Teórica ou verbalmente, pode-se convir em que é muito importante que o indivíduo se desprenda do coletivo, mas parece-me que não se dispensa atenção suficiente a este problema; porque, só quando ocorre a criadora libertação do indivíduo existe a possibilidade de descobrir e viver uma vida totalmente diferente da que atualmente vivemos. Na atualidade, nossa vida, nosso, pensar é coletivo; fazemos parte do coletivo; e se se deseja criar uma sociedade de ordem diferente com valores diferentes, acho que é necessário o indivíduo começar a compreender todas as impressões coletivas que a mente acumulou através dos séculos. E, como disse, só quando existe liberdade exatamente no começo, pode o indivíduo libertar-se. Não se pode negar que quase todos nós somos resultado do ambiente; nossos pensamentos, atividades, crenças, nossos vários interesses, tudo está condicionado pelas numerosas influências existentes ao redor de nós; e para descobrir o que é a verdade, o indivíduo tem de libertar a mente desse conglomerado de influências, tarefa essa extremamente árdua e difícil. Não me parece que estamos dando atenção suficiente a este assunto. Mas é só quando a mente se liberta dessas muitas influências, que se torna incorrupta, e só então existe a possibilidade de descobrir algo inteiramente novo — algo que não foi premeditado, que não é uma autoprojeção, nem resultado de qualquer meio cultural, sociedade ou religião.
Propaganda é cultivo de preconceitos; e todos nós somos dominados por preconceitos, porque fomos educados para aceitar ou rejeitar, porém nunca para investigar o problema da influência. Dizemos estar em busca da verdade; mas o que é que a maioria de nós está buscando? Se você ficar um pouco vigilante, a auto-observação revelará que está buscando um certo resultado; você deseja uma certa satisfação, uma estabilidade ou permanência interior, que você chama de diferentes nomes, conforme o ambiente em que foi criado. E você não está buscando sucesso? Você deseja sucesso, não só neste mundo mas também no outro. Quer-me parecer que esse desejo de sucesso, de chegar a alguma parte, de tornar-se algo, é resultado de educação errônea. E pode a mente libertar-se totalmente desse desejo?
Não me parece que costumamos fazer esta pergunta a nós mesmos, porquanto o que nos interessa é, tão-só, seguir um método, um sistema ou um ideal, que esperamos produzirá um resultado, nos conduzirá à certeza, ao sucesso, à final e permanente felicidade, bem-aventurança, ou seja o que for. Nossa mente, por conseguinte, está sempre empenhada no esforço para alcançar algo; e enquanto a mente estiver visando um alvo, um fim, um resultado que lhe dê satisfação completa, será inevitável a criação da autoridade e a obediência a ela. Não é exato isso? Enquanto penso que a bem-aventurança, a felicidade, Deus, a Verdade, ou o que quiser, é um fim que se deve alcançar, haverá o desejo de alcançá-lo; portanto, preciso de um guru, uma autoridade que me ajude a conseguir o que ambiciono. Por conseguinte, me torno um seguidor, dependente de outra pessoa; e enquanto houver dependência, não se pode pensar na possibilidade de o indivíduo desligar-se do coletivo e encontrar por si mesmo a Verdade, ou descobrir qual é a coisa correta que cumpre fazer.
Assim, se observar, verá que estamos sempre procurando alguém que nos indique o que devemos fazer. Vendo-nos confusos, dirigimo-nos a outro, em busca de conselho. O resultado é que estamos sempre a seguir e, portanto, psicologicamente, instaurando a autoridade, a qual, invariavelmente, cega-nos o pensar, impedindo-nos a tão essencial ação criadora.
Exteriormente, nesta sociedade de competição, aquisição, temos de ser ambiciosos, cruéis, para não sermos expulsos ou exterminados. Interiormente, isto é, psicologicamente, somos também ambiciosos; aí também está o desejo de atingirmos uma certa culminância e, assim, vivemos a perseguir um objetico, de nós mesmos "projetado" ou criado por outro. Percebido esse fato, o que se deve fazer? Como descobrir a ação correta?
Positivamente, este problema concerne a todos nós. Vemos que há confusão dentro de nós e ao redor de nós; os velhos valores e crença e dogmas, os guias que temos seguido, não mais nos satisfazem, perderam toda a sua força; e se percebemos esse caos em que nos encontramos, o que devemos fazer?Como descobrir qual é a ação correta? Para penetrarmos este problema, temos de perguntar a nós mesmos o que entendemos por "busca", não acha? Todos dizemos que estamos buscando — pelo menos o dizem os que sentem verdadeiro interesse e empenho; mas antes de prosseguirmos em nossa busca, por certo devemos descobrir o que entendemos por essa palavra e o que é que cada um de nós está buscando.
Senhor, pode-se encontrar alguma coisa nova mediante a busca? Ou só se pode achar, nessa busca, o que já se conheceu antes e que foi "projetado" no futuro? Acho muito importante essa questão. O que é que estamos buscando? E pode a mente que está buscando, encontrar alguma coisa que transcende o tempo, que transcende suas próprias projeções? Isto é, digo que estou buscando a verdade, Deus, a felicidade; mas para achar isso, preciso ser capaz de reconhece-lo, não é verdade? E para ser capaz de reconhece-lo, preciso te-lo experimentado antes. A experiência anterior é indispensável ao reconhecimento e, portanto, se sou capaz de reconhecer uma coisa, ela já existia em minha mente e, por conseguinte, não pode ser a Verdade; é apenas uma "projeção", uma coisa saída de mim mesmo. Todavia, é isso o que está fazendo a maioria de nós. Quando buscamos, estamos a demandar uma coisa já experimentada pela mente e que ela quer de novo agarrar; por conseguinte, o que verdadeiramente nos interessa é a permanência de uma experiência que nos deu prazer, que nos deleitou. Enquanto a mente estiver buscando, é bem evidente que não poderá descobrir o que é a Verdade. Só quando já não está buscando — e isso não significa tornar-se embotada, distraída — e compreende o total "processo" da busca, é só então que se encontra a possibilidade de descobrir algo que não foi "projetado", avaliado pela mente.
Por exemplo, você lê no Gita ou no Upanishads a descrição de uma certa coisa que é permanente, de uma perene bem-aventurança, ou o que quer que seja; e porque esta nossa vida é transitória, porque o seu pensar, as suas atividades, as suas relações se acham num estado de confusão, transtornando-lhe, tornado-lhe infeliz, você começa a aspirar àquele outro estado, a cujo respeito você leu. É isso o que está buscando. Na busca desse estado, você está cultivando a aceitação da autoridade, colocando-se na dependência de alguém que promete levar-lhe àquilo que você ambiciona. Por conseguinte, você se torna um seguidor; e enquanto um homem está seguindo, é parte integrante do coletivo, da massa. Você já reconheceu, já fixou na mente uma imagem daquele outro estado e agora o está buscando, apoiado num guru, na meditação, na prática de várias disciplinas, etc. O que você está realmente buscando é uma coisa que você já conhece, ou que lhe ensinaram, um estado a cujo respeito você leu alguma coisa ou que vagamente experimentou; a sua busca, pois, visa à continuação de uma experiência aprazível, ou ao descobrimento de um estado deleitável que, esperançosamente, você supõem existir. Não é exato isso? Eu lhe digo que esta busca nunca lhe revelará o desconhecido; ela, portanto, tem de cessar.
(...) Nossa vida, como vivemos atualmente, é contraditória, superficial, vazia, e nos vemos muito confusos. Andamos de guru para outro, de um livro para outro; ao redor de nós se movimentam os especialistas disso que chamamos espiritualidade, cada um deles oferecendo um método especial de meditação, de disciplina; e nos vemos obrigados a escolher o que é "correto" fazer. Mas, onde há escolha, há sempre confusão; e eu acho que, antes de começarmos a escolher, buscar, é absolutamente necessário que descubramos por nós mesmos o que é liberdade. Porque só a mente livre é capaz de investigar, e não a mente que está aprisionada na tradição, que está condicionada, influenciada; nem aquela que busca um resultado; nem aquela que está toda entregue à atividade, no presente, em relação com o futuro "projetado".
(...) Cumpre-nos, pois, investigar quais são as pressões, os "motivos" que estão nos impelindo a agir desta ou daquela maneira; porque, a menos que compreendamos tais influências e delas nos libertemos, a nossa ação levará, invariavelmente, à confusão e a sofrimentos ainda piores. Eis porque razão é tão importante possuir autoconhecimento, que consiste em compreender o fundo, o condicionamento da mente, e dele libertar-se a todos os momentos. Você deve saber que, quando estamos interessados apenas na ação imediata, somos por ela arrastados, sem termos investigado o problema do condicionamento, de como a mente foi moldada para ser hinduísta, cristão, etc. E, a menos que a mente se liberte a cada momento de seu condicionamento, toda ação que empreender há de ser desintegradora e produtora de mais caos. O que interessa, portanto, não é escolhermos tal ou qual norma de ação, mas, sim, compreendermos como a mente está condicionada. Porque, do libertar da mente de seu condicionamento resulta uma ação sã, racional, inteligente.
O importante, por conseguinte, é descobrirmos, por nós mesmos, o que cada um de nós está buscando e se o que buscamos tem valia ou se representa apenas uma fuga. É de toda necessidade possuir o autoconhecimento — conhecer a si mesmo, não como Atman, etc., porém, saber, cada um, o que ele próprio é, de dia em dia; e isso significa observar o seu próprio modo de pensar, as influências que lhe servem de base ao pensar, e estar cônscio dos movimentos conscientes e inconscientes da mente. Então, a mente é capaz de tornar-se muito tranquila; e só nessa tranquilidade é possível acontecer algo real.
Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA