O casamento como costume, como cultivo do prazer habitual, é um fator de deterioração, porque no hábito não há amor.
Só para os muitos, muitos poucos que amam, a relação conjugal tem significação, e então é indestrutível, então não é mero hábito ou mera conveniência nem está baseada na necessidade biológica, sexual. Nesse amor que é incondicional foram fusionadas as identidades, e numa relação assim há uma cura possível, há esperança.
Só para os muitos, muitos poucos que amam, a relação conjugal tem significação, e então é indestrutível, então não é mero hábito ou mera conveniência nem está baseada na necessidade biológica, sexual. Nesse amor que é incondicional foram fusionadas as identidades, e numa relação assim há uma cura possível, há esperança.
Porém, para a maioria de vocês, na relação conjugal não há fusão. Para unir entre si as identidades separadas, tanto o marido como a esposa tem que conhecer a si mesmos. Isso significa amar. Porém, não há amor, o qual é um fato óbvio. O amor é sempre puro, novo, não é mera gratificação nem mero hábito. O amor é incondicional. E não é assim como vocês tratam a suas esposas ou maridos, verdade? Cada qual vive em seu próprio isolamento, e ambos tem estabelecido seus hábitos de prazer sexual assegurado. O que ocorre ao homem que tem uma renda financeira assegurada? É óbvio que se deteriora. Não o tem notado? Observem ao home que tem uma renda assegurada e de pronto notarão com quanta rapidez sua mente se deteriora. Pode ter uma grande posição, pode haver adquirido uma reputação por sua inteligência, porém, a plenitude da alegria de viver lhe tem abandonado.
De igual modo, no matrimonio de vocês há uma permanente fonte de prazer, um hábito sem compreensão, sem amor, e estão forçados a viver nessas condições. Não estou lhes dizendo o que devem fazer, senão que primeiramente considerem o problema. Pensam que isto está correto? Não quer dizer que você deva se livrar de sua mulher e buscar alguma outra. Que significado tem esta relação? Certamente, amar é estar em comunicação com alguém, porém, você está em comunicação com sua esposa, exceto fisicamente? Salvo nesse aspecto físico, a conhece? E ela, conhece a você? Por acaso não estão ambos isolados, cada qual perseguindo seus próprios interesses, suas próprias ambições e necessidades, cada qual buscando no outro suas gratificações, sua segurança econômica ou psicológica? Uma relação semelhante não é relação em absoluto; é um processo mutuo de necessidades psicológicas, biológicas e econômicas em que ambos se fecham isolando-se um do outro, e o resultado óbvio é o conflito, a infelicidade, as repressões, o temor possessivo, o ciúme e demais.
Por conseguinte, o matrimonio como costume, como cultivo do prazer habitual, é um fator de deterioração, porque no hábito não há amor. O amor não é uma questão de hábito; é algo feliz, criativo, sempre novo. Em consequência, o hábito é o contrário do amor, porém, vocês são prisioneiros do hábito e, naturalmente, a relação habitual que tem com o outro é uma relação opaca, apagada. Voltemos, pois, à questão fundamental, ou seja, que a reforma da sociedade depende de vocês, não da legislação. A legislação só pode contribuir a fomentar o hábito o amoldamento. Portanto, cada um de vocês, como indivíduo responsável que vivem em relação, tem que fazer algo, tem que atuar, e só poderá atuar quando houver um despertar de sua mente e seu coração. Vejo que alguns inclinam a cabeça em sinal de acordo comigo, porém, o fato óbvio é que não querem assumir a responsabilidade da transformação, da mudança; não desejam afrontar o transtorno de descobrir o modo de viver retamente. Portanto, o problema continua; seguem adiante com suas brigas, e finalmente morrem. E quando morrem há alguém que chora, não pelo companheiro ou companheira que morreu, senão por sua própria solidão. Vocês continuam iguais, não mudam, e pensam que são seres humanos capazes de legislar, de ocupar altas posições, de falar acerca de Deus, de encontrar uma maneira de deter as guerras, etc. Nenhuma destas coisas significa nada, porque vocês não estão resolvendo nenhum dos problemas fundamentais.
Krishnamurti – Obras Completas – Volume V – Nova Délhi, Índia, 19 de dezembro de 1948