Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

Mostrando postagens com marcador relação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador relação. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 19 de abril de 2018

A mente religiosa e o correto estado de relação


A mente religiosa e o correto estado de relação

[...] Para mim, o mais importante na vida é termos uma mente religiosa, porque, então, tudo o mais entra no correto estado de relação — tudo; ocupações, saúde, casamento, sexo, amor, e os inumeráveis problemas e tribulações que a vida nos oferece — tudo é compreendido. A mente religiosa não é uma coisa facilmente alcançável, mediante a leitura de uns poucos livros, a audição de uma série de palestras, ou pelo nos exercitarmos para uma certa postura. Mas, eu acho que nós precisamos de uma mente assim, e Oxalá possamos encontrá-la no decorrer destas palestras — não deliberadamente, não mediante qualquer espécie de cultivo, ou pelo desenvolvimento de certa capacidade, mas encontrá-la "no escuro", inesperadamente, sem o sentirmos.

A mente, que inclui tanto o consciente como o inconsciente, é, como já observamos, um vasto campo de contradição. Está toda envolvida em ingente luta, dilacerada por muitos conflitos, batalhas, choques do desejo; e, em tais condições, a mente não tem possibilidade de compreender o que significa ser religioso. O que quer que faça — se vai à igreja, se lê livros sagrados, ou se executa qualquer das demais coisas que costumamos fazer, em nossas pueris tentativas para descobrir se há Deus, se há vida futura, etc. — essa mente nunca encontrará aquele extraordinário estado religioso. Eis porque acho tão importante, principalmente durante estas três semanas, que estejamos profundamente apercebidos deste campo interior de conflito. Parece-me que são raros os que estão perfeitamente apercebidos desta batalha incessante que se trava continuamente dentro de cada um de nós; e, como estive mostrando outro dia, o importante não é o que cumpre fazer em relação a isso, porém o importante é que o vejamos, porque o próprio ato de ver a coisa é libertador.

Desejo, pois, nesta manhã, apreciar o fato relativo ao conflito e à degeneração — pois os dois andam juntos, não são separados. Onde há conflito, consciente ou inconsciente, profundo ou superficial, ele destrói a sensibilidade, a sutileza, a agilidade da mente. O conflito produz embotamento, insensibilidade. Por conflito entendo "ter problemas"; e, para estarmos livres de conflito, de contradições, temos, por certo, de compreender essa coisa que se chama "consciência", "mente" — a coisa que somos.

Vou examinar isso, não teórica, abstratamente ou de maneira explicativa, mas examiná-lo — assim espero — com vossa cooperação. Isto é, vós e eu iremos "viajar" juntos; não ireis apenas escutar-me, porém, no próprio ato de escutar, observar o mecanismo de vossa própria consciência.

Como sabeis, há duas maneiras de olhar uma coisa. Ou a olhamos, porque nos disseram que devemos olhar e o que devemos procurar; ou olhamos porque desejamos descobrir, e, assim, pomo-nos a caminho para descobrir. Quando sentis fome, tratais de comer, ninguém precisa dizer-vos nada. Mas, o dizerem-vos que deveis comer e o sentirdes fome são duas coisas inteiramente diferentes. Este ponto, pois, nos deve ficar bem claro. Não estou dizendo que deveis olhar ou o que deveis procurar, mas vamos olhar juntos, e juntos vamos descobrir. Isso será para cada um de nós uma experiência "de primeira mão", porque nenhum de nós está dirigindo o outro. Espero que isto esteja claro.

Este é um problema muito complexo, e para o examinarmos necessitamos de uma mente que seja capaz de olhar, de observar, sem logo dizer: "O que estou vendo me agrada, gosto disso", ou "Não me agrada, não gosto disso." Necessitamos de uma mente "científica", uma mente que não desfigure, que não dê colorido àquilo que vê. O importante é produzir uma transformação no mesmo mecanismo de nosso pensar, na própria matriz, na própria composição da mente. É necessária uma revolução — não revolução econômica ou social, porém revolução na consciência, no verdadeiro centro de nosso ser; e tal revolução só pode ocorrer quando se compreende esta questão do conflito. O conflito, em qualquer nível da consciência, superficial ou profundo, é o fator da deterioração.

Não aceiteis isto, simplesmente; não aceiteis nada do que diz este orador. Mas tratemos de examinar juntos este problema do conflito, palavra que para mim significa auto-contradição, autopiedade, e impulso para o preenchimento, com sua inevitável frustração. Há ajustamento, imitação, e a contradição inerente ao desejar alterar o que é para outra coisa que chamamos "o ideal" — a contradição entre o que eu sou e o que eu deveria ser. A contradição envolve competição, o desejo de ser uma pessoa admirável, famosa, com todas as concomitantes lutas, o batalhar, o ansiar, o medo de não ser algo, a agonia do desespero; tudo isso, e muito mais ainda, está contido na palavra "contradição", e é o fator da deterioração.

Somos educados para viver em conflito perpétuo: econômica, moral e espiritualmente, nossa sociedade está baseada no conflito, e todos os instrutores religiosos nos têm dito que devemos disciplinar-nos, que devemos lutar para sermos ou nos tornarmos algo. Temos sempre o modelo, o herói nacional ou religioso; imitamos o santo, o Salvador, aquele que atingiu a meta; há sempre esse abismo entre o homem que sabe e o homem que não sabe e se acha numa luta perpétua para saber: o estúpido que luta para se tornar inteligente. Tal é a estrutura psicológica de nossa sociedade. Somos impelidos pela ambição, adoramos o sucesso e condenamos o malogro; multiplicamos nossas angústias e vivemos numa luta incessante para nos libertarmos delas.

Esta batalha se trava continuamente, quer estejamos dormindo, quer acordados, quer saiamos a passeio, quer fiquemos sentados, imóveis. Tal é nosso destino; para ele fomos educados, e o aceitamos. É o estado em que vivemos. Nessas condições, a mente nunca está lúcida, porém sempre confusa, sempre em contradição consigo mesma.

Observai, por favor, vosso próprio estado. Mas, de que maneira vos observais? Observais como um observador que observa algo separado dele próprio, caso em que há uma divisão, uma contradição entre o observador e a coisa observada? Ou observais sem a presença do observador? Segui isto, por favor, porque é importante. Quando estamos observando o mecanismo extremamente complexo de nossa própria consciência, cuja vera essência é o conflito, devemos compreender o que entendemos por olhar, observar. Estou certo que a maioria de nós observa como alguém que o faz pelo lado de fora a olhar para dentro. Estais apercebidos de vossos conflitos, e estais a observá-los como censor, como juiz, como observador separado da coisa observada. É isso o que em geral fazemos, e é isso o que nos impede de compreender esta coisa tão complexa que se chama "conflito" — seu enorme peso e conteúdo, suas variedades. Quando observais como quem está de fora a olhar para dentro, criais, sem dúvida, conflito, não achais? Não estais compreendendo o conflito, porém, apenas, tornando-o maior. Apercebido do conflito existente em si próprio, o observador diz: "Preciso alterar isto; não gosto de conflito. Gosto do prazer". O observador, pois, tem sempre essa atitude de julgar, de censurar, e, quando se observa dessa maneira, não se está compreendendo o conflito; pelo contrário, ele está sendo multiplicado. Tornei bem claro este ponto?

Para mim, todo o mecanismo psicanalítico redunda em intensificação do conflito, e não pode dar a libertação do conflito. Eu gostaria que percebêsseis este fato, de uma vez por todas, que percebêsseis sua verdade e beleza, pois saberíeis, então, o que significa olhar, não com olhos de censor, porém, olhar, simplesmente. Se olhardes com olhos de censor, ireis aumentar vosso conflito; mas, se observardes, sem ser de um centro, começareis a compreender esse "mecanismo" extraordinário que se chama a consciência, que é a própria essência do conflito, da luta, que é um lutar incessante para "vir a ser", reprimir, alcançar.

Observais aquelas montanhas cobertas de neve, aqueles morros e vales, e a terra verde; e como os observais? Vede-os de um centro que analisa? Ou vedes, simplesmente, sua beleza extraordinária? Há, decerto, diferença entre percepção e análise. Se se vê com certa clareza esta diferença, então, ficará também claro que a análise não produz nenhuma revolução. A análise poderá ajudar-vos a ajustar-vos à sociedade, a remover algumas de vossas peculiaridades, de vossas idiossincrasias, de vossas neuroses; mas não é disso que estamos tratando. Estamos falando de coisa muito mais fundamental do que o mero ajustamento a uma sociedade corrompida. Análise supõe analista e coisa analisada. O analista é o censor, o juiz que examina, que interpreta, que condena ou aprova o que se está vendo, e, por conseguinte, cria mais conflito. Não é isso, absolutamente, o que estamos fazendo; estamos fazendo coisa completamente diferente, isto é, tratando de compreender o conflito existente, não só no exterior, no mundo, mas também em nosso interior. Estou empregando a palavra "compreender" no sentido de "observar sem tomar posição". Quando assim procedeis, já tendes um campo de observação em que não existe conflito. Não sei se estais percebendo a verdade disso.

Sabeis tão bem como eu que há conflito exterior. Uma nação está colocada contra outra nação, e os governos soberanos, com seus exércitos, se acham constantemente na iminência de guerra. Vemos competição, antagonismo criado pelas divisões de raça e de classe, e a batalha constante do Oriente com o Ocidente, dos que estão bem nutridos com os milhões que padecem fome na Ásia. Observa-se um "explosivo" aumento de população, com sua ameaça de fome geral, e a sombra temerosa de uma guerra nuclear. Tudo isso são fatos óbvios, está nos lábios de todos os políticos, de todos os reformadores — a guerra fria que ora se verifica e que, a qualquer momento, poderá tornar-se "quente".

E há, também, a batalha interior que se trava em cada um de nós: autocontradições, problemas não resolvidos e aqueles que só foram temporariamente resolvidos — produzindo, tudo isso, sua marca na mente. Desejamos ser pessoa importante, famoso pintor, escritor, orador, importante homem de negócios, e, se não o conseguimos, sentimo-nos frustrados — o que acarreta mais outra forma de conflito.

Temos, pois, conflito exterior e conflito interior; e o exterior não difere essencialmente do interior. São ambos parte do mesmo movimento, semelhante ao vaivém da maré. Separá-los é coisa absurda, estúpida, porque são uma só e mesma coisa. Deveis atender ao problema como um todo, e não dividi-lo em "interior" e "exterior"; do contrário, nunca sereis capaz de compreendê-lo. No momento em que separais o exterior do interior, aumentastes o conflito em que vos vedes envolvido.

Ora bem, vendo-se essa batalha incessante, essa autocontradição de cada um, que cumpre fazer? O conflito interior poderá envidar um certo esforço, produzir um certo resultado. Pode, e não raro o faz, produzir quadros, poemas, literatura, movimentos religiosos (assim chamados), mas tudo isso permanece no campo do conflito, é fator de degeneração. "Ajuda" outros a degenerar. Isto é bem óbvio. Assim, toda forma de conflito, quer dele estejamos apercebidos, quer não, e toda ação resultante desse conflito, constituem fator de degeneração.

Por favor, não aceiteis o que estou dizendo, porque, aceitá-lo significa apenas concordar verbalmente; e aqui não estamos para concordar ou discordar verbalmente. Isto aqui não é uma sociedade de debates.

Vede, há séculos e séculos que estamos sendo criados nesta ideia de que precisamos lutar para ser ou alcançar algo. Lutamos para ter êxito neste mundo, e pensamos também que pelo conflito alcançaremos a divindade, ou criaremos algo, no sentido artístico ou religioso. Vede os inumeráveis santos que consigo mesmos batalharam para alcançar um estado considerado espiritual, e como tal reconhecido pelas igrejas. O conflito, pois, é uma "instituição" veneranda, coisa divinizada por nós. Vemo-lo representado em antigas pinturas egípcias e nas cavernas de Lescaux, onde se retrata o homem em batalha com os animais, o bem contra o mal, na esperança de que o bem prevaleça sobre o mal. O conflito é um processo histórico; é como uma vaga descomunal que constantemente nos colhe — e dessa vaga fazemos parte.

Ora, para vermos o conflito — esse mecanismo histórico-social de que fazemos parte — como fator deteriorante, necessitamos de muita atenção e de verdadeira inteligência. Em maioria, não reconhecemos o conflito como fator de deterioração, porque nos habituamos a ele. Na escola, nos negócios, em tudo o que fazemos, o conflito, a rivalidade é nossa maneira de vida, e ninguém quer admitir que ele seja profundamente destrutivo. Uns poucos poderão admiti-lo teoricamente, mas não de fato. Assim, examinemos isso.

Como disse, há muitas variedades de conflito. As pessoas ditas religiosas têm suas variadas disciplinas. Controlam, subjugam a si próprias; ajustam-se a um padrão que chamam espiritual, ou imitam um certo herói; aceitam a autoridade de um salvador, de um instrutor e, de acordo com seus ditames, lutam para viver. Se são verdadeiramente sérias — como os monges cristãos e certas pessoas da Índia que renunciaram ao mundo — sua vida é uma perene batalha de autocontrole, autodisciplina.

E, consideremos nossa própria vida. Alguns dentre vós talvez fumem. Podeis achar absurdo ser-se escravo de um hábito; entretanto, quanto vos é difícil abandonar uma coisa tão insignificante como o hábito de fumar, quantas torturas isso vos custa! Daí resulta conflito; e, naturalmente, quando se trata de coisas mais emocionais, como o sexo, etc., o conflito se torna indizível agonia. Mas, estais acostumados com o conflito, que se vos tornou hábito, vossa maneira de vida. O conflito foi santificado, tornou-se respeitável; e, se vem uma pessoa, como eu, dizer-vos que se pode viver sem conflito, ou vos tornais sardônico e dizeis "Pobre coitado!", ou procurais imitar sua maneira de vida e, por conseguinte, de novo vos vedes em conflito.

Como disse, quer estejamos apercebidos disso, quer não, a totalidade da consciência, tudo isso que chamamos pensamento, é conflito — pensamento como palavra, como símbolo, pensamento como reação da memória, não só a memória de ontem, mas a de muitos milhares de dias passados. E, se não pensásseis, que aconteceria? Ficaríeis vegetando, satisfeito com o que sois, qual uma vaca? Ou "não pensar nada" representa um estado extraordinariamente vital, significando que compreendestes e vos libertastes completamente dessa reação mecânica da memória, que é o cérebro, a "responder" com todas as suas acumulações de experiência, na forma de conhecimento?

Em geral, desistimos do esforço de nos libertarmos do conflito e deixamo-nos levar pela corrente, permitindo, assim, que a mente se embote; e se o conflito se torna demasiado doloroso, recorremos a uma crença em Deus, esperando, dessa maneira, encontrar a paz; mas isso, mais cedo ou mais tarde, se torna outra fonte de conflito. Ou, receando que, se nenhum conflito tivéssemos, iríamos vegetar, embotar-nos, quedar-nos satisfeitos, conservamos bem afiado o gume do conflito, argumentando intelectualmente com outros, lendo e instruindo-nos sobre as mais variadas matérias. Mas, há uma maneira de nos abeirarmos deste problema, que requer inteligência na forma mais elevada, a mais alta sensibilidade, e esta maneira é: observar, estar apercebido da totalidade desse mecanismo de conflito, sem fazer escolha. Se nele entrardes, vereis que, nesse estado de percebimento, vossa mente compreende imediatamente todo problema que surge, de modo que não se proporciona ao conflito solo para enraizar-se.

Pois bem. É sobre isto que vou falar, e não sobre como fugir ao conflito — o que, afinal, é o que fazeis, recorrendo ao vosso deus predileto ou ao vosso analista favorito; vou falar sobre como compreender negativamente todo esse mecanismo de conflito. Por compreensão negativa entendo o estado em que a mente olha um problema, ou uma montanha, sem "verbalizar": ela, apenas, olha. É o estado da mente que não interpreta, que não censura ou escolhe, mas está apercebida sem escolha. A mente, então, não diz: "Gosto disto e não gosto daquilo" — porém apenas observa com uma atenção total; e nesse estado mental vereis que toda espécie de conflito, em qualquer nível de vosso ser, terminará. A mente sem conflito é a única mente religiosa; mas, ainda não conheceis esse estado. E por mais encantados que vos sintais com minha descrição, isso nenhum valor tem.

Para o homem ou a mulher que deseja verdadeiramente compreender a beleza, o extraordinário significado de uma vida livre de conflito — e eu digo que essa vida é possível — a coisa mais importante é que se esteja totalmente apercebida da totalidade do conteúdo da consciência. Estar "totalmente apercebido" não significa analisar, porém, simplesmente, observar. E aí está nossa maior dificuldade, porquanto, através de um milênio de hábito, vimos sendo exercitados para julgar, para condenar, para comparar, para identificar-nos; esta é nossa reação instintiva e, por conseguinte, nunca observamos realmente.

Assim, podeis, vós que viveis num mundo feito de conflito, que mantém o conflito através de preenchimentos e frustrações, e que exige que também vivais em conflito, num estado de auto-contradição — podeis, pela compreensão, pela sensibilidade a todo esse mecanismo, ficar totalmente livres de conflito? Por certo, só a mente sem problemas, sem as cicatrizes do conflito, é inocente; e só a mente inocente pode conhecer o Imensurável.

Krishnamurti, Saanen, 9 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho


Estamos, de fato, em relação com alguém?


Estamos, de fato, em relação com alguém?

[...] PERGUNTA: Qual a relação do indivíduo com a sociedade?

KRISHNAMURTI: Qual a relação do indivíduo — o indivíduo real, a cujo respeito tenho falado — com a sociedade? E qual a nossa relação atual — a relação do chamado "indivíduo" — com a sociedade? E que se entende por "relação"?

Comecemos com a "relação". Que se entende por esta palavra? Estar em relação é estar em contato, em comunhão com outro que me entende e a quem eu entendo; é ter camaradagem, amizade com outro. Quer se trate da relação de marido e mulher, entre pai e filho, quer da relação do indivíduo com a sociedade, tal palavra tem para nós um sentido de comunhão, de contato, fraco ou forte, superficial ou profundo. Penso ser isso o que em geral entendemos por "relação".

Ora, nós estamos em relação com alguém? Estais em relação com vossa mulher ou marido? Por favor, investigai esta questão, sem meramente presumirdes que estais. Para estardes em relação com alguém, deveis estar em contato com a pessoa, não apenas fisicamente, mas também emocional, intelectualmente — em todos os níveis. E estamos? Parece-me que não. Nossas atitudes, nossas atividades, nossas arrogâncias, nosso orgulho, nos isolam; e, nesse estado de isolamento, procuramos estabelecer uma relação com outro, com a sociedade. Isto é um fato, não é invenção minha. Nós gostaríamos de estar em relação, mas não estamos. Nesse "mecanismo" que chamamos "relações" — as quais constituem a sociedade — julgamo-nos indivíduos, porque temos nome, família, conta no banco; nossos rostos diferem, trajamo-nos diferentemente, etc. etc. Tudo isso nos dá um peculiar sentimento de individualidade. Mas, somos indivíduos reais, ou mero produto condicionado de determinada sociedade, de determinadas influências ambientes?

Ser indivíduo é ser único, interiormente distinto, tranquilo, só. A mente que está só encontra-se liberta de todo o seu condicionamento. E qual a sua relação com a mente que se acha condicionada? Qual a relação de uma mente que é livre, com outra que não o é? Pode haver relação entre elas? Se vós vedes e eu não vejo, que relação há entre nós? Podeis ajudar-me, guiar-me, dizer-me isto, aquilo ou aquilo outro; mas só pode haver entre nós um estado de relação, no exato sentido da palavra, quando ambos vemos, isto é, quando podemos comungar imediatamente, no mesmo nível e ao mesmo tempo. Só então, por certo, há possibilidade de comunhão — que é amor, não achais?

Krishnamurti, Saanen, 7 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Deixe uma metade do seu livro aberta

(...) Não vou dizer que a sua vida deveria ser um livro aberto. Alguns capítulos abertos, tudo bem. E alguns capítulos totalmente fechados, um mistério total. Se todo o seu livro estiver aberto, você será unicamente o dia sem noite, verão sem inverno. Onde poderá descansar, concentrar-se e procurar refúgio? Para onde poderá ir quando o mundo se tornar insuportável? Onde ir para orar e meditar? Não, metade de cada é perfeito. Deixe uma metade do seu livro aberta — aberta a toda a gente, à disposição de toda a gente — e deixe que a outra metade do seu livro seja tão secreta que só alguns raros convidados possam ter acesso. Só muito raramente será permitido que entrem no seu templo. É assim que deverá ser. Se houver uma multidão a entrar e a sair, então o templo deixará de ser um templo. Poderá ser uma sala de espera num aeroporto, mas não poderá ser um templo. Só raramente, muito raramente, deixe que alguém entre no seu eu. É isso que é o amor.

Temos sempre vivido com os outros. A partir do momento em que a criança deixa o ventre materno, nunca está sozinha — está com a mãe, com a família, com os amigos, com as pessoas. O círculo dos conhecidos, das amizades, das relações vai-se alargando e à sua volta junta-se uma multidão. É a isso que chamamos vida. E quantas mais pessoas houver na sua vida, mais você julga que tem uma vida cheia.

Quando começa a interiorizar-se, todos esses rostos começam a desvanecer-se, toda essa multidão se dispersa. Terá de dizer adeus a toda a gente: até aos seus amigos mais íntimos, ao seu amante, terá de dizer adeus. Chega um momento em que nem sequer o seu amante poderá estar consigo. Esse é o momento em que você volta a entrar no mesmo espaço, como se estivesse no ventre da sua mãe. Mas nessa altura não conhecia a multidão e por isso nunca se sentia sozinho. A criança sente-se perfeitamente feliz no ventre da mãe, porque não existe comparação, tudo é alegria. E como não conhece o outro, não pode sentir-se triste ou só — não tem qualquer ideia. Esta é a única realidade que a criança conhece.

Mas agora você conhece a multidão, as relações, as alegrias e as misérias das relações, e ambas estão presentes. Ao interiorizar-se, o mundo começa a desaparecer, torna-se como um eco, e em breve até o eco desaparece e a pessoa sente-se completamente perdida. Mas isso não passa de uma interpretação. Se conseguir continuar ainda mais um pouco, encontrar-se-á a si próprio de repente — pela primeira vez encontrar-se-á a si próprio. Depois terá uma surpresa: você andava perdido na multidão; agora já não está perdido. Andava perdido na selva das relações e agora voltou para casa. E depois pode novamente regressar ao mundo, mas nunca mais será o mesmo.

Relacionar-se-á, mas ficará independente; amará, mas o seu amor não será uma necessidade; amará, mas não possuirá nem será ciumento. E o amor é divino quando está isento de sentimentos de ciúme e de posse. Você estará com as pessoas. De fato, só então estará com as pessoas pelo que você é; então pode estar com as pessoas. Primeiro, não estava, pelo que qualquer ideia de estar com as pessoas era puramente ilusória, uma espécie de sonho.

A menos que assim seja, como pode você relacionar-se e estar com o outro? É unicamente uma ficção que nós criamos; é uma ilusão.

A menos que esteja centrado, a menos que saiba quem você é, não pode relacionar-se verdadeiramente. Todo o relacionamento que continua sem o autoconhecimento é apenas uma ilusão. O outro pensa que está a relacionar-se consigo, você pensa que está a relacionar-se com ele; nem você se conhece a si próprio nem o outro se conhece a si próprio. Então que é que se relaciona com quem? Não há ninguém! Apenas duas sombras a brincarem. E ambos são sombras, pelo que não há substância no relacionamento. É isso que vejo constantemente: as pessoas relacionam-se, mas não há nada de substancial. Relacionam-se porque têm medo de, se não se relacionarem, cair na solidão e de se sentirem perdidas, por isso saltam para uma nova relação. Qualquer tipo de relacionamento é melhor do que nenhum relacionamento; é bom, nem que seja uma inimizade; pelo menos a pessoa sente-se ocupada. O seu suposto amor não é mais do que uma espécie de inimizade, uma maneira delicada de lutar, de se debater, de dominar, uma maneira civilizada de se torturar um ao outro, de discutir.

Portanto, você tem de entrar nesse espaço. Ganhe coragem e entre nele. Mesmo que pareça muito triste e muito solitário, não há nada a temer; temos de pagar esse preço. E uma vez alcançada essa fonte, tudo mudará completamente e sairá de lá como um indivíduo. Essa é a diferença que faço entre um indivíduo e uma pessoa: uma pessoa é um fenômeno falso, um indivíduo é uma realidade. As pessoas, as personalidades, são máscaras, são sombras; a individualidade é substância, é realidade. E só os indivíduos se podem relacionar, podem amar — as pessoas podem unicamente brincar.

O amor é um estado de consciência em que você se sente exultante, em que há uma dança em todo o seu ser. Algo começa a vibrar, a irradiar, a partir do seu centro; algo começa a pulsar à sua volta. E começa a atingir as pessoas: pode atingir as mulheres, pode atingir os homens, pode atingir as rochas e as árvores e as estrelas.

Quando me refiro ao amor, refiro-me a esse amor: um amor que não é um relacionamento mas sim um estado do ser. O relacionamento é apenas um aspecto muito menor do amor. Mas a ideia que você faz do amor é basicamente a do relacionamento, como se isso fosse tudo.

O relacionamento só é necessário porque você não consegue estar sozinho, porque não é ainda capaz de meditar. Daí que a meditação seja imprescindível antes de poder amar realmente. Uma pessoa deveria ser capaz de estar sozinha, completamente sozinha, e apesar disso ser imensamente afortunada. Então poderá amar. Então o amor deixa de ser uma necessidade e passa a ser uma partilha. Não se fica dependente daquele que se ama.

Mas o que geralmente acontece no mundo é o seguinte: você não tem amor, a pessoa que você pensa amar também não tem amor no seu ser, e ambos se encontram a pedir amor um ao outro. Dois pedintes a pedirem um ao outro! Daí as guerras, os conflitos, as disputas constantes entre os amantes — sobre coisas banais, irrelevantes, estúpidas! A disputa básica é o marido a pensar que não recebe aquilo a que tem direito e a mulher a pensar que não recebe aquilo a que tem direito. A mulher a pensar que está a ser enganada e o marido a pensar que está a ser enganado. Onde está o amor? Ninguém se preocupa em dar, toda a gente quer receber. E quando todos correm atrás do receber, ninguém recebe. E todos se sentem perdidos, vazios, tensos.

O que falta é o alicerce básico, você começou a construir o templo sem os alicerces. E ele vai cair, vai-se desmoronar a qualquer instante. E você bem sabe quantas vezes o seu amor ruiu e no entanto, continua a fazer as mesmas coisas vezes sem conta. Quanta ignorância... Não vê o que tem andado a fazer à sua vida e à vida dos outros. Continua a repetir o mesmo padrão, como um robô, sabendo perfeitamente que já fez as mesmas coisas antes. E sabe quais foram os resultados, e bem no fundo sabe que tudo acontecerá da mesma maneira — porque não há qualquer diferença. Está a preparar-se para a mesma conclusão, para o mesmo colapso.

Se tiver de aprender alguma coisa com os fracassos do amor, então que seja como se tornar mais consciente, mais meditativo. E por meditação entendo a capacidade de se sentir ditoso sozinho. Muito poucas pessoas são capazes de se sentir ditosas sem qualquer razão especial — simplesmente sentarem-se caladas e ditosas! Os outros julgá-las-ão doidas, porque a ideia de felicidade é que ela tem de nos vir a partir de outra pessoa. Você conhece uma mulher bonita e sente-se feliz ou conhece um belo homem e sente-se feliz. Mas ficar silencioso no seu quarto e sentir-se tão ditoso, tão feliz? Não deve regular muito bem! As pessoas pensarão que estará drogado, com uma pedrada. Sim, é verdade, a meditação é o LSD primário, é libertar os seus poderes psicadélicos. É libertar os seu próprio esplendor prisioneiro. E você fica tão feliz, nasce em si uma tal festa que não precisa de nenhum relacionamento. E contudo pode relacionar-se com as pessoas... e é essa a diferença entre relacionar-se e ter um relacionamento.

O relacionamento é uma coisa: você agarra-se a ele. Relacionar-se é um fluir, um movimento, um processo. Você conhece uma pessoa, é amável, porque tem muito amor para dar — e quanto mais der, mais tem, Esta é a estranha aritmética do amor: quanto mais se dá, mais se tem. O que vai exatamente contra as leis econômicas que operam no mundo exterior. Se quiser ter mais amor e mais alegria, dê e compartilhe, depois compartilhe apenas. E ficará agradecido a quem quer que lhe permita compartilhar a sua alegria consigo. Mas não é um relacionamento; é uma corrente como a dum rio.

O rio passa ao lado duma árvore, cumprimentando-a, e alimenta a árvore, dá de beber à árvore... e continua em frente, continua a dançar. Não se agarra à árvore. E a árvore não lhe diz: "Onde é que tu vais? Somos casados! E antes de me deixares tens de obter o divórcio, ou pelo menos uma separação! E se tinhas de me deixar, porque é que andaste a dançar tão bem à minha volta? E, principalmente, porque é que me alimentaste?" Não, a árvore deixa cair as suas flores no rio em profunda gratidão e o rio continua em frente. E a árvore dá a sua fragrância ao vento.

Isto é relacionar-se. Se algum dia a humanidade crescer, amadurecer, será esta a maneira de amar: pessoas que se conhecem, que compartilham, que continuam o seu caminho, uma qualidade não possessiva, uma qualidade não dominadora. De outro modo, o amor torna-se uma corrida ao poder.

Osho em, Intimidade

sábado, 10 de janeiro de 2015

Compreendendo o campo de batalha chamado relacionamento

Como se pode observar na vida cotidiana, toda a relação com as pessoas, com as ideias, com as coisas, com o que se possui, está cheia de conflito. Todo relacionamento se tornou para nós um campo de batalha, uma luta constante. Desde que nascemos até que morremos, viver é um processo de acumular problemas, sem nunca os resolver, de estar carregado de toda espécie de questões. É fundamentalmente um campo em que os homens estão uns contra os outros. Assim, viver é conflito. Ninguém o pode negar. Quer nos agrade quer não, todos estamos em conflito. 

Como desejamos afastar-nos desse conflito permanente, inventamos então toda espécie de fugas — desde o futebol a uma imagem de Deus. Cada um de nós conhece, não só o fardo desse conflito, mas também o sofrimento, a solidão, o desespero, a ansiedade, a ambição e frustração, o imenso tédio, a rotina. Há ocasionais lampejos de alegria, a que a mente imediatamente se agarra, como algo muito raro, e que quer que se repita; depois, essa alegria torna-se uma lembrança, cinzas. É a isso que chamamos vier. 

Se olharmos para a nossa própria vida — não verbalmente, ou intelectualmente, mas como ela é na realidade — veremos como é vazia. Pensem no que é passar quarenta, cinquenta anos indo todos os dias para o emprego, para juntar dinheiro, para sustentar a família, etc. É a tudo isso que chamamos viver — com a doença, com a velhice e com a morte. E tentamos fugir a esse tormento por meio da religião, por meio da bebida, da erudição, do sexo, por meio de todas as formas de evasão, religiosas ou de outra espécie. A nossa vida é isso, apesar de nossas teorias, dos nossos ideais, da nossa filosofia — vivemos em conflito e sofrimento. 

A nossa vida dá origem a uma cultura, a uma sociedade que se torna a armadilha em que estamos prisioneiros. Somos nós que construímos a armadilha; cada um de nós é responsável por ela. Embora possamos revoltar-nos contra a ordem estabelecida, essa ordem é aquilo que temos feito, aquilo que temos construído. E a mera revolta contra ela tem pouquíssimo significado, porque se criará então uma outra ordem estabelecida, uma outra burocracia. 

Tudo isto, com as diferenças nacionais, raciais, religiosas, as guerras, e o derramamento de sangue e lágrimas. é o que chamamos vida; e não sabemos o que havemos de fazer. Estamos confrontados com isto. E não sabendo o que fazer, procuramos fugir ou tentamos encontrar alguém que nos diga o que devemos fazer, alguma autoridade, algum guru ou instrutor espiritual, alguém que afirme: "este é que é o caminho."

Os instrumentos espirituais, os gurus, os mahatmas, os filósofos têm-nos orientado mal, porque afinal não temos resolvido realmente os nossos problemas; as nossas vidas não são diferentes. Continuamos atormentados, infelizes, carregados de sofrimento. 

(...) Sem sabermos o que é o sofrimento e sem compreendermos a sua natureza e estrutura, não saberemos o que é o amor, porque para nós o amor é sofrimento, aflição, prazer, ciúme. Quando o marido diz à mulher que a ama e ao mesmo tempo é ambicioso, será que esse amor tem algum significado? Um homem poderá amar? E apesar disso falamos de amor, de ternura, de acabar com as guerras, quando afinal somos competitivos, ambiciosos, procurando o nosso avanço pessoal, a nossa posição, etc. Tudo isso traz sofrimento. 

O sofrimento poderá acabar? Só poderá acabar quando a pessoa compreender a si mesma — que é realmente aquilo que é. Então compreenderá por que é que sofre, quer esse sofrimento seja autopiedade, seja medo de estar só, seja o vazio de sua própria existência ou o sofrimento que surge quando se depende de outro. E isto faz parte de nossa vida. 

(...) Intelectualmente estamos limitados e emocionalmente somos inautênticos, deformados, cheios de sentimentalismo, falsidade e hipocrisia. Assim, na vida perdemos toda a liberdade, exceto no sexo. Essa é provavelmente a única coisa livre que se tem. E com ele anda o prazer, a imagem que o pensamento cria a respeito do ato, e ruminamos essa imagem, esse prazer, como uma vaca mastiga repetidamente o alimento. É a única coisa que se tem em que a pessoa se sente realmente livre como ser humano. Em tudo o mais não é livre, porque somos escravos da propaganda(...) E, faltando a liberdade por todo o lado, apenas existe essa, que também não é liberdade, porque se fica aprisionado pelo prazer e pela responsabilidade desse prazer, que é a família. Mas se realmente se amasse a família, se realmente se amassem os filhos, de todo o coração, pensam que teria um único dia de guerra? 

Encontra-se segurança no prazer e por consequência nessa "segurança" há dor, tristeza e confusão; dessa maneira, em tudo, incluindo o sexo, há sofrimento, tortura, dúvida, ciúme, dependência. A única coisa que se tem em que a pessoa se sente livre também se torna uma escravidão. 

Assim, ao vermos tudo isto — de fato, não verbalmente, sem sermos desviados pela descrição, porque a descrição nunca é o que é descrito — ao vermos com os nossos olhos, coração e amente, com completa atenção, saberemos o que é o amor. E saberemos também, o que é a morte e o que é a vida.

Krishnamurti em, O Mundo Somos ´Nós

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Por que insistimos em simular comum unidade e afinidade?

Pode haver relações enquanto há separação, divisão? Pode haver relações com outrem, quando não há contato, não apenas físico, mas também em todos os níveis de nosso ser? Podemos estar segurando a mão de uma pessoa e dela estar a mil léguas de distância, absortos em nossos pensamentos e problemas. Podemos achar-nos num grupo e ao mesmo tempo estar dolorosamente sós. Assim perguntamos: Pode haver alguma espécie de relação com a árvore, a flor, o ente humano, ou com o céu e o belo Pôr do Sol, quando a mente, com suas atividades, está a isolar-se a si própria? E pode em algum tempo haver contato com o que quer que seja, mesmo que a mente não esteja a isolar-se?

(...) Cada um vive dentro de sua própria teia, você na sua, a outra pessoa na dela. Haverá alguma possibilidade de nos libertarmos dessa teia? Essa teia, essa mortalha, esse invólucro é a palavra? Constitui-se esse invólucro de seu interesse em si mesmo e dos interesses da outra pessoa em si própria, de seus desejos, opostos aos dela? Essa cápsula é o passado? É tudo isso junto, não acha? Não é uma só coisa que a mente está levando, porém um feixe inteiro. Você leva sua própria carga, e o outro a sua. Podemos, em algum tempo, largar essas cargas, a fim de que a mente se encontre com a mente, o coração com o coração? Eis a questão, não acha?

(...) Você pode identificar-se com aquele aldeão ou aquela chamejante buganvília — sendo isso um truque mental para simular a unidade. A identificação com alguma coisa é um dos estados mais hipócritas que há. Identificar-se com uma nação, com uma crença e, contudo, continuar só, é uma das maneiras favoritas de enganar a solidão. Ou, tão completamente você se identifica com sua crença, que é a a crença; e este é um estado neurótico. Ora, ponhamos de parte esse impulso a identificar-nos com uma pessoa, ideia ou coisa. Assim, não há harmonia, unidade, amor. A outra questão, portanto, é esta: Você pode libertar-se do invólucro, de maneira que ele deixe de existir? Só então haveria possibilidade de contato total. Como podemos libertar-nos do invólucro? Esse "como" não significa método, porém antes uma indagação que poderá abrir-nos a porta. 

(...) Rasgamos o invólucro pedaço por pedaço ou o rompemos e dele saímos imediatamente? Se o rasgamos pedaço por pedaço — como certos analistas dizem fazer — esse trabalho nunca terá fim. Não é por meio do tempo que se pode destruir essa separação. 

(...) Não é você mesmo o invólucro?

(...) O próprio movimento para você penetrar no outro invólucro, ou estender-se para fora do seu, é determinado por seu próprio invólucro: você é o invólucro. Você é, portanto, o observador do invólucro e é também o próprio invólucro. Nesse caso, você é o observador e a coisa observada; o mesmo é ele — e nisso ficamos. E você tenta alcançá-lo e ele tenta alcançar-lhe. Isso é possível? Você é a ilha cercada pelo mar, e ele também é a ilha cercada pelo mar. Veja que você é tanto a ilha como o mar; não há separação entre ambos; você é a terra inteira com o mar. Por conseguinte, não há divisão em "ilha" e "o mar". A outra pessoa não vê isso. Ele é a ilha cercada pelo mar; tenta alcançar-lhe, ou você, se é bastante desajuízado, tenta alcançá-lo. Isso é possível? Como pode haver contato entre um homem livre e outro que está aprisionado? Visto que você é o observador e a coisa observada, você é o inteiro movimento da terra e do mar. Mas, a outra pessoa, que não compreende isso, continua a ser a ilha cercada de água. Ela tenta alcançar-lhe, mas nunca o consegue, porque mantém o seu estado ilhado. Só depois de deixá-lo e, com você, estar aberto ao movimento do céu, da terra e do mar, poderá haver contato. Aquele que vê que a barreira é ele próprio, não terá mais nenhuma barreira. Por conseguinte, ele, em si próprio, não é separado. O outro não percebeu que ele próprio é a barreira e, por isso, mantém a crença na sua separação. Como pode esse homem alcançar o outro? Impossível. 

(...) Há o espaço entre isso que a mente chama o invólucro por ela criado, e ela própria. Há espaço entre o ideal e a ação. Nesses diferentes fragmentos de espaço entre o observador e a coisa observada, ou entre as diferentes coisas que ele observa, acham-se todo o conflito e luta, e todos os problemas da vida. Há a separação entre o meu invólucro e o invólucro de outrem. Nesse espaço está toda a nossa existência, todas as nossas relações e nossa luta. 

(...) Que é esse espaço? Há espaço entre você e seu invólucro, espaço entre ele (o outro) e o seu invólucro, e há espaço entre os dois invólucros. Todos esses espaços se deparam ao observador. De que eles são feitos? Como se tornam existentes? Qual a qualidade e a natureza desses espaços divididos? Se pudéssemos remover esses espaços fragmentários, que aconteceria? 

(...) Quando esse espaço desaparece de fato — não verbal ou intelectualmente, porém desaparece realmente, há completa harmonia, união entre você e o outro. Nessa harmonia, você e ele deixam de existir e há apenas aquele vasto espaço que jamais pode ser fragmentado. A limitada estrutura da mente deixa de existir, porque a mente é fragmentação.

Krishnamurti em, A Luz Que Não Se Apaga

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

É possível ser livre enquanto se é psicologicamente dependente?

Pergunta: O que é a sociedade?

Krishnamurti: O que é a sociedade? O que é a família? Examinemos, passo a passo, como a sociedade é criada, de que modo ela passa a existir. 

O que é a família? Quando você diz: "Esta é a minha família", o que quer dizer? Seu pai, sua mãe, seu irmão e sua irmã, a sensação de proximidade, o fato de que vocês estão vivendo juntos na mesma casa, a sensação de que seus pais irão protege-lo, a posse de certa propriedade, de jóias, de roupas — tudo isto é a base da família. Há outras famílias como a sua vivendo em outras casas, sentindo exatamente as mesmas coisas que você, tendo a sensação de "minha esposa", "meu marido", "meus filhos", "minha casa", "minhas roupas", "meu carro"; há muitas de tais famílias vivendo no mesmo pedaço de terra, e elas passam a ter a impressão de que não devem ser invadidas por outras famílias. Então, elas passam a fazer leis. As famílias poderosas guindam-se a posições elevadas, adquirem grandes propriedades, possuem mais dinheiro, mais roupas, mais carros; elas se unem e organizam leis, e dizem ao resto de nós o que fazer. Assim, gradativamente, passa a existir uma sociedade com leis, regulamentos, policiais, com um exército e uma marinha. Por fim, toda a Terra passa a ser povoada por sociedades de vários tipos. Então, as pessoas passam a ter ideias antagônicas e querem subverter os que estão estabelecidos em altas posições, os que detêm todos os meios de poder. Elas destroem essa sociedade específica e formam outra. 

A sociedade é o relacionamento entre as pessoas — o relacionamento entre uma pessoa e outra, entre uma família e outra, entre um grupo e outro, entre o indivíduo e o grupo. O relacionamento humano é a sociedade, o relacionamento entre eu e você. Se eu sou muito cobiçoso, muito astuto, se tenho grande poder e autoridade, vou empurrá-lo para fora; e você procurará fazer o mesmo comigo. Assim, fazemos leis. Mas vêm outros e anulam as nossas leis, estabelecendo outro conjunto de leis, e isto prossegue o tempo todo. Na sociedade, que é o relacionamento humano, há constante conflito. Esta é a base simples da sociedade, que se torna cada vez mais complexa à proporção que os próprios seres humanos se tornam mais e mais complexos em suas ideias, em seus desejos, em suas instituições e em suas indústrias. 

Pergunta: Podemos ser livres mesmo vivendo nesta sociedade?

Krishnamurti: Se dependo da sociedade para obter minha satisfação e meu conforto, por acaso posso ser livre? Se dependo de meu pai para ter afeto, dinheiro, para poder ter iniciativa de fazer coisas, ou se dependo, de alguma forma, de algum guru, não sou livre, não é? Então, será possível ser livre enquanto se é psicologicamente dependente? certamente, a liberdade só é possível quando tenho capacidade, iniciativa, quando me é dado pensar de forma independente, quando não tenho medo do que alguém diga, quando quero de fato encontrar a verdade e não sou ambicioso, invejoso, ciumento. Enquanto eu for invejoso, ambicioso, serei psicologicamente dependente da sociedade; e enquanto assim depender da sociedade não serei livre. Mas deixar se deixar de ser ambicioso, serei livre. (...)

Pergunta: Já que sempre estamos relacionados uns com os outros, não é certo que nunca poderemos ser absolutamente livres? 

Krishnamurti: Não compreendemos o que é relacionamento, relacionamento correto. Suponha que eu dependa de você para obter minha satisfação, para o meu conforto, para a minha sensação de segurança; como poderei ser livre? Mas se eu não dependo desse modo, ainda assim estou relacionado com você, não é mesmo? Dependo de você para obter algum tipo de conforto emocional, físico ou intelectual; portanto, não sou livre. Apego-me aos meus pais porque quero alguma espécie de segurança, o que quer dizer que meu relacionamento com eles é de dependência, e está baseado no medo. Como então posso ter algum relacionamento livre? Só há liberdade no relacionamento quando não há medo. Portanto, para ter um relacionamento correto, preciso começar libertando-me dessa dependência psicológica que gera medo. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O amor nos relacionamentos

Como é fácil destruir o que amamos! Com que rapidez surge uma barreira entre nós, uma palavra, um gesto, um sorriso! A saúde, o humor e o desejo nos entristecem e o que era maravilhoso torna-se insípido e opressivo. Pelo uso, nós nos desgastamos, e aquilo quer era vivo e claro torna-se cansativo e confuso. Por meio de constantes atritos, esperanças e frustrações, aquilo que era belo e simples torna-se terrível e cheio de expectativas. Relacionamentos são complexos e difíceis, e poucos conseguem sair deles ilesos. Embora quiséssemos que fosse estático, duradouro e contínuo, o relacionamento é um movimento, um processo que deve ser profunda e completamente entendido, e não forçado a se conformar a um padrão interno ou externo. A conformidade, que é a estrutura social, perde seu peso e autoridade somente quando há amor. O amor no relacionamento é um processo purificador, pois revela os mecanismos do Eu. Sem essa revelação, o relacionamento tem pouca importância.

Mas como lutamos contra essa revelação! A luta assume muitas formas: controle ou submissão, medo ou esperança, ciúme ou aceitação e assim por diante. A dificuldade é que nós não amamos; e se nós de fato amamos, queremos que isso funcione de uma forma particular, não lhe damos liberdade. Nós amamos com nossas mentes e não com nossos corações. A mente pode se modificar, mas o amor, não. A mente pode se tornar invulnerável, mas o amor não; a mente pode sempre se retrair, ser exclusivista, tornar-se pessoal ou impessoal. O amor não é para ser comparado e tolhido. Nossa dificuldade está naquilo que chamamos de amor, que é realmente da mente. Enchemos nossas corações com as coisas da mente e mantemos nossos corações sempre vazios e cheios de expectativas. É a mente que se apega, que é ciumenta, que controla e destrói. Nossa vida é dominada pelos centros físicos e pela mente. Nós não amamos e deixamos em paz, mas ansiamos por ser amados; nós damos a fim de receber, que é a generosidade da mente, não do coração. A mente está sempre buscando garantia, segurança; e pode o amor ser garantido pela mente? Pode a mente, cuja própria essência é temporal, perceber o amor, que é sua própria eternidade?

Mas mesmo o amor do coração tem seus próprios truques; pois corrompemos tanto nosso coração que ele é hesitante e confuso. É isso que torna a vida tão dolorosa e cansativa. Em um momento nós achamos que temos amor e no próximo ele é perdido. Aí entra uma força imponderável, que não é da mente, cujas fontes não podem ser sondadas. Essa força é mais uma vez destruída pela mente; pois nessa batalha a mente, invariavelmente, parece ser a vitoriosa. Esse conflito dentro de nós mesmos não será resolvido pela mente astuta ou pelo coração hesitante. Não há um meio, uma maneira de fazer esse conflito terminar. A própria busca por um meio é outro anseio da mente por domínio, para livrar-se do conflito e ficar tranquila, para ter amor, para tornar-se algo.

Nossa maior dificuldade é estar ampla e profundamente atentos ao fato de que não existem meios para o amor como um objetivo desejável da mente. Quando entendemos isso real e profundamente, há uma possibilidade de receber algo que não é desse mundo. Sem o toque desse algo, façamos o que quisermos, não poderá haver felicidade duradoura no relacionamento. Se você receber essa graça e eu não, naturalmente estaremos em conflito. Você e eu pode não estar em conflito, mas eu estarei; e em minha dor e tristeza eu me desligarei. A dor é tão exclusiva quanto o prazer, e até que exista aquele amor que não seja uma construção minha o relacionamento será dor. Se houver a bênção daquele amor, você nada poderá fazer a não ser me amar pelo que sou, pois então não moldará o amor segundo o meu comportamento. Quaisquer que sejam os truques da mente, somos independentes; embora possamos estar em contato um com o outro em alguns pontos, a integração não é com você, mas dentro de mim. Essa integração não é resultado da mente em nenhum momento; ela forma somente quando a mente está inteiramente silenciosa, tendo alcançado o limite de suas forças. Somente assim não existe dor no relacionamento.

Krishnamurti — Comentários sobre o viver

sábado, 30 de agosto de 2014

O amor permite liberdade

O amor permite que qualquer coisa que o outro queira fazer, ele possa fazer. Tudo o que ele quiser - se o deixa em êxtase, a escolha é dele.

Se você ama a pessoa, então você não interfere na privacidade dela. Você deixa intocada a privacidade da pessoa.

Você não tenta invadir seu ser interior.

A exigência básica do amor é "Eu aceito a outra pessoa como ela é" e o amor nunca tenta mudar a pessoa em função da própria ideia que se tem do outro. Você não tenta cortar a pessoa aqui e ali e deixá-la do tamanho certo - o que tem sido feito em todos os lugares no mundo inteiro...

Se você ama, não existem condições. Se você ama, então impor condições não é o caso. Você o ama como ele é. Se você não o ama então também não há problema. Ele não é ninguém para você; impor condições não é o caso. Ele pode fazer tudo que quiser fazer.

Se o ciúme desaparece e o amor permanece, então você tem algo sólido em sua vida, o qual vale a pena possuir.

Quando você está compartilhando seu contentamento, você não cria uma prisão para ninguém, você simplesmente dá. Você nem mesmo espera gratidão ou agradecimento, porque você está dando não para conseguir alguma coisa, nem mesmo gratidão. Você está dando porque está tão repleto ... você precisa dar.
Assim, se alguém está grato, é você quem esta grato à pessoa que ACEITOU seu amor, que aceitou seu PRESENTE. Ela o aliviou, permitiu a você que a banhasse. E quanto mais você compartilha e mais você dá MAIS VOCÊ TEM.

Então isso não o torna um avarento, não cria um novo medo, o de que "eu posso perder isso". Na realidade, quanto mais você o perde, mais águas frescas fluem, vindas de nascentes sobre as quais você não estava consciente anteriormente.

Se a existência toda é una e se a existência toma conta das árvores, dos animais, das montanhas, dos oceanos - desde a menor folhinha de grama até a maior estrela - então ela também toma conta de você.

Porque ser possessivo? A possessividade mostra simplesmente uma coisa - que você não consegue confiar na existência. Você tem que conseguir uma segurança pessoal separada, uma proteção pessoal separada. Você não pode confiar na existência. A não possessividade é basicamente confiança na existência.

Não há necessidade de possuir, porque o todo já é nosso.

Abandone a ideia de que o apego e o amor são uma coisa só. Eles são inimigos. É o apego que destrói o amor.

Se você limita, se você nutre o apego, o amor será destruído, se você alimenta e nutre o amor, o apego desaparecerá por si mesmo.

O amor e o apego não são um; são duas entidades separadas e antagônicas entre si.

E lembre-se sempre da regra básica da vida: se você idolatra alguém, um dia você se vingará.

Você tem que estar alerta para não ser manipulado por ninguém, não importa quão boas sejam as intenções da pessoa.

Você tem de salvar a si mesmo de tantas pessoas "bem intencionadas", benfeitoras, que constantemente o aconselham a ser isso e a ser aquilo. Ouça-as e agradeça. Elas não querem fazer nenhum mal - mas mal é o que acontece. Simplesmente ouça a seu próprio coração. Esse é o seu único professor.

As pessoas o têm julgado e você aceitou a ideia dela sem um exame minucioso. Você está sofrendo todos os tipos de julgamentos das pessoas e está jogando esses julgamentos em outras pessoas. Esse jogo alcançou proporções incríveis e toda a humanidade está sofrendo isso.

Se você quer sair desse estado, a primeira coisa é: não julgue a si mesmo. Aceite humildemente sua imperfeição, seus fracassos, seus erros, suas fraquezas.

Não há necessidade de fingir o contrário, seja simplesmente você mesmo: É assim que eu sou - cheio de medo. Não consigo sair na noite escura, não consigo ir na floresta densa. O que há de errado nisso? É simplesmente humano.

Quando você aceita, você é capaz de aceitar os outros, porque você terá um insight claro de que eles estão sofrendo da mesma doença. E aceitando-os, você irá ajudá-los a aceitar a si mesmos.

Podemos reverter todo o processo: você se aceita e isso o torna capaz de aceitar os outros. E porque alguém os aceita, eles aprendem a beleza da aceitação pela primeira vez - QUANTA PAZ SE SENTE - e eles começam a aceitar os outros.

Dar amor é a linda e verdadeira experiência, porque com ela você é um mestre de si mesmo. Receber amor é uma experiência muito pequena, é a experiência de um mendigo.

Não seja um mendigo, pelo menos tratando-se de amor, seja um imperador, porque o amor é uma qualidade inesgotável em você. Você pode dar tanto quanto quiser. Não tenha preocupação que ele esgotará. O amor não é uma quantidade, mas uma qualidade e qualidade de um certa categoria que cresce ao se dar e morre se você a segura. Seja realmente esbanjador!!

Não se importe para quem. Esta é na verdade a ideia de uma mente mesquinha: Eu darei amor a determinadas pessoas que tenham determinadas qualidades ... Você não entende que tem em abundância, que é uma nuvem de chuva. A nuvem de chuva não se importa onde chove - nas pedras, nos jardins, nos oceanos - não importa. Ela quer descarregar-se e essa descarga é um tremendo alívio.

Assim o primeiro segredo é: não peça amor. Não espere, pensando que você dará se alguém lhe pedir - Dê!!

Tudo passa, mas você permanece - você é a realidade.

OSHO

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Só a mente que está desesperada pode encontrar a Realidade

Compreender as relações significa estar vigilante, não fugir, para que se veja tudo quanto nelas se contém. A verdade não está longe de nós, a verdade está perto; a verdade se encontra debaixo de cada folha, em cada sorriso, em cada lágrima, nas palavras, nos sentimentos e nos pensamentos de cada um. Mas, ela está tão encoberta, que precisamos desencobri-la, para a vermos. E desencobri-la significa descobrir o que é falso; no momento em que reconhecemos o que é falso e este desaparece, a Verdade mostra-se para nós. 

A Verdade, pois, é uma coisa viva, de todos os momentos, que precisamos descobrir, e não somente acreditar nela, falar dela, colocá-la numa fórmula. Mas, para perceberem essa Verdade, vocês precisam de uma mente e de um coração extremamente flexíveis e vigilantes. Entretanto, por infelicidade, a maioria de nós não quer uma mente vigilante e flexível, uma mente ágil; queremos ser colocados a dormir, sob efeito de mantras e pujas — Santo Deus! de quantas maneiras nos colocamos a dormir!

Necessitamos, evidentemente, de um certo ambiente, de uma certa atmosfera, de solidão — o que não significa procurar ou evitar o isolamento — mas necessitamos de uma certa solidão, na qual haja atenção plena; e essa solidão, essa atenção plena, só existe quando há perturbação, quando os seus problemas são realmente intensos; e, se possuem um amigo, se possuem alguém que lhes possa ajudar, podem procurá-lo; mas, francamente, tratar essa pessoa como um guru é, obviamente, falta de maturidade, é infantilidade. É como querer agarrar-se às saias maternas. 

Bem sei que, quando nos achamos em dificuldade, apelamos instintivamente para alguém — para a mãe, para o pai, ou para um pai glorificado, que vocês chamam Mestre ou guru. Mas, se o guru for pessoa de merecimento, lhes dirá, por certo, que vocês devem compreender a si mesmos em ação, isto é, nas suas relações. Por certo, vocês são muito mais importante do que o guru; são muito mais importante do que eu; porque se trata da vida de vocês, seus sofrimentos, seus esforços e suas lutas. O guru, o eu, ou outro qualquer, poderá ser livre, mas o que isso adiante para vocês? Por conseguinte, a veneração de um guru é prejudicial para a compreensão de vocês mesmos. E existe aí, um fator peculiar: quanto mais respeito demonstrai por uma determinada pessoa, tanto menos respeitam os outros. Vocês fazem uma profunda reverência ao guru e dão um pontapé no empregado de vocês. Por conseguinte, o respeito de vocês tem pouquíssima significação. Tudo isso são fatos verdadeiros, e o que acabo de dizer provavelmente não agradou a maioria de vocês, porque a mente de vocês quer ser confortada e não magoada como foi. A mente de vocês está presa em tantas perturbações e aflições, que roga: "Pelo amor de Deus, dê-me uma esperança, de-me um refúgio". Senhores, só a mente que está em desespero pode encontrar a Realidade. Uma mente totalmente insatisfeita pode saltar para dentro da Realidade; mas não o pode uma mente satisfeita, uma mente respeitável e cercada de crenças. 

Assim, pois, vocês só podem florir na vida de relação, só podem florir no amor, e não no disputar. Mas nossos corações estão ressecados; nós os enchemos com as coisas da mente, e por isso vamos pedir aos outros que encham as nossas mentes com as suas criações. Como não temos amor, o procuramos no instrutor, o procuramos noutra pessoa. O amor é coisa que não se pode achar. Vocês não podem comprá-lo e não podem se imolar a ele. O amor só vem à existência quando o "ego" está ausente; mas, enquanto vocês andam à busca de satisfação e de refúgios, enquanto se recusam a compreender a confusão de vocês nas relações com os outros, estão somente dando mais força ao "ego" e, portanto, negando o amor.

(...) tudo isso deve ter produzido deve ter produzido, em vocês, um efeito muito perturbador, não é verdade? Esse efeito tem de ser perturbador, pois, se não o for, então há algo que está errado em vocês.  Isso, porque está sendo atacada toda a estrutura do processo de pensamento de vocês, estão sendo atacados os seus confortáveis hábitos, e uma tal perturbação tem de ser cansativa. E se vocês não se sente cansados, se não se sentem perturbados, o que buscam então aqui? Senhores, vejamos bem claramente o que estamos tentando fazer, vocês e eu. A maioria de vocês dirá, provavelmente: "Conheço tudo isso; Shankara, Buda, ou um outro qualquer já o disse". Tal alegação indica que, tendo lido tanta coisa, superficialmente, vocês relegam o que está sendo dito para um dos compartimentos da mente de vocês e, por conseguinte, o colocam de lado. Essa é uma maneira muito cômoda de se desfazerem do que ouviram, o que significa que estão escutando somente no nível verbal, em vez de absorver o sentido do que se está dizendo, que gera perturbação. Senhores, não se pode ganhar a paz, senão à custa de muita busca; e o que vocês e eu estamos fazendo é uma busca completa em nossas mentes e em nossos corações, com o fim de descobrirmos o que é verdadeiro e o que é falso; e esse rebuscar, naturalmente, exige dispêndio de energia e de vitalidade; é fisicamente exaustivo, tão exaustivo talvez como cavar a terra. Mas, por infelicidade, vocês estão habituados a escutar; são meros expectadores a apreciar e a observar o jogo do outro; por isso, não ficam cansados. Os expectadores nunca ficam cansados, o que indica que não tomam realmente parte no jogo. Mas, como já tenho dito e redito, vocês não são expectadores, e eu não estou representado para vocês. Não estão aqui para ouvir uma canção. O que vocês e eu estamos tentando é encontrar uma canção em nossos próprios corações, e não ouvir a canção do outro. Vocês estão acostumados  a ouvir a canção de outro, e por isso seus corações estão vazios, e vazios ficarão para sempre, porque vocês o enchem com a canção do outro. Esta não é a canção de vocês e são meros gramofones, mudando os discos segundo o capricho de vocês; não são músicos. E, principalmente nas épocas de grande aflição e perturbação, precisamos de ser músicos, cada um de nós, precisamos nos renovar com canções, o que significa livrar, esvaziar o coração daquelas coisas com que a mente o encheu. Por consequência, precisamos compreender as criações da mente, e perceber a falsidade dessas criações. Porque, então, não mais encheremos o coração com essas criações. E, aí, com o coração vazio — e não, como no caso de vocês, cheio de cinzas — com o coração vazio e a mente quieta, se ouvirá uma canção, uma canção indestrutível e incorruptível, porque não foi composta pela mente. 

Jiddu Krishnamurti, em "O Que Te Fará Feliz?"
29 de janeiro de 1949

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Um olhar sobre nossas relações - IV

O que chamamos relação,
é isolamento

A vida é experiência, experiência em relação. Não se pode viver no isolamento; a vida portanto, é relação, e relação é ação. E como adquirir a capacidade de compreender as relações, que é a vida? Não significam as relações, não só comunhão com pessoas, mas também intimidade com coisas e ideias? A vida são relações, que se expressam no contato com coisas, pessoas, ideias. Compreendendo as relações, teremos capacidade para enfrentar a vida de maneira completa, adequada. Nosso problema, portanto, não é ter capacidade — pois esta não é independente das relações — porém, antes, compreender as relações, o que naturalmente produzirá a capacidade de pronta flexibilidade, pronto ajustamento, pronta reação. 

As relações, sem dúvida, são um espelho em que nos descobrimos. Sem relações não existimos. Ser é estar em relação, estar em relação é existir. Só existis em relação, de outro modo não existis, a existência nada significa. Não é porque pensais, que existis, que vos tornais existentes. Existis porque estais em relação, e é a falta de compreensão das relações que causa conflito. 

Ora, não há compreensão das relações porque nos servimos delas apenas como meio de promover alguma realização, promover transformação, promover o "vir a ser". Mas as relações são um meio de autodescobrimento, porque estar em relação é ser, é existência. Sem relações, não existo. Para compreender a mim mesmo, preciso compreender as relações. As relações são um espelho, em que posso ver-me, a mim mesmo. Esse espelho pode deformar ou refletir fielmente o que é. Mas a maioria de nós vê nas relações as coisas que prefere ver; não vê o que é. Preferimos idealizar, fugir, preferimos viver no futuro, a compreender aquelas relações no presente imediato. 

Ora, se examinarmos nossa vida, as relações existentes entre nós, veremos que elas constituem um processo de isolamento. Não estamos verdadeiramente interessados uns nos outros; embora falemos muito a esse respeito, não estamos de fato interessados. Só estamos em relação com alguém enquanto essas relações nos agradam, enquanto nos proporcionam um refúgio, enquanto nos satisfazem. No momento em que ocorre qualquer perturbação, causadora de desconforto para nós, abandonamos essas relações. Em outras palavras, só há relações enquanto estamos satisfeitos. Isso pode parecer uma maneira rude de falar, mas se examinardes realmente vossa vida, com muita atenção, vereis que é um fato. Evitar um fato é viver na ignorância, que nunca pode produzir relações corretas. Se examinarmos nossas vidas e observarmos nossas relações, veremos que elas são um processo de criação mútua de resistência, de uma muralha por sobre a qual nos olhamos e nos observamos, uns aos outros. Conservamos sempre a muralha e permanecemos atrás dela, quer seja da muralha psicológica, quer seja da material, da muralha econômica, da muralha nacional. Enquanto vivemos no isolamento, atrás da muralha, não há relações entre nós. Vivemos fechados, porque achamos muito mais agradável, muito mais seguro. O mundo está tão fracionado, há tanto sofrimento, tanta dor, guerra, destruição, miséria, que desejamos fugir e viver dentro das muralhas protetoras de nosso ser psicológico. As relações, pois, no caso de quase todos nós, são, de fato, um processo de isolamento, e é bem óbvio que tais relações criam uma sociedade, também causadora de isolamento. É isso, exatamente, o que está acontecendo no mundo inteiro: vós permaneceis no vosso isolamento, e estendeis a mão por cima da muralha, chamando a isso nacionalismo, fraternidade, ou o que quiserdes, mas o fato é que continuam a existir os governos soberanos, com seus exércitos. Enquanto apegados às vossas limitações, pensais poder criar a unidade mundial, a paz mundial — coisa de todo impossível. Enquanto tiverdes uma fronteira nacional, econômica, religiosa, ou social, é bem claro que não pode haver paz no mundo. 

O processo de isolamento está ligado à busca de poder. Quer estejamos buscando o poder individualmente, quer para um grupo racial ou nacional, haverá isolamento, porque o próprio desejo de poder, de posição, é separatismo. Afinal, é isso o que cada um deseja, não é verdade? Cada um quer ocupar uma posição poderosa, uma posição de domínio, seja no lar, seja no escritório, seja num regime burocrático. Procura cada um o poder e nessa busca de poder fundará uma sociedade baseada no poder — militar, industrial, econômico, etc. — o que também é evidente. O desejo de poder não é, por sua própria natureza, causador de isolamento? Julgo muito importante compreender isso, porque o homem que deseja um mundo pacífico, um mundo em que não haja guerras, não haja destruição e miséria, em escala aterradora, imensurável, deve compreender esta questão fundamental. Um homem afetuoso, benevolente, não tem espírito de poderio e portanto não está ligado a nacionalidade nem a bandeira alguma. Esse homem não tem bandeira. 

Não há coisa tal como viver no isolamento; nenhum país, nenhum povo, nenhum indivíduo pode viver no isolamento. Entretanto, porque estais em busca de poder, de tantas maneiras diferentes, criais o isolamento. O nacionalista é uma praga, porque, com seu espírito nacionalista, patriótico, está construindo uma muralha de isolamento. Tão identificado está com seu país, que ergue uma muralha contra outro país. Que acontece quando construímos uma muralha contra alguma coisa? Essa coisa fica a chocar-se constantemente contra vossa muralha. Quando resistis a uma coisa, essa própria resistência indica que estais em conflito com ela. O nacionalismo, por consequência, que é um processo de isolamento, que é um resultado de busca de poder, não pode trazer paz no mundo. O homem que é nacionalista e fala de fraternidade, está mentindo, está vivendo em estado de contradição. 

Pode-se viver no mundo sem o desejo de poder, de posição, de autoridade? Pode-se, é claro. Vivemos assim quando não nos identificamos com uma coisa "maior". Essa identificação com uma coisa "maior" — o partido, a pátria, a raça, a religião, Deus — é busca de poder. Porque vós mesmos sois vazios, embotados, sois fracos, gostais de identificar-vos com uma coisa maior. Esse desejo de identificação com uma coisa maior é desejo de poder. 

As relações são um processo de auto-revelação e se, desconhecendo a nós mesmos, desconhecendo as tendências de nossa mente e do nosso coração, procuramos apenas estabelecer uma ordem externa, um sistema, uma fórmula engenhosa, o que estabelecermos terá pouca significação. O importante é que compreendamos a nós mesmos em relação com os outros. As relações se tornam, assim, não um processo de isolamento, mas um processo no qual descobrimos nossos próprios "motivos", nossos próprios pensamentos, nossos próprios desígnios; e esta descoberta é o começo da libertação, o começo da transformação.

Jiddu Krishnamurti — A primeira e última liberdade     

Um olhar sobre nossas relações - III

A complexidade dos relacionamentos

Relacionamentos são complexos e difíceis, e poucos conseguem sair deles ilesos. Embora quiséssemos que fosse estático, duradouro e contínuo, o relacionamento é um movimento, um processo que deve ser profunda e completamente entendido, e não forçado a se conformar a um padrão interno ou externo. A conformidade, que é a estrutura social, perde seu peso e autoridade somente quando há amor. O amor no relacionamento é um processo purificador, pois revela os mecanismos do Eu. Sem essa revelação, o relacionamento tem pouca importância. 

Mas como lutamos contra essa revelação! A luta assume muitas formas: controle ou submissão, medo ou esperança, ciúme ou aceitação e assim por diante. A dificuldade é que nós não amamos; e se de fato amamos, queremos que isso funcione e uma forma particular, não lhe damos liberdade. Nós amamos com nossas mentes e não com os nossos corações. A mente pode se modificar, mas o amor, não. A mente pode se tornar invulnerável, mas o amor, não; a mente pode sempre se retrair, ser exclusivista, tornar-se pessoal ou impessoal. O amor não é para ser comparado e tolhido. Nossa dificuldade está naquilo que chamamos de amor, que realmente é da mente. Enchemos nossos corações com as coisas da mente e mantemos nossos corações sempre vazios e cheios de expectativas. É a mente que se apega, que é ciumenta, que controla e destrói. Nossa vida é dominada pelos centros físicos e pela mente. Nós não amamos e deixamos em paz, mas ansiamos ser amados; nós damos a fim de receber, que é a generosidade da mente, não do coração. A mente está sempre buscando garantia, segurança; e pode o amor ser garantido pela mente? Pode a mente, cuja própria essência é temporal, perceber o amor, que é sua própria eternidade? 

Mas mesmo o amor do coração tem seus próprios truques; pois corrompemos tanto nosso coração que ele é hesitante e confuso. É isso que torna a vida tão dolorosa e cansativa. Em um momento nós achamos que temos amor e no próximo ele é perdido. Aí entra uma força imponderável, que não é da mente, cujas fontes não podem ser sondadas. Essa força é mais uma vez destruída pela mente; pois nessa batalha a mente, invariavelmente, parece ser a vitoriosa. Esse conflito dentro de nós mesmo não será resolvido pela mente astuta ou pelo coração hesitante. Não há um meio, uma maneira de fazer esse conflito terminar. A própria busca por um meio é outro anseio da mente por domínio, para livrar-se do conflito e ficar tranquila, para ter amor, para tornar-se algo. 

Nossa maior dificuldade é estar ampla e profundamente atentos ao fato de que não existem meios para o amor como um objetivo desejável da mente. Quando entendemos isso real e profundamente, há uma possibilidade de receber algo que não é desse mundo. Sem o toque desse algo, façamos o que quisermos, não poderá haver felicidade duradoura no relacionamento. Se você receber essa graça e eu não, naturalmente, estaremos em conflito. Você pode não estar em conflito, mas eu estarei; e em minha dor e tristeza eu me desligarei. A dor é tão exclusiva quanto o prazer, e até que exista aquele amor que não seja uma construção minha, o relacionamento será dor. Se houver a benção daquele amor, você nada poderá fazer a não ser me amar pelo que sou, pois então não moldará o amor segundo o meu comportamento. Quaisquer que sejam os truques da mente, somos independentes; embora possamos estar em contato um com o outro em alguns pontos, a integração não é com você, mas dentro de mim. Essa integração não é resultado da mente em nenhum momento; ela toma forma somente quando a mente está inteiramente silenciosa, tendo alcançado o limite da suas forças. Somente assim não existe dor no relacionamento. 

Jiddu Krishnamurti — Comentários sobre o viver       

Um olhar sobre nossas relações - II

Família:
o auto-interesse egocentrado
Você considera o casamento uma instituição para estabelecer uma família? A família não é uma unidade em oposição à sociedade? Não é o centro do qual todas as atividades se irradiam, um relacionamento exclusivo que domina todas as outras formas de relacionamento? Ela não é uma atividade fechada em si mesma que produz divisão, separação, o importante e o humilde, o poderoso e o fraco? A família como um sistema parece resistir a tudo; cada família se opõe a outras famílias, outros grupos. A família, como sua propriedade, não é uma das causas da guerra? 

(...) A família como está agora é uma unidade de relacionamento limitado, fechada em si mesma e exclusiva. Os reformadores e os supostos revolucionários tentaram abolir esse espírito de família exclusivista que gera todo tipo de atividade antissocial; mas ela é um centro de estabilidade como o oposto da insegurança, e a atual estrutura social no mundo inteiro não pode existir sem essa segurança. A família não é uma simples unidade econômica, qualquer esforço para resolver essa questão nesse nível obviamente fracassará. O desejo por segurança não é apenas econômico, mas muito mais profundo e complexo. Se o homem destruir a família, encontrará outras formas de segurança por meio do Estado, do coletivo, da crença e assim por diante, que, por sua vez, gerará os próprios problemas. Precisamos entender o desejo por segurança interior e psicológica, e não simplesmente substituir um padrão de segurança por outro. 

Então o problema não é a família, mas o desejo de estar seguro. O desejo de segurança não é, em qualquer nível, exclusivo? Esse espírito de exclusividade revela-se na família, na propriedade, no Estado, na religião, etc. Esse desejo de segurança interior não estabelece formas exteriores de segurança  que são sempre exclusivas? O próprio desejo de estar seguro destrói a segurança. Exclusão e separação devem, inevitavelmente, produzir desintegração; o nacionalismo, o antagonismo de classes e a guerra são seus sintomas. A família como meio de segurança interior é uma fonte de desordem e catástrofe social. 

(...) Somente quando não procurarmos a segurança interior é que poderemos viver exteriormente seguros. Enquanto a família for o centro da segurança, haverá desintegração social; enquanto a família for usada como um meio para um fim autoprotetor, deverá haver conflito e infelicidade.(...) Enquanto eu usá-la, ou outra pessoa, para minha segurança psicológica, interior, terei de ser exclusivo; eu serei o mais importante, eu terei o maior significado; é a minha família, a minha propriedade. O relacionamento de utilidade é baseado na violência; a família como meio de segurança interior mútua provoca conflito e confusão. 

(...) Usar o outro como meio de satisfação e segurança não é amor. O amor nunca é segurança; o amor é um estado no qual não há o desejo de estar seguro; é um estado de vulnerabilidade; é o único estado no qual a exclusividade, a animosidade e o ódio são impossíveis. Nesse estado, a família pode tomar forma, mas ela não será exclusiva, fechada em si mesma. 

(...) É bom estar consciente dos comportamentos habituais do próprio pensamento. O desejo interior de segurança expressa-se exteriormente pela exclusão e violência, e, enquanto seu processo não for totalmente entendido, não poderá haver amor. O amor não é outro refúgio na busca por segurança. O desejo por segurança precisa cessar totalmente para o amor existir. O amor não é algo que possa ser produzido por meio da compulsão. Qualquer forma de compulsão, em qualquer nível, é a própria negação do amor.(...) Só o amor pode produzir uma revolução ou transformação radical no relacionamento; e o amor não é um produto da mente. O pensamento pode planejar e formular estruturas magníficas de esperança, mas só levará a mais conflito, confusão e infelicidade. O amor existe quando a mente astuta e fechada em si mesma não existe.

Jiddu Krishnamurti — Comentários sobre o viver 

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill