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quinta-feira, 19 de abril de 2018

A verdade ou a compreensão vem num clarão

A verdade ou a compreensão vem num clarão

[...] PERGUNTA: A paixão, ou intensidade, é uma qualidade?

KRISHNAMURTI: Que será que entendemos pela palavra “qualidade”? A paixão, ou intensidade, é uma virtude adquirível pela prá tica, pela disciplina, pelo autossacrifício, etc.? É isso que entendeis?

OUTRO INTERROGANTE: Posso jazer uma pergunta?

KRISHNAMURTI: Senhor, já fizeram uma pergunta. Como vedes, tão ocupados nos achamos com os nossos próprios problemas que não prestamos atenção a ninguém mais; isso sempre acontece na vida. Tão envolvidos estamos em nossos problemas, nossas esperanças e ambições, nossos próprios desesperos, que quase nunca enxergamos nada além de nosso pequenino “eu”. Talvez outros aqui tenham outros problemas, mas sugiro, respeitosamente, que não vos ocupeis de tal maneira com a pergunta formulada.

Voltando à pergunta — A paixão ou intensidade é uma qualidade? — não gosto do emprego da palavra “qualidade”. Quando estais “apaixonado”, em relação a alguma coisa, não perguntais se isso é uma qualidade, perguntais? Vós vos achais naquele estado. Quando sentis cólera, ou lascívia, ou quando verbalmente tratais alguém com brutalidade, não perguntais nesse momento se o que sentis é uma “qualidade”. Estais todo em chamas. Mas, mais tarde, dizeis: “Por Deus, foi um momento terrível” — e isso se toma então algo que cumpre evitar no futuro. Ou, se foi um belo momento, tratais de cultivá-lo; mas tudo o que se cultiva é artificial, não é uma coisa pura.

Ora, a paixão, ou intensidade, a cujo respeito estive falando, não é cultivável, não se acha à venda no mercado, não se pode comprar com a prática ou a disciplina; mas, se escutastes e verdadeiramente penetrastes em vós mesmos, se vos empenhastes deveras em compreendê-la, sabereis o que ela é. Essa paixão nada tem em comum com o entusiasmo. Só desponta depois da completa cessação do “eu”, depois de abandonada a ideia de “minha casa”, “minhas posses”, “minha pátria”, “minha mulher”, “meus filhos”. Agora direis, talvez: “Então não vale a pena ter essa paixão”. Talvez para vós não valha a pena. Só vale quando, efetivamente, desejamos descobrir o que é o sofrimento, o que é a verdade, o que é Deus, qual o significado de toda esta terrível e confusa lida da existência. Se esta questão realmente vos concerne, então deveis examiná-la com paixão — e isso significa que não podeis estar vinculado à vossa família. Podeis ter vossa casa, vossa família, mas se psicologicamente lhes estais vinculado, nunca passareis além.

PERGUNTA: Temos todos a mesma capacidade de paixão?

KRISHNAMURTI: Eu não considero a paixão uma “capacidade”. Podeis ter aptidão para escrever livros, compor poesias, tocar flauta, ou para muitas outras coisas; e as aptidões podem ser cultivadas, mantidas, acrescentadas. Mas a paixão, a intensidade, não é uma aptidão. Pelo contrário, se tendes alguma capacidade, deveis morrer para ela, a fim de poderdes “apaixonar-vos”. Se não morreis para a capacidade, ela se torna mecânica, ainda que a aprimoreis e dela façais uso hábil. Vede, estamos ainda pensando em termos de aquisição, e cuidando de proteger o que adquirimos.

PERGUNTA: Dissestes que o sofrimento é uma coisa bela e, no entanto, dizeis que devemos livrar-nos do sofrimento.

KRISHNAMURTI: Eu nunca disse que devemos livrar-nos do sofrimento. O que eu sempre acentuei é que devemos olhar o sofrimento, penetrá-lo, compreendê-lo. Não podeis livrar-vos dele, não podeis “jogá-lo fora”. Quando é que sofremos? Se amais alguém e essa pessoa não corresponde ao vosso amor, sofreis. Por quê? Por que deveis sofrer? Que significa o vosso sofrer? Significa que estais pensando em vossa própria pessoa — eis o fato real. E enquanto só pensardes em vossa insignificante pessoa, desejando ser amado e temendo não ser amado — com todos os desagrados que isso implica — naturalmente tereis de ter isso a que chamais “sofrimento”. De modo idêntico, se desejo ser um homem famoso, e não o sou, sofro, inevitavelmente; e se me satisfaz permanecer nesse estado, então está certo. Mas, se desejo compreender meu sofrimento e transcendê-lo, começo então a olhá-lo; examino rigorosamente o impulso psicológico para ser famoso, o qual é extremamente superficial, imaturo! — e vem então uma compreensão do sofrimento, a qual é o começo de sua própria extinção. E, como disse, depois de transcender essa amargura, descubro que o amor, a aflição e a morte são a mesma coisa. Esse é um estado de grande beleza — beleza não formada pelo homem ou pela natureza.

PERGUNTA: A paixão, ou intensidade, é desejo de saber?

KRISHNAMURTI: Que se entende por “desejo de saber”? O impulso para acumular conhecimentos faz também parte do “vir a ser” e é, por conseguinte, uma causa de conflito. Mas eu não falo do acumular de conhecimentos que podem ser encontrados em qualquer enciclopédia. Eu quero compreender o sofrimento, penetrá-lo de ponta a ponta, para descobrir por mim mesmo o seu significado; e isso não significa que eu preciso saber. Saber, como anteriormente expliquei, é uma coisa, e algo diferente é o aprender. O saber implica acumulação de conhecimentos, e quando tendes conhecimentos acumulados, é com essa base que “experimentais”. Pela experiência adquiris mais saber ainda; mas, nesse mecanismo aquisitivo de acrescentar mais saber ao já obtido, não se acha o “movimento do aprender”. Só se pode aprender quando já não se busca nem se adquire saber.

Senhor, eu não desejo saber nada sobre o sofrimento. Todos padecemos. Não tendes sofrimento, numa ou noutra forma? E desejais saber o que é ele? Então, podeis analisá-lo e explicar porque sofreis. Podeis ler livros acerca do assunto, ou ir à igreja, e, assim, depressa sabereis algo a respeito do sofrimento. O saber não põe fim ao sofrer. Começamos a deixar de sofrer quando encaramos os fatos psicológicos ocorrentes em nosso interior e deles nos cientificamos de momento a momento, avaliando-lhes o total significado. Isso demonstra que não devemos fugir à realidade de que nos achamos em sofrimento, nunca devemos racionalizá-lo, nem propor uma opinião a seu respeito, mas, sim, ‘‘viver inteiramente com o fato”.

Como sabeis, o “vivermos com a beleza daquelas montanhas” e não nos acostumarmos com ela, é muito difícil. Em maioria, vos achais aqui já há cerca de três semanas. Tendes contemplado aquelas montanhas, ouvido o barulho do rio, visto as sombras estenderem-se através do vale, dia após dia; e não notastes como é fácil nos acostumarmos com tudo isso? Dizeis: “Sim, isto é realmente belo” — e passais adiante. “Viver com a beleza” ou “viver com uma coisa feia” e não se deixar acostumar com ela, isso requer imensa energia — um percebimento que não deixa a mente embotar-se. Da mesma maneira, o sofrimento embota a mente, se com ele nos acostumamos. Mas não há necessidade de nos acostumarmos com o penar. Podemos “viver com a amargura”, compreendê-la, penetrá-la — mas não com o fim de sabermos alguma coisa a seu respeito. Sabeis que o sofrimento está presente, que é um fato, e nada mais precisais saber. Cumpre “viver com o sofrimento” e, para viverdes com ele, deveis amá-lo; e, assim, descobrireis que, efetivamente, o amor, o sofrimento e a morte constituem uma só coisa.

PERGUNTA: Não existe amor sem paixão?

KRISHNAMURTI: Que entendeis pela palavra “paixão” e pela palavra “amor”? Não importa se sois homem ou se sois mulher, se sentis amor por outra pessoa, não tendes paixão, pelo menos durante os dois primeiros anos, ou outro período qualquer? Depois, vos acostumais um com o outro e começais a enfastiar-vos. Com aquela paixão, embora a chamemos amor, há luxúria, apego, ciúme, ambição, avidez, e tudo o mais. Ela é como uma chama em meio de densa fumarada. E que acontece? Gradualmente, morre essa chama, e só vos resta fumaça. Mas se desaparecer o apego, a luxúria, o ciúme, e todos os outros elementos que mantêm o conflito e a fumaça produzida por isso que chamamos “paixão” — se tudo isso desaparece, não por ação do tempo ou do hábito, mas, sim, porque nós o penetramos, o compreendemos, vimos-lhe as profundezas e alturas, então o amor pode ser paixão sem causa. Não me refiro à paixão do missionário que, com seu amor a Jesus, sai pelo mundo a converter os pagãos; não é esta a paixão a que aludo. Pelo contrário, a paixão de que falo é a negação de tudo isso, sem nenhum motivo. E dessa negação desponta aquela chama límpida e clara.

PERGUNTA: É possível a um ente humano achar-se em permanente estado de compreensão?

KRISHNAMURTI: Importa compreender o que se entende pela palavra “permanente”. Não acho que possais “achar-vos permanentemente” em coisa alguma. Se permaneceis em alguma coisa, estais morto. E isso é o que em maioria desejamos: queremos que certas coisas — o amor, a paixão, a compreensão, Deus — continuem perenemente. E isso significa o quê? Que não desejamos ser perturbados, que não desejamos ser sensíveis, estar vivos. Como já expliquei, a verdade ou a compreensão vem num clarão, e esse clarão não tem continuidade, não se acha na esfera do tempo. Vede isso por vós mesmo. A compreensão é nova, instantânea, não é a continuidade de algo que antes existiu. O que teve existência anterior não pode trazer-vos nenhuma compreensão. Enquanto buscamos uma continuidade — desejando a permanência nas relações, no amor, na ânsia de encontrar a paz duradoura, etc., etc., — estamos perseguindo uma coisa que se acha na esfera do tempo e que, por conseguinte, não pertence ao eterno.

Krishnamurti, Saanen, 5 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

domingo, 6 de setembro de 2015

Sobre a dificuldade de compreensão

[...]Compreendo o que você diz, quando estou traduzindo?[...] Sou capaz de escutar o que você diz, sem o traduzir, acomodando-o às minhas circunstâncias? Posso escutá-lo sem nenhuma barreira? Não é só então que vem a compreensão? 

A compreensão não é algo que nasce sem esforço? Se você está fazendo esforço para me compreender, toda a sua capacidade se consome nesse esforço; você não me escuta. Se não está fazendo esforço, se está simplesmente escutando, sem compulsão, sem tradução, sem interpretação, sem comparação — o que significa que está deixando as palavras, o pensamento, o sentimento, a coisa que se diz, a totalidade da coisa que está sendo sugerida, que você está deixando tudo isso penetrar — não há então comunhão direta de algo que eu vejo e que você também vê? Então, essa compreensão — que não é minha nem sua, porém compreensão — é o lampejo de algo que é verdadeiro. A compreensão, pois, não é pessoal. Não é sua nem minha. É um "estado de ser" em que a mente é capaz de receber o que é a Verdade. Entretanto, a mente é incapaz de receber a Verdade, se está limitada pela autoridade, pela tradição; está então comparando o que se diz com o Bhagavad-Gita, com a Bíblia, com isso e com aquilo. Não há dúvida, pois, de que a compreensão é um estado em que a mente não está comparando, no qual não há autoridade alguma; é percebimento sem escolha; dessa forma, a mente vê diretamente, sem nenhuma interpretação, sem nenhum intermediário. Assim, pois, se nós dois, você e eu, pudermos ver, se pudermos nos achar naquele estado, é óbvio que haverá então percepção imediata do que é verdadeiro. 

Mas, no que diz respeito a maior parte de nós, nosso conhecimento, nossas experiências, autoridades, compulsões, as várias atividades de nossa vida diária, nos estão impedindo de experimentar diretamente algo que é verdadeiro. Por mais que me ouçam, suas mentes estão estorvadas de tal maneira pela autoridade, pelo saber, pela experiência, que são incapazes de ver as coisas diretamente. Assim, pois, apenas vem a compreensão quando a mente está realmente tranquila, quando não é coagida, compelida, quando, na sua tranquilidade e serenidade, a mente está receptiva. Se compreensão não é acumulação, não se pode juntar compreensão; não se pode armazenar compreensão. A compreensão vem em clarões, numa série de clarões ou num só clarão de longa duração — o que indica que a mente deve se achar sobremodo tranquila, escutando, sem fazer escolha alguma. Mas uma mente condicionada, uma mente disciplinada, aprisionada, limitada por compulsões — essa mente não pode compreender, não pode experimentar diretamente a Verdade. E é esse experimentar da Verdade, de momento em momento, que produz a libertação criadora.

Juddu Krishnamurti em, Autoconhecimento - Base da Sabedoria

domingo, 28 de setembro de 2014

Na condenação ou justificação, não há compreensão

Você diz que o libertar-nos do “eu”  é uma árdua tarefa, e, ao mesmo tempo, você declara que todo o esforço de libertação constitui um empecilho a essa própria libertação. Como executar essa “árdua tarefa” sem esforço?

Krishnamurti: O que você entende por esforço? Quando é que faz esforço? E se não há esforço algum, implica isso indolência, estagnação? Comecemos, pois, por averiguar o que se entende por esforço, em que sentido estamos fazendo esforço? E por que fazemos esforço.

Quando dizemos “fazer esforço”, entendemos sempre um desperdício de energias com o fim de alcançarmos um resultado, não é isso? Desejamos mais saúde, mais compreensão, uma melhor situação econômica, social ou politica, etc., o que significa que estamos sempre fazendo esforço para chegarmos a alguma parte.

Ou, também, fazemos esforço para afastar certos obstáculos psicológicos. Se somos invejosos, dizemos que não devemos sê-lo, assim, uma resistência contra a inveja.

Ou, ainda, queremos ser muito eruditos, queremos saber mais, para causar impressão nos outros ou para obtermos um emprego melhor; por conseguinte, lemos, estudamos.

Eis tudo o que sabemos a respeito do esforço, não é verdade?

Para a maioria de nos, o esforço ou é positivo ou negativo, um processo de vir a ser ou não vir a ser; e esse mesmo processo provem do centro do “eu”, não é exato? Se sou invejoso e faço esforço para não sê-lo, não há duvida de que a entidade que faz tal esforço é ainda o “ego”, o “eu”.

Todo o esforço para dominar o “eu”, positiva ou negativamente, é ainda parte do “eu                “, e, por conseguinte, só pode dar-lhe mais força; e ficamos presos nesse circulo vicioso.

O problema, pois, é de como quebrar o circulo vicioso, essa cadeia continua de esforços que só servem para fortalecer o “eu”.

Ao perceber que é invejosa, a mente deseja não ser invejosa, pensando que o não ser invejoso traz certa compensação; obtém ela certa satisfação do esforço que faz para não ser invejosa, registra uma vitória espiritual. Assim, em não ser invejosa a mente encontra segurança, proteção, e o produto do esforço é ainda o “ego”, o “eu”.

Tenha a bondade de perceber bem isso, só isso.

Surge assim, o problema: que devo fazer, quando sou invejoso? Estou acostumado a rejeitar a inveja, a levantar resistência contra ela; veja agora o quanto isso é fútil, quanto é absurdo que uma parte de mim mesmo esteja a negar outra parte quando eu sou o todo. Que devo então fazer?

Entretanto, jamais chegamos a esse ponto, não reconhecemos nunca o fato de sermos, ao mesmo tempo, a inveja e o desejo de não ser invejoso. Quando somos invejosos, fazemos vigorosos esforços para dominar a inveja, e pensamos que esse esforçar-se é benéfico, e nos libertará do “eu”. Não o fará.

Mas quando compreendo, quando estou perfeitamente cônscio de que a inveja e o desejo de não ser invejoso constitui um processo total, há então esforço? Ocorre então algo inteiramente diferente, não é verdade?

Muito bem. No momento em que estamos cônscios de ser invejosos, coléricos ou ciumentos, põe-se em funcionamento um processo de condenação; e enquanto estamos condenando, não há compreensão.

As próprias palavras “inveja”, “cólera”, “ciúme”, subentendem julgamento, comparação, condenação, não é exato? Através de séculos de educação, de civilização, de ensino religioso, estas palavras adquiriram um sentido de censura, representam algo que cumpre afastar, algo que devemos resistir, combater, e nossa reação é toda nesse sentido.

Assim, ao dar nome a certos sentimentos, já estou em atitude condenatória; e o próprio ato de condenar, de resistir a um sentimento, dá-lhe mais força. Se não condeno a inveja, isso significa render-me a ela? Tornar-me-ei mais invejoso? Ora, a inveja é sempre inveja, nem mais nem menos.

O desejo, a direção pode variar,  mas a inveja, é sempre a mesma coisa, quer tenha por objeto um “Ford” ou um “Cadillac”, quer objetive uma casa grande ou uma casa pequena. Assim, pois, o não dar nome para a inveja, e portanto o não condena-la, não significa ceder a ela.

Quando compreendemos que a própria palavra “inveja” denota condenação, que o sentimento de antagonismo à inveja é inerente à própria palavra, manifesta-se logo um estado de liberdade. Essa liberdade não se opõe à inveja, não é liberdade da inveja.

Liberdade de uma determinada qualidade não é liberdade nenhuma, e o homem livre de algo assemelha-se ao homem que está contra o governo: enquanto ele está contra alguma coisa não é um homem livre. A liberdade é completa em si; não resulta de alguma atitude, não é contra algum estado ou qualidade.

Vemos, pois, que todo esforço para vencermos alguma coisa, para libertar-nos de alguma coisa, só dá mais força ao “eu”, ao “ego”; e quando compreendemos isso realmente, quando estamos conscientes da qualidade do seu oposto, como um processo total, e percebermos como a própria palavra encerra condenação ou estímulo, então já não estamos na sujeição das palavras e, portanto, nosso espirito está livre para considerar, observar o que é .

A compreensão do que é, e a liberdade que traz, não resulta de exercício persistente, de esforço penoso, a que dedicamos vários minutos todas as manhãs; apenas surge essa compreensão quando estamos conscientes, em todo o ocorrer do dia, das árvores, dos pássaros, das nossas próprias reações, das coisas que sucedem interior e exteriormente, como um processo total.

Quando há condenação ou justificação, não há compreensão do que é; por isso torna-se dificílimo o estar consciente.

O que é só pode ser compreendido momento por momento, e isso significa devemos estar perfeitamente conscientes de que estamos julgando, de que cada palavra implica rejeição ou aceitação. Enquanto a mente for a expressão verbal do seu próprio condicionamento, nunca será livre. Só há liberdade quando a mente está aliviada de todo o pensamento.

Krishnamurti em, Percepção Criadora

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Aquele que vê nunca pode ser o visto

A mente nunca entende. Com a mente não há compreensão. O entendimento é um fenômeno totalmente diferente em você: ele acontece somente na não-mente. A mente finge entender e nada entende. Ela é uma grande enganadora. Você somente pode entender quando puder começar a perceber e a sentir; você somente pode entender quando se der conta de algo. A mente terá de ser colocada de lado. Este é o significado de ser um sannyasin: você coloca sua mente de lado e lentamente começa a se mover em direção de algo que de modo nenhum é a mente. 

O que é a mente? O passado, o apreendido, o conhecimento que foi entulhado em você. A mente é um computador. A sociedade, os pais, os políticos e os sacerdotes a usaram; eles colocaram mil e uma coisa em você — essa é a sua mente, mas não é você! E essa mente pode ser colocada de lado, porque ela não é você! Você é a testemunha. Você não é o pensamento, mas aquele que percebe o pensamento passar rapidamente. Observe... quando um pensamento surge em você, você é o pensamento? 

Você está sentindo raiva, amor ou compaixão e pensamentos estão surgindo em você — pensamentos de raiva, amor ou compaixão, e há uma multidão deles passando, o tráfego de pensamentos. Você é esse tráfego? Então, quem é aquele que percebe? Então, quem está olhando para esse tráfego? O espectador não pode ser parte do tráfego, ele precisa ser transcendental ao tráfego. Você não pode ser a coisa que você está vendo. Aquele que vê nunca pode ser o visto. O meditador nunca pode ser aquilo sobre o quer se medita. Quando você começa a observar sua mente e seus pensamentos, surge em você uma consciência totalmente nova: você se torna uma testemunha, um espelho. Esse espelho compreende. A compreensão é parte desse espelho. 

A mente é uma simuladora, ela é hipócrita, enganadora, uma farsa. Sem compreender coisa alguma ela insiste em lhe dizer: "Eu compreendo. Olhe, sei isso, li aquilo, pensei a respeito". 

Você diz: "...portanto tenho dificuldade para entender".

Você sempre terá, se você não abandonar a mente. A mente precisa cessar para a compreensão existir.

O S H O — A Sabedoria das Areias


quinta-feira, 17 de julho de 2014

A compreensão não surge através do isolamento

É muito importante compreender todo o processo do nosso pensamento, e essa compreensão não surge através do isolamento. Não existe uma vida isolada. A compreensão do processo do nosso pensamento surge quando nos observamos nos nossos relacionamentos diários, nas nossas atitudes, nas nossas crenças, a maneira como falamos, a maneira como olhamos as pessoas, a maneira como tratamos nossos maridos ou nossas esposas e nossos filhos. O relacionamento é o espelho no qual se refletem os processos do nosso pensamento. Nos fatos do relacionamento se encontra a verdade, não fora do relacionamento. Não existe, é claro, a vida isolada. Podemos, cuidadosamente, eliminar diversas formas de relacionamento físico, mas, ainda assim, a mente permanecerá relacionada. A própria existência da mente implica relacionamento, e o autoconhecimento advém de se enxergarem os fatos do relacionamento tais como eles são, sem inventar, condenar ou justificar. No relacionamento, a mente faz certas avaliações, julgamentos e comparações; ela reage ao desafio de acordo com as várias formas de recordação, e essa reação é chamada de pensamento. Você descobrirá que, se a mente puder ao menos estar ciente de todo o processo, o pensamento se imobiliza. A mente então fica bastante quieta, bastante silenciosa, sem incentivo, sem movimento em qualquer direção, e, nessa quietude, a realidade adquire existência.

Krishnamurti, Rajghat, 6 de fevereiro de 1955

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Sobre o "clarão da compreensão"

Pergunta: Se a compreensão não é permanente, se só se apresenta "num clarão", o que acontece no intervalo entre "clarões"?

Krishnamurti: É preciso compreender a natureza íntima da experiência. Para a maioria de nós a experiência é uma reação, é a "resposta" de nossa memória a um desafio. Essa memória das coisas que conhecemos pode ser muito antiga ou muito moderna, superficial ou profunda, e nós "experimentamos" de acordo com esse FUNDO.

Agora, quando há um "CLARÃO DE COMPREENSÃO", isso não constitui nenhuma "resposta" daquele fundo. Nesse momento o FUNDO está completamente em silêncio. Se o FUNDO não está em silêncio, NÃO HÁ COMPREENSÃO porque, então, você está, meramente, interpretando em termos do 'VELHO" tudo o que você ouve ou vê. O "CLARÃO DA COMPREENSÃO" não é contínuo, não é permanente. A continuidade ou permanência pertence inteiramente ao FUNDO de experiência e conhecimento que, perpetuamente, está respondendo aos desafios. A compreensão só vem num clarão; e como se verifica esse clarão? ESSE CLARÃO NÃO PODE MANIFESTAR-SE NUMA MENTE INDOLENTE, DEFORMADA, TRADICIONAL, EMBOTADA, ESTÚPIDA, nem tampouco numa mente que está em busca de poder, de posição, de prestígio. O clarão da compreensão só pode ocorrer numa mente que está alertada; e que continua alertada, mesmo quando nenhum clarão ocorre. Essa mente está completamente desperta, vigilante. Estar de todo vigilante, SEM ESCOLHA, observando cada movimento de pensamento e de sentimento, vendo tudo o que se passa — isso é muito mais importante do que aguardar o clarão da compreensão.

Jiddu Krishnamurti - O homem e seus desejos em conflito

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Sobre a recusa de compreender o que é

Pergunta: Qual a diferença entre a rendição à vontade de Deus e o que você diz a respeito da aceitação do que é?

Krishnamurti: Há, por certo, enorme diferença, não? Render-se à vontade de Deus, supõe prévio conhecimento da vontade de Deus. Não se submetem a uma coisa que não conhecem. Se vocês conhecem a realidade, não podem a ela se renderem; vocês deixam de existir; não há rendição a uma vontade superior. Se vocês se rendem a uma vontade superior, essa vontade superior é uma projeção de si mesmos, visto que o real não pode ser conhecido através do conhecido. Ele só pode vir à existência, quando o conhecido deixou de existir. O conhecido é criação da mente, porque o pensamento é resultado do conhecido, do passado, e o pensamento só pode criar o que conhece. Por conseguinte, o que ele conhece não é o eterno. Eis por que, quando vocês se rendem à vontade de Deus, vocês estão se rendendo às suas próprias projeções; isso só pode ser agradável, confortador, mas não é o real.

A compreensão do que é, exige processo diferente; talvez a palavra processo não seja adequada, mas o que quero dizer é o seguinte: é muito mais difícil compreender o que é, exige mais inteligência, mais percebimento do que a mera aceitação de uma ideia, a mera submissão a uma ideia. A compreensão do que é não requer esforço; esforço é distração. Para compreender uma coisa, para compreender o que é, vocês não podem ser distraídos, não é verdade? Se desejo compreender o que dizem, não posso estar ouvindo música, ouvindo barulho de gente lá fora, tenho de dar-lhes toda a minha atenção. Assim, é extraordinariamente difícil e árduo estar cônscio do que é, porque o nosso próprio pensar se torna uma distração. Nós não queremos compreender o que é. Olhamos o que é através dos óculos do preconceito, da censura ou da identificação, e é muito difícil tiramos esses óculos, para olhar o que é. Por certo, o que é é um fato, a verdade, e tudo o mais é fuga, não é verdade. Para compreendermos  o que é, tem de cessar o conflito da dualidade, porque a reação negativa de nos tornarmos uma coisa diferente do que é, é a negação do percebimento do que é. Se desejo compreender a arrogância, não devo passar ao oposto, não devo ser distraído pelo esforço de “vir a ser”, nem sequer pelo esforço de tentar compreender o que é. Se sou arrogante, que acontece? Se não dou nome à arrogância, ela se extingue; vale dizer que a solução está no próprio problema, e não longe dele.

Não se trata de aceitar o que é; não se aceita o que é; uma pessoa não aceita sua cor morena ou branca: trata-se de um fato. Só quando estamos tentando tornar-nos outra coisa, há o problema de aceitar. Quando reconheço um fato, ele deixa de ser importante; mas a mente que foi educada para fugir em múltiplas direções, é incapaz de compreender o que é. Sem compreender o que é, não se pode achar o que é real, e sem essa compreensão, a vida não tem significado, a vida é uma batalha constante, em que subsiste sempre a dor e o sofrimento. O real só pode ser compreendido quando se compreende o que é. O que é não pode ser compreendido, se há censura ou justificação. A mente que está sempre condenando ou identificando não pode compreender; só é capaz de compreender aquilo em cujo interior está aprisionada. A compreensão do que é, o percebimento do que é, revela profundezas extraordinárias, nas quais se encontra realidade, felicidade e alegria.

Jiddu Krishnamurti — A primeira e última liberdade   

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A maturidade chega com a compreensão

Não existe diferença essencial entre o idoso e o jovem, pois ambos são escravos de seus próprios desejos e gratificações. Maturidade não é uma questão de idade, ela vem com a compreensão. O ardente espírito de investigação é talvez mais fácil para o jovem, porque aqueles que são mais velhos foram esgotados pela vida, os conflitos os exauriram e a morte sob diferentes formas os aguarda. Isto não significa que eles sejam incapazes de investigação proveitosa, mas isso é só mais difícil para eles. Muitos adultos são imaturos e mesmo infantis, e esta é uma causa contribuinte para o caos e miséria do mundo. As pessoas mais velhas são responsáveis pela predominante crise econômica e moral; e uma das nossas infelizes fraquezas é que queremos outro alguém para agir por nós e mudar o curso de nossas vidas. Esperamos que outros se revoltem e construam o novo, e nós permanecemos inativos até estarmos seguros do resultado. A maioria de nós está atrás de segurança e sucesso; e uma mente que está buscando segurança, que anseia por sucesso, não é inteligente e, portanto, é incapaz de ação integrada. Só pode haver ação integrada se a pessoa está cônscia do próprio condicionamento, de seus próprios preconceitos raciais, nacionais, políticos e religiosos; ou seja, só quando a pessoa percebe que os caminhos do ego são sempre separativos. A vida é um poço de águas profundas. A pessoa pode chegar a ele com pequenos baldes e pegar só um pouco de água, ou pode chegar com grandes vasilhas, levando águas abundantes que nutrirão e sustentarão. Enquanto a pessoa é jovem, é o tempo de investigar, de experimentar com tudo. A escola poderia ajudar seus jovens a descobrir sua vocação e responsabilidades, e não meramente encher suas mentes com fatos e conhecimento tecnológico; devia ser o solo onde eles podiam crescer sem medo, feliz e integralmente.

Krishnamurti. Education and the Significance of Life Chapter 2 The Right Kind of Education

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Sobre a fundamental compreensão de nós mesmos


Compreender o que é requer um estado mental em que não haja identificação ou condenação, o que significa mente alerta, embora passiva. Esse estado mental acontece quando realmente desejamos compreender algo e quando há um interesse intenso, quando nos interessamos por compreender o que é; nesse estado mental verdadeiro não é preciso forçar, disciplinar ou controlar a mente; pelo contrário, ela se torna passivamente alerta, vigilante. Esse estado de percepção acontece quando há interesse, a intenção de compreender.
A fundamental compreensão de nós mesmos não vem por meio do conhecimento ou do acúmulo de experiências, que não são mais do que o cultivo da memória. Esse autoconhecimento acontece momento por momento. Se apenas acumularmos esse autoconhecimento, ele próprio impedirá a aquisição de mais compreensão, porque o acumulo de conhecimento e experiência torna-se o centro por meio do qual o pensamento se concentra e tem sua existência. O mundo de não é diferente de nós e de nossas atividades porque é o que somos, e isso é o que cria os problemas mundiais. A maior dificuldade da maioria de nós é não nos conhecermos diretamente e buscarmos um sistema, um método, um meio de operação que possam resolver os muitos problemas humanos.
Existe um sistema, isto é, um meio, que nos ajude adquirir autoconhecimento? Qualquer pessoa inteligente, qualquer filósofo, pode inventar um sistema, um método, mas seguir um sistema apenas produzirá um resultado criado por esse sistema, não é verdade? Se eu seguir determinado método para conhecer a mim mesmo, terei o resultado que ele exige, mas esse resultado, obviamente, não será a compreensão de mim mesmo. Ao seguir um método, um sistema, um meio para conhecer a mim mesmo, moldo meu pensamento, minhas atividades, de acordo com um padrão, mas seguir um padrão não me leva ao autoconhecimento.
Então, vemos que não há um método para o autoconhecimento. Buscar um método invariavelmente indica o desejo de se alcançar um resultado, e é isso o que todos nós queremos. Seguimos a autoridade — de uma pessoa, de um sistema, de uma ideologia — porque queremos um resultado que seja satisfatório, que nos dê segurança. Não queremos, de fato, compreender a nós mesmos, nossos impulsos e reações, todo o processo de nosso pensamento, tanto o consciente quanto o inconsciente, então preferimos seguir um sistema que nos garanta um resultado. Mas seguir um sistema é sempre o produto de nosso desejo de segurança, de certeza, e o resultado, naturalmente, não é a compreensão de nós mesmos. Quando seguimos um método, obrigatoriamente estamos seguindo uma autoridade — o professor, o guru, o salvador, o mestre — que nos garantirá que conseguiremos o que desejamos, e, evidentemente, esse não é o caminho para o autoconhecimento.
A autoridade impede a autocompreensão, não é verdade? Sob a proteção de uma autoridade, de um guia, podemos ter uma sensação temporária de segurança, de bem-estar, mas isso não é a compreensão de nosso processo total. A autoridade, pela própria natureza, impede-nos de ter a completa autopercepção e, desse modo, acaba por destruir a liberdade. E só pode haver criatividade quando há liberdade. Só podemos ser criativos por intermédio do autoconhecimento. A maioria de nós não é criativa; somos máquinas repetitivas, simples discos tocando sem parar as mesmas canções de nossa experiência, de certas conclusões e lembranças, sejam nossas ou de outra pessoa. Essa repetição não é uma existência criativa, mas é isso o que queremos. Como queremos segurança interna, estamos constantemente procurando métodos e meios que nos proporcionem essa segurança e, assim, criamos a autoridade, a adoração de outros, o que destrói a compreensão, essa tranquilidade espontânea da mente, o único estado em que pode haver criatividade. Não há dúvida de que nosso problema é que perdemos esse senso de criatividade. Ser criativo não significa pintar quadros ou escrever poesias. Isso não é criatividade, mas, simplesmente a capacidade de expressar uma ideia, que o público tanto pode aplaudir, quanto ignorar. Capacidade e criatividade não devem ser confundidas. Criatividade é um estado no qual o eu está ausente, no qual a mente não é mais o foco de nossos desejos, experiências, ambições e buscas. Criatividade não é um estado contínuo; é novo a cada momento, é um movimento em que não existem o “eu”, o “mim”, em que o pensamento não está focalizando nenhuma experiência em particular, nenhuma ambição ou realização, nenhum propósito ou motivo. Só quando o eu está ausente é que pode haver criatividade, e é apenas nesse estado mental que pode haver realidade, a criadora de todas as coisas. Esse estado, porém, não pode ser concebido ou imaginado, não pode ser formulado ou copiado, não pode ser alcançado por meio de qualquer sistema, filosofia ou disciplina; pelo contrário, acontece apenas pela compreensão do processo total de nós mesmos.
Essa compreensão não é um resultado, uma culminância, é cada um de nós ver a si mesmo, momento após momento, no espelho do relacionamento — no relacionamento com os bens, com as coisas, pessoas e ideias. Mas consideramos difícil permanecer atentos, cônscios, e preferimos embotar nossa mente, seguindo um método, aceitando autoridades, superstições e teorias gratificantes. Assim, a mente enfraquece, torna-se exausta e insensível. Uma mente assim não pode estar em um estado de criatividade, porque esse estado só acontece quando o eu, que é o processo de identificação e acúmulo, deixa de existir, pois, afinal, a consciência do “eu”, do “mim”, é o centro da identificação, e identificação é meramente o processo de acumulação de experiência.
Mas todos nós temos medo de não ser nada, todos queremos ser alguma coisa. O homenzinho quer ser um homem grande, o que não tem virtude quer ser virtuoso, o fraco e obscuro deseja poder, posição e autoridade. Essa é a atividade incessante da mente. Uma mente assim nunca fica em silêncio; portanto, não consegue compreender o estado de criatividade.
A fim de transformar o mundo que nos rodeia, com suas misérias, suas guerras, desemprego, fome, divisão de classes e profunda confusão, é preciso que ocorra uma transformação em cada um de nós. A revolução deve começar dentro de cada um, mas não de acordo com uma crença ou ideologia, porque uma revolução baseada em ideias, ou em conformidade com determinado padrão, não é revolução, absolutamente. Para causar uma revolução fundamental em nós mesmos precisamos compreender o processo total de nossos pensamentos e sentimentos no relacionamento uns com os outros. Não ter mais disciplinas, crenças, ideologias e professores, essa é a única solução para todos os nossos problemas. Se pudermos compreender a nós mesmos, como somos, a cada momento, sem o processo de acumulo, então alcançaremos a tranquilidade que não é imaginada, nem cultivada, o único estado em que pode haver criatividade. 

Krishnamurti

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Como pode a mente compreender a si mesma?


Seria desperdício de tempo e esta reunião de todo inútil se considerássemos o que se tem dito até agora, e o que se vai dizer, como mero entretenimento intelectual. Quando se necessita de qualquer espécie de estímulo, a mente se torna lerda, embotada, incapaz de pensar com rapidez, e se nos estamos servindo destas palestras apenas como uma nova espécie de estimulante, acho que seria preferível não realiza-las. Por outro lado, se somos capazes de examinar profundamente os movimentos de nosso pensar, na vida diária, e de como começar a compreender o “processo” de nossa própria mente, então, talvez, sejam realmente úteis estas reuniões.

Mesmo quando repetimos certas palavras de profunda significação; vivemos, em geral, bem rotineiramente; vivemos num mundo verbal, num mundo de ações e emoções superficiais. Nossa mente é sem profundidade, mesquinha, estreita, e um dos problemas mais importantes da vida é como tornar essa mente profunda, rica, cheia.  A mente “carregada” de conhecimentos não é uma mente rica; só o é a mente que penetrou fundo em si mesma e descobriu seus próprios e inumeráveis recessos, suas secretas ideias e motivos, e é capaz de penetrar e transcender o pensamento.

Estou empregando a apalavra “mente” não só para denotar a mente superficial que está ativa todos os dias, mas também a mente inconsciente, a mente que oculta tantas compulsões e “motivos”, aquela que busca o preenchimento de secretos desejos, que está cônscia de suas frustrações, suas aptidões, suas limitações, e sempre a buscar, sempre a sondar. Refiro-me à totalidade da mente, tanto à mente consciente como inconsciente. Pouco sabemos dessa totalidade, porque em maioria funcionamos nas camadas superficiais da consciência; estamos ocupados completamente a respeito de nosso emprego, da rotina de nossa vida, de crenças, dogmas e fácil recitação de orações — coisas a que a mente superficial se apega porque lhe são convenientes, proveitosas, e com isso nos damos por satisfeitos.

Agora, se pudermos aprofundar-nos no inteiro processo da mente, penetrar fundo no inconsciente, talvez então possamos descobrir por nós mesmos toda a extensão e limitação da faculdade de pensar. O inconsciente, por certo, não é um mistério, uma coisa que temos de aprender com os psicólogos ou com os que estudam filosofia. Ele é parte integrante de nossa existência diária e está constantemente a indicar algo, a fornecer sugestões, mas acontece que nossa mente superficial acha-se sempre tão ocupada, tão atarefada com seus problemas triviais, que não lhe sobra tempo ou atenção para receber essas sugestões; mas a mente oculta lá está. Ela não é mais sagrada nem mais divina do que a mente consciente, porquanto as duas fazem parte do processo total de nossa consciência, e, para podermos transcender as limitações dessa consciência, devemos compreender suas peculiaridades.

Em geral, julgamos ser necessário passarmos por essa luta e conflito, por pesares e frustrações diárias; que é preciso a mente disciplinar-se; que certas coisas devem ser superadas ou rejeitadas a fim de se alcançar um degrau transcendente à mente, mas não me parece possível transcendê-la dessa maneira. Para descobrir o que está além da mente, cumpre investiga-la em profundidade e compreender os seus movimentos; porque a mente que não compreendeu de todo a si própria projeta ideias, ilusões, que assumem uma falsa realidade. Enquanto eu não compreender as características de minha própria mente, as características do “eu”, todo impulso a buscar baseia-se nos desejos, nos “motivos” da mente. Dessa forma, se não compreenderem realmente as peculiaridades da mente, é impossível descobrir o verdadeiro. Eu posso dizer que existe um Atman, uma “superalma”, uma realidade atemporal, mas isso será uma mera repetição baseada em meu condicionamento, minha crença, e sem validade alguma. Enquanto eu não compreender toda a esfera de meu pensamento, todo conteúdo de minha mente, não é possível ir além; e nós temos de ir além, porquanto, se não descobrirmos algo totalmente novo, a vida se torna mecânica, superficial, estéril.

Assim, como pode a mente compreender a si mesma? Existe, dentro da esfera da mente, uma entidade superior à mente? Existe, dentro do processo do pensamento, uma entidade que está que está acima e além do pensamento e que, por conseguinte, é capaz de controlar o pensamento? Ou essa coisa a que chamamos Atman, o “sublime”, a “alma”, é uma mera invenção do pensamento e, consequentemente, está compreendida na esfera do pensamento? Considero importante compreender isso; porque, se existe uma superentidade, um agente exterior que transcende todo o processo de pensamento, então nada adianta pensarmos a respeito dele, porquanto não se acha em sua esfera. Só podemos pensar acerca de coisa que já conhecemos e que podemos reconhecer; mas, para se encontrar o que está além da mente, o pensamento terá que cessar.

A maioria de nós crê — não é verdade? — em algo existente além da mente, um observador que observa não só a mente, mas também as coisas da mente; que controla, molda, disciplina o pensamento. Enquanto não pusermos em dúvida a existência de tal entidade transcendente à mente, transcendente à esfera do pensamento, continuaremos a considerar essa entidade como o princípio que guia a nossa vida e molda a nossa conduta.

Ora, existe tal entidade — Atman, alma, ou o que quiserdes — a qual nos está moldando, dirigindo e ajudando a viver uma vida são e equilibrada? Ou essa entidade se encontra dentro da esfera de nosso próprio pensar, sendo uma invenção de nosso próprio pensamento e, por conseguinte, irreal? A mente é produto do tempo, de experiências inumeráveis, resultado de muitos condicionamentos. O comunista não crê em Atman, na alma, porque foi condicionado para crer diferentemente, assim como vós fostes condicionados para crer que existe uma alma, um Atman. Vós, tal como ele, partis de um postulado, uma asserção, resultantes ambos de uma mente condicionada. Enquanto não se perceber realmente esse fato e não ser profundamente compreendido o seu significado, a mente é incapaz de transcender a si própria; ou, expressando-o diferentemente, o pensamento nunca pode estar tranquilo, a mente nunca pode estar completamente quieta, porque existem sempre “observador” e “coisa observada”; há sempre o experimentador a desejar mais experiência, e assim se torna a nossa vida a infindável série de lutas que realmente é.

Ao terdes uma experiência aprazível, desejais repeti-la; e quando a experiência é dolorosa, vós, como “experimentador”, desejais afastar a dor. O pensador abre a porta ao prazer e repele a dor, e por isso trava-se uma perene batalha interior, a qual se torna bem óbvia quando examinais por vós mesmos. Entretanto, tendes a ideia de que o pensador, o observador, existe acima e além do pensar. Credes, porque o lestes em vossos livros religiosos que o Atman ou a alma existe e está observando o pensamento. Mas, se examinardes com atenção, vereis que quando não há pensar não há pensador; quando não há exigência de mais e mais experiência, nem acumulação de experiência, não há “experimentador”. Convencionou-se que existe uma entidade transcendente a tudo isso. Essa entidade, porém, ainda é resultado do pensar, e, por conseguinte, está compreendida na área do tempo; logo, ela não é atemporal, nem divina.

Afinal, que é a mente? Por favor, senhores, não vos limiteis a escutar minhas palavras, minhas explicações ou descrições, porém, observai vossa própria mente em funcionamento. Eu não vos estou dando instruções positivas, pois, como já expliquei, todo pensar positivo é, realmente, um estado “sem pensamento”. Já se puderdes pensar negativamente, ou seja, observar vossa mente sem a dirigirdes, sem lhe dizer o que fazer — porque o “dirigente”, a entidade que diz “isto é correto, aquilo é errado”, faz também parte da mente — se puderdes simplesmente observar a vossa mente, sem nada exigirdes, sem traduzirdes o que vedes, descobrireis então que essa própria observação é esclarecedora, porque a mente não está então buscando um resultado, nem se preocupa com recompensa ou punição; ela deseja apenas observar, saber o que é verdadeiro. E não se pode saber o que é verdadeiro se existe um “dirigente” já moldado pelo passado, por um certo condicionamento. Portanto, escutai, a fim de descobrir por vós mesmos; e só podereis fazê-lo ao observardes vossa mente, isto é, quando a mente observar a si própria.

Ora, que é a mente? Ela não é apenas uma série de reações aos vários desafios que estão sempre a assaltar-nos, mas também uma série de lembranças, conscientes e inconscientes, as quais estão constantemente moldando o presente em conformidade com o condicionamento do passado, para ajustá-lo a um padrão futuro. Observai a vós mesmos, senhores, não escuteis e não repitais apenas as minhas palavras. Observai-vos e vereis que vossa mente é uma série de desejos, mais o impulso de preenche-los — e isso envolve medo e frustração. Desejo uma coisa, não a consigo, sinto-me frustrado, desditoso. Vós me amais, eu não vos amo, por conseguinte me sinto frustrado, etc., etc.

A mente é também uma série de ideias relacionadas com o passado e com os nossos desejos; isto é, a mente pensa em termos de progresso. Sou isto, quero ser aquilo, e necessito de tempo para chegar . Se sou invejoso, digo que necessito de tempo para alcançar o estado de “não inveja” — e chamamos isso progresso, evolução. Mas o é, realmente? Tende a bondade de observar a vossa mente em funcionamento. Pode o pensamento “progredir” para a Verdade, a Realidade, Deus, ou só pode mover-se do “conhecido” para o “conhecido”? E o pensamento é independente da memória, ou, simplesmente, repetição desse fundo constituído pela memória?

Tudo isso constitui o conteúdo da mente, sendo a mente o consciente e o inconsciente. No inconsciente estão armazenadas as memórias raciais bem como as experiências individuais que não compreendi; e todas essas lembranças, coletivas e individuais, martelam a mente, nesse processo que chamamos pensar, não é exato? O desejo, o medo, a frustração, o desejo de agir, de melhorar, de procurar preencher-se em alguma ambição, o pensar que existe Atman, uma “superalma” ou que nada disso existe — eis o que constitui a mente.

Ora, se não compreendeis a totalidade do “eu”, isto é, se a mente não compreende a totalidade de si própria, sua atividade estará sempre restrita à esfera que ela própria criou. A menos que a mente se liberte de seu condicionamento, tanto consciente como inconsciente, não poderá haver investigação real, porque vossa busca será conforme o vosso condicionamento, e vossas experiências de acordo com vosso “fundo” (background). As experiências de um homem que tem visões do Cristo, de Krishna, disto ou daquilo, estão obviamente baseadas no seu “fundo”, sua tradição. Assim, a mente que está em busca do verdadeiro, que deseja descobrir se existe a Verdade, a Realidade, Deus, deve estar livre de seu “fundo”; e, se não descobrimos o que é verdadeiro, nossa vida se torna um padrão mecânico, porventura modificado por circunstâncias, porém, sempre um padrão mecânico, a que chamamos “progresso”, “evolução”.

Agora, tratemos de ir um pouco mais longe. Cônscia de sua própria totalidade, percebe a mente que todo esforço feito para alcançar a si própria faz parte ainda do mesmo padrão, embora modificado. Compreendeis? A mente que busca a liberdade, por exemplo, é uma mente que criou a ideia da liberdade e persegue essa ideia. Conhecendo apenas a escravidão, diz ela: “Devo ser livre” — e luta então pela liberdade. Deste modo, sempre pensamos que o esforço é necessário para se ser livre; mas, se compreendemos que o esforço só existe quando a mente separou a si própria como “entidade que forceja”, como “observador”, como “pensador”, separado da escravidão, vê-se então que o esforço é fútil. Exato, senhores?

Consideremos diferentemente. Se não há “observador” separado da “coisa observada”, como pode haver esforço? Só há esforço quando existe um observador tentando alterar a coisa observada. Mas, se compreenderdes que o observador é a coisa observada (e não se trata de uma fórmula intelectual, pois é uma extraordinária experiência constatar que não há observador separado do pensamento), vereis que não há esforço de espécie alguma. Verifica-se então um processo inteiramente diferente, uma maneira completamente diversa de observar o que chamamos inveja, ou o que quer que se observe. Enquanto houver observador fazendo esforço para alcançar um certo estado, tem de haver conflito, e não é por meio de conflito que nasce a compreensão.

Ora, esse processo total é a mente; e quando a mente compreende seu “processo” total, ela se torna quieta, extremamente tranquila, porque não há desejo de ser ou de não ser. Essa mente não é posta tranquila, ou induzida a ficar tranquila, mas se torna tranquila porque compreendeu o conteúdo de si própria. Só então é possível descobrirdes por vós mesmos se existe a Realidade ou não. Enquanto a vossa mente não houver alcançado este estado, vossas asserções de que existe ou não a Realidade, Deus, ou o Atman, nada significam. São puras repetições por parte de uma mente condicionada e que, como disco de gramofone, repete seguidamente a mesma frase.

O autoconhecimento, pois, é essencial, mas não pode ser encontrado nos livros; o autoconhecimento resulta de observarmos a nós mesmos no espelho das relações, o qual revela o funcionamento total da mente. Só depois de havermos compreendido a totalidade da mente, existe a tranquilidade.

Krishnamurti – O Homem Livre – pág. 38 à 43 – 24 de outubro de 1956

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Examinando a questão do conflito.


Áudio da reunião de estudo deste tema, pelo Paltalk, na noite de 11/08/2012

Para compreender o conflito, vocês precisam observar a si mesmos. E a observação exige desvelo. Desvelo significa compreensão, afeição: como quando se cuida de uma criança, em que não há repúdio ou condenação. Cuidar de uma criança é observá-la, sem condená-la, sem compará-la. Observá-la com infinita afeição, imensa compreensão; estudá-la em todos os seus movimentos, em todas as fases de seu desenvolvimento, em suas travessuras, suas lágrimas, seus risos. O observar, pois, exige desvelo. Esse é o primeiro requisito da auto-observação.; por conseguinte, nunca deve haver um momento de condenação, de justificação, de comparação, porém, sempre a observação pura e simples de tudo o que está ocorrendo, a cada momento do dia, quer a pessoa se ache no escritório, ou viajando num ônibus, ou conversando com alguém, etc. Cada um deve observar a si próprio tão completamente, com tão infinito desvelo, que daí resulte a precisão, uma precisão absoluta, e não apenas idéias vagas, ação ineficaz.
Como disse, para observarem a si mesmos, exige-se atenção completa. Uma mente que está atenta, cônscia de si própria no justo momento em que está a observar-se, está aprendendo a respeito de si mesma. Aprender é coisa toda diferente de acumular conhecimentos. Da infância até à morte, estamos sempre registrando; nossa mente se tornou uma espécie de fita de gravação, na qual tudo se vai registrando. De acordo com tal registro, nós atuamos, pensamos, reagimos; e a esse registro vamos acrescentando coisas e mais coisas, todos os dias, consciente ou inconscientemente. Guardamos toda experiência, toda informação, todo incidente, toda lembrança. E a isto chamamos experimentar, aprender. Mas isto, em absoluto, não é aprender; aprender é coisa totalmente diferente. No momento em que se começa a acumular, deixa-se de aprender. Pois só a mente que está fresca, que é nova, só a mente que observa com atenção, aprende.
Penso que devemos perceber a diferença entre estas duas coisas. O conhecimento técnico é acumulativo. A ele vai-se acrescentando mais e mais, e é com base nesse conhecimento que atuamos. Se são engenheiro, se são físico, tratam de acumular a maior soma possível de conhecimentos para trabalhar com base nesse conhecimento acumulado. E, por essa razão, nunca há liberdade. É sempre um agir com base no que se aprendeu, consoante o que se adquiriu. No nível do conhecimento técnico, tal ação, tal memória, tal processo acumulativo é absolutamente necessário. Mas nós estamos falando de coisa inteiramente diferente, ou seja que o observar com atenção não implica processo aditivo. Porque, se ficamos meramente adicionando, adquirindo, então, no minuto seguinte de nossa observação, observamos com base no que temos acumulado e, por conseguinte, já não estamos observando. Compreendam isso, por favor.
É importantíssimo compreender que, quando a mente está sempre acumulando, acrescentando algo a si própria e de tal base observando, então, tudo o que ela observa recebe o colorido do que antes foi aprendido, do conhecimento prévio. Essa mente, por conseguinte, é incapaz de compreender um fato novo. E a vida é sempre nova; o viver é algo totalmente novo, a cada minuto do dia. Mas, perdemos o frescor, esse extraordinário sentimento de vitalidade, de beleza, de imensidão, porque vamos sempre ao encontro da vida com nosso conhecimento acumulado e, consequentemente, nunca estamos aprendendo, porém, apenas adicionando mais alguma coisa às já existentes; com base nesse adicionamento, observamos as coisas, na esperança de aprender.
Assim, a mente que é séria, que está bem consciente da situação mundial, percebe que o mundo se acha num estado de angustiosa confusão. Nota-se um constante declínio em todas as nações; só uns poucos são capazes de funcionar inteligentemente, em liberdade talvez; os demais se limitam a imitar — são pobres imitações dos computadores, sua ação é ineficaz. A dor, a angústia, a ansiedade, o desespero é que são fatos, e não as crenças de vocês, suas esperanças, seus deuses; o fato do desespero, da ansiedade, da extraordinária persistência do sofrimento, sofrimento sem fim; a crescente animosidade e brutalidade — eis o mundo a que pertencem. A função da mente verdadeiramente séria é compreender a transcender esse mundo. A mente séria deve observá-lo. Isto é, vocês devem observar a si mesmos, porque vocês são o mundo; porque há em vocês angústia, sofrimento, solidão, desespero, ansiedade, medo, porque são impelidos pela ambição, a avidez, a inveja — vocês são esse mundo. Vocês não são o que pensam ser — que são Deus, etc. Isto é só absurda especulação. Vocês tem que partir dos fatos e tem de aprender a respeito de si mesmos.
Há, pois, diferença entre aprender e acumular conhecimento. O aprender é infinito, não há fim no aprender a respeito de si mesmo. E, por conseguinte, a mente que não está acumulando, porém aprendendo, é capaz de observar seus conflitos, suas tensões, suas dores e secretos desejos e temores. Se assim vocês fizeres, não acidentalmente, porém todos os dias, todos os minutos — e isso é possível — se vocês se mantiverem em constante observação, verão que adquirirão uma energia extraordinária. Porque então a autocontradição estará sendo compreendida.
Com a palavra "compreender" não me refiro a algo intelectual. A mente que está fragmentada nunca compreenderá nada. Quando digo que "compreendo uma certa coisa intelectualmente", o que realmente estou dizendo é que ouço a palavra e compreendo a palavra; isso nada tem a ver com a compreensão. Compreensão implica não só o aspecto semântico, isto é, o sentido da palavra, mas também a apreensão do inteiro conteúdo dessa palavra e de seu significado conforme se aplica a nós mesmos. A compreensão, pois, não é uma simples questão de "cerebração", mera atividade intelectual. Vocês só podem compreender alguma coisa, quando lhe aplicam a mente, o corpo, os sentidos, os olhos, os ouvidos, tudo. E dessa compreensão resulta a ação total, e não ação fragmentária, contraditória.
Nessas contradições, o que interessa — principalmente àqueles que são verdadeiramente sérios — é compreender. E a vida exige seriedade, pois não se pode viver neste mundo levianamente. Vocês não podem estar interessados apenas em suas próprias aflições, seus próprios divertimentos, seus próprios temores. Vocês são uma parte do mundo e devem compreender a si mesmos e isto constitui imensa tarefa. E quando são sérios, devem levar essa compreensão ao extremo, até perceberem tudo o que a existência implica.
E, também, o conflito é algo que temos de compreender — compreender, e não dominar. Não tentem negá-lo, não tentem fugir dele, porém, tratem de compreende-lo, de ver todo o seu significado, de perceber as várias contradições, na palavra, no pensamento, na ação. Em geral, vivemos vidas duplas, ou triplas, ou múltiplas! Funcionamos fragmentariamente, nosso existir é fragmentário; desejamos ser mundanos; desejamos ter todos os confortos que nos são devidos. O conforto, obviamente é necessário; mas, com esse conforto vem a exigência de segurança. Não só desejamos estar seguros em nossos empregos — reação natural e são — mas também desejamos estar seguros psicologicamente, interiormente.
É possível estar-se em segurança psicologicamente, em algum tempo — isto é, estarmos psicologicamente seguros em nossas relações e psicologicamente seguros em relação àquilo com que estamos identificados? A segurança exterior é evidentemente necessária. Exteriormente, é absolutamente necessário termos moradia, um lar, emprego; mas não nos contentamos com isso. Queremos estar em segurança interiormente, e nasce assim a ilusão. A partir desse momento, começa a desenrolar-se uma série de conflitos, de conflitos intermináveis.
Cumpre-nos, pois, descobrir a verdade em relação a essa formidável questão da segurança psicológica — sem procuramos saber o que outro qualquer diz. Psicologicamente, vemo-nos inseguros; por essa razão criamos deuses, deuses que se tornam nossa segurança permanente! Isso gera conflitos. Compreendem o que entendemos por "conflito"? Entendemos: a contradição; a ação fragmentária; os pensamentos que se chocam; os desejos conflitantes entre si; as exigências contraditórias; as pressões do mundo e a exigência interior de viver em paz com o mundo; a aspiração a encontrar algo além da existência diária, monótona, estúpida; o ver-nos presos na engrenagem da existência diária e desesperadora; o nunca termos uma solução para o nosso desespero; a angústia imensa, não apenas pessoal, mas também a angústia do mundo, e nunca encontrarmos uma saída dessa angústia. Eis todos os fatores que geram a contradição — dos quais podemos estar conscientes ou não. Onde a mente se acha em contradição, tem de haver conflito.
E, muito evidentemente, a mente que se acha em conflito não pode ir adiante; poderá prosseguir na ilusão, mas não é capaz de avançar para descobrir se algo existe além do tempo, além da medida humana. Sem dúvida, esta é a função da religião. A função da mente religiosa é descobrir o verdadeiro. E a verdade não pode ser encontrada num templo ou num livro, por mais venerado que ele seja. Vocês têm de descobrir por seus próprios meios. Não podem comprá-la com lágrimas, com orações, com repetições, com rituais; por esse caminho se vai ao absurdo, à ilusão, à insanidade.
A mente séria, por conseguinte, deve estar cônscia desse conflito. Com "estar cônscio" quero dizer, observar, escutar. Escutar é uma arte. Com efeito, é uma arte extraordinária o escutar um som. Não sei se vocês já escutaram um som — o som de um pássaro pousado numa árvore, ou o distante buzinar de um carro. Pelo escutar — não pelo julgar, pelo identificar tal som com determinada ave ou determinado carro ou determinado rádio da casa mais próxima, porém, pelo simples escutar, verão — se assim souberem escutar — como se tornarão extraordinariamente sensíveis. A mente se torna sobremodo alerta quando escutamos simplesmente — isto é, não interpretando o que ouvimos, não tentando traduzi-lo, não o identificando com o que já conhecemos — pois isso nos impede de escutar. Mas, se escutarem simplesmente — escutarem seus pensamentos, suas exigências, o desespero de suas existências, não tentando interpretar, traduzir nada, não tentando fazer alguma coisa em relação ao que se escuta — verão que a mente de vocês se tornará sobremodo lúcida.
E só a mente lúcida, a mente sã, racional, lógica, em que não há conflito, consciente ou inconsciente — só essa mente pode prosseguir até descobrir, por si própria, se existe uma Realidade. Só essa mente é religiosa. E só essa mente pode resolver os problemas do mundo. Os problemas do mundo são inumeráveis e estão se multiplicando. E se vocês não forem capazes de resolvê-los lógica, equilibrada, sadiamente, com o espírito de vocês de todo livre de conflito, estarão apenas criando mais confusão, mais angústias para o mundo e para vocês mesmos.
A primeira coisa, por conseguinte, que nos cumpre fazer é observar com atenção, todas as murmurações, todos os temores, ilusões, desesperos do próprio ser de vocês. E verão então, por si mesmos — e para isso vocês não necessitam de provas, nem de gurus, nem de livros sagrados — se a Realidade existe. E encontrarão aí, um extraordinário sentimento de libertação do sofrimento. Aí existe a claridade, a beleza e aquela coisa que está faltando hoje à mente humana: o amor, a afeição.
Madrasta, 12 de janeiro de 1964
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill