Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

Mostrando postagens com marcador vazio. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador vazio. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O mecanismo da necessidade e da dependência

O mecanismo da necessidade e da dependência

Há dias estivemos falando sobre o desejo e o conflito resultante do desejo; e gostaria de continuar com esse mesmo assunto e falar também sobre a necessidade, a paixão e o amor, pois acho que tudo isso está relacionado entre si. Se pudermos examinar esta matéria profunda e fundamentalmente, talvez então possamos compreender todo o significado do desejo. Mas, antes de podermos compreender o desejo, com todos os seus conflitos e torturas, acho necessário compreender-se a questão da necessidade.

Naturalmente, temos necessidade de certas coisas exteriores, superficiais, tais sejam roupas, teto e alimentos. Estas coisas são essenciais para todos nós. Mas, necessitamos realmente de mais alguma coisa? Psicologicamente, existe uma necessidade real de sexo, de fama, do imperioso impulso da ambição, do perpétuo ansiar por mais e mais? De que necessitamos, psicologicamente? Pensamos que necessitamos de muitas coisas, e daí é que resulta todo o sofrimento da dependência. Mas, se examinarmos realmente, se investigarmos profundamente a questão, existe alguma necessidade essencial, psicologicamente, interiormente? Acho que valeria a pena fazermos seriamente esta pergunta a nós mesmos. A dependência psicológica de outra pessoa nas relações, a necessidade de estar em comunhão com outro, a necessidade de aderir a um dado padrão de pensamento e de atividade, a necessidade de preenchimento, de nos tornarmos famosos — todos conhecemos essas necessidades e constantemente estamos cedendo a elas. E penso que seria significativo se pudéssemos, cada um de nós, tentar descobrir quais são realmente as nossas necessidades e até que ponto delas dependemos. Porque, se não compreendermos a necessidade, não seremos capazes de compreender o desejo, não seremos capazes de compreender a paixão e, por conseguinte, o amor. Seja rico, seja pobre, um homem necessita evidentemente de comida, de roupa e de teto, embora, mesmo aí, a necessidade possa ser limitada, pequena, ou expansível. Mas, além dessa, existe realmente alguma necessidade? Por que se tornaram tão importantes as nossas necessidades psicológicas, por que se tornaram uma força tão imperiosa e compulsiva? São elas, meramente, uma fuga de algo muito mais profundo?

Em nossa investigação não estamos procedendo analiticamente. Estamos tentando encarar o fato, ver exatamente o que é; e isso não requer nenhuma espécie de análise, de psicologia, de engenhosas e digressivas explicações. O que estamos tentando é ver por nós mesmos quais são as nossas necessidades psicológicas, e não explicá-las, não racionalizá-las, e sem perguntar: “Que faremos sem elas? Eu tenho de tê-las”. Isso fecha a porta à ulterior investigação. E, evidentemente, a porta está também hermeticamente fechada quando a investigação é puramente verbal, intelectual ou emocional. A porta está aberta quando desejamos realmente enfrentar o fato, e isso não requer um intelecto extraordinário. Para se compreender um problema muito complexo, necessita-se de uma mente clara, simples; mas nega-se a simplicidade e a clareza quando temos uma quantidade de teorias e estamos tentando evitar o problema.

A questão, pois, é: Por que temos essa imperiosa necessidade de preencher-nos, por que somos tão cruelmente ambiciosos, por que tem o sexo tão extraordinária importância em nossa vida? Não importa a qualidade ou a quantidade de nossas necessidades, ou se alguém tem “o máximo” ou “o mínimo”; mas, por que existe esse tremendo impulso para nos preenchermos, na família, num nome, numa posição, etc., com todas as respectivas ansiedades, frustrações e sofrimentos — impulso que a sociedade estimula e a igreja abençoa?

Ora, se examinardes isso, pondo de parte a reação de dizer: “Que me aconteceria se eu não tivesse êxito na vida?” — descobríreis, sem dúvida, algo muito mais profundo, ou seja o medo de “não ser”, do isolamento completo, do vazio e da solidão. Ele lá está, profundamente oculto, esse anseio tremendo, esse medo de se ver isolado de tudo. Eis a razão por que nos apegamos a todas as formas de relação. Eis por que existe a necessidade de pertencer a alguma coisa, a um culto, uma sociedade, de entregar-se a certas atividades, de ater-se a determinada crença; porque, dessa maneira, podemos fugir da realidade interior, profunda. É esse medo, por certo, que força a mente, o intelecto, nosso ser inteiro, a aderir a uma dada forma de crença ou de relação, a qual se torna, então, necessidade.

Não sei se alcançastes este ponto, nesta investigação, — não verbalmente, porém realmente. Isso significa descobrir diretamente e enfrentar o fato de se ser nada, de se estar interiormente vazio como uma concha e coberto das joias do saber e da experiência que, na realidade, nada mais são do que palavras e explicações. Ora, para enfrentar esse fato sem desespero, sem sentir quanto ele é terrível, porém, simplesmente, “ficar com ele”, é necessário em primeiro lugar compreender a necessidade. Se compreendermos o significado da necessidade, ela não terá mais tanta preponderância, em nossa mente e coração.

Voltaremos a este tópico mais tarde. Mas passemos a considerar o desejo. Conhecemos — não é verdade? — o desejo que se contradiz, se tortura, se lança em diferentes direções; a dor, a agitação, a ansiedade do desejo, e o disciplinar, o controlar dele. E, em nossa eterna batalha com ele, torcemo-lo, desfiguramo-lo, tornamo-lo irreconhecível; mas ele subsiste, vigilante, expectante, premente. O que quer que se faça — sublimá-lo, fugir-lhe, rejeitá-lo ou aceitá-lo, soltar-lhe as rédeas — ele está sempre presente. E sabemos que os instrutores religiosos e outros têm dito que devemos ser isentos de desejos, cultivar o desapego — coisa realmente absurda, porquanto o desejo tem de ser compreendido e, não, destruído. Se destruís o desejo, podeis destruir a própria vida. Se pervertemos o desejo, se o moldamos, controlamos, dominamos, reprimimos, podemos estar destruindo algo extraordinariamente belo.

Temos de compreender o desejo; mas é dificílimo compreender essa coisa tão cheia de vitalidade, tão exigente e premente, pois no próprio preenchimento do desejo gera-se a paixão, com os prazeres e dores respectivos. E para se compreender o desejo não deve, naturalmente, haver escolha. Não se pode julgar o desejo chamando-o “bom” ou “mau”, “nobre” ou “ignóbil”, ou dizer: “Conservarei este desejo e rejeitarei aquele”. Tudo isso deve ser posto de parte para podermos descobrir a verdade relativa ao desejo — sua beleza, fealdade, ou o de adquirir conhecimentos e acumular vários tipos de experiência, ao que quer que seja. Este é um assunto muito interessante, mas aqui no Oeste, ou Ocidente, muitos desejos podem ser preenchidos. Tendes carros, prosperidade, melhor saúde, a possibilidade de ler livros, ao passo que no Oriente existe ainda carência de alimentos, de roupa e de moradia, bem como a desdita e a degradação da pobreza. Mas tanto no Ocidente como no Oriente, o desejo sempre arde em todos os sentidos; ele está sempre presente, exteriormente e também interiormente, bem entranhado. O homem que renuncia ao mundo está tão tolhido pelo seu desejo de buscar Deus, como o está o homem que busca a prosperidade. Assim, o desejo está presente a todas as horas, ardente, contraditório, criando agitação, ansiedade, culpa e desespero.

Não sei se já fizestes experiências a esse respeito; mas que aconteceria se não condenássemos o desejo, se não o julgássemos “bom” ou “mau”, porém ficássemos simplesmente apercebidos dele? Será que sabeis o que significa “estar apercebido de alguma coisa”? Em geral, não estamos “apercebidos”, porque nos acostumamos a condenar, a julgar, a avaliar, a identificar, a escolher. A escolha, evidentemente, impede o percebimento, porque a escolha é sempre feita como resultado de conflito. Estar apercebido, ao entrar numa sala, ver os móveis, o tapete ou a falta dele, etc. — ver, simplesmente, estar apercebido de tudo sem tendência para julgar — é dificílimo. Já experimentastes olhar para uma pessoa, uma flor, uma ideia, uma emoção, sem fazer escolha, sem emitir julgamento?

E se fizermos o mesmo com o desejo, se “vivermos com ele” — sem rejeitá-lo ou dizer “Que farei com este desejo? Ele é tão feio, veemente, violento”, sem lhe aplicar um nome, um símbolo, sem encobri-lo com uma palavra — existe então ainda a causa da agitação? É então o desejo algo que se deve lançar fora, destruir? Desejamos destruí-lo porque um desejo está em antagonismo com outro, criando conflito, sofrimento e contradição; e pode-se ver como tentamos fugir desse conflito perene. Assim, pode-se estar apercebido da totalidade do desejo? O que entendo por “totalidade” não é simplesmente um desejo ou muitos desejos, mas a “qualidade total” do próprio desejo. E só se pode estar apercebido da totalidade do desejo, quando não há opinião a seu respeito, nem palavra, nem julgamento, nem escolha. Estar apercebido de cada desejo ao surgir, não se identificar com ele nem condená-lo — nesse estado de alerta existe desejo ou o que existe é uma chama, uma paixão, que nos é necessária? A palavra “paixão” é de ordinário reservada para uma coisa: o sexo. Mas, para mim, paixão não é sexo. Precisamos de paixão, intensidade, para podermos viver realmente com uma coisa; para vivermos plenamente, contemplarmos uma montanha, uma árvore, olharmos realmente para um ente humano, devemos ter intensidade apaixonada. Mas essa paixão, essa chama é negada, quando estamos tolhidos por vários impulsos, exigências, contradições, temores. Como pode sobreviver uma chama se a sufocamos com uma quantidade de fumo? Nossa vida é só fumaça; buscamos a chama, mas a estamos negando pelo reprimir, controlar, moldar a coisa que chamamos desejos.

Sem a paixão, como pode haver beleza? Não me refiro à beleza de quadros, edifícios, pinturas de mulheres, etc., que têm suas peculiares formas de beleza, mas não estamos tratando da beleza superficial. Uma coisa construída pelo homem, como uma catedral, um templo, um quadro, um poema, ou uma estátua, pode ser ou pode não ser bela. Mas existe uma beleza superior ao sentimento e ao pensamento e que não pode ser percebida, compreendida ou conhecida se não existe paixão. Mas não interpreteis erroneamente a palavra “paixão”. Não é uma palavra feia; não é uma coisa adquirível no mercado ou de que se pode falar romanticamente. Não tem absolutamente nenhuma relação com a emoção, o sentimento. Não é coisa respeitável; é uma chama destruidora de quanto é falso. E temos sempre tanto medo de deixar essa chama consumir as coisas que nos são caras, as coisas que chamamos importantes!

Afinal de contas, a vida que atualmente levamos, baseada em necessidades, desejos e métodos de controlar o desejo, faz-nos mais superficiais e vazios do que nunca. Podemos ser talentosos, ilustrados, e capazes de repetir tudo o que aprendemos; mas as máquinas eletrônicas fazem a mesma coisa e já, em certos setores, as máquinas se tornaram mais capazes do que o homem, mais exatas e rápidas em seus cálculos. E assim estamos sempre voltando a este mesmo tópico, ou seja, que a vida que vivemos atualmente é bem superficial, estreita, limitada, e isso porque, profundamente, estamos vazios, sós, e sempre tentando encobrir, preencher esse vazio; por isso, a necessidade, o desejo se torna uma coisa terrível. Nada pode preencher esse profundo vazio interior — nem deuses, nem salvadores, nem o saber, nem as relações, nem os filhos, nem o marido, nem a esposa — nada. Mas se a mente, o intelecto, a totalidade de vosso ser, é capaz de encará-lo, deviver com ele”, vereis então que, psicológica, interiormente, não há necessidade de coisa alguma. Esta é a verdadeira liberdade.

Isso, porém, requer profundo discernimento, profunda investigação, incessante vigilância; e desse modo talvez venhamos a saber o que é o amor. Como pode haver amor quando há apego, ciúme, inveja, ambição e todas as hipocrisias que acompanham esta palavra? Mas, se tivermos passado por aquele vazio — que é uma realidade e não um mito nem uma ideia — veremos que o amor e o desejo e a paixão são uma mesma coisa. Se se destrói uma, destrói-se a outra; se se corrompe uma, corrompe-se a beleza. Para se penetrar tudo isso requer-se, não uma mente desapegada, dedicada ou uma mente religiosa, mas uma mente disposta a investigar, uma mente nunca satisfeita, que está sempre a olhar, a vigiar, a observar a si própria — a conhecer a si mesma. Sem o amor, nunca será possível descobrir o que é a verdade.

PERGUNTA: Como se pode descobrir qual é o nosso problema principal?

KRISHNAMURTI: Por que dividir os nossos problemas em principais e secundários? Não é tudo problema? Por que fazer deles pequenos problemas ou grandes problemas, problemas essenciais ou não essenciais? Se pudéssemos compreender um só problema, examiná-lo muito profundamente, por maior ou menor que ele seja, esclareceríamos todos os outros problemas. Esta não é uma resposta retórica. Consideremos um problema qualquer: cólera, ciúme, inveja, ódio — conhecemo-los todos muito bem. Se examinardes com profundeza a cólera, em vez de procurardes expulsá-la, que encontrais então? Por que se encoleriza uma pessoa? Porque se sente magoada: alguém lhe disse algo ofensivo; e se lhe dizemos algo que a lisonjeia, sente-se satisfeita. Por que se ofende uma pessoa? Porque atribui importância a si mesma, não é verdade? E por que existe essa importância própria? Porque cada um tem de si mesmo uma ideia, um símbolo, uma imagem — uma ideia do que deveria ser, do que é, do que não deveria ser. Por que cria uma pessoa uma imagem a respeito de si própria? Porque nunca estudou o que ela é realmente. Pensamos que devemos ser isto ou aquilo, o ideal, o herói, o exemplo. O que nos desperta a cólera é ver que está sendo atacado o nosso ideal, a ideia que temos de nós mesmos. E a ideia que temos de nós mesmos representa nossa fuga ao fato, ao que somos realmente. Mas, quando estais observando o fato real, o que sois realmente, ninguém vos pode ofender. Então, se uma pessoa é mentirosa e lhe dizem que ela é mentirosa, isso não pode significar uma ofensa, porque se trata de um fato. Mas, se queremos aparentar que não somos mentirosos e alguém nos diz que o somos, tornamo-nos encolerizados, violentos. Assim, estamos sempre vivendo num mundo imaginário, mítico, e nunca no mundo da realidade. Para se observar o que é, vê-lo, familiarizar-se com ele, não deve haver julgamento, nem avaliação, nem opinião, nem medo.[...]

PERGUNTA: Por que nos assalta o medo ao nos tornarmos apercebidos de nosso próprio vazio?

KRISHNAMURTI: O medo só se manifesta quando estamos fugindo da coisa que é; quando a estamos evitando, repelindo. Se vos adiais verdadeiramente em presença da coisa, olhando-a de frente, existe medo então? Fugir, movimentar-se para longe do fato, atemoriza. O temor é “mecanismo” de pensamento, e o pensamento origina-se do tempo; e se não compreenderdes todo o “mecanismo” do pensamento e do tempo, não compreendereis o medo. Olhar o fato, sem procurar evitá-lo, é pôr fim ao temor. [...]

PERGUNTA: A libertação pode ser realizada por todos?

KRISHNAMURTI: Decerto. Ela não é dada só a uns poucos. O estado de libertação não é uma espécie de “aristocracia”; está ao alcance de quantos queiram investigá-lo. Lá está, com beleza e força sempre mais ampla e profunda, quando há autoconhecimento. E cada um pode começar a conhecer-se observando a si próprio, como quem se vê ao espelho. O espelho não mente; mostra-vos vossas feições exatamente como são. Da mesma maneira podeis observar-vos, sem desfiguração. Começais então a descobrir-vos. É uma coisa extraordinária o autoconhecimento. O caminho da realidade, daquela imensidão desconhecida, não passa pela porta de uma igreja nem por livro nenhum, mas apenas pela porta do autoconhecimento.

Krishnamurti, Paris, 12 de setembro de 1961, O Passo Decisivo

sábado, 7 de abril de 2018

O mecanismo da fuga do vazio existencial


O mecanismo da fuga do vazio existencial

Penso que a maioria de nós acha a vida muito insípida. Para ganharmos o sustento, precisamos exercer uma certa profissão, e esta se torna muito monótona; começa-se uma rotina, que temos de seguir, ano por ano, até morrer. Ricos ou pobres, e ainda que sejamos muito eruditos ou dotados de espírito filosófico, nossas vidas são em geral superficiais, vazias. Há evidentemente uma insuficiência em nós mesmos, e ao nos tornarmos apercebidos desse vazio procuramos preenchê-lo com conhecimentos, com alguma espécie de atividade social, ou nos refugiamos em divertimentos de toda ordem, ou apegamo-nos a alguma crença religiosa. Ainda que tenhamos uma certa capacidade e sejamos muito eficientes, nossas vidas são, ainda assim, insípidas e, para nos livrarmos dessa insipidez, dessa cansativa monotonia da vida, buscamos uma certa forma de enriquecimento religioso, tentamos conquistar aquele "estado de ser" extramundano que não é uma rotina e que, por enquanto, pode ser chamado "o outro estado". Em nossa busca desse outro estado, encontramos muitos sistemas diferentes, diferentes caminhos que se supõe conduzirem a ele; e, assim, pelo disciplinamento de nós mesmos; pela prática de determinado sistema de meditação, pela observância de um certo ritual ou a repetição de certas frases, esperamos alcançar aquele estado. Sendo a nossa vida um ciclo interminável de dores e de prazeres, de variadas experiências sem muita significação ou mera repetição, sem sentido algum, de uma mesma experiência — o viver constitui para a maioria de nós uma monótona rotina. Por esta razão, o problema de nosso enriquecimento interior, da conquista do "outro estado" — chamai-o Deus, a Verdade, bem-aventurança ou como quiserdes — se torna muito urgente, não é verdade? Podeis estar bem de vida, bem casado, ter filhos podeis pensar inteligente e equilibradamente, entretanto, sem aquele estado, a vida se torna horrivelmente vazia.

Que se deve, pois, fazer? Como conquistar aquele estado? Ou é completamente impossível conquistá-lo? A nossa mente, como hoje está constituída, é sem dúvida muito insignificante, limitada, condicionada; e embora uma mente limitada possa especular a respeito do "outro estado", suas conjecturas serão sempre limitadas. Ela poderá formular um estado ideal, conceber e descrever aquele outro estado, mas suas concepções permanecem dentro de suas estreitas limitações, e penso que aí é que se encontra o fio da meada: no perceber que a mente não pode, em circunstância alguma, experimentar, viver aquele outro estado, se se limita a formulá-lo ou a especular a seu respeito. Não há dúvida de que esta é uma descoberta extraordinária: o perceber que, sendo a mente limitada, pequena, estreita, superficial, todo movimento que faça para alcançar aquele estado extraordinário, constitui um empecilho. O descobrimento deste fato, não especulativamente porém realmente, é o começo de uma maneira nova de considerar o problema.

Nossas mentes, em verdade, são produto do tempo, de muitos milhares de dias passados, resultado da experiência baseada no "conhecido"; e, em tais condições, a mente é uma continuação do "conhecido". A mente de cada um de nós é resultado de cultura, educação, e por mais extenso que seja o seu saber ou preparo técnico, ela é sempre produto do tempo; por conseguinte, é limitada, condicionada. Com esta mente, queremos descobrir o incognoscível; e compreender que essa mente nunca poderá descobrir o incognoscível, constitui uma experiência verdadeiramente extraordinária. Descobrir que a mente de um indivíduo, por mais sagaz, por mais sutil, por mais ilustrada que seja, não pode de modo nenhum compreender aquele outro estado — esse descobrimento traz consigo uma certa compreensão "factual" e acho que este é o começo de uma perspectiva da vida que poderá abrir a porta que conduz àquele outro estado.

Expressando o problema de maneira diferente: a mente está sempre e sempre ativa, "tagarelando", planejando, e é capaz de extraordinárias sutilezas e invenções. E de que maneira pode esta mente tornar-se quieta? Vê-se que toda atividade da mente, todo movimento que faça, em qualquer direção, é reação do passado. Como quietar esta mente? Se a quietamos por meio de disciplina, sua quietude é um estado em que não há investigação, busca, não é exato? Em tais condições, ela não está aberta para o "desconhecido", "o outro estado".

Não sei se já alguma vez pensastes neste problema, ou se nele tendes pensado unicamente pela maneira tradicional, ou seja, tendo um ideal e dirigindo-se para ele segundo uma certa fórmula ou a prática de determinada disciplina. Disciplina implica, invariavelmente, repressão e o conflito da dualidade — e isso está na esfera da mente e por esse caminho prosseguimos, esperando captar o outro estado. Mas nunca indagamos inteligentes e sãmente se nossa mente é capaz de captá-lo. Sugeriu-se-nos que a mente deve estar tranquila, mas a tranquilidade foi sempre cultivada por meio de disciplina. Isto é, temos o ideal de uma mente tranquila, e buscamos realizar este ideal por meio de controle, luta, esforço.

Ora bem, se considerais atentamente esse mecanismo, em sua inteireza, vereis que está todo no terreno do conhecido. Apercebida da monotonia de sua existência, cansada de suas repetidas experiências, empenha-se a mente em conquistar aquele "outro estado". Mas, quando se percebe que a mente é o "conhecido" e que todo movimento que faz não a leva ao outro estado, que é "o desconhecido", o nosso problema se resume então, não em como conquistar o desconhecido, mas em descobrir se a mente pode libertar-se do "conhecido". Penso que este problema deve ser considerado por todo aquele que deseje descobrir se existe alguma possibilidade de "realizar o outro estado", o desconhecido. Assim sendo, como pode a mente, que é resultado do passado, do conhecido, libertar-se do conhecido? Espero me esteja fazendo claro.

Como disse, a mente atual — tanto consciente como inconsciente — é produto do passado, resultado acumulado de influências raciais, climáticas, dietéticas, e outras. A mente, portanto, está condicionada, condicionada como cristã, hinduísta, budista ou comunista, e é bem óbvio que ela projeta aquilo que considera ser o real. Mas, quer a sua "projeção" seja a do comunista, que julga prever o futuro e quer forçar toda a humanidade a adaptar-se ao padrão de sua Utopia, quer seja a "projeção" do chamado homem religioso, que também julga conhecer o futuro e educa a criança, a pessoa de acordo com o seu ponto de vista particular — nem uma nem outra dessas projeções é o Real. Sem o Real, a vida se torna muito insípida, como é atualmente para a maioria das pessoas. E sendo insípidas as nossas vidas, começamos a tornar-nos românticos e sentimentais, a respeito do outro estado, do Real.

Ora, vendo-se que é este o padrão de nossa existência, e sem entrarmos em muitos pormenores, pergunto se é possível a mente libertar-se do conhecido, constituído das acumulações psicológicas do passado. Há também o conhecido representado pelas nossas atividades diárias, mas deste, como é bem óbvio, a mente não pode livrar-se; porque se qualquer de nós esquecesse o caminho de sua casa ou esquecesse os conhecimentos que o habilitam a ganhar o sustento, estaria à beira da demência. Mas pode a mente libertar-se dos fatores psicológicos do conhecido, que lhe oferecem a segurança pela associação e a identificação?

Para investigar esta matéria, teremos de descobrir se há realmente diferença entre o pensador e o pensamento, entre o observador e o objeto observado. Atualmente, há uma divisão entre os dois, não é verdade? Pensamos que o "eu", a entidade que experimenta, é diferente da experiência, do pensamento. Há um intervalo, uma divisão entre o pensador e o pensamento e por esta razão dizemos: "Tenho de controlar o pensamento". Mas o "eu", o pensador, é diferente do pensamento? O pensador está sempre procurando controlar o pensamento, moldá-lo de acordo com o que considera ser um padrão bom; mas existe pensador, se não existe pensamento? Só há pensar, e este cria o pensador. Podemos colocar o pensador em qualquer nível, chamá-lo o Supremo, o Atman; ou o que quer que seja; mas ele continua a ser resultado do pensar. O pensador não criou o pensamento; foi o pensamento que criou o pensador. Reconhecendo sua própria impermanência, o pensamento cria o pensador como entidade separada, a fim de dar permanência a si mesmo, pois é isso, afinal de contas, o que todos desejamos. Podeis dizer que a entidade a que chamais Atman, alma, pensador, está separada do pensamento, da experiência; mas só podeis estar apercebido da existência de uma entidade separada, por meio do pensamento e, também, por causa de vosso condicionamento como hinduísta, cristão, ou o que quer que sejais. Enquanto existir esta dualidade de pensador e pensamento, existirá necessariamente conflito, esforço, ou seja, a ação da vontade. E uma mente que quer libertar-se, que diz: "Tenho de libertar-me do passado" — o que essa mente faz é só criar outro padrão.

Assim, a mente só pode libertar-se — e só então se torna possível a existência do "outro estado" — depois de cessar o esforço do "eu" para alcançar um resultado, neste mundo ou no outro mundo. Tudo o que fazemos se baseia em luta, ambição, sucesso, consecução de objetivos; e por esta razão, pensamos que a "realização" de Deus, ou da Verdade, só se torna possível mediante esforço. Mas esforço denota atividade egocêntrica para alcançar um fim. Não significa abandono do "eu".

Agora, se estais apercebidos de todo esse processo da mente — tanto consciente como inconsciente — se o percebeis e compreendeis realmente, vereis a mente tornar-se sobremaneira tranquila, sem esforço algum. A tranquilidade conseguida a força de disciplina, controle, repressão, é a tranquilidade da morte. A tranquilidade a que me refiro se manifesta sem esforço algum assim que compreendemos todo esse mecanismo da mente. Só então existe possibilidade de manifestar-se aquele outro estado, que se pode chamar a Verdade, ou Deus.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Madanapale
26 de fevereiro de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana


sexta-feira, 6 de abril de 2018

O mecanismo da insatisfação e do descontentamento

O mecanismo da insatisfação 

e do descontentamento

Parece-me muito importante descobrirmos, por nós mesmos, o que é que estamos buscando, e porque estamos buscando. Se pudermos examinar esta questão com certa profundeza, acho que descobriremos muitas coisas nela envolvidas. Os mais de nós estamos em busca de alguma espécie de preenchimento. Estando insatisfeitos, queremos achar a satisfação em certa relação, no exercício de certas capacidades, ou na busca de certa espécie de ação que seja completamente satisfatória. Ou, se não somos desse temperamento, então, em geral, buscamos o que pensamos ser a verdade, Deus, etc. Quase todos nós estamos buscando, procurando; e se pudéssemos, cada um de nós, descobrir por nós mesmos o que é que estamos buscando, e porque estamos buscando, esse descobrimento, penso, muitas coisas nos revelaria. Vendo-nos insatisfeitos com nós mesmos, com nosso ambiente, com nossas atividades, nossas ocupações, quase todos desejamos um emprego melhor, uma posição melhor, melhor compreensão, atividades mais amplas, uma filosofia mais satisfatória, um cargo inteiramente satisfatório. Exteriormente, é isso que desejamos; e, quando não podemos satisfazer-nos, procuramos águas mais profundas, cultivamos a filosofia, interessamo-nos por reformas, reunimo-nos em grupos diversos, para discutir, etc., e a insatisfação continua... Acho importante averiguarmos se o motivo de nossa busca é compreender a insatisfação, ou achar a satisfação. Porque, se é a satisfação que estamos buscando em qualquer nível, é claro, então, que nossa mente se tornará muito vulgar. Mas pode ser que haja um descontentamento sem objetivo, o descontentamento em si, que não é impulso para a consecução de um resultado, para se chegar a alguma parte. Acho que a maioria de nós, vendo-nos insatisfeitos com nossas relações, nossas profissões, nossas atitudes, nossos valores, estamos procurando desvencilhar-nos de tudo isso para adotarmos um diferente sistema de valores, diferentes relações, diferentes ideias, diferentes crenças; mas, no fundo de tudo isso, está o impulso para nos tornarmos satisfeitos.

Seria interessante se pudéssemos descobrir, por nós mesmos, se existe uma coisa tal como um descontentamento sem "motivo" algum, descontentamento que não seja produto de certa frustração; porque esse próprio descontentamento sem "motivo" pode ser a qualidade que se faz necessária. Presentemente, quando estamos buscando, a nossa busca resulta de insatisfação, descontentamento, e nosso "motivo" é achar satisfação desta ou daquela espécie. Principalmente quando falamos a respeito da verdade ou Deus, estamos — não é verdade? — em busca de certo estado de espírito que seja completamente satisfatório. Quer a mente seja muito ampla, muito sutil, quer tenha muito pouca capacidade, se ela está em busca da satisfação — ainda que sob a forma mais sutil — então os seus deuses, suas virtudes, suas filosofias, seus valores, serão forçosamente vulgares, mesquinhos, superficiais.

Nessas condições, é possível a mente ficar livre de toda busca, o que significa: livre daquele descontentamento cujo "motivo" é achar satisfação? Porque, por mais sutil e por mais inteligente que a mente seja, e quaisquer que sejam as virtudes que tenha cultivado, se ela está meramente buscando satisfação, sob qualquer forma, é então incapaz de compreender o que é verdadeiro. Sem dúvida, todo o mecanismo do pensar é medíocre, muito limitado. Afinal de contas, o pensar é resultado da memória acumulada, da associação, da experiência; o pensar é a reação dessa memória, a reação da mente condicionada. Quando esse condicionamento cria insatisfação, então tudo o que resulta dessa insatisfação é também condicionado. Nossa busca será sempre de todo em todo fútil enquanto estiver baseada num descontentamento que não seja mais do que uma simples reação a dado condicionamento.

Percebido isso, surge a questão de saber se existe alguma outra forma de descontentamento, se existe um descontentamento que não esteja "canalizado", que não tenha "motivo" algum, que não vise a um preenchimento. É possível que a coisa essencial seja esse descontentamento "sem motivo", esse descontentamento que não é reação a certo condicionamento. Por ora, o nosso pensar, a nossa busca, tem um "motivo", e esse motivo baseia-se em nossa exigência de um estado permanente de satisfação completa, ao abrigo de toda e qualquer perturbação, estado que chamamos "paz", "verdade", "Deus", etc.; e toda a finalidade da nossa busca é o alcance desse estado. Vemos, pois, que a busca, em geral está baseada na exigência de satisfação, na exigência de um estado de permanência, onde nunca sejamos perturbados. E pode uma mente nessas condições, cujo pensar é "motivado" pelo desejo de satisfação, descobrir, em algum tempo, o que é verdadeiro?

Parece-me que devemos compreender por nós mesmos todo o "mecanismo" que motiva a nossa busca, o porque buscamos, sem nos deixarmos satisfazer por nenhuma palavra preferida, nenhuma finalidade ou alvo preferido, por mais nobre, inspirador ou ideal que pareça. Porque, sem dúvida, o próprio do "eu" é, exatamente, esse constante "mecanismo" de descontentamento dirigido para uma realização, um preenchimento; é só isso que conhecemos. Quando não há preenchimento há frustração; e surgem então os numerosos problemas relativos a como superar este sentimento de frustração. E, assim, a mente busca um estado livre de frustração, sofrimento. Por conseguinte, a nossa busca da verdade pode ser, justamente, preenchimento, expansão do "eu", de "mim". E vemo-nos, assim, aprisionados neste círculo vicioso. Se estamos apercebidos disso, completamente, totalmente, não há então nenhuma tendência para o preenchimento em qualquer crença, qualquer dogma, qualquer atividade, ou qualquer estado particular. A busca de preenchimento implica sofrimento, frustração; e, se percebe a verdade a esse respeito, a mente deixa de buscar. Em meu sentir, há diferença entre a atenção que se dá a um objetivo e a atenção sem objetivo algum. Podemos concentrar-nos em dada ideia, crença, objetivo, o que é um processo de "exclusão"; e há outra atenção, um percebimento que não é "exclusivo". Identicamente, existe um descontentamento, sem "motivo", que não é produto de nenhuma frustração, que não pode ser "canalizado", que não pode aceitar preenchimento algum. Talvez eu não esteja empregando a palavra correta, mas acho que esse extraordinário descontentamento é a coisa essencial. Sem ele, qualquer outra forma de descontentamento se torna mero caminho para a satisfação.

Assim sendo, pode a mente que está apercebida de si mesma, que conhece as peculiaridades de seu próprio pensar, pôr fim a essa exigência de preenchimento? E, terminada ela, podemos permanecer sem buscar, num estado de completa vacuidade, sem esperança, sem medo? Não devemos chegar a esse estado, quando ocorre a completa cessação do buscar? Porque só então é que será possível acontecer algo que não é produto da mente. Nosso pensar, afinal de contas, resulta do tempo, de muitos dias passados; e, através do tempo, que é pensar, estamos tentando achar algo que está além do tempo. Estamo-nos servindo da mente, o instrumento do tempo, para achar uma coisa que não pode ser medida. Nessas condições, pode a mente imobilizar-se de todo para que possa acontecer algo, o que, naturalmente, não significa um estado de amnésia, um estado de inexistência, de não pensamento. Pelo contrário, isso requer muita vigilância, um percebimento em que não há objeto nem "entidade que percebe". Acho importante compreender isso. Atualmente, quando estamos percebendo, comumente, na vida cotidiana, nesse percebimento há julgamento, avaliação; tal é o nosso percebimento normal. Quando olhamos um quadro, começa a funcionar imediatamente o processo de condenação, de comparação, de avaliação; e não podemos ver o quadro, porque o mecanismo de avaliação, como uma cortina, se pôs de permeio. Podemos olhar o quadro sem avaliação, sem comparação? Analogamente, posso olhar a mim mesmo, não importa o que eu seja — todos os erros, tribulações, fracassos, tristezas, alegrias — e ver tudo isso sem avaliação, percebê-lo simplesmente, sem pôr no meio a cortina da condenação ou da comparação? Se a mente for capaz de fazê-lo, veremos que esse próprio percebimento "queima" a raiz de qualquer problema. Quando a mente está assim apercebida, totalmente cônscia, então não há busca; a mente já não está comparando, buscando a satisfação, pensando em termos de realizarão. Não é a mente, então, ela própria, atemporal? Enquanto a mente compara, condena, julga, está condicionada, e está no tempo; mas quando tudo isso cessou, de todo, não se acha então a própria mente naquele estado que se pode chamar "eternidade"? Nesse estado não há observador, não há "experimentador" que tem associações, que tem lembranças, que está buscando, pois tudo isso é produto do tempo. Enquanto o experimentador está buscando, tentando preencher-se, acumulando experiência, acumulando conhecimentos, tentando descobrir campos mais vastos onde viver, está criando o tempo, e suas ações, quaisquer que sejam, estarão sempre dentro da esfera temporal. O imensurável não pode, jamais, ser encontrado pelo experimentador, "aquele que busca". É só naquele estado em que a mente já não está buscando, em que já não está cultivando, pela busca, um fim para ser alcançado, é só então que se torna possível despontar na existência a realidade.

Krishnamurti, Sexta Conferência em Londres, 26 de junho de 1955

Qual é o fator que cria o mecanismo da dependência?

Qual é o fator que cria o mecanismo da dependência?

Um dos nossos numerosos problemas parece ser o da dependência, esta nossa dependência de pessoas para nossa felicidade, dependência de capacidade, a dependência que nos obriga a ficar apegados a alguma coisa. E a questão é: pode a mente, em algum tempo, estar totalmente livre de toda dependência? Considero esta uma das perguntas fundamentais que deveríamos fazer a nós mesmos constantemente. Naturalmente, não estamos falando da dependência superficial, mas, no nível mais profundo, encontra-se aquela dependência psicológica, de certa segurança, de certo método que garanta à mente um estado de permanência; há a busca de uma ideia, de uma relação que seja duradoura. E sendo este um dos nossos principais problemas, parece-me muito importante que o examinemos com certa profundeza, pois não devemos "responder" superficialmente com uma reação imediata.

Porque é que dependemos? Psicologicamente, interiormente, dependemos de uma crença, um sistema, uma filosofia; pedimos a outro uma norma de conduta; procuramos instrutores, em busca de uma maneira de vida que nos propicie certa esperança, certa felicidade. Assim, estamos sempre — não é verdade? — procurando alguma espécie de dependência, de segurança. Tem a mente possibilidade de libertar-se dessa ideia de dependência? Com isso não quero dizer que a mente deva conquistar a independência, o que só seria uma reação à dependência. Não estamos falando de independência, libertação de certo estado. Se pudermos investigar, sem a reação de buscar libertar-nos de certo estado de dependência, poderemos penetrar muito mais profundamente na questão da dependência. Mas se, na nossa investigação, saímos por uma tangente, buscando a independência, nunca compreenderemos integralmente esta questão da dependência psicológica. Sabemos que dependemos: das nossas relações com pessoas, de certa ideia, ou de um sistema de pensamento. Por quê? Aceitamos a necessidade de dependência. Dizemo-la inevitável. Nunca pusemos em questão este ponto, nunca indagamos porque cada um de nós anda em busca de alguma espécie de dependência.

A causa não é que, na realidade, e muito profundamente, sentimos necessidade de segurança, permanência? Vendo-nos num estado de confusão, desejamos que algo nos salve dessa confusão. Estamos, pois, sempre interessados em fugir ou evitar o estado em que nos achamos. No processo de evitar esse estado, temos de criar, forçosamente, alguma espécie de dependência, a qual se torna nossa autoridade. Se dependemos de outrem para nossa segurança, nosso bem estar interior, dessa dependência resultam inumeráveis problemas; e tentamos então resolver esses problemas, que são problemas criados pelo apego. Mas nunca inquirimos, nunca examinamos o próprio problema da dependência. Talvez, se pudermos examinar este problema de maneira verdadeiramente inteligente, com plena atenção, talvez então possamos descobrir que não é, em absoluto, a dependência que constitui o problema, que ela é apenas um modo de fugirmos a um fato mais profundo.

Peço licença para sugerir, àqueles que estão tomando notas, que se abstenham disso. Porque estas reuniões não serão proveitosas se o que queremos é meramente lembrar-nos, depois, do que se esteve dizendo. Mas, se pudermos experimentar diretamente o que se está dizendo, agora, e não depois, isso terá um significado positivo, será uma experiência direta, e não uma experiência recolhida, mais tarde, das vossas notas, e pensada de memória. Além disso, se posso observá-lo, o tomar notas perturba os que estão perto de vós.

Como dizia, porque dependemos e fazemos da dependência um problema? Na verdade, penso, o problema não é a dependência; a meu ver, há outro fator mais profundo, que nos faz depender. E, se pudermos descobrir esse fator, então a dependência e a luta pela libertação se tornam muito pouco significativas; então, todos os problemas que surgirem em razão da dependência reduzir-se-ão a nada.

Qual é, pois, esse fator mais profundo? É a mente detestar e temer a ideia de estar só? E conhece a mente esse estado que está evitando? Dependo de alguém, psicologicamente, interiormente, por causa de um estado que estou tentando evitar, mas que nunca investiguei, nunca examinei. Por isso, a minha dependência de uma pessoa — de quem desejo amor, estímulo, orientação — se torna imensamente importante, como todos os problemas dela decorrentes. Mas, se sou capaz de perceber o fator que é o meu depender de uma pessoa, de Deus, da oração, de certa capacidade, certa fórmula ou conclusão que chamo "crença", talvez então eu possa descobrir que tal dependência resulta de uma exigência interior a que, em verdade, nunca prestei atenção, nem levei em conta.

Podemos, nesta tarde, dar atenção a este fator, o fator que a mente evita o sentimento de completa solidão, que só conhecemos superficialmente? Que é "estar solitário"? Podemos examinar isso agora, sem o perdermos de vista um só instante, sem introduzirmos nenhum outro problema? Considero, com efeito, esta questão sumamente importante, porque, enquanto aquela solidão não for realmente compreendida, sentida, penetrada, dissolvida — ou qualquer outra palavra que preferirdes —, enquanto persistir este sentimento de solidão, será inevitável a dependência, nunca seremos livres, nunca poderemos descobrir por nós mesmos o que é verdadeiro, o que é religião. Enquanto estou dependendo tem de haver alguma autoridade, tem de haver imitação, tem de haver compulsão sob diferentes formas, tem de haver disciplinamento segundo certo padrão. Pode, pois, a mente descobrir o que é "estar na solidão", e passar além, de modo que seja posta em liberdade e não dependa mais das crenças, dos deuses, dos sistemas, das orações, nem de coisa alguma?

Não há dúvida de que, enquanto estamos buscando um resultado, um fim, um ideal, essa própria ânsia de achar cria dependência, de que resultam os problemas da inveja, da "exclusão", do isolamento, e tudo o mais. Nessas condições, pode a minha mente conhecer a solidão em que de fato se encontra, embora eu a esteja encobrindo com o saber, relações, e várias outras formas de distração? Posso compreender efetivamente essa solidão? Porque não é este um dos nossos maiores problemas, este apego e a luta para nos desapegarmos? Podemos examinar juntos este problema, ou isto é completamente impossível? Enquanto há apego, dependência, tem de haver "exclusão" (separação). A dependência da nacionalidade, a identificação com determinado grupo, determinada raça, determinada pessoa ou crença, é evidentemente um fator de separação. Assim, é provável que a mente esteja sempre, como entidade separada, buscando isolamento e evitando um fator mais profundo, que realmente é separativo: o processo egocêntrico de seu próprio pensar, gerador de solidão.

Vós conheceis o sentimento de que devemos identificar-nos como hinduístas, cristãos, como pertencentes a certa casta, grupo, raça, tudo isso é bem sabido de vós. Se pudermos, cada um de nós, compreender o problema mais profundo, o problema implícito, talvez então termine toda influência geradora de dependência, e a mente fique de todo livre. Este problema é talvez tão difícil que não possa ser discutido num tão grande grupo.

OUVINTE: Podeis definir a palavra "só", em contraste com "solidão"?

KRISHNAMURTI: Por favor, nós não estamos, com certeza, buscando definições, estamos? Estamos perguntando se cada um de nós está apercebido de sua solidão — não agora, talvez —, mas nós conhecemos esse estado e sabemos que estamos fugindo dele por vários meios, e, consequentemente, multiplicando os nossos problemas. Ora, posso eu, pelo percebimento, "queimar" a raiz do problema, de modo que ele nunca mais torne a surgir ou, se tornar, eu saiba resolvê-lo sem criar novos problemas?

OUVINTE: Significa isso que devemos quebrar os laços que são insatisfatórios?

KRISHNAMURTI: Ora, não é isto que estamos discutindo, é? Parece que não nos estamos entendendo bem. É por isso que estou incerto quanto à possibilidade de discutirmos este problema num grupo tão grande. Nós sabemos — não é verdade? — que estamos apegados. Dependemos de pessoas, de ideias. Faz parte da natureza do nosso ser o depender de alguém. E a essa dependência chamamos amor. Agora, pergunto a mim próprio, e talvez pergunteis também a vós mesmos, se é possível libertar a mente, psicologicamente, interiormente, de toda dependência, pois percebo que, por causa da dependência, surgem problemas e mais problemas, um nunca acabar de problemas. Por essa razão, pergunto a mim mesmo se é possível ficarmos num estado de percebimento tal que esse próprio percebimento faça consumir-se o sentimento de dependência, de outrem ou de uma ideia, de modo que a mente, com o total desaparecimento da dependência, não mais se veja isolada.

Por exemplo: eu dependo da identificação com um dado grupo; satisfaz-me intitular-me hinduísta ou cristão; pertencer a uma dada nacionalidade é muito satisfatório. Eu mesmo, interiormente, sinto-me muito insignificante. Não sou ninguém, e, assim, se posso chamar-me "alguém", sinto satisfação. Esta é uma forma de dependência, num nível muito superficial, talvez, mas que gera o veneno do nacionalismo. E há muitas outras formas, mais profundas. Pois bem, posso transcender tudo isso, de modo que minha mente nunca mais dependa, psicologicamente, não tenha dependência de espécie alguma e não busque nenhuma forma de segurança? Ela não buscará a segurança se compreendo esse senso de "exclusão", de que estou apercebido, e a que chamo "solidão" — esse mecanismo egocêntrico de pensar, que gera o isolamento.

O problema, pois, não é de como nos tornarmos desapegados, de como libertar-nos de pessoas ou ideias, mas, sim: pode a mente deter esse mecanismo em que ela se fecha a si mesma por meio de suas próprias atividades, suas próprias exigências, seus anseios? Enquanto houver a ideia de "mim", "eu", tem de haver solidão. Atingimos a própria essência do processo de autoenclausuramento quando descobrimos esse extraordinário sentimento de solidão. Posso "queimar" tal mecanismo, de modo que a mente nunca mais busque nenhuma forma de segurança, e não tenha mais exigências? Isso não pode ser respondido por mim, mas por cada um de vós. O que posso fazer é só descrever; mas a descrição se torna simplesmente um obstáculo se não for realmente experimentada. Mas, se esta descrição vos revela o mecanismo do vosso pensar, então ela própria é um percebimento de vosso próprio estado. E, nesse caso, posso permanecer nesse estado? Posso deixar de movimentar-me para longe do fato da solidão, e permanecer "lá", sem fugir de maneira nenhuma, sem evitá-la nunca? Ao perceber, compreender que o problema não é a dependência, mas a solidão, pode a minha mente permanecer imóvel nesse estado a que chama "solidão"? Isto é dificílimo, porque a mente nunca pode "ficar" com um fato; ela sempre o traduz, ou o interpreta, ou faz alguma coisa com relação ao fato; nunca "fica" com o fato.

Se a mente puder permanecer com o fato, sem dar nenhuma opinião a respeito dele, sem traduzi-lo, sem condená-lo, sem evitá-lo, é o fato então diferente da mente? Existe separação entre o fato e a mente, ou a própria mente é o fato? Por exemplo, eu estou solitário. Estou apercebido disso, sei o que significa: é um dos problemas de nossa existência diária, de toda a nossa existência. E quero estudar, por mim mesmo, esta questão da dependência, para ver se a mente pode ficar livre, não apenas especulativa, teórica, ou filosoficamente, mas livre, efetivamente, da dependência. Porque, se meu amor depende de outra pessoa, não tenho amor. E desejo descobrir que estado é esse a que chamamos "amor". Ao tentar descobri-lo, é possível que desapareça completamente a disposição para a dependência, para a segurança, nas relações, que desapareça toda exigência, todo desejo de permanência; e posso então ver-me em presença de um fato completamente diferente. E, assim, pelo investigar, pelo examinar a mim mesmo, posso chegar àquela coisa a que chamo "solidão". Agora, posso "ficar" com ela? Com "ficar", quero dizer: não interpretá-la, não avaliá-la, não condená-la, mas só observar o estado de solidão, sem nenhum movimento de recuo. E se minha mente é capaz de "ficar" com esse estado, esse estado é então diferente da minha mente? É possível que a minha mente esteja, ela própria, solitária, vazia, e que não haja um estado de vazio, que a mente observa. Minha mente observa a solidão, e a evita, foge dela. Mas, se não fujo à solidão, há então divisão, há separação, há um observador que observa a solidão? Ou só há um estado de solidão — a minha mente vazia, solitária, e não um observador que sabe que há solidão? Acho importante compreender isso, rapidamente, sem muita "verbalização". Digo, agora: "Sou invejoso e quero livrar-me da inveja" — temos assim um observador e uma coisa observada; o observador quer livrar-se daquilo a que observa. Mas o observador não é a mesma coisa que aquilo que está sendo observado? Foi a própria mente que criou a inveja, e portanto a mente nada pode fazer com relação a inveja. A minha mente, pois, observa a solidão; o pensador está apercebido de achar-se solitário. Mas, se ele "ficar com isso", em pleno contato com "isso" — quer dizer, não fugir da coisa, não a traduzir, etc. —, há então alguma diferença entre o observador e aquilo que está sendo observado? Ou só há um estado único, que é: a própria mente está solitária, vazia? Isto não quer dizer que a mente se observa como estando vazia, mas, sim, que ela própria é vazia.

Pode então a mente, percebendo que ela própria é vazia e que toda tentativa, todo movimento para afastar-se desse vazio, é meramente uma fuga, uma dependência, pode a mente apartar de si toda dependência, e ser o que ela é — vazia, solitária, completamente? E nesse estado, não está a mente livre de toda dependência, todo apego? Notai, por favor, que isto é uma coisa que tem de ser investigada, e não aceita só porque eu o estou dizendo. Nenhuma significação tem ela se meramente a aceitais. Mas, se estais experimentando a coisa enquanto vamos caminhando, vereis que todo movimento por parte da mente — sendo movimento: avaliação, condenação, tradução, etc. —, que todo movimento é uma distração que nos afasta do fato de o que é e cria conflito entre a mente e a coisa observada. Isto, para irmos mais longe, é realmente uma questão de saber se a mente pode existir sem esforço, sem dualidade, sem conflito, e ser, portanto, livre. No momento em que a mente se vê envolvida em conflito, ela não é livre. Quando não há esforço para ser livre, há liberdade. Pode, pois, a mente existir sem esforço e, por conseguinte, ser livre?

Krishnamurti, Quinta Conferência em Londres, 25 de junho de 1955

quinta-feira, 5 de abril de 2018

O estado mental onde o “eu” está ausente de todo


O estado mental onde o “eu” está ausente de todo

PERGUNTA: O que dizeis parece muito exótico e oriental. Um ensino como o vosso é aplicável à nossa civilização ocidental, que se baseia na eficiência e no progresso, e que está melhorando as condições de vida no mundo inteiro?

KRISHNAMURTI: Achais que o pensamento é oriental ou ocidental? Os costumes podem variar. Eu como com as mãos, na Índia, na China comem com dois pauzinhos, e aqui comeis de modo diferente. Em que difere o pensamento oriental do pensamento ocidental? Existe alguma diferença? Se eu tivesse nascido na América e dissesse as mesmas coisas que estou dizendo agora, di-lo-íeis oriental? Poderíeis, talvez, chamá-lo místico, impraticável, ou excêntrico. Mas os problemas são os mesmos, seja na Índia, seja no Japão, seja aqui. Nós somos entes humanos, e não asiáticos e americanos, russos e alemães, comunistas e capitalistas. Todos temos os mesmos problemas humanos.

Pois bem. O que estou dizendo é, sem dúvida, tão aplicável aqui, como na Índia. A violência é um problema tanto vosso como da Índia. O problema das relações, do amor, da beleza, o problema de criar um estado mental em que haja paz, de criar uma sociedade que não seja destrutiva de si própria, bem como de outras — tudo isso, evidentemente, interessa a cada um de nós, quer vivamos no Oriente, quer no Ocidente. Tendes aqui o problema da organização de um exército, que é um índice da deterioração de uma sociedade, porquanto as próprias bases de um exército são a autoridade, o nacionalismo, o desejo de segurança; e há exatamente o mesmo problema na Índia, no Japão, na Ásia toda. Assim sendo, esta arbitrária divisão do pensamento em “oriental” e “ocidental” não existe para o homem que está investigando realmente. O homem que está condicionado por uma maneira de ver ou filosofia oriental, e vos diz como viver de acordo com esse condicionamento, esse homem, sem dúvida, está dividindo o pensamento em oriental e ocidental. Mas, nós estamos falando de coisa inteiramente diversa, ou seja, do libertar a mente de todo e qualquer condicionamento, e não, do moldá-la de acordo com uma filosofia oriental, o que é muito infantil.

O que estamos tentando fazer é investigar juntos a extraordinária complexidade das nossas vidas, para descobrir se podemos considerar esses complexos problemas com toda a simplicidade; mas não se pode considerar esses problemas, com simplicidade, a menos que compreendamos a nós mesmos. O “eu” é uma entidade extraordinariamente complexa, com uma infinidade de desejos contraditórios. Vivemos numa guerra perene dentro em nós mesmos, e esse conflito interior se precipita em atividades exteriores. Compreender o “eu”, tanto consciente como inconsciente, é uma tarefa enorme, e ele só pode ser compreendido dia por dia, momento por momento. Ele é um livro sem fim e, por conseguinte, não é uma coisa que se pode concluir um dia.

Nessas condições, se se puder escutar o que se está dizendo, não na qualidade de americano, europeu ou oriental, mas como um ente humano diretamente interessado nestes problemas, então, todos juntos, haveremos de criar um mundo diferente; seremos então verdadeiros entes religiosos. Religião é a busca da Verdade, e para o homem religioso não há nacionalidade, nem pátria, nem filosofia particular; esse homem não segue ninguém, e por conseguinte é um verdadeiro revolucionário, no sentido mais profundo da palavra.

PERGUNTA: A placidez que experimentamos, em várias formas de expressão própria, é uma ilusão, ou esse sentimento de preenchimento está relacionado com o estado criador de que falais?

KRISHNAMURTI: Existe tal coisa — preenchimento pessoal? Aceitamos a suposição de que ela existe, não é verdade? Se sou artista, acho que devo preencher-me; se sois escritor, quereis preencher-vos. Todos estamos lutando para nos preenchermos, de diferentes maneiras — por meio da família, dos filhos, do marido, da mulher, das posses, das ideias. Se sois ambicioso, quereis preencher a vossa ambição, porque, do contrário, vos sentireis frustrado, e na frustração há sempre sofrimento. Todos nós estamos esforçando por preencher-nos, mas nunca perguntamos se realmente existe preenchimento. Sem dú­vida, o homem que está a buscar o preenchimento vive atormentado pela frustração. Isso é bem compreensível, não achais? Se estou sempre a tentar preencher-me, por meio de meu filho, minha mulher, de uma ideia, de atividades, está sempre a perseguir-me a sombra da frustração e do medo. Assim, se desejo compreender o medo, a frustração, a agonia das complicações psicossomáticas, e tudo o mais, preciso examinar de maneira completa essa ideia da possibilidade de preencher-me, porque nela está presente do “eu”, com seu desejo de “vir a ser” alguma coisa. Não é bem provável que o “eu” seja uma ilusão, ainda que seja uma realidade como entidade operante? Para o homem ambicioso, competidor, ganancioso, invejoso, o “eu” não é ilusório, mas uma coisa muito real. Mas para o homem que se põe a investigar a fundo este problema, que deseja realmente compreender o que é a Paz — não a paz pelo terror, a paz dos políticos, não a placidez da vaidade satisfeita, resultante da realização de nossas ambições, mas aquela paz em que não existem rivalidades, em que não existe luta para se ser alguma coisa — a esse homem vem a experiência do “ser absolutamente nada”, que é um estado criador atemporal. O que chamamos ação criadora é um processo que consiste em aprender uma técnica e expressá-la; mas eu falo de coisa muito diversa — da mente de onde o “eu” está ausente de todo.

Krishnamurti, 27 de agosto de 1955
Realização sem esforço
_____________________________________

Por que tememos “ser nada”?


Por que tememos “ser nada”?

Um dos nossos problemas mais sérios, quer-me parecer, é a questão da violência e nosso desejo de paz. Não creio que se possa achar a paz, sem se compreender completamente a anatomia da violência. E a paz não é uma coisa oposta à violência; é um estado totalmente diferente, que, por conseguinte, não pode ser concebido por uma mente toda entranhada de violência. Como a vida da maioria de nós se escuda na violência, e o nosso pensamento, pela maior parte, é pautado pela violência, acho de suma importância compreender este problema, que é muito complexo e requer penetração e discernimento fora do comum; e, nesta tarde, é meu desejo examiná-lo.

É muito estranho que nenhuma das religiões organizadas, excetuados talvez o budismo e o hinduísmo, tenha concorrido para acabar com as guerras e feito cessar este espantoso antagonismo existente entre os homens. Pelo contrário, certas dessas chamadas religiões têm instigado guerras e se tornado responsáveis por horrorosos morticínios de seres humanos. Se examinamos a nossa vida de cada dia, vemos que está cheia de violência; e por que razão somos violentos? De onde nasce a violência, e é realmente possível extingui-la? A meu ver, só se pode chegar ao fim da violência, fazê-la cessar, eficaz e radicalmente, quando se conhece a fonte de onde brota a violência. E desejo pedir-vos que não vos limiteis a escutar minha descrição da violência, mas que, principalmente, no desenvolver desta palestra, observeis os movimentos do vosso próprio pensar, para, com a ajuda da descrição, “experimentardes” diretamente os fatores que se ocultam por detrás da palavra “violência”.

Porque somos violentos, não só como raça, mas também como indivíduos? Não sei se alguma vez já vos fizestes esta pergunta. E com que atitude nos abeiramos da questão da violência, quando a encaramos, dela estamos cônscios, quando pensamos a seu respeito? É certo que a maioria das pessoas diz que a violência não pode ser evitada, que somos educados nesta sociedade que nos condiciona e estimula a ser violentos — e, dessa maneira, passamos mui sucinta e rapidamente por cima do problema. Mas vejamos se não podemos descer mais fundo, para investigar o problema e descobrir porque é que cada um de nós tem essa estranha tendência para a violência, e se é possível acabar com ela, não superficialmente, mas fundamentalmente, profundamente.

Nossa civilização, é bem óbvio, está baseada na violência — não só no mundo ocidental, mas também no Oriente. A sociedade estimula à violência, toda a nossa estrutura econômica, social e religiosa, nela se baseia. Não estou empregando a palavra “violência” apenas no sentido superficial de manifestação de cólera ou animosidade, porém abarcando com ela todo o problema da ambição, da competição, do desejo de poder, por parte de cada um, que gera inevitavelmente a violência. Tem de haver violência enquanto estou a competir com outro, enquanto sou ambicioso, ganancioso — ganancioso, não apenas no sentido mundano da avidez de possuir certas coisas, mas ganancioso num sentido mais profundo da palavra, ou seja o de sermos impelidos pelo desejo de nos tornarmos alguma coisa, de dominar, ter segurança, ocupar uma posição inatacável.

Assim, enquanto buscamos o poder, sob qualquer forma, não pode deixar de haver violência. Por favor, não digais: “Numa civilização que está baseada na violência, que posso eu fazer como indivíduo?” Acho que esta pergunta será respondida, se puderdes escutar o que estou dizendo, em vez de perguntardes o que se deve fazer. O “fazer” não é importante. Acho que a ação vem espontânea, quando compreendemos, na sua inteireza, o complexo problema da violência. O impulso para agir, com relação à violência, sem se compreender o desejo de ser algo, o desejo de impor-se, de dominar, de “vir a ser”, é uma verdadeira infantilidade. Mas, se ao contrário, somos capazes de compreender, no seu todo, o mecanismo da violência, e perceber a verdade respectiva, penso que então esse próprio percebimento produzirá uma ação não premeditada e, por conseguinte, genuína. Não sei se me estais seguindo.

Vede o que está acontecendo no mundo. Todo político fala de paz, e ao mesmo tempo, com seus atos, está preparando a divisão, o antagonismo, a guerra. E a mim me parece importantíssimo que aqueles de nós que sentem muito interesse por estas questões compreendam a verdade contida no problema, sem perguntarem “o que fazer”; porque, se compreendemos a verdade que o problema encerra, esta própria percepção do que é verdadeiro precipitará uma ação que não é vossa nem minha, e cujo alcance nem vós nem eu podemos descortinar ou prever.

É um fato bem evidente que tudo o que fazemos neste mundo, social, econômica e religiosamente, está baseado na violência, isto é, no desejo de poder, posição, prestígio, o que implica ambição, vontade de realização. Os gigantescos edifícios que construímos, os templos colossais, são índices desse senso de poder. Não sei se já vos detivestes a contemplar essas soberbas construções e qual a vossa reação diante delas. Poderão ter beleza, mas para mim a beleza é uma coisa totalmente diferente. Porque a beleza exige sobriedade, e um estado de completo abandono, passividade, e esse estado não pode existir onde está o espírito da ambição a expressar-se em realizações espetaculares. Onde há sobriedade, está a simplicidade, e só a mente simples é capaz de abandono (passividade). Desse abandono é que vem o amor. Este estado é a beleza.

Mas nós o desconhecemos totalmente. Nossa civilização, nossa cultura, baseia-se na arrogância, no espírito de realizarão e, em sociedade, estamos a esganar-nos uns aos outros, competindo brutalmente, para realizar, adquirir, dominar, tornar-nos alguém. Eis evidentes fatos psicológicos.

Agora, porque existe este estado de violência? E, reconhecendo a sua existência, somos capazes de transcendê-lo? Se o formos, acho que então estaremos aptos a penetrar em algo que é completamente diferente. Consideremos, por exemplo, o desejo de dominar. Porque queremos dominar? Em primeiro lugar, estamos apercebidos, nas nossas relações e na nossa atitude perante a vida, desse espírito de domínio, esse espírito que aspira ao poder, à posição? Se estamos apercebidos dele, de onde provém ele? Compreendeis o que estou perguntando? Se pudermos descobrir de onde provém o espírito de domínio, esse descobrimento poderá responder à pergunta “Porque somos violentos?”. Todos somos violentos, no sentido de que todos nós, de diferentes maneiras, desejamos ser alguém; somos todos dados à competição, ambiciosos, gananciosos, desejosos de domínio. Tais são os sintomas exteriores de um estado interior; e interessa-nos descobrir qual é esse estado interior que nos impele a proceder assim. Estamos apercebidos, em algum grau, desse estado, ou apenas nos estamos ajustando a um padrão moral, como indivíduos ideologicamente não-violentos, não-ambiciosos, sem investigarmos realmente a fonte, a raiz das nossas ações? Se isso nos for possível, então poderá ser completamente diferente a nossa maneira de proceder, com relação ao problema da violência. Tende, pois, a bondade de escutar o que estou dizendo, sem a atitude de quem exclama “Oh! é só isso?” — porém, antes, deixai-me oferecer-vos uma oportunidade, de autodescobrimento. Se, com a ajuda do que estou dizendo, puderdes descobrir, experimentar realmente a coisa, por vós mesmos, então esta palestra terá um efeito extraordinário.

Porque sou violento? Preciso compreender isso. Vejo que sou violento porque, socialmente, religiosamente, existe esse extraordinário impulso para ser alguma coisa. Esse impulso é um fato. No mundo dos negócios quero ser; mais rico do que sou, mais capaz do que outros, “estar de cima”, e no chamado mundo espiritual estou seguindo uma autoridade que me ajudará a tornar-me alguma coisa, lá, naquele mundo. Vejo, pois, que minhas atividades, meus pensamentos, minhas relações se baseiam todas na vontade de domínio, na dependência. Quando preciso de apoio, tenho de seguir uma autoridade, o que gera violência.

Ora, desejo compreender integralmente o mecanismo da violência, e não apenas ajustar-me a um padrão social, porque isso é coisa superficial e completamente desinteressante, Desejo descobrir se a mente pode ficar, de todo, livre da violência, se esse mecanismo pode ser erradicado da minha mente. Isso me interessa deveras, e quero averiguá-lo. Percebo que o mero ajustamento a um padrão diferente, dos desejos, reclamos e influências superficiais, não resolve o problema. O substituir uma estrutura social por outra, o erguer uma sociedade comunista no lugar de uma sociedade capitalista, não nos tornará livres da dominação e da violência. Percebendo isso, quero investigar em mim mesmo, a fim de descobrir qual é a fonte de todos esses extraordinários impulsos, exigências e atividades que geram a animosidade e a violência.

Porque sou violento, dado à competição, ambicioso, ganancioso? Porque existe em mim esta luta constante para ser, “vir a ser”? É bem evidente que estou a fugir de alguma coisa, pelo caminho da ambição, das aquisições, do desejo de alcançar grandes êxitos. Estou com medo de alguma coisa, medo que me está obrigando a essas atividades. O medo é um estado de fuga. Assim, estou procurando saber sobre aquilo de que realmente sinto medo. Não estou por ora considerando a questão do “medo do escuro”, do medo à opinião, ao que outra pessoa diga ou não diga a meu respeito, porque são muito superficiais essas coisas. Estou interessado em descobrir o que é que, fundamentalmente, me está fazendo medroso, me está impelindo a ser ambicioso, competidor, ganancioso, invejoso e criando, assim, animosidade, etc.

Pensai junto comigo, por favor. Em primeiro lugar, parece-me que somos criaturas muito solitárias. Sinto-me muito só, interiormente vazio, e não gosto desse estado, tenho-lhe medo, e portanto o evito, fujo dele. Esse próprio fugir gera medo, e para evitar o medo entrego-me a atividades várias. Existe evidentemente esse vazio, em mim, em vós, do qual a mente está a fugir por meio da ação, da ambição, do desejo de ser alguém, de adquirir mais saber — enfim, pela violência sob todos os seus aspectos. Mas pode a mente abster-se de fugir e olhar de frente o seu vazio, esse extraordinário sentimento de solidão, que é a expressão autêntica do “eu”? — visto que o “eu” é a entidade, a consciência que, quando não está em movimento, é vazia. Compreendeis o que estou explicando? Se não está claro, expô-lo-ei de outra maneira.

Afinal de contas, o “ego”, o “eu”, se expressa na ambição, no desejo de aquisição, na inveja, no ser violento e no lutar para ser não-violento, etc. Tudo isso são expressões do “eu”; e, reconhecendo-as como tais e investigando-as profundamente, vejo também que essas atividades do “eu” resultam justamente do seu extraordinário sentimento de vazio. Não sei se tendes notado que, quando seguimos as pegadas do “eu”, todos os seus movimentos, chegamos ao ponto em que a mente se torna perfeitamente apercebida, do “eu” como entidade completamente vazia; mas a mente, em verdade, não quer ver esse vazio, preferindo voltar-lhe as costas, fugir.

Ora, se sou capaz de compreender o que é esse vazio, então é bem provável que eu possa resolver o problema da violência. Mas, para compreender o que é o vazio, preciso olhá-lo, e não posso olhá-lo se estou fugindo. É justamente a fuga que causa o medo e precipita a ação da inveja, da competição, da crueldade, da inimizade, e tudo o mais. Assim sendo, pode a mente olhar essa coisa, de que está fugindo por meio da ação? Espero que me esteja fazendo claro.

Não tendes consciência de um estado de solidão, de vazio? Não estamos considerando o que deveis fazer a respeito desse estado. Foi esse “que se deve fazer?” que produziu este mundo estúpido e caótico. Estou indagando o que há atrás, do desejo de fazer alguma coisa — o que é dificílimo de descobrir, visto que a mente está sempre evitando esse fator central. Mas se a mente for capaz de ficar apercebida, totalmente, de estar vazia, solitária — o que significa o completo descobrimento das atividades do “eu”, que a levaram àquele estado — vereis que toda ação sem tal compreensão há de precipitar, necessariamente, a violência, sob diferentes formas. O ser-se um mero pacifista, ou ideologista, pró-isto e contra-aquilo, não resolve o problema. O homem que se exercita na não-violência não resolveu de modo nenhum o problema da violência; está meramente a praticar uma ideia, sem ter investigado os fatores fundamentais, de onde se origina toda ação.

Observai, por favor, a vós mesmos, não vos limitando a seguir a minha descrição. Pode a vossa mente estar apercebida daquele vazio, sem fugir dele? É porque vos sentis vazio e só, que necessitais de um companheiro, que quereis depender de alguém, e essa dependência cria a autoridade, que seguis; e a própria circunstância de se estar seguindo uma autoridade, já é um indício de violência. Pode a mente, ao perceber a verdade a esse respeito, deter a sua fuga e olhar a sua própria vacuidade? Compreendeis o que significa “olhar”? Não podeis olhar para aquele vazio se lhe tendes medo, se desejais evitá-lo; só podeis ter conhecimento, pleno dele, quando não há espírito de condenação. Segui com toda a atenção o que estou dizendo. Estou investigando com todo o vagar, propositadamente, porque desejo que seja simultânea a comunhão e a compreensão entre nós.

Estou cônscio de estar só e vazio, e estou, a observar esse vazio; mas não; posso observá-lo se o condeno. A condenação é justamente uma distração, que estorva o observar. Ora, posso observar o vazio, tomar conhecimento dele, sem lhe dar um nome? Compreendeis? E, quando não lhe dou nome, o observador é então diferente do vazio a que está observando? É só quando o observador lhe dá nome, que ocorre a separação, não é verdade? Compreendeis? Ainda não?! Vou simplificá-lo mais ainda.

Quando digo “estou irritado”, estou dando nome a uma certa sensação ou reação, e esta própria, circunstância cria uma dualidade, não achais? Mas, se não dou nome à sensação, então essa coisa sou eu mesmo. Entendeis? Vede: dou nome a um sentimento porque minha mente está exercitada em reconhecer, em rotular; mas se a mente não põe rótulo em coisa alguma, desaparece então a separação entre o observador e a coisa observada. Por outras palavras, quando não se dá nome a uma coisa, só há um único estado, e nesse estado não existe entidade separada, para fazer algo a respeito dessa coisa. A mente — que é violenta, por natureza — já não está operando com relação a uma coisa que deseja compreender, e por conseguinte a sua atividade cessa.

Vede por favor que isto não é uma asserção intelectual. Não digais que é “alto demais”, abstrato demais, ou que é absurdo, etc. Estou investigando, passo a passo, a anatomia da violência. Nossa estrutura social está baseada na violência, não só a violência entre as nações, pois individualmente estamos em guerra uns com os outros, competindo e praticando crueldades. Ora, se desejo compreender o problema inteiro, cumpre-me compreender as atividades da mente em relação a essa coisa a que chamo “vazio”; e no momento em que surge a compreensão, não mais desejo ser coisa alguma. Entendeis? É o desejo de ser algo que gera a inimizade e a violência. O idealista que deseja criar uma Utopia perfeita é, por natureza, violento. O homem que está praticando a não-violência é um ente humano violento, porque, em verdade, não compreendeu o problema; está atendendo a ele superficialmente.

Vejo, pois, que enquanto a mente está operando em termos de ambição ou não-ambição, ela cria necessariamente o caos, e lutas, e sofrimentos, para si própria e para outros, E se, aprofundando mais o problema, a mente compreende todo o mecanismo relativo a esse impulso para ser alguma coisa, então, inevitavelmente, ela chegará ao ponto em que perceberá que está a procurar um meio de fugir ao “ser nada”, que é um estado de vazio. E posso compreender esse vazio? Pode a mente penetrá-lo, prová-lo, senti-lo? Por certo, a mente não poderá compreender essa coisa extraordinária que chamamos “vazio”, “solidão”, enquanto estiver, de alguma maneira, a condenar, enquanto desejar rejeitá-lo, dominá-lo ou ultrapassá-lo. A mente rejeitará sempre esse estado, enquanto estiver a dar-lhe nome; e o reconhecer, o dar nome, é justamente o “mecanismo” peculiar da mente. Afinal, não podeis pensar sem símbolos, sem ideias, sem palavras. E pode a mente deixar de “verbalizar”? Pode acabar com esse mecanismo e considerar aquilo a que chamava “vazio”, sem lhe dar nome ou criar um símbolo tirado da imaginação? E quando deixa de verbalizar, o estado a que chamava “vazio” é então diferente dela própria? Não é, por certo. O que há então é só um estado, em que não há verbalização, não há dar nome, e por conseguinte em que terminou aquela atividade da mente, que separa, que compete, que gera antagonismo. Nesse estado se verifica um movimento completamente diferente. Não há mais violência. Há uma delicadeza, que não pode ser compreendida pela mente que diz “tenho de ser delicado”. A volição cessou, de todo — porque a vontade é também produto da violência.

Krishnamurti, 27 de agosto de 1955
Realização sem esforço
_____________________________________
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill