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sábado, 7 de abril de 2018

Compreendendo o mecanismo do esforço

Compreendendo o mecanismo do esforço

PERGUNTA: Dizeis que, não importa o que façamos, o "estado de realidade" nunca se tornará existente por meio de nossos esforços e que até o próprio desejo desse estado, constitui um obstáculo. Que podemos então fazer, de modo que se não crie obstáculo algum?

KRISHNAMURTI: Bem, vós não me estais escutando, e eu não vos estou respondendo; mas investiguemos juntos este problema. O problema é: como se pode experimentar o Real, o desconhecido, se a mente é incapaz de captá-lo pelo seu próprio esforço, sua própria luta? Assim, temos de compreender a mente, e compreender porque fazemos esforço.

Se, no nível físico, nenhum esforço fizéssemos, não poderíamos subsistir. Se não houvesse o esforço despendido num certo trabalho, o esforço para obter a alimentação adequada, praticar exercícios, etc., nosso corpo se desintegraria. Isto é um fato bem óbvio. Portanto, fazemos esforço, a fim de subsistirmos, fisicamente.

Ora, de maneira semelhante, fazemos esforço para subsistirmos psicologicamente, isto é, com o fim de alcançarmos o que chamamos a Realidade. Pensamos que a Realidade é um estado alcançável por meio de disciplina, de controle, de repressão, de compulsão sob várias formas, e, assim, forçamos a mente a ajustar-se a um certo padrão, na esperança de alcançarmos aquele estado. Tudo isso implica — não é verdade? — que a mente está, de contínuo, buscando a segurança. Temendo a incerteza, deseja achar a certeza, uma certeza que seja permanente e a que ela chama "Realidade", "Deus", "Verdade", etc. É isto que interessa à maioria de nós. Desejamos um estado em que não haja perturbação de espécie alguma, que nunca tenha fim, um estado permanente a que chamamos "Paz". E acha-se a mente empenhada num esforço constante para conquistar esse estado, nele ingressar. Precisamos, pois, compreender o mecanismo que está em funcionamento, nesse esforço.

Como disse, assim como fazemos esforço para subsistirmos fisicamente, assim também fazemos esforço para continuarmos, como "eu". Compreendeis, senhores? Enquanto estou desejando subsistir espiritualmente, tenho de fazer um esforço constante, para alcançar aquilo que chamamos Realidade. Mas, que é o "eu", que está fazendo esse esforço? Que sois vós? Ora, sem dúvida, vós sois um nome, ligado a um feixe de memórias, experiências. Sois uma acumulação de "motivos" ocultos e interesses manifestos, uma acumulação de qualidades, paixões, temores, virtudes diversas. Tudo isso constitui vós, não é assim? E este vós, desejais que se conserve numa direção conducente à Realidade. Por conseguinte fazeis esforço, meditais, praticais uma certa forma de disciplina. Ora, é só quando a mente deixa de fazer este esforço e se torna perfeitamente tranquila; só quando não deseja coisa alguma e, portanto, não está em busca de nenhuma experiência — é só então que se torna possível a existência do Desconhecido.

A mente, em verdade, é resultado do conhecido e todo esforço que faça, só pode estar no terreno do conhecido. Por conseguinte, ela não pode fazer esforço para alcançar o desconhecido. Nenhum movimento no terreno do conhecido poderá conduzir ao desconhecido. Isto, também, é muito simples e claro. A mente só está tranquila depois de ter renunciado, de todo, ao conhecido. Nesta tranquilidade, não há esforço e só então é possível tornar-se existente o desconhecido.

Krishnamurti, Segunda Conferência em Bombaim
7 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Só há bondade quando há atenção completa


Só há bondade quando há atenção completa

Uma das coisas mais difíceis parece-me ser a comunicação. Venho dizer-vos certas coisas e desejo, naturalmente, que as compreendais. Mas cada um interpreta as palavras que ouve conforme seu próprio cabedal de conhecimentos, experiência, etc., e, assim sendo, diante de um auditório tão grande como este, é dificílimo transmitir exatamente aquilo que desejamos comunicar.

Nesta tarde, desejo discorrer sobre uma coisa que considero deveras importante: o problema referente ao cultivo da virtude. Decerto, sem virtude, a mente é caótica, contraditória; e se não temos a mente tranquila, em boa ordem e livre de conflitos, é óbvio que não podemos ir muito longe. Mas a virtude não é um fim em si. O cultivo da virtude leva-nos numa direção, e o ser virtuoso, noutra direção. Em geral temos muito interesse no cultivo da virtude, porque, ainda que superficialmente, apenas, a virtude confere à mente certo equilíbrio, certa tranquilidade, livre do incessante conflito dos desejos contraditórios. Mas, afigura-se-me bastante evidente que o mero cultivo da virtude não pode, em tempo algum, trazer a liberdade, e, sim, só levar-nos a uma tranquilidade respeitável — o espírito de ordem, de controle, que resulta quando moldamos a mente para acomodá-la a determinado padrão social, denominado “virtude”.

Nosso problema, pois, é o de nos tornarmos bons, sem fazermos esforço para ser bons. Vejo uma vasta diferença entre estas duas coisas. O "ser bom” é um estado em que não existe esforço algum; mas nós não nos achamos em tal estado. Somos invejosos, ambiciosos, maledicentes, cruéis, limitados, vulgares, prisioneiros de rotinas estúpidas, e nada disso é bom; e, se somos assim, como poderemos alcançar um estado mental “bom”, sem fazermos nenhum esforço para sermos bons? Ora, por certo, o homem que se esforça para ser virtuoso, não é virtuoso, é? Quem se esforça para ser humilde não tem, evidente - mente, a mínima compreensão do que é a humildade. E, se não somos humildes, há possibilidade de termos o senso da humildade, sem o cultivo da humildade?

Não sei se já pensastes neste problema. É bem evidente a necessidade de virtude. Ela é como conservar a sala bem arrumada; mas, ter a sala bem arrumada não é, em si, da máxima importância. O fazer da virtude um fim em si traz ao indivíduo certos benefícios sociais, fá-lo ser considerado — aqui, na Índia, ou na Rússia — um “cidadão decente”, porque vive de acordo com um certo padrão. Mas, não é muito importante reconhecermos que a mente deve estar em boa ordem, sem se exercer compulsão ou disciplina — e em seguida nos esquecermos disso, para que a mente não esteja a todas as horas a dominar-se e disciplinar-se, cultivando o conformismo?

Afinal, que é que estamos buscando? Que é que busca, cada um de nós, não teoricamente, abstratamente, mas na realidade? E há alguma diferença entre a busca do homem que aspira à satisfação por meio do saber, de Deus, e a daquele que deseja ser rico, realizar suas ambições, ou daquele que vai buscar satisfação na bebida? Socialmente, há diferença. O homem que vai buscar satisfação na bebida é, sem dúvida, um ser anti-social, ao passo que o que busca a satisfação ingressando numa ordem religiosa, tornando-se eremita, etc., é socialmente útil; mas a diferença é só esta.

Mas, a coisa que buscamos — por mais interessada que seja a nossa busca, traz-nos a tranquilidade? E nós, de fato, estamos muito interessados, pois não? O eremita, o monge, o homem que busca o prazer, de diferentes maneiras, cada um deles está muito interessado. Mas esse interesse é realmente sério? Existe sério interesse, quando empreendemos uma busca com o fim de adquirir alguma coisa? Entendeis minha pergunta? Ou só pode haver um interesse sério quando não se está visando a um fim?

Afinal, vós, aqui presentes, deveis sentir um certo interesse, pois do contrário não vos teríeis dado ao trabalho de vir. Ora, eu pergunto a mim mesmo e espero estejais também perguntando a vós mesmos, o que significa “interesse sério”; porque eu acho que daí depende o que vou explicar mais adiante. Se aqui estais a buscar a satisfação ou um meio de compreender uma certa experiência passada, ou de cultivar um certo estado mental que pensais vos dará tranquilidade, paz, ou de experimentar algo que chamais “Realidade”, “Deus”, podeis estar com muito interesse; mas, não devemos duvidar desse interesse? É sério o nosso interesse ao buscarmos uma coisa porque achamos que ela nos dará prazer ou tranquilidade?

Se pudermos compreender o mecanismo da busca, compreender porque buscamos e o que buscamos — e essa compreensão só é possível pelo autoconhecimento, pela percepção do movimento do nosso próprio pensar, nossas reações e nossos diferentes impulsos — talvez possamos, então, descobrir o que é “ser virtuoso” sem nos disciplinarmos para sermos virtuosos. Pois bem, tenho a impressão que, ainda que consigamos reprimir o conflito existente em nós, ainda que procuremos fugir dele, disciplinar e controlar a mente, moldá-la de acordo com diferentes padrões, o conflito permanecerá latente, e nossa mente nunca estará verdadeiramente tranquila. E ter uma mente tranquila, acho eu, é coisa essencial, porque nossa mente é o único instrumento de compreensão, de percepção, de comunicação, e enquanto não tivermos esse instrumento perfeitamente claro e capaz de percepção, capaz de se aplicar à busca sem ter um fim em vista, não poderá haver liberdade, tranquilidade, nem, por conseguinte, o descobrimento de coisas novas.

Assim, há possibilidade de vivermos neste mundo, — tão cheio de agitações, de ansiedades, de insegurança — sem esforço? Esse é um dos nossos problemas, não achais? Para mim, esta é uma questão muito importante, porque só é possível a ação criadora, quando a mente se acha num estado em que não existe esforço algum. Não estou empregando a palavra “criadora” no sentido acadêmico de aprender “literatura criadora”, “atividade criadora”, “pensamento criador”, etc.; estou-a empregando num sentido muito diferente. Quando a mente se acha num estado em que o passado, com seu cultivo da virtude através de disciplina, desapareceu completamente, só então pode existir uma ação criadora atemporal, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Como pode, pois, a mente chegar a esse estado de constante ação criadora?

Que acontece quando tendes um problema? Pensais nele, de princípio a fim, ficais engolfado nele, vos tornais nervoso e agitado por causa dele; e quanto mais o analisais, aprofundais, desbastais, quanto mais preocupado ficais a seu respeito, tanto menos o compreendeis. Mas, no momento em que deixais de dar-lhe atenção, nesse momento o compreendeis, tudo se torna, de súbito, perfeitamente claro. Tal experiência já deve ter ocorrido à maioria de vós. A mente já não se acha num estado de confusão, conflito, estando, por conseguinte, capacitada para receber ou perceber uma coisa totalmente nova. E é possível a mente permanecer nesse estado, de modo que não fique mais repetindo as mesmas coisas e se torne capaz de experimentar “o novo”, momento por momento? Depende isso, a meu ver, de compreendermos o problema do cultivo da virtude.

Cultivamos a virtude, disciplinamo-nos, com o fim de ajustar-nos a determinado padrão de moralidade. Por quê? Não só porque desejamos tornar-nos socialmente respeitáveis, mas também porque percebemos a necessidade de pôr em ordem, controlar a nossa mente, o nosso falar, o nosso pensar. Reconhecemos quanto isso é importante, mas, no mecanismo de cultivar a virtude, estamos construindo a estrutura da memória, essa memória, que é o “eu”, o “ego”. Tal é a base da nossa ação, principalmente dos que pensam ser religiosos, porque praticam constantemente uma certa disciplina, pertencem a certas seitas, certos grupos, chamados coletividades religiosas. Sua recompensa poderá estar noutra parte, “no outro mundo”, mas é sempre recompensa o que querem; no cultivo da virtude, que significa polir, disciplinar, controlar a mente, estão eles desenvolvendo e mantendo uma memória do “eu” e, por conseguinte, nunca há um momento em que estão livres do passado.

Se realmente já disciplinastes a vós mesmos, exercitando-vos para não serdes invejosos, irritadiços, etc., não sei se tendes notado como esse próprio exercitar, esse próprio disciplinar da mente cria uma série de lembranças, que são conhecimentos. É assaz difícil este problema, e espero me esteja fazendo claro. Esse mecanismo que consiste em dizermos: “Não devo fazer isto” — cria ou constrói o tempo; e a mente que está aprisionada no tempo não pode, é claro, nunca, experimentar algo fora do tempo, “o desconhecido”. Entretanto, devemos ter nossa mente “bem arrumada”, livre de desejos contraditórios — e isso não significa ajustamento, aceitação, obediência.

Nessas condições, se sentis um interesse muito sério, no sentido em, que estou empregando a palavra, este problema tem de surgir, inevitavelmente. Vossa mente é resultado do “conhecido”. Vossa mente é o conhecido, sendo moldada pelas memórias, pelas reações, pelas impressões do “conhecido”; e a mente mantida no terreno do conhecido jamais compreenderá ou experimentará o desconhecido, aquilo que não se acha na esfera do tempo. A mente só é criadora quando está livre do conhecido; e, então, ela pode servir-se do conhecido, isto é, da técnica. Estou-me fazendo claro?

Como sabeis, nosso tédio é tão grande, que estamos constantemente a ler, a adquirir, a aprender, a frequentar igrejas e executar rituais, sem nunca conhecermos um momento inédito, original, não corrompido, completamente livre de todas as impressões; e esse momento é que é criador, atemporal, eterno, ou qualquer outra palavra que preferirdes. Sem essa ação criadora, a nossa vida se torna insípida e estúpida, e todas as nossas virtudes, nosso saber, nossas ocupações, nossos entretenimentos, nossas várias crenças e tradições, tudo muito pouco significa. Como disse há dias, a sociedade apenas cultiva “o conhecido”, e nós somos o resultado dessa sociedade. Para encontrarmos o desconhecido, é essencial nos libertarmos da sociedade — o que não significa retirar-nos para um mosteiro e ficarmos rezando da manhã à noite, disciplinando-nos incansavelmente, ajustando-nos a certo dogma ou crença. Isto, por certo, não pode emancipar a mente do conhecido.

A mente é resultado do conhecido, resultado do passado, que é acumulação no tempo; e tem essa mente alguma possibilidade de ficar livre do conhecido, sem fazer esforço algum, para que possa descobrir algo original? Qualquer esforço que ela faça, para libertar-se, qualquer busca que empreenda, estará sempre na esfera do conhecido. Ora, por certo, Deus ou a Verdade deve ser algo que nunca foi pensado, algo inteiramente novo, nunca formulado, descoberto ou experimentado antes. E como pode a mente resultante do conhecido, experimentar, em algum tempo, essa coisa? Percebeis o problema? Se o problema está claro, achareis então a maneira correta de o atenderdes, a qual não é um método.

Aí está a razão por que importa descobrir se uma pessoa pode ser boa, no sentido completo desta palavra, sem se esforçar para ser boa, sem lutar para libertar-se da inveja, da ambição, da crueldade, sem se disciplinar para deixar de ser maledicente, enfim, abstendo-se de todos os rigores a que nos submetemos quando desejamos ser bons. Pode haver bondade, sem se fazer esforço para “ser bom”? Acho que só haverá, se cada um de nós souber escutar, estar atento. Só há bondade quando há atenção completa. Percebei esta verdade de que não pode haver bondade mediante luta, esforço. Percebei simplesmente esta verdade — mas só podereis percebê-la se estais dando atenção completa ao que se está dizendo. Esquecei todos os livros que lestes, tudo o que vos têm ensinado, e prestai toda a atenção à asserção de que não pode haver virtude, enquanto há esforço para se ser virtuoso. Enquanto luto para não ser violento, tem de haver violência; enquanto luto para não ser invejoso, tem, de haver inveja; enquanto luto para ser humilde, tem de haver orgulho. Se percebo esta verdade, não intelectualmente, ou verbalmente, — o que significa apenas ouvir as palavras e concordar com elas, — se a percebo com toda a simplicidade, diretamente, então, daí virá a bondade. Mas a dificuldade é que a mente diz: “Como conservar esse estado? Posso ser bom, enquanto aqui estou, ouvindo algo que sinto ser verdadeiro, mas, depois de sair daqui, ver-me-ei de novo colhido pela corrente da inveja”. Acho que isso não tem importância; vós o descobrireis.

Nossa cultura, nossa sociedade está baseada na inveja, na vontade de adquirir conhecimentos, experiência, bens materiais, etc. E para nos libertarmos disso não se requer nenhuma luta ou esforço, mas só que vejamos o que significa o esforço. O homem que está adquirindo conhecimentos, não está em paz, pois está empenhado num esforço. Só quando completamente livre de esforço, pode a mente achar-se em paz, que é, na verdade, um estado extraordinário, mas que pode ser alcançado por qualquer um que a isso se aplique de coração e com toda a atenção. A mente que não está lutando, tentando “vir a ser” alguma coisa, social ou espiritualmente, a mente que está reduzida a “nada” — só ela pode receber “o novo”.

Krishnamurti, 23 de agosto de 1955, Realização sem Esforço
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A compreensão do mecanismo social


A compreensão do mecanismo social

TALVEZ convenha, em primeiro lugar, considerarmos o que se entende por “escutar”. Evidentemente, estais aqui para escutar e compreender o que se está dizendo; e acho de importância averiguar como escutamos, uma vez que a compreensão depende da nossa maneira de escutar. Quando escutamos, estabelecemos em nós mesmos uma discussão do que se está dizendo, interpretando-o de acordo com nossas opiniões pessoais, conhecimentos, idiossincrasias, ou ficamos simplesmente a escutar, com atenção, sem intuito de interpretação? E que significa “prestar atenção”? Parece-me realmente importante diferenciar entre “atenção” e “concentração”. Sabemos escutar com uma atenção completamente isenta de interpretação, oposição, ou aceitação, de modo que compreendamos integralmente o que se diz? É bastante óbvio, penso eu, que, se somos capazes de escutar com atenção completa, esta mesma atenção produz um efeito extraordinária.

Por certo, há duas maneiras de escutar. Pode-se seguir superficialmente as palavras, perceber sua significação, alcançando-se meramente o significado exterior da descrição; ou pode-se escutar a descrição, a exposição verbal, e continuá-la interiormente, isto é, podemos estar apercebidos do que se está dizendo, como uma coisa que estamos experimentando diretamente em nós mesmos. Se sabemos proceder desta última maneira, isto é, se através da descrição somos capazes de experimentar diretamente a coisa que se está dizendo, terá isso, a meu ver, grande importância. Espero tenteis experimentar o que estais escutando.

No mundo inteiro há pobreza, em proporções imensas, como na Ásia, e enormes riquezas, como neste país; há crueldade, sofrimento, injustiça, um modo de viver em que não existe nenhum sentimento de amor. Vendo-se isto, que se pode fazer? Qual a maneira correta de nos aplicarmos à solução desses inumeráveis problemas? As religiões, em toda parte, têm sempre encarecido o aperfeiçoamento pessoal, o cultivo da virtude, a aceitação da autoridade, a obediência a certos dogmas, crenças, a necessidade de fazermos um grande esforço de ajustamento aos padrões estabelecidos. Não só religiosamente, mas também politicamente, vemos esse constante impulso de aperfeiçoamento pessoal: “Devo tornar-me mais nobre, mais delicado, mais atencioso, menos violento.” A sociedade, com a ajuda da religião, criou uma civilização baseada no auto-aperfeiçoamento, no sentido mais amplo da palavra. É isto o que cada um de nós está tentando fazer, a todas as horas: estamos tentando melhorar a nós mesmos, o que implica esforço, disciplina, ajustamento, competição, aceitação da autoridade, senso de segurança, justificação da ambição. E o auto-aperfeiçoamento conduz, com efeito, a certos resultados óbvios: torna a pessoa mais sociável. Tem significação social, e nada mais, visto que o auto-aperfeiçoamento não pode revelar a Realidade fundamental. Acho muito importante compreender-se isto.

As religiões que temos não nos ajudam a compreender aquilo que é real, porquanto, essencialmente, estão elas baseadas, não no abandono do “eu”, mas no melhoramento, no aperfeiçoamento do “eu”, o que significa: continuidade do “eu”, sob diferentes formas. São pouquíssimos os que se libertam da sociedade, não das exterioridades sociais, mas de todas as influências de uma sociedade que está baseada na ambição, na inveja, na comparação, na competição. Esta sociedade condiciona a mente de acordo com certo padrão de pensamento, o padrão do auto-aperfeiçoamento, auto-ajustamento, auto-sacrifício, e só os que são capazes de libertar-se de todo condicionamento, só estes podem descobrir aquilo que não é mensurável pela mente.

Agora, que entendemos por esforço? Todos estamos a fazer um esforço, nosso padrão social está baseado no esforço de adquirir, de compreender mais, de ter mais conhecimentos para, com esse fundo de conhecimentos, agirmos. Há sempre um esforço de automelhoramento, auto-ajustamento, autocorreção, impulso para nos preenchermos, com todas as suas frustrações, temores e angústias. De acordo com esse padrão, que todos conhecemos e de que somos parte integrante, é uma coisa perfeitamente justificável ser ambicioso, competir, invejar, perseguir determinado resultado; e nossa sociedade, seja na América ou na Europa, seja na Índia, está essencialmente baseada em tal padrão.

Assim sendo, pode a sociedade, a civilização, em seu sentido mais amplo, ajudar o indivíduo a descobrir a verdade? Ou a sociedade é nociva ao homem, já que o impede de descobrir o que é a verdade? Indubitavelmente, a sociedade, tal como a conhecemos, esta civilização em que estamos vivendo e funcionando, leva o homem a ajustar-se a um padrão determinado, a ser respeitável, e ela é o produto de muitas vontades. Nós criamos esta sociedade; ela não nasceu espontaneamente. E esta sociedade ajuda o indivíduo a achar o que é a Verdade ou Deus — ou o nome que quiserdes, pois as palavras são sem importância — ou deve o indivíduo pôr de parte, totalmente, a cultura, os valores da sociedade, para descobrir a Verdade? O que não significa — e cumpre notá-lo claramente — que ele deve tornar-se anti-social, fazer o que bem entender. Pelo contrário.

A atual estrutura social baseia-se na inveja, no impulso aquisitivo, em que está implicada a conformidade aos padrões, a aceitação da autoridade, a perpétua realização da ambição — e tudo isso representa, essencialmente, o “eu”, o “ego”, a lutar para se tornar alguma coisa. É deste material que está feita a sociedade, e sua cultura — nos seus aspectos agradáveis e desagradáveis, belos e feios — todo o campo de empreendimentos sociais — sua cultura condiciona a mente. Vós sois o resultado da sociedade. Se tivésseis nascido na Rússia e sido educado pelos seus métodos especiais, negaríeis a Deus, aceitaríeis certos padrões, tal como aqui aceitais outros padrões. Aqui, credes em Deus, e acharíeis horrível, se não crêsseis, pois não seríeis pessoas respeitáveis.

A sociedade, pois, em toda parte, está condicionando o indivíduo, e esse condicionamento assume a forma de automelhoramento, que na realidade significa perpetuação do “eu”, do “ego”, sob diferentes formas. Esse melhoramento pode ser grosseiro, ou então muito requintado, quando se torna prática da virtude, da bondade, do chamado amor ao próximo; mas, essencialmente, ele representa a continuação do “eu”, que é produto das influências condicionadoras exercidas pela sociedade. Todos os vossos esforços têm sido aplicados no sentido de vos tornardes alguma coisa, neste mundo, se tiverdes sorte, ou no “outro mundo”; mas o que vos move é sempre a mesma ânsia, o mesmo impulso para manter a continuidade do “eu”.

Ao perceber-se tudo isso — e não é necessário que eu entre em todos os respectivos pormenores — é inevitável esta pergunta: a sociedade ou a cultura existe para ajudar o homem a descobrir isso que se pode chamar a Verdade, Deus? O que importa verdadeiramente é que descubramos, que experimentemos diretamente algo que se acha muito além da mente, e não, apenas, que tenhamos uma crença, pois isso não tem importância nenhuma. E, as chamadas religiões, o seguir vários instrutores e disciplinas, o pertencer a seitas, cultos, pode qualquer dessas coisas ajudar-vos a encontrar aquela bem-aventurança eterna, aquela realidade eterna? Se não vos limitardes a ouvir, apenas, o que se está dizendo, concordando ou discordando, mas perguntardes a vós mesmos se a sociedade vos está ajudando — não no sentido superficial de alimentar-vos, vestir-vos e dar-vos morada, mas fundamentalmente — se de fato fizerdes diretamente esta pergunta a vós mesmos, o que significa que estareis aplicando a vós mesmos o que se está dizendo, tornando-o assim uma experiência direta, e não meramente uma repetição de coisas ouvidas ou aprendidas, vereis então que o esforço só pode existir na esfera do automelhoramento. E o esforço é, bàsicamente, parte integrante da sociedade, a qual condiciona a mente de acordo com um padrão em que o esforço é considerado um fator essencial.

Por exemplo, se sou cientista, tenho de estudar, tenho de conhecer matemática, de saber tudo o que já se disse anteriormente, tenho de possuir um imenso cabedal de conhecimentos. Minha memória tem de ser exercitada no mais alto grau, tenho de torná-la mais forte, mais ampla. Mas a tal memória, tal saber, na, realidade impede descobrimentos mais profundos. Só quando sou capaz de esquecer tudo o que sei, todos os conhecimentos que adquiri — os quais podem ter utilidade noutras ocasiões — só então estou apto a descobrir algo novo. Não me será possível descobrir nada novo com o lastro do passado, com minha carga de conhecimentos — o que, mais uma vez, é um evidente fato psicológico. E estou dizendo isto porque queremos ir ao encontro da realidade, daquele extraordinário estado criador, com toda a carga que a sociedade nos impôs, todo o condicionamento de uma dada cultura, razão por que nunca descobrimos o novo. Por certo, aquela realidade, que constitui o sublime, o eterno, tem de ser sempre nova, estar fora do tempo, e para que o novo possa manifestar-se, nada se deve empreender no terreno em que o esforço só visa ao automelhoramento, ao autopreenchimento. Só quando tal esforço cessar totalmente, se tornará possível a “outra coisa”.

Notai, por favor, que isto é muito importante. Não é uma questão de ficardes contemplando o umbigo e vos deixardes enlevar por uma ilusão qualquer, mas, sim, de compreender-se o mecanismo total do esforço, na sociedade, esta sociedade de que somos produto, esta sociedade que nós mesmos construímos, onde o esforço é uma coisa essencial, porque, sem ele, estamos perdidos. Se não sois ambicioso, sereis destruído; se não sois ganancioso, sereis pisado; se não sois invejoso, nunca tereis, cargos elevados ou grandes êxitos na vida. Por isso, estais constantemente a fazer esforços para serdes ou para não serdes, para vos tornardes algo, terdes êxitos felizes, realizardes as vossas ambições; e com tal mentalidade, que é produto da sociedade, quereis tentar achar algo que não é produto da sociedade.

Ora, se desejamos descobrir o que é a verdade, devemos estar totalmente livres de todas as religiões, de todos os condicionamentos, dogmas, crenças, de toda autoridade que nos força a ajustar-nos a padrões; e isso significa, essencialmente, “estar completamente só” — coisa muito difícil, que não é um simples entretenimento para uma manhã de domingo, para um deleitável passeio de carro e um refrescante descanso debaixo das árvores, ouvindo coisas sem sentido. O descobrimento da Verdade requer uma dose imensa de paciência, de serenidade, de incerteza. O mero estudo dos livros não tem valor algum; mas se, enquanto estais escutando, puderdes manter-vos completamente atentos, vereis que essa atenção vos libertará de todo esforço, de modo que, sem nenhum movimento em qualquer direção, a mente será capaz de receber algo extraordinariamente belo e criador, algo que não pode ser medido pelo saber, pelo passado. Só uma pessoa assim é verdadeiramente religiosa e revolucionária, porque já não faz parte da sociedade. Enquanto o indivíduo for ambicioso, invejoso, ganancioso, competidor, ele é a sociedade. Com uma mentalidade dessas, de que é dificílimo nos libertarmos, esse indivíduo busca Deus, e essa busca não tem significação alguma, já que não passa de um novo esforço que ele faz, para se tornar algo, para ganhar algo. Eis porque é de grande importância compreendermos as nossas relações com a sociedade, estarmos apercebidos de todas as crenças, dogmas, doutrinas e superstições que adquirimos, e deitarmos fora tudo isso — não por meio de esforço, porque nesse caso ver-nos-emos de novo apanhados na mesma rede, mas percebendo essas coisas no seu exato significado e soltando-as de nós, tal como as folhas do outono, que murcham e são levadas pelo vento, deixando a árvore inteiramente nua. Só quando se acha neste estado, completamente nua, a mente pode receber algo portador de uma felicidade imensa para a nossa vida.

Krishnamurti, 7 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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quinta-feira, 29 de março de 2018

O esforço impede o desabrochar da percepção


O esforço impede o desabrochar da percepção

Quando você de verdade tem a percepção, quando é intensamente consciente, não fica nenhum remendo de movimento inconsciente oculto ”.

 Falamos de perceber de verdade, não sobre dizer: "Bem, eu percebo, mas eu não gosto dessa camisa; é de um azul muito brilhante. "(Risos)

Isso é o que alguém me disse esta manhã! (Risos)

Então, o que realmente percebemos, sem escolher?

Porque se alguém percebe sem nenhuma escolha, está atento, compreendem?

Perceber sem escolher é a atenção; não uma atenção cultivada, um "devo atender", mas o começo para perceber as árvores, os pássaros, os balões que se elevam acima das montanhas, a luz que banha as nuvens, o pôr do sol, o brilho da lua...

É observar e observar; perceber tudo isso e da sua reação a isso, sem responder, sem escolher, “Eu gosto disso; aquilo não; isto é meu; isto é seu”, compreende?

Simplesmente perceba.

E a partir desta percepção, sem qualquer escolha, nasce a atenção: assistir com os olhos, com os ouvidos, os nervos, com a totalidade do ser.

Assim, atenção e desatenção são qualitativamente diferentes.

Quando há desatenção, há escolha, não há percepção, não se está atento e o processo de gravação se inicia; o velho hábito é estabelecido. Ao invés disso, quando há atenção, o hábito se quebra.

Compreende? O que você fará?

O prazer está, não em ouvir muitas palavras, mas sim em... Você já sabe, mais que fazer, é descobrir a verdade disso.

O que é estar consciente, perceber?

Normalmente, quando falamos de nos perceber, nos referimos a ver o que acontece ao nosso redor, os eventos ou as meras coisas tais como são e nessa percepção, há um certo senso de escolha: "gosto, não gosto"; "gosto dos carvalhos, gosto das palmeira "; "eu gostaria que fosse diferente".
Bem, agora perguntamos se existe uma percepção que seja parte da consciência em que não há nenhuma escolha.

Quem lhes fala faz essa pergunta e em representação de você, responde: "Na minha percepção, sempre há uma escolha, escolha que se traduz em "eu gosto, eu não gosto disso; gostaria que fosse diferente".

E vemos que onde há escolha há conflito, não é assim?

Isso está claro?

Quando escolho entre isso e aquilo, essa divisão gera conflito.

Portanto, é possível perceber, ser consciente, sem nenhuma escolha, simplesmente observar?

Estão de acordo?

E vocês responderiam:

"Bem, vou tentar."

Para o qual o orador responderia:

"Não tente; tentar significa fazer um esforço e, quando você se esforça, você não compreende nada. Não se esforce, simplesmente veja, perceba a realidade"

Vocês entendem?

Saanen, 1984, primeira sessão de perguntas e respostas
A Atenção e a Liberdade Interior
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domingo, 29 de novembro de 2015

Sobre a necessidade de esforço e entrega

Na primeira fase da prática espiritual — e por primeira eu não quero dizer uma parte pequena — o esforço é indispensável. Também a entrega, naturalmente, mas a entrega não é uma coisa que é feita em um dia. A mente tem suas ideias e se apega a elas; o vital humano resiste à entrega, pois o que ele chama de entrega, nos estágios iniciais, é uma espécie duvidosa de dar-se que inclui uma exigência; a consciência física é como uma pedra e o que ela chama de entrega frequentemente não é mais do que inércia. É só o psíquico que sabe como entregar-se, e o psíquico está normalmente muito velado no começo. Quando o psíquico desperta, ele pode trazer uma entrega repentina e verdadeira do ser todo, pois a dificuldade do resto é rapidamente superada e desaparece. Mas até lá, o esforço é indispensável. Ou pelo menos ele é necessário até que a Força venha afluindo do alto e entre no ser e assuma a prática espiritual, faça-a por ele cada vez mais, e deixe ao esforço pessoal uma parte cada vez menor — mas mesmo neste caso, se não o esforço, pelo menos a aspiração e a vigilância são necessárias, até que a posse da mente, da vontade, da vida e do corpo pelo Poder divino seja completa.

Por outro lado, existem algumas pessoas que desde o começo partem de uma vontade genuína e dinâmica para uma entrega total. São aqueles que são governados pelo psíquico ou que são governados por uma vontade mental clara e iluminada que, uma vez tendo aceito a entrega como a lei da prática espiritual, não vai tolerar nenhum fingimento com relação a ela, insistindo sobre as outras partes do ser para que sigam sua direção. Aqui ainda há esforço; mas ele é tão pronto e espontâneo e tem tanto o sentido de uma Força maior atrás dele, que o praticante dificilmente sente que está fazendo algum esforço. No caso contrário, quando existe na mente ou no vital uma disposição para conservar sua vontade independente, uma relutância em abandonar seu movimento autônomo (idiorritmia), tem que haver luta e esforço até que seja quebrada a parede entre o instrumento na frente e a Divindade atrás ou acima. Nenhuma regra que se aplique indistintamente a todo mundo pode ser estabelecida — as variações da natureza humana são grandes demais para serem abrangidas por uma única regra absoluta.

Existe um estado em que o praticante é consciente da Força divina trabalhando nele, ou pelo menos de seus resultados, e não obstrui a descida ou a ação dela por suas próprias atividades mentais, sua inquietude vital ou obscuridade e inércias físicas. Isto é abertura ao Divino. A entrega é a melhor maneira de abrir-se; mas a aspiração e a quietude podem fazer isso até certo ponto, enquanto não houver entrega. Entrega significa consagrar tudo de si ao Divino, oferecer tudo que se é e que se tem, não insistir em suas ideias, desejos, hábitos, etc., mas permitir que a Verdade divina os substitua em toda parte pelo conhecimento, vontade e ação dela.

Mantenha-se sempre em contato com a Força divina. A melhor coisa para você é fazer isso simplesmente e permitir que ela faça seu próprio trabalho; sempre que necessário, ela se apoderará das energias inferiores e as purificará; outras vezes, o esvaziará delas e o encherá consigo mesma. Mas se você deixar sua mente tomar a direção e discutir e decidir o que deve ser feito, você perderá o contato com a Força divina, e as energias inferiores começarão a agir por si mesmas, e todas conduzirão à confusão e a um movimento errado.

O ser psíquico só pode abrir-se plenamente quando o praticante tiver se livrado da mistura de motivos vitais (físicas-emocionais-sensoriais) com sua prática espiritual e for capaz de uma oferenda de si simples e sincera à Força. Se houver alguma espécie de tendência egoísta ou uma insinceridade de motivo, se o autoconhecimento for feito sob uma pressão de exigências vitais, ou parcial ou totalmente para satisfazer uma ambição espiritual ou qualquer outra, algum orgulho, vaidade ou busca de poder, posição ou influência sobre os outros, ou ainda com qualquer impulso para a satisfação de algum desejo vital com a ajuda da força espiritual, então o psíquico não pode abrir-se, ou abre-se apenas parcialmente ou apenas uma ou outra vez e fecha-se de novo porque é velado pelas atividades vitais; o fogo psíquico extingue-se na sufocante fumaça vital. Do mesmo modo, se a mente assume a parte dirigente no autoconhecimento e empurra a alma interior para o fundo, ou se a força devocional ou outros movimentos da prática espiritual tomam uma força vital em vez de psíquica, ocorre a mesma inabilidade. A pureza, a sinceridade simples e a capacidade de uma auto-oferenda sem egoísmo e sem mistura, sem pretensões ou exigências, são as condições para uma inteira abertura do ser psíquico.

Sri Aurobindo em, A Consciência que vê, Volume 2

domingo, 28 de setembro de 2014

Na condenação ou justificação, não há compreensão

Você diz que o libertar-nos do “eu”  é uma árdua tarefa, e, ao mesmo tempo, você declara que todo o esforço de libertação constitui um empecilho a essa própria libertação. Como executar essa “árdua tarefa” sem esforço?

Krishnamurti: O que você entende por esforço? Quando é que faz esforço? E se não há esforço algum, implica isso indolência, estagnação? Comecemos, pois, por averiguar o que se entende por esforço, em que sentido estamos fazendo esforço? E por que fazemos esforço.

Quando dizemos “fazer esforço”, entendemos sempre um desperdício de energias com o fim de alcançarmos um resultado, não é isso? Desejamos mais saúde, mais compreensão, uma melhor situação econômica, social ou politica, etc., o que significa que estamos sempre fazendo esforço para chegarmos a alguma parte.

Ou, também, fazemos esforço para afastar certos obstáculos psicológicos. Se somos invejosos, dizemos que não devemos sê-lo, assim, uma resistência contra a inveja.

Ou, ainda, queremos ser muito eruditos, queremos saber mais, para causar impressão nos outros ou para obtermos um emprego melhor; por conseguinte, lemos, estudamos.

Eis tudo o que sabemos a respeito do esforço, não é verdade?

Para a maioria de nos, o esforço ou é positivo ou negativo, um processo de vir a ser ou não vir a ser; e esse mesmo processo provem do centro do “eu”, não é exato? Se sou invejoso e faço esforço para não sê-lo, não há duvida de que a entidade que faz tal esforço é ainda o “ego”, o “eu”.

Todo o esforço para dominar o “eu”, positiva ou negativamente, é ainda parte do “eu                “, e, por conseguinte, só pode dar-lhe mais força; e ficamos presos nesse circulo vicioso.

O problema, pois, é de como quebrar o circulo vicioso, essa cadeia continua de esforços que só servem para fortalecer o “eu”.

Ao perceber que é invejosa, a mente deseja não ser invejosa, pensando que o não ser invejoso traz certa compensação; obtém ela certa satisfação do esforço que faz para não ser invejosa, registra uma vitória espiritual. Assim, em não ser invejosa a mente encontra segurança, proteção, e o produto do esforço é ainda o “ego”, o “eu”.

Tenha a bondade de perceber bem isso, só isso.

Surge assim, o problema: que devo fazer, quando sou invejoso? Estou acostumado a rejeitar a inveja, a levantar resistência contra ela; veja agora o quanto isso é fútil, quanto é absurdo que uma parte de mim mesmo esteja a negar outra parte quando eu sou o todo. Que devo então fazer?

Entretanto, jamais chegamos a esse ponto, não reconhecemos nunca o fato de sermos, ao mesmo tempo, a inveja e o desejo de não ser invejoso. Quando somos invejosos, fazemos vigorosos esforços para dominar a inveja, e pensamos que esse esforçar-se é benéfico, e nos libertará do “eu”. Não o fará.

Mas quando compreendo, quando estou perfeitamente cônscio de que a inveja e o desejo de não ser invejoso constitui um processo total, há então esforço? Ocorre então algo inteiramente diferente, não é verdade?

Muito bem. No momento em que estamos cônscios de ser invejosos, coléricos ou ciumentos, põe-se em funcionamento um processo de condenação; e enquanto estamos condenando, não há compreensão.

As próprias palavras “inveja”, “cólera”, “ciúme”, subentendem julgamento, comparação, condenação, não é exato? Através de séculos de educação, de civilização, de ensino religioso, estas palavras adquiriram um sentido de censura, representam algo que cumpre afastar, algo que devemos resistir, combater, e nossa reação é toda nesse sentido.

Assim, ao dar nome a certos sentimentos, já estou em atitude condenatória; e o próprio ato de condenar, de resistir a um sentimento, dá-lhe mais força. Se não condeno a inveja, isso significa render-me a ela? Tornar-me-ei mais invejoso? Ora, a inveja é sempre inveja, nem mais nem menos.

O desejo, a direção pode variar,  mas a inveja, é sempre a mesma coisa, quer tenha por objeto um “Ford” ou um “Cadillac”, quer objetive uma casa grande ou uma casa pequena. Assim, pois, o não dar nome para a inveja, e portanto o não condena-la, não significa ceder a ela.

Quando compreendemos que a própria palavra “inveja” denota condenação, que o sentimento de antagonismo à inveja é inerente à própria palavra, manifesta-se logo um estado de liberdade. Essa liberdade não se opõe à inveja, não é liberdade da inveja.

Liberdade de uma determinada qualidade não é liberdade nenhuma, e o homem livre de algo assemelha-se ao homem que está contra o governo: enquanto ele está contra alguma coisa não é um homem livre. A liberdade é completa em si; não resulta de alguma atitude, não é contra algum estado ou qualidade.

Vemos, pois, que todo esforço para vencermos alguma coisa, para libertar-nos de alguma coisa, só dá mais força ao “eu”, ao “ego”; e quando compreendemos isso realmente, quando estamos conscientes da qualidade do seu oposto, como um processo total, e percebermos como a própria palavra encerra condenação ou estímulo, então já não estamos na sujeição das palavras e, portanto, nosso espirito está livre para considerar, observar o que é .

A compreensão do que é, e a liberdade que traz, não resulta de exercício persistente, de esforço penoso, a que dedicamos vários minutos todas as manhãs; apenas surge essa compreensão quando estamos conscientes, em todo o ocorrer do dia, das árvores, dos pássaros, das nossas próprias reações, das coisas que sucedem interior e exteriormente, como um processo total.

Quando há condenação ou justificação, não há compreensão do que é; por isso torna-se dificílimo o estar consciente.

O que é só pode ser compreendido momento por momento, e isso significa devemos estar perfeitamente conscientes de que estamos julgando, de que cada palavra implica rejeição ou aceitação. Enquanto a mente for a expressão verbal do seu próprio condicionamento, nunca será livre. Só há liberdade quando a mente está aliviada de todo o pensamento.

Krishnamurti em, Percepção Criadora

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Sobre a necessidade da mente ser purgada e purificada

Observando-se os fatos de cada dia, torna-se bem evidente que, com o próprio esforço para resolvermos os numerosos problemas que nos assediam, só produzimos mais problema; e parece-me, também, que enquanto não compreendermos os processos do pensamento e, por conseguinte estivermos impossibilitados de purificar a mente, nossos problemas irão inevitavelmente crescendo e se multiplicando. Embora cada um possa dizê-lo de modo diferente, toda pessoa inteligente está bem cônscia de que a mente tem de ser purificada; e, para o expressarmos com toda a simplicidade, o que daí decorre é que, enquanto o instrumento com que o homem opera — a mente — não estiver esclarecido, desapaixonado, livre do "eu" com seus inumeráveis preconceitos e temores, tanto conscientes como inconscientes — enquanto a mente não for expurgada de tudo isso, nossos problemas aumentarão sempre. Todos sabemos disso, e toda religião de certa importância o afirma, de diferentes maneiras. Entretanto, porque razão nunca parecemos capazes de purificar a nossa mente? É porque não existem sistemas suficientes, ou porque o verdadeiro sistema ainda não foi inventado ou colocado em prática? Ou é porque nem método nem sistema algum pode produzir essa purificação? Cero, todos os sistemas e métodos geram tradições, produtivas ou mediocridade mental; e uma mente medíocre, em face de um problema importante, inevitavelmente o traduzirá em conformidade com seu condicionamento. 

Isto é, para lidar com qualquer problema importante, humano, percebemos a necessidade de uma mente que esteja esclarecida, purificada de todos os seus preconceitos e dizemos que, para purificarmos a mente, necessitamos de um sistema, um método, uma prática; mas se estamos realmente atentos, percebemos que no próprio praticar de um sistema a mente se deixa prender por ele e, por conseguinte, não pode libertar-se, expurgar-se, purificar-se. Dependente do sistema, a mente traduz o desafio ou a ele corresponde em conformidade com esse condicionamento. Isto também é bastante óbvio, se o examinar. 

Temos muitos problemas, em todos os níveis de nossa existência e, para corresponder a esses problemas, a mente tem de ser nova, ardorosa, vigilante. Para produzir essa mente esclarecida, nova, purificada, dizemos ser necessária a prática de um sistema; mas sabemos que no próprio praticar de um sistema, a mente se torna tortuosa, limitada e pervertida. É óbvio, portanto, que os sistemas não libertam a mente, e penso que esse fato deve ser compreendido perfeitamente, antes de podermos entrar mais fundo na questão que desejo apreciar nesta tarde. 

Em geral, pensamos que um sistema ou um método, uma prática, libertará a mente ou a ajudará a pensar com clareza. Mas pode qualquer espécie de sistema ajudar a mente a pensar com toda a clareza, sem tendências, livre do centro do "eu", do "ego"? A prática de um sistema não robustece o "eu"? Embora se suponha que o sistema lhe ajudará a libertar-se do "eu", do "ego", ou qualquer termos que você preferir, para designar essa atividade egocêntrica da mente, a própria prática de um sistema não acentua o egocentrismo, embora num plano diferente? 

Está visto, pois, que a mente nunca pode ser libertada por um sistema. Entretanto a nossa mente em geral, está enredada em algum sistema, que é a rotina tradicional, e isso invariavelmente gera mediocridade. É o que aconteceu a quase todos nós, não? A mente que funciona pela rotina dos hábitos, da tradição, antiga ou moderna, — e a isso chamamos conhecimento — defronta-se com um problema imenso, um problema em constante mutação. Pessoal ou impessoal, coletivo ou individual, não há problema estático. Mas a mente é estática, porque presa numa rotina de tradição e de hábitos, apegada a uma certa maneira de pensar; assim sendo, observa-se sempre uma contradição entre a condição estática da mente e o problema em constante mutação, em movimento constante. Essa mente é incapaz de fazer frente ao problema e resolvê-lo. 

Afinal de contas, você está atendendo os problemas como hinduísta, isto é, com a tradição da cultura hindu, exatamente como o católico ou o comunista atende a qualquer problema em conformidade com seu especial condicionamento. Entretanto, a maioria de nós concorda que a mente tem de ser purgada, purificada, para que possa enfrentar a vida, achar Deus, a Verdade, ou como você quiser chamá-lo.

(...) O problema é criado pela falta de atenção. A atenção é "o bom", mas "o bom" não pode ser cultivado pela mente — a mente condicionada pela tradição, pelo ambiente, por influências de toda ordem. O importante é possuir a capacidade de atenção, sem nada interpretar ou avaliar; mas não há possibilidade de se praticar essa atenção. Se você o fizer, irá reduzi-la ao nível da mediocridade e ela se tornará mera tradição. Mas se a mente puder enfrentar o problema com atenção completa, o problema desaparecerá, porque ela será então uma entidade totalmente diferente, não mais um produto do tempo. E está é a mente capaz de receber o Eterno. 

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA


quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O silêncio que não pode ser reconhecido

Pergunta: Desejo ardentemente o silêncio, mas vejo que minhas tentativas para alcançá-lo se tornam cada vez mais lamentáveis. 

Krishnamurti: Em primeiro lugar, você não pode desejar ardentemente o silêncio; você não sabe nada, absolutamente nada, a seu respeito. Ainda que soubesse algo, isso não seria o silêncio, visto que o que você sabe não é o que é. por isso, é preciso ter muito cuidado, quando se diz "Sei".

Veja, senhor! O que você conhece, reconhece. Eu lhe reconheço porque ontem o encontrei. Tendo ouvido o que então disse, e tendo visto seu modo de ser, digo que lhe conheço. O que sei é coisa do passado, e daquele passado ei o reconheço. Mas o silêncio não pode ser reconhecido; nele não há nenhum processo de reconhecimento. Esta é a primeira coisa que cumpre compreender. Para você reconhecer uma coisa, já deve te-la experimentado, conhecido antes, ou deve ter lido a respeito dela, ou alguém te-la descrito para você; mas o que se pode reconhecer, conhecer, descrever, não é aquele silêncio. E ansiamos por esse silêncio, porque nossa vida é tão superficial, tão vazia, tão monótona, tão estúpida, que desejamos escapar de suas destetáveis disputas. Mas, não podemos fugir da vida; temos de compreende-la. E para compreendermos uma coisa, não devemos lhe dar pontapés, nem devemos fugir dela. Devemos ter extraordinário amor, verdadeira afeição por aquilo que queremos compreender. Se você deseja compreender uma criança, não pode coagi-la, forçá-la, ou compará-la com seu irmão mais velho. Deve olhar a criança, observá-la com carinho, ternura, afeição, com tudo o que possui. Analogamente, devemos compreender essa coisa vulgar que chamamos "nossa vida", com seus ciúmes, conflitos, aflições, canseiras, pesares. Dessa compreensão provem uma certa qualidade de paz que não pode ser procurada. 

Há uma interessante história de um discípulo que foi procurar o Mestre. O Mestre está sentado num jardim muito bonito, quieto, bem irrigado, e o discípulo vem sentar-se perto dele — não bem à sua frente, porque sentar-se diretamente à frente do Mestre não é muito respeitoso. Assim, sentando-se um pouco para o lado, o discípulo cruza as pernas e fecha os olhos. Então, pergunta o Mestre: "Meu amigo, o que você está fazendo?" Abrindo os olhos, o discípulo responde: "Mestre, estou tentando alcançar a consciência de Buda" — e torna a fechar os olhos. Daí a momentos, o Mestre apanha duas pedras e começa a esfregar uma na outra, com muito barulho; então o discípulo desce das alturas em que andava e pergunta: "Mestre, o que está fazendo?" Ao que o Mestre responde: "Estou esfregando estas duas pedras, para fazer com que uma delas se torne um espelho". Diz então o discípulo: "Mas, Mestre, isso você jamais conseguirá, ainda que fique um milhão de anos esfregando essas pedras". Sorri, então o mestre responde: "De modo idêntico, meu amigo, você pode ficar sentado aí um milhão de anos, que nunca alcançará o que está tentando alcançar". — É isso o que todos nós estamos fazendo. Todos estamos tomando posições; todos estamos desejando alguma coisa, buscando alguma coisa, às apalpadelas — o que exige esforço, luta, disciplina. Mas sinto lhe dizer que nenhuma dessas coisas lhe abrirá a porta. O que abrirá a porta é a compreensão sem esforço; apenas olhar, observar, com afeição, com amor. Mas você não pode ter amor, se não é humilde; e só é possível a humildade quando nada se deseja, nem dos deuses nem de nenhum ente humano. 

Krishnamurti em, A MENTE SEM MEDO

domingo, 9 de março de 2014

No autoconhecimento não há esforço


O autoconhecimento vem quando vocês se observam em seu relacionamento com seus companheiros e seus professores, com todas as pessoa à volta; vem quando observam o comportamento do outro, os gestos, a maneira como se veste, como fala, seu desprezo ou bajulação e sua resposta; surge quando vocês observam tudo em vocês , sobre vocês, e se veem a si  mesmos enquanto enxergam o próprio rosto no espelho. 

Pergunta: O que é autoconhecimento, como alcançá-lo?

Krishnamurti: Veem a mentalidade por trás desta pergunta? Não estou falando por desrespeito a quem a formulou, mas vamos considerar a mentalidade de quem pergunta "como alcançá-lo, por quanto posso comprá-lo? O que devo fazer, que sacrifício empreender, qual disciplina, ou meditação devo praticar para consegui-lo?". É como uma mente mecanizada, medíocre, que diz: "Devo fazer isto para conseguir aquilo." As chamadas pessoas religiosas pensam assim; porém o autoconhecimento não surge dessa maneira. Vocês não podem comprá-lo por meio de algum esforço ou prática. O autoconhecimento vem quando vocês se observam em seu relacionamento com seus companheiros e seus professores, com todas as pessoa à volta; vem quando observam o comportamento do outro, os gestos, a maneira como se veste, como fala, seu desprezo ou bajulação e sua resposta; surge quando vocês observam tudo em vocês , sobre vocês, e se veem a si  mesmos enquanto enxergam o próprio rosto no espelho. Quando vocês se olham no espelho, se veem como são, não é? Podem desejar que sua cabeça tivesse um formato diferente, com um pouco mais de cabelo, e o rosto menos feio; mas o fato está ali, claramente refletido no espelho, e vocês não podem afastá-lo e dizer: "Como sou bonito!"

Mas, se puderem olhar o relacionamento exatamente como olham um espelho comum, certamente não haveria fim para o autoconhecimento. É como entrar em um oceano insondável, sem limites. A maioria de nós deseja chegar a um fim, ser capazes de dizer "Cheguei ao autoconhecimento e estou feliz", mas não é assim. Se puderem se olhar sem condenar o que veem, sem se comparar com alguém, sem desejar ser mais belo, ou mais virtuoso, se puderem somente observar como são e como se comportam, então descobrirão que é possível ir infinitamente além. E não haverá fim para a viagem — esse seu mistério, sua beleza.


Krishnamurti — Pense nisso

domingo, 19 de maio de 2013

Autoconhecimento sem esforço

Pergunta: Pode-se alcançar a compreensão de nós mesmos sem ser pelo esforço consciente?
KRISHNAMURTI: Compreende-se alguma coisa por meio de esforço? Se faço um esforço para compreender o que dizeis, achais que o compreenderei? Toda a minha atenção é aplicada ao esforço, não é verdade? Mas, se se puder escutar sem esforço, então talvez haja possibilidade de compreensão.
Identicamente como posso compreender a mim mesmo  Em primeiro lugar, é claro, não devo presumir coisa alguma a respeito de mim mesmo, não devo ter um retrato mental de mim próprio. Devo observar os meus pensamentos  a maneira como falo, os meus gestos, as minhas crenças, tão naturalmente como observo o meu rosto ao espelho — observar tudo isso, estar cônscio de tudo, sem condenação; porque, quando condeno, dificulta-se a compreensão  Se desejo compreender, tenho de observar; e não posso observar quando condeno. Se desejo compreender uma criança, de nada serve compará-la com seu irmão mais velho, ou condená-la. Tenho de observá-la quando brinca, quando chora, quando come; e só posso observá-la quando não tenho nenhuma tendência a condenar ou avaliar. Do mesmo modo, só posso observar a mim mesmo — não frações de mim mesmo, porém a totalidade de mim mesmo — quando o faço com um percebimento em que não haja escolha, nem condenação, nem comparação.

Krishnamurti - A Verdade Libertadora — ICK

sábado, 24 de novembro de 2012

A mente cheia de conhecimentos é uma mente inquieta

Interrogante: Fale-nos sobre Deus.

Krishnamurti: Em vez de eu lhes dizer o que é Deus, vamos ver se vocês podem conceber esse estado maravilhoso, não no amanhã ou num futuro distante, mas agora, neste momento em que estamos aqui tranquilamente reunidos. Claro que isso é mais importante. Mas, para descobrir Deus, todas as crenças devem ser abolidas. A mente que poderia descobrir, não pode acreditar na verdade, não pode formular teorias ou hipóteses a respeito de Deus. Por favor, prestem atenção. Vocês formulam hipóteses, vocês têm crenças, vocês têm dogmas, estão cheios de conjecturas. Pelo fato de terem lido este ou aquele livro a respeito do que é a verdade ou do que é Deus, suas mentes estão espantosamente inquietas. Uma mente cheia de conhecimentos é uma mente inquieta; é intranquila, está apenas sobrecarregada e carga pura e simples não é sinal de uma mente tranquila. Quando a mente está cheia de crenças, acreditando ou não que Deus existe, ela está sobrecarregada e uma mente sobrecarregada não pode jamais descobrir o que é a verdade. Para descobrir a verdade, a mente precisa estar livre, livre de rituais, de crenças, de dogmas, de conhecimentos e de experiência. Somente então ela poderá compreender o que é a verdade. Pelo fato de tal mente estar inquieta, ela não mais realiza o movimento de entrar ou o movimento de sair, que é o movimento do desejo. Ela não possui desejos reprimidos, o que é energia. Pelo contrário, para que a mente esteja quieta é preciso haver uma grande quantidade de energia; mas não pode haver pleno desenvolvimento ou abundância de energia se existir qualquer movimento para fora e, por conseguinte, de movimento para dentro. Quando tudo isso tiver serenado, a mente se quietará.

Eu não estou tentando hipnotizá-los para que vocês fiquem quietos, para que vocês se calem. Vocês mesmos precisam reconhecer a importância de abandonar, de afastar sem esforço, sem resistência, todo o acúmulo de séculos, de superstições, de conhecimentos, de crenças; precisam reconhecer que qualquer forma de carga torna a mente inquieta, dissipa energia. Para a mente estar quieta é preciso energia em abundância, e essa energia precisa estar tranquila. E se você chegarem realmente a esse estado no qual não existe esforço, então constatarão que a energia, estando imóvel, possui seu próprio movimento, o qual não resulta das pressões ou compulsões sociais. Pelo fato de a mente possuir uma energia abundante, imóvel e silenciosa, a própria mente se transforma naquilo que é sublime. Não existe experimentador do sublime: não existe alguém que diga  “eu experimentei a realidade”. Enquanto houver um experimentador, a realidade não pode existir, porque o experimentador equivale ao movimento de angariar experiência e de acabar com a experiência. De forma que é preciso que o experimentador deixe totalmente de existir.

Atente simplesmente a isto. Não façam nenhum esforço, apenas compreendam que o experimentador tem que chegar ao fim. É preciso que ocorra a cessação total  de todo movimento e isso demanda, não a supressão de energia, mas uma energia espantosa. Quando a mente estiver completamente quieta, calada, isto é, quando a energia não estiver sendo nem dissipada nem distorcida por obra da disciplina, essa energia se transformará em amor e o real não estará apartado da própria energia.

Krishnamurti — Sobre Deus — Ed. Cultrix

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill