar outros — nada disso significa inteligência. O homem inteligente é sem temor. Não se pode dissipar o temor por meio de compulsão ou ajustamento. O temor é um veneno que atua lentamente no ser total de vocês, destruindo-lhes toda a lucidez. 

Assim, pois, considerando devidamente o problema da disciplina, verão não ser a disciplina coisa importante; que o que tem importância é a compreensão do "processo da mente", o "processo" de conduta, tanto em si mesmos como em tudo o que os cerca. A compreensão de si mesmo é essencial. A compreensão de si mesmo não exige que se retirem da vida, que se tornem eremita ou monge. Não podem se compreender no isolamento; só podem se compreender quando em relação com outro, pois viver é estar em relação; e para compreenderem a si mesmo, precisam se servir do espelho das relações, o que requer uma capacidade extraordinária, e não temor ou uma mente que diga "isso é errado", ou "isto é correto"; essa é uma mentalidade de colegial. Só o pensamento não amadurecido está sempre condenando ou justificando. 

[...] Uma mente inteligente não precisa de disciplina; ela se disciplina continuamente — isto é, está sempre a observar, a adaptar-se e nunca se acha dentro do rígido molde chamado "disciplina". Senhor, uma mente criadora é a mais disciplinada das mentes; entretanto, sua disciplina não é a que resulta do temor e, sim, a disciplina própria da mente que compreende, que está sempre cônscia das suas ações e dos movimentos dos seus próprios desejos. Esse percebimento não exige disciplina. Apenas a mente preguiçosa, inutilizada, "desintegrada", só essa mente tem medo de amadurecer e por isso diz: "preciso disciplinar, controlar; preciso ser isso, ser aquilo" ou "não devo ser isso". Essa mente jamais descobrirá o que é a Verdade. 

A mente disciplinada não pode, nunca, descobrir o que é a Verdade. A mente disciplinada não pode saber o que é o amor. Por isso, nunca conhecemos o amor. Conhecemos, tão somente, a sensação do sexo, ou essa vaidade de sermos amados ou de amarmos. Não sabemos o que é o amor. O amor não é coisa da mente. O amor não é nenhum artifício da mente que crê, que se limita a si mesma, e que teme. O amor nasce apenas quando a mente compreende a natureza da inveja. Quando a mente compreender as próprias tendências de preenchimento, seu desejo e seu medo à frustração, só então poderá surgir aquela coisa que não é mera sensação, mas a "qualidade amor", a qual nos resolverá todos os problemas. 

Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

segunda-feira, 14 de abril de 2014

O mestre é necessário?

O que é que as tradições espirituais da humanidade nos dizem a esse respeito? Algumas tradições espirituais da humanidade nos dizem que o mestre é necessário, e outras dizem que não.

Eis algumas citações:
  • Não sigas pelo caminho sozinho, porque poderias perder-te.
  • Não conseguimos nos ver com os nossos próprios olhos. 
  • Tens necessidade de outro para te conheceres a ti próprio. 
  • Se não escolheres um mestre, é Satanás quem o será (Arabi)
Alguns dirão usando outras palavras: o ego será teu mestre. Fiar-se no seu próprio juízo é fiar-se no seu ego. Nesse caso corremos no risco de cair numa auto-ilusão. Podemos, por exemplo, ler os textos sagrados segundo as nossas interpretações. Há, portanto, certas tradições onde se insiste sobre esta necessidade de termos alguém que nos acompanhe no caminho, mas outras dirão que um mestre é necessário. 

O grande místico do islã, Rumi, disse uma vez, referindo-se ao seu mestre: "É ele a verdade, a essência de toda a verdade, é ele o mistério de todas as religiões, a boca de todas as certezas". 

Encontramos algo semelhante na Índia, na devoção prestada ao guru, porque é através dele que a verdade nos é transmitida. 

Todavia, o mesmo Rumi, diz em outra ocasião: "Purifica-te dos atributos do eu, de modo que possas contemplar tua própria essência na sua pureza, e contempla no teu coração todas as ciências dos profetas, sem livros, professores, sem mestre"

O objetivo é despertar em nós a essência da vida. O objetivo do mestre exterior é nos despertar para essa presença.
Na epístola de São João está escrito: "Não precisais mais que vos ensinem, o Espírito Santo é quem vos ensinará todas as coisas"

O mestre está no nosso interior e é a ele que devemos escutar, não uma lei exterior. 

Uma vez, um dos alunos de Santo Tomás de Aquino perguntou-lhe: "Se o papa me disser para fazer determinada coisa e minha consciência me disser para fazer outra coisa, a quem devo obedecer?"

Santo Tomás de Aquino, doutor da Igreja Romana, responde: "Escuta a voz da consciência e procura esclarecê-la e iluminá-la". Isto pode surpreender, mas são palavras cheias de bom-senso e de psicologia, porque, se ele tivesse dito para ouvir e obedecer ao papa, isso faria com que seu aluno se tornasse um pouco hipócrita ou adoecesse, quem sabe até de esquizofrenia. Ou seja, quando fazemos aquilo que a autoridade nos diz e no nosso interior pensamos outra coisa, cria-se uma divisão dentro de nós que está na origem do mal-estar e da doença. Mas São Tomás de Aquino diz: 
Escuta a voz da tua consciência. Não mintas a ti próprio, mas procura esclarecer-te, e é possível que, ao esclareceres a tua consciência, descubras que aquilo que o papa dizia não era completamente idiota. Mas isso virá de ti mesmo.
Isto é interessante para o nosso discernimento, pois no lugar do papa poderíamos ter qualquer outra autoridade, a quem atribuíssemos a sabedoria ou a verdade. Poderia ser um livro, os nossos pais ou alguém que conhecemos. Mas, em um determinado momento, deixamos de estar de acordo e, nessa ocasião, é importante escutar a voz da consciência. 

Podemos sempre nos enganar, mas em algum momento nas nossas vidas já não podemos mentir a nós mesmos. É nessa ocasião que desperta em nós o mestre interior. Posso me enganar e até cometer erros até o fim da minha vida, mas não posso mais mentir a mim mesmo, isso faria com que eu adoecesse. Esse é o sinal que estamos, de fato, conectados com o nosso mestre interior. 

Quem é o meu mestre interior, quem tem autoridade sobre mim? 

É importante sabermos que não devemos dar a nossa liberdade a qualquer pessoa, devemos dá-la apenas a quem nos torne mais livres, mais verdadeiros. 

Por isso algumas tradições nos dizem: "Melhor é seguir a sua própria lei, mesmo que imperfeitamente, do que a lei de um outro, mesmo que executada de modo perfeito" — essas são palavras do Bhagavad Gita

Diz-se também que um caminho espiritual não deve servir senão uma vez e para uma só alma — ninguém passará por ali mais uma vez, nas mesmas condições. 

Não se trata de uma religião individual, mas de maneiras individuais de chegar ao Absoluto. 

Um verdadeiro mestre espiritual nunca impõe a ninguém o seu modo de estabelecer uma relação com o Absoluto. Ele ajuda-nos a descobrir a nossa própria maneira de entrarmos em relação com o Absoluto. 

[...]Na tradição tibetana, mas também em outras tradições, o mestre pode ser, numa primeira fase, um professor... É uma relação de um aluno para com um professor, de alguém que aprende com alguém que sabe mais do que ele e que lhe transmite os seus conhecimentos. É um primeiro nível de relação. 

No segundo nível de relação, o mestre não é apenas um professor, mas um amigo. Aquele a quem se chama o amigo espiritual, que nos acompanha no caminho e que não nos transmite apenas conhecimentos, mas nos transmite também o seu coração, a sua afetividade. 

O meu mestre não é apenas um sábio, ele é alguém com quem tenho uma relação de intimidade, que me conhece e que vai adaptar o seu ensinamento à situação a que me encontro. 

E posso ter a certeza de que aquilo que ele procura não é apenas agradar-me, mas o meu despertar, a minha libertação. 

É por isso que esta amizade pode, por vezes, ser muito exigente. O amor não é complacência. Aquilo que queremos transmitir não é uma felicidade ou um prazer qualquer, mas a libertação interior, é participar na bem-aventurança. 

O terceiro nível de relação é aquele em que o mestre é considerado não apenas com um professor, ou como um amigo que nos acompanha no caminho, mas como alguém que nos transmite uma iniciação. Ele é um elo de uma linhagem iniciática que faz com que entremos numa cadeia. Em todas as grandes tradições espirituais, o mestre é aquele que transmite uma iniciação, que nos inscreve numa linhagem. Isso faz com que a minha prática não seja apenas a "minha" prática, mas a prática de todos aqueles que me precederam, a energia e a bênção de todos que me precederam e praticaram esse caminho estão presentes. Nessas circunstâncias poderíamos dizer que o mestre não transmite ensinamentos pessoais, mas é a tradição que é transmitida por seu intermédio, para além da sua individualidade. A sua pessoa apaga-se diante da sua função. [...]

Jean-Yves Leloup — O Anjo Como Mestre Interior

sexta-feira, 28 de março de 2014

O homem realmente disciplinado jamais se prende a nada

Disciplina é uma bela palavra, mas, assim como, no passado, o foram todas as belas palavras, ela tem sido mal empregada. A palavra disciplina tem a mesma raiz da palavra discípulo - o significado da raiz é “processo de aprendizagem”. Aquele que se mostra disposto a aprender é um discípulo, e a atitude de estar disposto a aprender é disciplina.

A pessoa douta nunca está disposta a aprender, pois acha que já sabe muito; ela se mantém muito centrada no que chama de conhecimento. Seu conhecimento não é nada senão alimento para o ego. Ela não é capaz de ser um discípulo, de se manter sob verdadeira disciplina.

Sócrates disse: “Só sei que nada sei” — esse é o princípio da disciplina. Quando você não sabe nada, claro, claro que lhe sobrevém o desejo intenso de inquirir, explorar, investigar. E, assim que começa a aprender, surge inevitavelmente outro fator: qualquer coisa que você tenha aprendido tem que ser abandonada sempre; em caso contrário, ela se tornará conhecimento, e conhecimento impede a aprendizagem de outras coisas.

O homem realmente disciplinado jamais se prende a nada; a cada momento, ele morre para qualquer coisa que tenha vindo a saber e volta a ser ignorante. Essa ignorância é verdadeiramente luminosa.

Concordo com Dionísio quando ele afirma que a ignorância é luminosa. Uma das experiências mais belas da existência é estar num estado de luminosa ignorância. Quando está nesse estado de luminosa ignorância, você está aberto, não há barreira em seu ser, você está disposto a investigar.

A disciplina tem sido mal-interpretada. As pessoas têm dito às outras que disciplinem sua vida, que façam isso, que não façam aquilo. Têm sido imposto ao homem milhares de deves e não-deves. E, quando o homem vive com inúmeros deves e não-deves, ele não consegue ser criativo. Ele se torna prisioneiro; em toda parte, ele deparará uma barreira.

A pessoa criativa tem que eliminar todos os deves e não-deves. Ela precisa de liberdade e de espaço, muito espaço; ela precisa do céu inteiro e de todas as estrelas que existem nele. Só assim sua espontaneidade pode começar a florescer.

Portanto, lembre-se: minha ideia de disciplina não envolve nenhum dos dez mandamentos; não estou impondo-lhes nenhum tipo de disciplina; estou simplesmente tentando fazê-lo discernir a ideia de como continuar a aprender e jamais arvorar-se em douto.

Sua disciplina tem que vir de seu próprio coração; ela tem que ser inteiramente sua - e há uma grande diferença nisso. Quando alguém lhe impõe algum tipo de disciplina, talvez ela jamais lhe sirva; será como vestir as roupas de outrem. Ou elas ficarão grandes demais ou muito apertadas, e você sempre se sentirá um tanto idiota nelas.

Maomé legou um corpo de disciplina aos muçulmanos; talvez isso tenha sido bom para ele, mas não pode ser bom para todos. Buda legou um corpo de disciplina a milhões de budistas; talvez isso tenha sido bom para ele, mas não pode ser bom para todos.

A disciplina é um fenômeno que se dá no âmbito da individualidade; toda vez que a adota de outrem, você começa a viver de acordo com princípios pré-estabelecidos, preceitos mortos. E a vida jamais é morte; a vida é transformação incessante. A vida é movimento.

Heráclito está certo: você não pode entrar no mesmo rio duas vezes. Aliás, gostaria de dizer-lhe que você não pode entrar no mesmo rio uma única vez sequer, pois ele se move muito rapidamente! A pessoa tem que estar atenta a cada situação e suas nuanças, observando-a, e é necessário que a pessoa reaja à situação de acordo com o momento, e não conforme a algum tipo de respostas prontas, fornecidas por outrem.

Você percebe a estupidez da humanidade? Há cinco mil anos, Manu transmitiu um corpo de disciplina aos hindus, e, até hoje, eles o seguem. Três mil anos atrás, Moisés deixou um corpo de disciplina aos judeus, e ainda hoje eles o seguem. Há cinco mil anos, Rsabhanatha transmitiu seu corpo de disciplina aos jainistas, e eles ainda o seguem.

O mundo está sendo levado à loucura com essas doutrinas! Elas são ultrapassadas; elas deveriam ter sido enterradas há muito, muito tempo. Vocês estão carregando defuntos nas costas, e esses defuntos fedem. E, quando você vive cercado por defuntos, que tipo de vida você pode levar?

Eu lhes ensino o momento, e a liberdade do momento, e a responsabilidade do momento. Algo pode ser correto neste momento e pode tornar-se errado no momento seguinte.

Não tente ser imutável, pois, nesse caso, você estará morto. Só os mortos são imutáveis. Procure estar vivo, com todas as suas inconstâncias, e viva cada momento sem nenhuma ligação com o passado nem com o futuro. Viva o momento, e suas reações serão plenas.

Essa plenitude é sublime, essa plenitude é criatividade. Com isso, tudo que você fizer terá beleza própria.

Osho, em "Criatividade : Libertando Sua Força Interior

segunda-feira, 25 de março de 2013

Na meditação não há espaço para a vontade


O processo mecânico dos sistemas produz insensibilidade, gera repressão ou a resistência ao que realmente vocês são, o querer sobrepor ao que são o que pensam que deveriam ser; isso envolve conflito, batalha. Querendo controlar, reprimir, disciplinar a vocês mesmos, se forçam a ficar sentado, imóvel, respirando "corretamente", tudo isso na esperança de, no fim de certo tempo, alcançarem uma coisa a cujo respeito não sabem absolutamente nada. Por conseguinte, o homem sensato rejeita toda e qualquer ideia de sistema ou método, compreendendo que eles não o levarão a parte alguma. Mas, lhes inculcaram a ideia de que são capazes de "experimentar" a Verdade, de alcançar a "iluminação", de descobrir a Realidade. Já não ouviram seus gurus, as pessoas que lhes instruem sobre "como meditar", já não os ouviram dizer que "experimentaram" a Verdade, a Realidade? Há dias alguém veio nos dizer: "Experimentei a Realidade, sei o que é a Verdade"; não se pode enunciar maior absurdo.

Escute, senhor: Quando um homem diz "sei", que é que ele sabe? Ao dizer "sei", isso significa que sei de algo já acabado. Certo? Eu só sei o que já acabou, que está no passado; portanto, estou vivendo no passado. Observem isso, por favor, em sua própria vida. Se digo "lhe conheço", só conheço a imagem que tenho de você, e essa imagem é o passado. Portanto, o homem que diz que sabe o que é a Verdade, não sabe. Ele sabe de algo já morto, acabado.

Já refletiram sobre a palavra "experiência"? Ela significa "atravessar" (um certo estado). Depois de "atravessarem" qualquer estado, ele está acabado; mas, se não se completa o movimento, ele se registra na mente como "memória", e o que se experimenta é o passado. No justo momento em que experimentarem qualquer coisa — cólera, sexo, violência — não há nenhuma "experimentador". Já notaram isso? Quando você está muito enraivecido, quando sente muita inveja, nesse momento está totalmente ausente o "eu", o "você" — o "experimentador". Este último só chega um instante após e você diz, então: "Estive com raiva" Portanto, os que dizem que sabem não sabem. Os que dizem ter experimentado a Realidade jamais a experimentaram, porque "experimentar" não significa apenas "passar por uma coisa", mas também reconhecê-la. Do contrário, não há experiência. Se eu já não lhe conhecesse, não poderia lhe reconhecer (e "lhe reconhecer" é experiência). Assim, a palavra "experiência" implica reconhecimento. Reconhecer implica que já conhecem; e o que já conhecem não pode ser o Real. Portanto, rejeitem completamente todos os sistemas. Tenham cautela com os que dizem "experimentei" e dos que dizem "sei". Não se deixem cair nessa armadilha. Esse é o meio de que eles se servem para explorar vocês.

Disseram que vocês devem se concentrar, que devem aprender a concentração. Vocês já investigaram o que implica a concentração? Implica ação da vontade, ou seja resistir a qualquer outro pensamento e focalizar toda a energia, todo o pensamento numa certa coisa, numa sentença, palavra ou frase, na recitação de mantras... repetir, repetir, repetir. Concentração implica resistência. Vocês resistem à infiltração de qualquer outro pensamento, ou controlam os seus pensamentos, para que não se ponham a divagar. A concentração pois, é vontade, na forma de resistência ou repressão, quando necessitamos de uma mente livre, uma mente viva, cheia de energia. A mente em constante conflito desperdiça energia, e vocês necessitam dessa energia. Assim, se puderem se desfazer de seus sistemas favoritos, se puderem ver como um fato verdadeiro que a concentração é meramente resistência e, por conseguinte, incessante conflito e desperdício de energia, estarão aptos a descobrir por si mesmos os requisitos necessários ao estado de meditação.

Podemos agora investigar juntos — não, "meditar juntos"? Este é um dos expedientes em uso: meditação coletiva: juntar-se uma porção de gente e todos de olhos fechados para meditar sobre isto ou aquilo. Nós estamos investigando em comum o que é meditação; não estamos "meditando em comum", pois vocês não sabem o que é meditação, só sabem o que os outros lhes disseram. Tenham cuidado com o que dizem os outros, inclusive este orador, pois vocês se deixam persuadir muito facilmente. E vocês se deixam persuadir porque estão muito ansiosos por experimentar algo que pensam ser maravilhoso. Portanto, não se deixem influenciar por este orador.

Averiguemos o que significa "a mente em meditação". Já dissemos que vocês tem de rejeitar todos os sistemas e métodos, todo desejo de experiência, e explicamos o que significa esse desejo, ou seja o "motivo" existente atrás do desejo de experiência. Assim, devem rejeitar todas essas e também tudo o que anda por aí com o nome de "meditação" — respirar de certa maneira, dançar, tornar-se emotivo, sentimental. Que é, pois, essa coisa chamada "meditação"? Vocês vão descobrir; não descobrir "como meditar", porém, a natureza e estrutura da mente que se acha totalmente livre, sem funcionar, sem nenhum movimento da vontade, porque vontade significa resistência. Vocês não estão aprendendo nada deste orador. Vocês são seu próprio guru e seu próprio discípulo, porque vocês é que precisam descobrir isso. Precisam aprender, em vez de imitarem ou seguirem autoridades.

Dessa forma, o principal é compreenderem a si mesmos, porque, sem essa compreensão, vocês não tem uma base racional para nenhum pensamento, nenhuma estrutura. Se não se compreendem, como podem compreender outra coisa qualquer, e muito menos uma coisa que talvez não exista? O primeiro movimento, pois, é compreenderem a si mesmos, verem-se exatamente como são e não como gostariam de ser. Compreendam-se. Malevolência, brutalidade, violência, avidez, inveja, torturante solidão e desespero — eis o que são vocês. E, por não terem sido capazes de compreender e ultrapassar o que são, inventaram o "eu superior", o "Atman" — um dos maiores artifícios com que se iludem. Deste modo, vocês tem o conflito entre o que são e o que pensam ser, ou como o Atman de vocês diz que "devem ser". Estão, pois, fazendo um jogo que não lhes ajuda a se compreenderem. Para compreenderem o que são, precisam olhar para si mesmos. Se quero conhecer aquela árvore ou aquele pássaro, tenho de olhá-lo. Cumpre-me olhar a mim mesmo, porque não sei o que sou. Devo aprender sobre o que sou, sem a ajuda de nenhum filósofo ou psicólogo, de nenhum livro, guia ou guru.

Averiguemos o que somos. Nós somos o dinheiro depositado no banco, somos invejosos, ambiciosos, corruptos, dizemos uma coisa e fazemos outra, somos hipócritas, nos mascaramos, nos dissimulamos; e, de permeio com tudo isso, há o sentimento de tristeza, de dor, de ansiedade, há lágrimas, há os tormentos da solidão. Eis o que somo; e, se não o compreenderem e ultrapassarem, como poderão algo de sumamente belo? Cabe a vocês, pois, compreenderem o que são; e surge aqui uma grande dificuldade: porque o que sois é um movimento constante, uma contínua mutação; não são permanente ávido, ou permanentemente violento, ou permanentemente "sexual": há mutação, movimento constante — viver. Compete a vocês compreender essa coisa viva e, para compreende-la, precisam observá-la, em cada minuto, como coisa nova. Percebem a dificuldade? Para compreender o que sou — uma entidade viva, e não uma coisa morta — tenho de me observar, e o que observo num minuto, tenho de largá-lo, para tornar a observá-lo no próximo instante. Estou, assim, observando em cada minuto, como coisa nova, uma entidade viva; não levo para o próximo minuto o que aprendi, a fim de, com este conhecimento, observar aquela coisa sempre nova. Se assim fizerem, verão que essa é uma das coisas mais fascinantes, porque, então, a mente retém muito pouco, conservando apenas o conhecimento técnico essencial, e nada mais. Desta maneira, ela esta apta a observar o movimento do "eu" — essa entidade tão complexa — não só no nível superficial, mas também profundamente.

(...) No nível superficial, e estando atento, vocês podem se observar, em cada minuto, de maneira nova. Mas, como irão observar os segredos de suas mentes, os ocultos "motivos", a complexa herança de vocês? Tudo isso existe, de forma oculta. Como vocês observarão? Observar não é analisar, mas, sim, estar vigilante durante o dia, percebendo todo o movimento, as mensagens indiretas e sugestões dos desejos secretos. Observem com o espírito aberto, para descobrirem os "motivos", as intenções, a tradição, o fundo hereditário.

Assim, observando todas essas coisas durante o dia, ao chegar a noite, irão dormir com a mente completamente quieta. Não terão, então, sonhos, porque os sonhos são a continuação, em forma simbólica, dos conflitos do dia; pois, compreendendo o movimento diário da vida de vocês, suas ambições, suas invejas, irritações, etc., estarão esvaziando a mente de todo o passado. Dessa forma, devem aprender sobre vocês mesmo, constantemente. Aprender é presente ativo. Há, então, disciplina. Vivemos a reprimir, a controlar, a ajustar, a imitar, e a isso chamamos "disciplina"; mas essa é a disciplina do soldado... Nessa espécie de disciplina que vocês tem, praticada pelo guru  de vocês e por todos os outros, não há liberdade nenhuma. Há decomposição, deterioração, ao passo que, no aprender sobre nós mesmos a todas as horas, e não "após ter aprendido", cria-se a ordem própria desse aprender.  Se estou aprendendo acerca do processo do viver, esse mesmo aprender traz sua ordem própria e, portanto, sua peculiar virtude. A virtude que se cultiva não é virtude. Há, pois, necessidade de conhecer a si mesmos, necessidade dessa ordem que é disciplina, e não deve haver nenhuma ação da vontade.

(...) Na ação da vontade há escolha — não quero fazer isto, quero fazer aquilo. Estão compreendendo?  Compreendam isso, por favor, porque, se não aprenderem tudo isso sobre vocês mesmos, terão uma vida de aflição. Dessa aflição poderão fugir, lutando. E só estas duas cosias vocês conhecem: resistir, fugir. Resistência significa luta. E, quanto à fuga, há toda uma cadeia de fugas: os templos, os gurus, as drogas, o beber, o sexo... E em tudo isso está implicada a vontade. Pode a pessoa viver, cada dia, sem o movimento e a ação da vontade, quer dizer, viver uma vida em que não haja escolha de espécie alguma?

Havendo escolha, há contradição. Só há escolha quando estão confusos, não? Quando não sei o que fazer, estou confuso; dessa confusão vem a escolha e, da escolha, a ação da vontade. Por que vocês estão confusos? A maioria das pessoas está; por que? Isso acontece porque não aceitam o que realmente é. Vocês querem mudá-lo noutra coisa. E, no momento em que o fazem, há conflito e, por causa desse conflito, confusão. A ação da vontade, pois, é produto da confusão.

A meditação é um movimento em que não existe nenhuma ação da vontade... Vocês necessitam de uma mente são, lógica, racional, e não de uma mente entorpecida. Se vocês têm luz, não precisam de mais nada, não há necessidade de se criarem esses centros chamados chakras  e kundalinis, que nunca alcançará aquele estado em que não existe o tempo, aquele estado de beleza, verdade, e amor.
Por conseguinte, rejeitem as velas os gurus e os livros que lhes oferecem. Não repitam nunca uma palavra que não tenha sido compreendida por vocês mesmos, que vocês mesmos não tenham provado e achado verdadeira.

Krishnamurti — Bombaim, 17 de fevereiro de 1971 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A mente disciplinada nunca pode saber o que é o Amor

Por que não vos livrais da teoria ideológica relativa ao que você deveria ser, que não contém verdade nenhuma? O fato é: o que você é atualmente? Por que você não procura compreender esse fato? A compreensão do que você é não exige disciplina; ao contrário, você pode examiná-lo livremente, livremente investigar a verdade. Em geral, porém, não queremos compreender o que somos, estamos sempre a buscar aquilo que não somos, sempre em demanda do que deveríamos ser, esperando assim fugir ao que somos. A compreensão do que somos é o único fato, a única realidade; e nessa compreensão você há de encontrar a verdade infinita de que “o que é” é, e de que “o que é” nunca é estático. Mas isso requer uma mente não carregada de temor, não tolhida por uma idéia de disciplina ou daquilo que meu pai, minha mãe, meu guru, minha sociedade possam dizer de mim.

A disciplina impede a inteligência. A inteligência é resultado da libertação do temor. Mas você acha que não deve ficar livre do temor. Pensa que o temor conserva o homem no caminho reto e que, por conseguinte, deve disciplinar o seu filho para que ele não se rebele contra você, e ensinar-lhe o que você acredita ser a Verdade. Começa, pois, a condicioná-lo, por meio do temor; você quer que se ajuste ao padrão da sociedade. Você instala, assim, gradualmente, no seu espírito, o temor e lhe destrói a inteligência. É isso o que está ocorrendo à maioria de nós, não é exato? Talento, erudição, capacidade de argumentar, de citar outros — nada disso significa inteligência. O homem inteligente é sem temor. Não se pode dissipar o temor por meio de compulsão ou ajustamento. O temor é um veneno que atua lentamente no seu ser total, destruindo-lhe toda a lucidez.

Assim, pois, considerando devidamente o problema da disciplina, você verá não ser a disciplina coisa importante; que o que tem importância é a compreensão do “processo da mente”, o “processo” de conduta, tanto em vós mesmo como em tudo que lhe cerca. A compreensão de si mesmo é essencial. A compreensão de si mesmo não exige que você se retire da vida, que se torne eremita ou monge. Você não pode se compreender no isolamento; só pode se compreender quando em relação com outro, pois viver é estar em relação; e para compreender a si mesmo, você tem que fazer uso do espelho das relações, o que requer uma capacidade extraordinária, e não temor ou uma mente que diga “isto é errado”, ou “isto é correto”; essa é uma mentalidade de colegial. Só o pensamento não amadurecido está sempre condenando ou justificando.

(…) Uma mente inteligente não precisa de disciplina; ela se disciplina continuamente — isto é, está sempre a observar, a adaptar-se e nunca se acha dentro do rígido molde chamado “disciplina”. Senhor, uma mente criadora é a mais disciplinada das mentes; entretanto, sua disciplina não resulta do temor e, sim, a disciplina própria da mente que compreende, que está sempre cônscia das suas ações e dos movimentos dos seus próprios desejos. Esse percebimento não exige disciplina. Apenas a mente preguiçosa, inutilizada, “desintegrada”, só essa mente tem medo de amadurecer e por isso diz: “preciso disciplinar, controlar; preciso ser isso, ser aquilo” ou “não devo ser isso”. Essa mente jamais descobrirá o que é a Verdade.

A mente disciplinada não pode, nunca, descobrir o que é a Verdade. A mente disciplinada, não pode saber o que é amor. Por isso, nunca conhecemos o amor. Conhecemos tão-somente, a sensação do sexo, ou essa vaidade de sermos amados ou de amarmos. Não sabemos o que é o amor. O amor não é coisa da mente. O amor não é produto de nenhuma artifício da mente que crê, que limita a si mesma, e que teme. O amor nasce apenas quando a mente compreende a naturzea da inveja. Quando a mente comprender as próprias tendências de preenchimento, seu desejo e seu medo à frstração, só então poderá surgir aquela coisa que não é mera sensação, mas a “qualidade do amor”, a qual resolverá todos os problemas.

Krishnamurti – 24 de janeiro de 1953

Autoconhecimento — Base da Sabedoria      

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill