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quarta-feira, 4 de abril de 2018

A compreensão do mecanismo social


A compreensão do mecanismo social

TALVEZ convenha, em primeiro lugar, considerarmos o que se entende por “escutar”. Evidentemente, estais aqui para escutar e compreender o que se está dizendo; e acho de importância averiguar como escutamos, uma vez que a compreensão depende da nossa maneira de escutar. Quando escutamos, estabelecemos em nós mesmos uma discussão do que se está dizendo, interpretando-o de acordo com nossas opiniões pessoais, conhecimentos, idiossincrasias, ou ficamos simplesmente a escutar, com atenção, sem intuito de interpretação? E que significa “prestar atenção”? Parece-me realmente importante diferenciar entre “atenção” e “concentração”. Sabemos escutar com uma atenção completamente isenta de interpretação, oposição, ou aceitação, de modo que compreendamos integralmente o que se diz? É bastante óbvio, penso eu, que, se somos capazes de escutar com atenção completa, esta mesma atenção produz um efeito extraordinária.

Por certo, há duas maneiras de escutar. Pode-se seguir superficialmente as palavras, perceber sua significação, alcançando-se meramente o significado exterior da descrição; ou pode-se escutar a descrição, a exposição verbal, e continuá-la interiormente, isto é, podemos estar apercebidos do que se está dizendo, como uma coisa que estamos experimentando diretamente em nós mesmos. Se sabemos proceder desta última maneira, isto é, se através da descrição somos capazes de experimentar diretamente a coisa que se está dizendo, terá isso, a meu ver, grande importância. Espero tenteis experimentar o que estais escutando.

No mundo inteiro há pobreza, em proporções imensas, como na Ásia, e enormes riquezas, como neste país; há crueldade, sofrimento, injustiça, um modo de viver em que não existe nenhum sentimento de amor. Vendo-se isto, que se pode fazer? Qual a maneira correta de nos aplicarmos à solução desses inumeráveis problemas? As religiões, em toda parte, têm sempre encarecido o aperfeiçoamento pessoal, o cultivo da virtude, a aceitação da autoridade, a obediência a certos dogmas, crenças, a necessidade de fazermos um grande esforço de ajustamento aos padrões estabelecidos. Não só religiosamente, mas também politicamente, vemos esse constante impulso de aperfeiçoamento pessoal: “Devo tornar-me mais nobre, mais delicado, mais atencioso, menos violento.” A sociedade, com a ajuda da religião, criou uma civilização baseada no auto-aperfeiçoamento, no sentido mais amplo da palavra. É isto o que cada um de nós está tentando fazer, a todas as horas: estamos tentando melhorar a nós mesmos, o que implica esforço, disciplina, ajustamento, competição, aceitação da autoridade, senso de segurança, justificação da ambição. E o auto-aperfeiçoamento conduz, com efeito, a certos resultados óbvios: torna a pessoa mais sociável. Tem significação social, e nada mais, visto que o auto-aperfeiçoamento não pode revelar a Realidade fundamental. Acho muito importante compreender-se isto.

As religiões que temos não nos ajudam a compreender aquilo que é real, porquanto, essencialmente, estão elas baseadas, não no abandono do “eu”, mas no melhoramento, no aperfeiçoamento do “eu”, o que significa: continuidade do “eu”, sob diferentes formas. São pouquíssimos os que se libertam da sociedade, não das exterioridades sociais, mas de todas as influências de uma sociedade que está baseada na ambição, na inveja, na comparação, na competição. Esta sociedade condiciona a mente de acordo com certo padrão de pensamento, o padrão do auto-aperfeiçoamento, auto-ajustamento, auto-sacrifício, e só os que são capazes de libertar-se de todo condicionamento, só estes podem descobrir aquilo que não é mensurável pela mente.

Agora, que entendemos por esforço? Todos estamos a fazer um esforço, nosso padrão social está baseado no esforço de adquirir, de compreender mais, de ter mais conhecimentos para, com esse fundo de conhecimentos, agirmos. Há sempre um esforço de automelhoramento, auto-ajustamento, autocorreção, impulso para nos preenchermos, com todas as suas frustrações, temores e angústias. De acordo com esse padrão, que todos conhecemos e de que somos parte integrante, é uma coisa perfeitamente justificável ser ambicioso, competir, invejar, perseguir determinado resultado; e nossa sociedade, seja na América ou na Europa, seja na Índia, está essencialmente baseada em tal padrão.

Assim sendo, pode a sociedade, a civilização, em seu sentido mais amplo, ajudar o indivíduo a descobrir a verdade? Ou a sociedade é nociva ao homem, já que o impede de descobrir o que é a verdade? Indubitavelmente, a sociedade, tal como a conhecemos, esta civilização em que estamos vivendo e funcionando, leva o homem a ajustar-se a um padrão determinado, a ser respeitável, e ela é o produto de muitas vontades. Nós criamos esta sociedade; ela não nasceu espontaneamente. E esta sociedade ajuda o indivíduo a achar o que é a Verdade ou Deus — ou o nome que quiserdes, pois as palavras são sem importância — ou deve o indivíduo pôr de parte, totalmente, a cultura, os valores da sociedade, para descobrir a Verdade? O que não significa — e cumpre notá-lo claramente — que ele deve tornar-se anti-social, fazer o que bem entender. Pelo contrário.

A atual estrutura social baseia-se na inveja, no impulso aquisitivo, em que está implicada a conformidade aos padrões, a aceitação da autoridade, a perpétua realização da ambição — e tudo isso representa, essencialmente, o “eu”, o “ego”, a lutar para se tornar alguma coisa. É deste material que está feita a sociedade, e sua cultura — nos seus aspectos agradáveis e desagradáveis, belos e feios — todo o campo de empreendimentos sociais — sua cultura condiciona a mente. Vós sois o resultado da sociedade. Se tivésseis nascido na Rússia e sido educado pelos seus métodos especiais, negaríeis a Deus, aceitaríeis certos padrões, tal como aqui aceitais outros padrões. Aqui, credes em Deus, e acharíeis horrível, se não crêsseis, pois não seríeis pessoas respeitáveis.

A sociedade, pois, em toda parte, está condicionando o indivíduo, e esse condicionamento assume a forma de automelhoramento, que na realidade significa perpetuação do “eu”, do “ego”, sob diferentes formas. Esse melhoramento pode ser grosseiro, ou então muito requintado, quando se torna prática da virtude, da bondade, do chamado amor ao próximo; mas, essencialmente, ele representa a continuação do “eu”, que é produto das influências condicionadoras exercidas pela sociedade. Todos os vossos esforços têm sido aplicados no sentido de vos tornardes alguma coisa, neste mundo, se tiverdes sorte, ou no “outro mundo”; mas o que vos move é sempre a mesma ânsia, o mesmo impulso para manter a continuidade do “eu”.

Ao perceber-se tudo isso — e não é necessário que eu entre em todos os respectivos pormenores — é inevitável esta pergunta: a sociedade ou a cultura existe para ajudar o homem a descobrir isso que se pode chamar a Verdade, Deus? O que importa verdadeiramente é que descubramos, que experimentemos diretamente algo que se acha muito além da mente, e não, apenas, que tenhamos uma crença, pois isso não tem importância nenhuma. E, as chamadas religiões, o seguir vários instrutores e disciplinas, o pertencer a seitas, cultos, pode qualquer dessas coisas ajudar-vos a encontrar aquela bem-aventurança eterna, aquela realidade eterna? Se não vos limitardes a ouvir, apenas, o que se está dizendo, concordando ou discordando, mas perguntardes a vós mesmos se a sociedade vos está ajudando — não no sentido superficial de alimentar-vos, vestir-vos e dar-vos morada, mas fundamentalmente — se de fato fizerdes diretamente esta pergunta a vós mesmos, o que significa que estareis aplicando a vós mesmos o que se está dizendo, tornando-o assim uma experiência direta, e não meramente uma repetição de coisas ouvidas ou aprendidas, vereis então que o esforço só pode existir na esfera do automelhoramento. E o esforço é, bàsicamente, parte integrante da sociedade, a qual condiciona a mente de acordo com um padrão em que o esforço é considerado um fator essencial.

Por exemplo, se sou cientista, tenho de estudar, tenho de conhecer matemática, de saber tudo o que já se disse anteriormente, tenho de possuir um imenso cabedal de conhecimentos. Minha memória tem de ser exercitada no mais alto grau, tenho de torná-la mais forte, mais ampla. Mas a tal memória, tal saber, na, realidade impede descobrimentos mais profundos. Só quando sou capaz de esquecer tudo o que sei, todos os conhecimentos que adquiri — os quais podem ter utilidade noutras ocasiões — só então estou apto a descobrir algo novo. Não me será possível descobrir nada novo com o lastro do passado, com minha carga de conhecimentos — o que, mais uma vez, é um evidente fato psicológico. E estou dizendo isto porque queremos ir ao encontro da realidade, daquele extraordinário estado criador, com toda a carga que a sociedade nos impôs, todo o condicionamento de uma dada cultura, razão por que nunca descobrimos o novo. Por certo, aquela realidade, que constitui o sublime, o eterno, tem de ser sempre nova, estar fora do tempo, e para que o novo possa manifestar-se, nada se deve empreender no terreno em que o esforço só visa ao automelhoramento, ao autopreenchimento. Só quando tal esforço cessar totalmente, se tornará possível a “outra coisa”.

Notai, por favor, que isto é muito importante. Não é uma questão de ficardes contemplando o umbigo e vos deixardes enlevar por uma ilusão qualquer, mas, sim, de compreender-se o mecanismo total do esforço, na sociedade, esta sociedade de que somos produto, esta sociedade que nós mesmos construímos, onde o esforço é uma coisa essencial, porque, sem ele, estamos perdidos. Se não sois ambicioso, sereis destruído; se não sois ganancioso, sereis pisado; se não sois invejoso, nunca tereis, cargos elevados ou grandes êxitos na vida. Por isso, estais constantemente a fazer esforços para serdes ou para não serdes, para vos tornardes algo, terdes êxitos felizes, realizardes as vossas ambições; e com tal mentalidade, que é produto da sociedade, quereis tentar achar algo que não é produto da sociedade.

Ora, se desejamos descobrir o que é a verdade, devemos estar totalmente livres de todas as religiões, de todos os condicionamentos, dogmas, crenças, de toda autoridade que nos força a ajustar-nos a padrões; e isso significa, essencialmente, “estar completamente só” — coisa muito difícil, que não é um simples entretenimento para uma manhã de domingo, para um deleitável passeio de carro e um refrescante descanso debaixo das árvores, ouvindo coisas sem sentido. O descobrimento da Verdade requer uma dose imensa de paciência, de serenidade, de incerteza. O mero estudo dos livros não tem valor algum; mas se, enquanto estais escutando, puderdes manter-vos completamente atentos, vereis que essa atenção vos libertará de todo esforço, de modo que, sem nenhum movimento em qualquer direção, a mente será capaz de receber algo extraordinariamente belo e criador, algo que não pode ser medido pelo saber, pelo passado. Só uma pessoa assim é verdadeiramente religiosa e revolucionária, porque já não faz parte da sociedade. Enquanto o indivíduo for ambicioso, invejoso, ganancioso, competidor, ele é a sociedade. Com uma mentalidade dessas, de que é dificílimo nos libertarmos, esse indivíduo busca Deus, e essa busca não tem significação alguma, já que não passa de um novo esforço que ele faz, para se tornar algo, para ganhar algo. Eis porque é de grande importância compreendermos as nossas relações com a sociedade, estarmos apercebidos de todas as crenças, dogmas, doutrinas e superstições que adquirimos, e deitarmos fora tudo isso — não por meio de esforço, porque nesse caso ver-nos-emos de novo apanhados na mesma rede, mas percebendo essas coisas no seu exato significado e soltando-as de nós, tal como as folhas do outono, que murcham e são levadas pelo vento, deixando a árvore inteiramente nua. Só quando se acha neste estado, completamente nua, a mente pode receber algo portador de uma felicidade imensa para a nossa vida.

Krishnamurti, 7 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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terça-feira, 23 de setembro de 2014

Liberte-se da horrorosa teia das gerações mais velhas

Vocês sabem que eu venho falando sobre o medo; e é muito importante que tomemos consciência do medo. Você sabe como ele passa a existir?Por todo o mundo podemos ver que as pessoas são transtornadas pelo medo, têm as ideias, os sentimentos e as atividades torcidos pelo medo. Por isso, temos de examinar o problema do medo e de todos os ângulos possíveis, não só do ponto de vista moral e econômico da sociedade, mas também do ponto de vista de nossos conflitos psicológicos interiores. 

Como já disse, o medo pela segurança interior ou exterior desorienta nossa mente e deturpa o pensamento. Espero que vocês tenham refletido um pouco sobre isso, porque quanto maior a clareza com que o considerem e lhe percebem a verdade, tanto mais livres estarão de todo tipo de dependência. As pessoas mais velhas não criaram uma sociedade maravilhosa; os pais, os ministros, os professores, os governantes, os sacerdotes não criaram um mundo bonito. Pelo contrário, criaram um mundo brutal e assustador, em que todos estão sempre lutando contra alguém; em que um grupo está contra outro, uma classe contra outra, uma nação contra outra, uma ideologia ou conjunto de crenças contra outra. O mundo em que vocês estão crescendo é horrível, é infeliz; nele, as pessoas mais idosas procuram sufocá-los com suas ideias, com suas crenças, com sua fealdade; e se vocês se limitarem a seguir o padrão horroroso dos mais idosos, que criaram esta sociedade monstruosa, qual será o sentido de se deixarem educar, qual o sentido até mesmo de viver?

Se olharem em torno de vocês, vocês verão que por todo o mundo há espantosa destruição e miséria humana. Vocês podem ler sobre guerras na história, mas não têm a experiência real delas, de como as cidades são completamente destruídas, de como a bomba de hidrogênio, ao ser lançada numa ilha, faz a ilha toda desaparecer. Navios são bombardeados e vão pelos ares. Há uma terrível destruição de vido ao assim chamado progresso, e é num mundo assim que vocês estão crescendo. Vocês podem viver uma época feliz enquanto são jovens, uma fase divertida; mas quando ficarem mais velhos, a não ser que permaneçam bem alertas, observando seus próprios pensamentos e sentimentos, vocês perpetuarão este mundo de batalhas, de ambições desmedidas, mundo em que cada qual compete com o próximo, em que há miséria, fome, superpopulação e doenças. 

Por isso, enquanto vocês são jovens, não será acaso importantíssimo que sejam ajudados, pelo tipo certo de professor, a refletir sobre todas essas coisas, em lugar de serem apenas preparados para passar por alguns exames tediosos? A vida é sofrimento, morte, amor, ódio, crueldade, doença, inanição, e vocês precisam começar a considerar todas estas coisas. Aí está por que me parece bom que examinemos juntos esses problemas, para que a inteligência de vocês desperte e vocês passem a ter algum sentimento real sobre todas essas coisas. Então não crescerão apenas para se casar e tornar-se funcionários alienados ou máquinas de procriar, perdendo-se nesse horrível modelo de vida como água e areia?

Uma das causas do medo é a ambição, não é? E porventura não são todos vocês ambiciosos? Qual é a sua ambição? Passar em algum exame? Tornar-se governador? Ou, se forem muito jovens, talvez só desejem ser maquinistas de trem, para guiar trens por cima de pontes. Mas por que motivo vocês são ambiciosos? O que quer dizer isso? Já pensaram nisso? Já observaram como os mais idosos são ambiciosos? Em sua própria família, já não ouviram seu pai ou tio falar sobre obter um maior salário ou ocupar alguma posição proeminente? Em nossa sociedade, todo mundo está fazendo isso, tentando alcançar o topo. Todos querem ser alguém, não é verdade? O funcionário quer tornar-se gerente, o gerente quer ser algo maior, e assim por diante indefinidamente — é a contínua faina do vir-a-ser. Se sou professor, quero tornar-me diretor; se sou diretor, quero tornar-me secretário da educação. Se você é feio, deseja ficar bonito. Ou quer ter mais dinheiro, mais roupas, mais mobília, mais casas, mais propriedades — mais e mais e mais. Não só exteriormente, mas interiormente também, no chamado sentido espiritual, você quer se tornar alguém, embora cubra essa ambição com um dilúvio de palavras. Não perceberam isso? E vocês acham que tudo está perfeitamente certo, não é? Vocês acham que isso tudo é perfeitamente normal, justificável, certo.

Agora, o que tem feito a ambição no mundo? Pouquíssimos de nós têm sequer pensado nisso. Ao ver um homem lutando para ganhar, para adquirir, para passar à frente de alguém, já se perguntaram o que está no coração dele? Se vocês olharem para o próprio coração, quando vocês mesmos são ambiciosos, quando estão lutando para se tornarem alguém, em sentido espiritual ou terreno, vocês encontrarão ali o verme do medo. O homem ambicioso é o mais medroso dos homens, porque tem medo de ser o que é. Ele diz: "Se continuar sendo o que sou, não serei nada; portanto devo ser alguém, devo tornar-me magistrado, juiz, ministro." Se examinarem atentamente esse processo, se penetrarem a cortina das palavras e das ideias, se ultrapassarem as paredes do status e do sucesso, descobrirão que o que existe é medo; porque o homem ambicioso tem medo de ser o que é. Ele acha que aquilo que ele é, em si mesmo, é insignificante, pobre, feio; sente-se só, totalmente vazio, por isso diz: "Preciso realizar alguma coisa". Então, ou vai em busca do que chama Deus, que é apenas uma outra forma de ambição, ou procurar tornar-se alguém no mundo. Desse modo, sua solidão, sua sensação de vazio interior — que o amedronta verdadeiramente — é coberta. Ele foge disso, e a ambição torna-se o meio pelo qual pode escapar.

Então, o que está acontecendo no mundo? Todos estão lutando contra alguém. Um homem se sente inferior a outro e luta para alcançar o topo. Não há amor, não há consideração, não há pensamento profundo. Nossa sociedade é uma constante batalha de homens contra homens. Essa luta é fruto da ambição de vir a ser alguém, e as pessoas mais velhas o encorajam a ser ambiciosos. Eles querem que você se torne alguém, que se casem com um homem rico ou uma mulher rica, ou tenham amigos influentes. Sendo medrosos, feios em seus corações, eles procuram fazê-los semelhantes a eles; e vocês, de seu lado, querem ser iguais a eles, porque vêem o encanto disso tudo. Quando o governador aparece, todos se curvam para recebê-lo, dão-lhe grinaldas, fazem discursos. Ele gosta disso, e vocês também. Você se sentem honrados se lhe conhecem o tio ou o criado, e se deleitam ao sol da ambição dele, de suas realizações. Desse modo vocês são facilmente presos na teia horrorosa das gerações mais velhas, no padrão desta sociedade monstruosa. Só se estiverem muito alertas, mantendo-se constantemente vigilantes, só se não tiverem medo e não aceitarem tudo irrefletidamente, mas questionarem sempre as coisas — só, então, vocês escaparão de ser presos irão além e criarão um mundo diferente.

Eis porque é importante que vocês encontrem sua verdadeira vocação. Sabem o que quer dizer "vocação"? Algo que gostam de fazer, que lhes seja natural. Afinal de contas, é esta a função da educação — ajudá-los a se desenvolverem independentemente, de modo a ficarem livres da ambição e a poderem encontrar sua verdadeira vocação. O homem ambicioso nunca encontrou sua verdadeira vocação; se a tivesse encontrado não seria ambicioso.

Portanto, é responsabilidade dos professores e do diretor ajudá-los a ser inteligentes, livres do medo, para que possam encontrar a sua verdadeira vocação, o seu próprio modo de vida, o modo por que queiram realmente viver e ganhar a vida. Isto implica uma revolução no pensamento; porque, em nossa atual sociedade, acredita-se que o homem que sabe falar, o homem que sabe escrever, o que sabe governar, o que possui um grande carro está numa posição maravilhosa; e o homem que trabalha sem descanso no jardim, que cozinha, que ergue uma casa, esse é desprezado.

Você tem consciência de seus próprios sentimentos quando vê um pedreiro, quando vê um consertador de ruas, ou um motorista de táxi, ou alguém puxando uma carroça? Já observou como lhe tem um desprezo absoluto? Para você ele mal chega a existir. Você o desconsidera; mas quando alguém tem algum título, ou é um banqueiro, comerciante, guru, ou ministro, você imediatamente o respeita. Mas se você encontrar sua verdadeira vocação, ajudará a romper completamente este sistema podre; porque então, seja você jardineiro, pintor ou maquinista, estará fazendo algo que gosta de fazer com todo o seu ser; e isso não é ambição. Fazer algo maravilhosamente bem, fazê-lo completamente, verdadeiramente, de acordo com o que você pensa e sente profundamente — isso não é ambição e aí não há medo.

Ajudá-los a descobrir sua verdadeira vocação é muito difícil, porquanto significa que o professor tem de prestar muita atenção a cada aluno para descobrir do que o mesmo é capaz. Ele precisa ajudá-lo a não ter medo, mas a contestar, a questionar, a investigar. Você pode ser um escritor em potencial, ou poeta, ou pintor. Seja o que for, se você realmente gosta de fazê-lo, não será ambicioso; porque no amor não há ambição.

Por isso, não será importante, enquanto vocês são jovens, que os outros os ajudem a despertar sua própria inteligência e desse modo a encontrar a verdadeira vocação? Então vocês amarão o que fizerem, por toda a vida, o que quer dizer que não haverá ambição, nem competição, nem luta contra outros por causa de posições, por causa de prestígio; e então talvez sejam capaz de criar um novo mundo. Nesse mundo novo, todas as coisas horríveis das gerações mais velhas cessarão de existir — suas guerras, seus malfeitos, seus deuses desunidores, seus rituais que não significam absolutamente nada, seus governos soberanos, sua violência. Eis porque a responsabilidade dos professores, e dos estudantes, é muito grande.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

quarta-feira, 27 de março de 2013

Discernir o processo do "eu" é o começo do preenchimento

Preencher-se é ser inteligente; e para despertar a inteligência é necessário o reto esforço. E o vigor, para este fim, não pode ser artificial; e a vida não deve ser dividida em trabalho e realização interna. O trabalho e a vida interna devem estar juntos. A própria alegria do esforço reto abre as portas da inteligência.

O discernir do processo do "eu" é o começo do preenchimento.

(...)

Se vocês, como indivíduos, começarem a despertar para as limitações que lhes são impostas pela sociedade, pelas religiões, pelas condições econômicas, e começarem a investigar e, assim, a criar conflito, então dissiparão essa pequena consciência que chamo o "eu"; então, saberão o que é este preenchimento, este viver criador no presente.

(...)

Ao tentarem descobrir o mérito das fugas que, por vocês mesmos criaram, manifesta-se a verdadeira inteligência, e essa inteligência é felicidade criadora, é preenchimento.

(...)

O mundo é uma extensão de vocês, enquanto forem irrefletidos, presos à ignorância, ao ódio, à ambição; mas, quando ficarem sinceramente atentos, apercebidos, não haverá somente uma dissociação dessas causas que criam tristeza e sofrimento, mas também haverá essa compreensão, que é o preenchimento, o todo.

(...)

Ambição não é preenchimento. A ambição é inflação do eu. Na ambição há a ideia de proveito pessoal, sempre em oposição ao lucro de outrem; há nela o culto do êxito, a competição cruel e a exploração de outrem. No despertar da ambição há descontentamento constante, destruição e vacuidade; pois, no próprio momento do êxito, há um falecimento e, portanto, um renovado impulso para outras consecuções. Quando discernirdes profundamente que a ambição tem dentro de si  esta constante luta e angústia, então compreenderão o que é o preenchimento. O preenchimento é a expressão fundamental daquilo que é verdadeiro. Com frequência, porém, toma-se equivocadamente uma reação superficial pelo preenchimento. O preenchimento não é apenas para uns poucos, mas exige profunda inteligência. Na ambição há o objetivo e o incitamento no sentido da sua consecução; porém, o preenchimento requer um ajuste contínuo e a reeducação de todo de todo o nosso ser social. Onde há ambição, há também a busca de recompensa por parte dos governos, das igrejas ou da sociedade, ou então há o desejo das recompensas das virtudes com suas consolações. No preenchimento desaparece integralmente a ideia de recompensa e de punição, pois todo o medo cessa por completo.

Façam experiências relativas ao que estou dizendo, e discirnam por si mesmos. A vida atual de vocês está repleta de ambição, não de preenchimento. Vocês se esforçam para se tornarem alguma coisa, em lugar de se perderem nas limitações que impedem o verdadeiro preenchimento.

(...)

O preenchimento é a fruição do profundo entendimento da nossa própria existência e de nossas ações.

(...)

O preenchimento é perfeição. Você não podem se preencher no futuro. O preenchimento não depende do tempo. O preenchimento está no presente.

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill