Compreender o
que é
requer um estado mental em que não haja identificação ou condenação, o que
significa mente alerta, embora passiva. Esse estado mental acontece quando
realmente desejamos compreender algo e quando há um interesse intenso, quando
nos interessamos por compreender o que é; nesse estado mental verdadeiro
não é preciso forçar, disciplinar ou controlar a mente; pelo contrário, ela se
torna passivamente alerta, vigilante. Esse estado de percepção acontece quando
há interesse, a intenção de compreender.
A fundamental
compreensão de nós mesmos não vem por meio do conhecimento ou do acúmulo de
experiências, que não são mais do que o cultivo da memória. Esse autoconhecimento
acontece momento por momento. Se apenas acumularmos esse autoconhecimento, ele
próprio impedirá a aquisição de mais compreensão, porque o acumulo de
conhecimento e experiência torna-se o centro por meio do qual o pensamento se
concentra e tem sua existência. O mundo de não é diferente de nós e de nossas
atividades porque é o que somos, e isso é o que cria os problemas mundiais. A
maior dificuldade da maioria de nós é não nos conhecermos diretamente e
buscarmos um sistema, um método, um meio de operação que possam resolver os
muitos problemas humanos.
Existe um
sistema, isto é, um meio, que nos ajude adquirir autoconhecimento? Qualquer
pessoa inteligente, qualquer filósofo, pode inventar um sistema, um método, mas
seguir um sistema apenas produzirá um resultado criado por esse sistema, não é
verdade? Se eu seguir determinado método para conhecer a mim mesmo, terei o
resultado que ele exige, mas esse resultado, obviamente, não será a compreensão
de mim mesmo. Ao seguir um método, um sistema, um meio para conhecer a mim
mesmo, moldo meu pensamento, minhas atividades, de acordo com um padrão, mas
seguir um padrão não me leva ao autoconhecimento.
Então, vemos
que não há um método para o autoconhecimento. Buscar um método invariavelmente
indica o desejo de se alcançar um resultado, e é isso o que todos nós queremos.
Seguimos a autoridade — de uma pessoa, de um sistema, de uma ideologia — porque
queremos um resultado que seja satisfatório, que nos dê segurança. Não
queremos, de fato, compreender a nós mesmos, nossos impulsos e reações, todo o
processo de nosso pensamento, tanto o consciente quanto o inconsciente, então
preferimos seguir um sistema que nos garanta um resultado. Mas seguir um
sistema é sempre o produto de nosso desejo de segurança, de certeza, e o
resultado, naturalmente, não é a compreensão de nós mesmos. Quando seguimos um
método, obrigatoriamente estamos seguindo uma autoridade — o professor, o guru,
o salvador, o mestre — que nos garantirá que conseguiremos o que desejamos, e,
evidentemente, esse não é o caminho para o autoconhecimento.
A autoridade
impede a autocompreensão, não é verdade? Sob a proteção de uma autoridade, de
um guia, podemos ter uma sensação temporária de segurança, de bem-estar, mas
isso não é a compreensão de nosso processo total. A autoridade, pela própria
natureza, impede-nos de ter a completa autopercepção e, desse modo, acaba por
destruir a liberdade. E só pode haver criatividade quando há liberdade. Só
podemos ser criativos por intermédio do autoconhecimento. A maioria de nós não
é criativa; somos máquinas repetitivas, simples discos tocando sem parar as
mesmas canções de nossa experiência, de certas conclusões e lembranças, sejam
nossas ou de outra pessoa. Essa repetição não é uma existência criativa, mas é
isso o que queremos. Como queremos segurança interna, estamos constantemente
procurando métodos e meios que nos proporcionem essa segurança e, assim,
criamos a autoridade, a adoração de outros, o que destrói a compreensão, essa
tranquilidade espontânea da mente, o único estado em que pode haver
criatividade. Não há dúvida de que nosso problema é que perdemos esse senso de
criatividade. Ser criativo não significa pintar quadros ou escrever poesias.
Isso não é criatividade, mas, simplesmente a capacidade de expressar uma ideia,
que o público tanto pode aplaudir, quanto ignorar. Capacidade e criatividade
não devem ser confundidas. Criatividade é um estado no qual o eu está ausente,
no qual a mente não é mais o foco de nossos desejos, experiências, ambições e
buscas. Criatividade não é um estado contínuo; é novo a cada momento, é um
movimento em que não existem o “eu”, o “mim”, em que o pensamento não está
focalizando nenhuma experiência em particular, nenhuma ambição ou realização,
nenhum propósito ou motivo. Só quando o eu está ausente é que pode haver
criatividade, e é apenas nesse estado mental que pode haver realidade, a
criadora de todas as coisas. Esse estado, porém, não pode ser concebido ou
imaginado, não pode ser formulado ou copiado, não pode ser alcançado por meio de
qualquer sistema, filosofia ou disciplina; pelo contrário, acontece apenas pela
compreensão do processo total de nós mesmos.
Essa compreensão
não é um resultado, uma culminância, é cada um de nós ver a si mesmo, momento
após momento, no espelho do relacionamento — no relacionamento com os bens, com
as coisas, pessoas e ideias. Mas consideramos difícil permanecer atentos, cônscios,
e preferimos embotar nossa mente, seguindo um método, aceitando autoridades,
superstições e teorias gratificantes. Assim, a mente enfraquece, torna-se
exausta e insensível. Uma mente assim não pode estar em um estado de
criatividade, porque esse estado só acontece quando o eu, que é o processo de
identificação e acúmulo, deixa de existir, pois, afinal, a consciência do “eu”,
do “mim”, é o centro da identificação, e identificação é meramente o processo
de acumulação de experiência.
Mas todos nós
temos medo de não ser nada, todos queremos ser alguma coisa. O homenzinho quer
ser um homem grande, o que não tem virtude quer ser virtuoso, o fraco e obscuro
deseja poder, posição e autoridade. Essa é a atividade incessante da mente. Uma
mente assim nunca fica em silêncio; portanto, não consegue compreender o estado
de criatividade.
A fim de
transformar o mundo que nos rodeia, com suas misérias, suas guerras,
desemprego, fome, divisão de classes e profunda confusão, é preciso que ocorra
uma transformação em cada um de nós. A revolução deve começar dentro de cada
um, mas não de acordo com uma crença ou ideologia, porque uma revolução baseada
em ideias, ou em conformidade com determinado padrão, não é revolução,
absolutamente. Para causar uma revolução fundamental em nós mesmos precisamos
compreender o processo total de nossos pensamentos e sentimentos no
relacionamento uns com os outros. Não ter mais disciplinas, crenças, ideologias
e professores, essa é a única solução para todos os nossos problemas. Se
pudermos compreender a nós mesmos, como somos, a cada momento, sem o processo
de acumulo, então alcançaremos a tranquilidade que não é imaginada, nem
cultivada, o único estado em que pode haver criatividade.
Krishnamurti