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quinta-feira, 19 de abril de 2018

A importância do estado de fome psicológica

A importância do estado de fome psicológica

[...] PERGUNTA: A liberdade não é como o ar, e não construímos para nós uma tenda semelhante a esta, que impede a entrada do ar? Basta perjurar a tenda para que o ar entre com abundância.

KRISHNAMURTI: Senhor, as comparações e as imagens verbais são extremamente perigosas, porque dão-nos o sentimento de termos compreendido quando na realidade não nos encontramos nesse estado. O que temos é meramente uma teoria. Mas, aqui, não falamos teoricamente; não estamos “imaginando” nada. Como expliquei no começo destas palestras, ocupamo-nos com fatos psicológicos. Se não enfrentamos os fatos psicológicos de nossa própria mente, então, “a tenda”, “o ar”, “a alma” e todas as demais imagens e teorias desmoronam, e somos destruídos.

Senhor, quando um homem está a morrer de fome, que bem lhe faz descrevermos para ele um prato suculento ou uma iguaria de delicado sabor? O que ele quer é comida. Teorias e descrições nenhuma significação têm para o homem que tem fome de descobrir por si mesmo o que é verdadeiro. Mas, infelizmente, a maioria de nós não tem fome nesse sentido. Estamos bem nutridos, psicologicamente, porque estamos repletos de nossas próprias experiências, e encontramos um abrigo seguro no dogma, na crença. Sentimo-nos em segurança porque pertencemos a este ou àquele grupo, a esta ou àquela igreja. E quando nos vem um sentimento de descontentamento — o que muito raramente acontece — logo tratamos de sufocá-lo, procurando alguma coisa que dê satisfação imediata. O que tem verdadeira importância é estarmos, no plano psicológico, terrivelmente famintos, e permanecermos nesse estado, sem nos tornarmos insanos ou neuróticos. A questão não é de como aplacar aquela fome, porque no momento em que o fazeis estais perdido. Podeis aplacá-la muito facilmente, com palavras, com teorias, com livros, com igrejas, com... oh!... com qualquer coisa. Mas, se permaneceis nesse estado de profunda “fome psicológica” sem desesperar, ela é então como que uma chama viva que destruirá todas as coisas falsas até nada mais restar senão cinzas; e desse vazio, algo real pode nascer.

PERGUNTA: A transformação de que falais se verifica pela ação da vontade? Existe, por trás dela, algum motivo?

KRISHNAMURTI: Ora, que é “vontade”? Por favor, não venhais com teorias; não citeis o que disse uma certa pessoa. Averiguemos o que essa palavra significa. “Ter vontade de fazer uma certa coisa” significa desejar fazê-la. A vontade, pois, é desejo, não? Muitos desejos, muitas ânsias, muitos impulsos, muitas resistências, muitas exigências, constituíram esse afiado instrumento, esse extraordinário senso de volição que é a vontade de fazer uma coisa e levá-la a cabo.

Todos sabemos que por meio da vontade podemos forçar-nos a fazer certas coisas. Se digo: “amanhã não me irritarei”, e exerço fortemente a minha vontade nesse sentido, posso evitar o irritar-me amanhã. Mas isso não é transformação; como antes assinalei, isso significa meramente que me estou ajustando a um desejado padrão. Por certo, nenhuma transformação efetuada por meio da vontade é transformação; significa, simplesmente, a continuação, numa forma diferente, daquilo que já existia. Se eu me transformo sob o impulso de um motivo — porque agrada a minha mãe, ou porque a sociedade exige que eu o faça, ou porque há uma certa vantagem em fazê-lo, etc. — essa transformação é um resultado de persuasão, influência, desejo de recompensa; por conseguinte, não é uma transformação real, porém apenas uma perpetuação “modificada” do passado. Ora, se compreendo tanto o mecanismo da transformação por meio da vontade como o da transformação sob o impulso de um motivo, de modo que ambos os mecanismos possam morrer e ser postos de lado sem nenhum esforço, então, dessa compreensão provirá uma transformação não premeditada, não produzida por nenhuma influência ou variados impulsos, compulsões; essa transformação significa, realmente, a total destruição do “conhecido”.

PERGUNTA: Essa transformação de que falais tem certa semelhança com um “passe de mágica”! Ora, se digo para mim mesmo: “Desejo transformar-me”, tenho um motivo; logo, devo transformar-me sem desejar transformar-me. O mesmo problema se apresenta em relação à ambição: Não podemos livrar-nos da ambição, desejando livrar-nos dela. Portanto, parece haver algum “truque” nisso.

KRISHNAMURTI: Senhor, mencionastes a palavra “ambição”. Em geral, somos ambiciosos, em maior ou menor grau, e todos sabemos o que a ambição implica: competição, crueldade, completa ausência de amor, etc. Ora, se sou ambicioso — ambicioso de posição, de poder, ambicioso de ser alguém neste mundo ou no chamado mundo “espiritual”, etc. — e comecei a perceber, por mim mesmo, que é estupidez ser ambicioso, como irei ficar inteiramente livre da ambição? Como operar essa radical transformação? Podeis não concordar comigo, mas escutai-me com calma.

Nossa educação, desde a infância, é desenvolvida em torno da ideia de “ vir a ser alguém”, de alcançar êxito, e poucos tivemos ocasião de aprender a amar o que fazemos. Quando amais o que estais fazendo, trabalhais sem objetivo, sem ânsia de êxito. Se amais alguém, não pensais no que ireis ganhar dessa pessoa. Não amais porque ele ou ela vos dá dinheiro, ou posição, ou outra espécie de satisfação. Simplesmente, amais — se tal amor realmente existe. Ora, se amo verdadeiramente o que estou fazendo, não há ambição. Não me comparo então com ninguém, jamais digo que um outro qualquer está obtendo melhores resultados do que eu. Amo o meu trabalho e, portanto, a minha mente, o meu coração, o meu ser inteiro está nele. Mas não somos educados dessa maneira. A sociedade exige uns tantos cientistas, uns tantos engenheiros, uns tantos técnicos, etc., e faz-nos “passar pela máquina” do chamado Colégio, a fim de adaptar-nos ao padrão requerido.

Amar o que se faz supõe uma total ausência de ambição. Não podeis eliminar a ambição por meio da vontade, ou procurar livrar-vos dela sob o impulso de um motivo, um propósito. A ambição “cai” de vós mesmo, como uma folha morta cai da árvore. Assim acontece quando amamos.

Krishnamurti, Saanen, 12 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

terça-feira, 10 de abril de 2018

A questão do ócio, do lazer e do descontentamento


A questão do ócio, do lazer e do descontentamento

Como só teremos mais duas palestras — a de hoje e a do próximo domingo — e havendo tantos assuntos para considerar, seria interessante investigarmos o problema do ócio, do lazer, o ócio gera em quase todos nós descontentamento e, por isso, ocupamo-nos com tantas coisas, a fim de mantermos nossa mente em atividade. Experimentamos diferentes atividades, e aquelas que nos parecem prometer êxito, lucro, satisfações, nessas nos estabilizamos. Passamos o resto da vida trabalhando em prol da causa ou da coisa a que nos consagramos; e achamos, assim, uma maneira de ocupar nossos dias, nossos pensamentos e nossos sentimentos. Eu considero o ócio muito importante — aquele período em que nada temos para fazer, aquele momento em que não existe nenhum pensamento, nenhuma ocupação, em que a mente não está dormindo, mas, sim, muito desperta.

Em geral dispomos de poucas folgas, pois passamos nossos dias muito ocupados — ganhando e perdendo, exercendo nosso emprego, comparecendo a reuniões, ao clube, procurando distrações, diversões; ou damos para ler e, se somos desses homens de ‘'inclinações religiosas”, dedicamo-nos à leitura dos livros considerados sagrados. Desse modo, passamos os dias e a vida inteira entregues a nossas ocupações; não há uma parte da mente que esteja “de folga”, quieta; não há uma parte de nosso ser livre para compreender totalmente os trabalhos, as atividades, as coisas que temos de fazer. Entretanto, dentro desse todo se encontra um certo repouso, uma certa tranquilidade, uma qualidade que permanece íntegra, uma qualidade que se purifica continuamente — assim como um rio que, por sua própria atividade, seu próprio movimento, se conserva límpido, “intato”, não corrompido.

Permiti-me salientar que esta não é uma palestra intelectual ou verbal, uma exposição de ideias. Aqui estamos reunidos, suponho, com o fim de nos investigarmos realmente, de abrir “a porta de acesso a nós mesmos” e descobrir o que é verdadeiro e o que é falso. E, talvez, pelo simples escutar de minhas palavras, possais ver claramente, por vós mesmos, o verdadeiro processo da mente, as tendências de vosso próprio pensar e os “hábitos” de vossos sentimentos.

A maioria de nós se sente descontente. Para quase todos nós, o descontentamento é uma tortura. Tentamos isto e aquilo e estamos sempre desejosos de dedicar-nos a uma dada norma de ação. E nossa ação, de modo invariável — se somos intelectualmente sensíveis — se dirige ou para os trabalhos sociais, visando à melhoria da sociedade, ou para a chamada religião, à margem da vida.

Nesse mecanismo, nesse “peregrinar” de nossa ação, encontramos alguma atividade que nos parece perfeitamente satisfatória e nela nos instalamos. Mas a vida não nos deixa em sossego. Sempre encontramos alguém que diz algo que destoa do padrão. E assim, de novo descontentes, nos pomos em movimento, à procura de alguma coisa; estamos sempre evitando o lazer, o momento de completa desocupação. Estando a mente deveras tranquila, não torturada por problemas, não ocupada com eles a todas as horas, talvez então, dessa placidez, possa nascer uma certa e diferente qualidade.

Nesta tarde, desejo investigar aquela qualidade da mente que tem lazeres e não se acha comprometida com coisa nenhuma; da mente capaz de ver, de atuar e, ao mesmo tempo, permanecer pura, não contaminada. Desejo, pois, se mo permitis, investigar aquela qualidade — mas não a maneira de adquiri-la. Desde já nos deve ficar bem claro que uma mente daquela qualidade não é encontrável por nenhum método, nenhum sistema, nenhum trabalho, nenhum sacrifício, nenhuma virtude. Tal é a beleza daquela mente. Mas, para compreendê-la, para que ela possa surgir na existência, temos de investigar o mecanismo do pensamento, investigar o que é o pensar — não por ser ele causador de sofrimento, por ser complexo, por criar problemas — que de fato cria.

Acho necessário compreender todo o mecanismo do pensamento, porque, se não o compreendermos, haverá inevitavelmente irracionalidade, pensar desequilibrado — e isso, naturalmente, não é uma maneira saudável de pensar. Precisamos de uma razão clara, de pensamento lógico, preciso. Necessitamos de profunda compreensão de como funciona o mecanismo do pensamento. Porque a mente, o cérebro que é incapaz de — verdadeiramente, desapaixonada e objetivamente — olhar, observar, sentir, perceber, com perfeito equilíbrio, de maneira sã, não pode evidentemente ir muito longe. Deste modo, cumpre-nos descobrir o que é pensar e, ao mesmo tempo, descobrir a contradição existente entre o pensador e o pensamento. Enquanto existe essa contradição, é inevitável o esforço e, por conseguinte, o conflito.

Devemos, pois, compreender todo o mecanismo do pensar. Como sabeis, nós temos uma longa história, um longo passado, um tesouro imenso, acumulado não só pela mente individual, mas também pela mente coletiva. Eu duvido que haja mente individual. Provavelmente ela não existe. Até que seja libertada, a mente é só coletiva. Mas a mente promana do tempo; o cérebro, com suas admiráveis aptidões, deriva do tempo, de muitos milhares de dias passados. Biologicamente, creio que a parte posterior do cérebro é o resultado de todos os instintos animais, ainda conservados, enquanto a parte anterior ainda está por desenvolver. Mas, para nós, o passado é o fundo de onde pensamos; o passado é a experiência, o conhecimento, inumeráveis incidentes e influências que se foram armazenando. A cultura, a civilização em que fomos educados — tudo isso é o passado. E, com base nesse passado, pensamos; ele constitui o nosso fundo; ele é que dá o “tom”, a qualidade do pensamento. Toda pergunta e todo “desafio” são respondidos pelo passado.

O pensamento é realmente — se o examinamos, se o observamos — reação da memória; e, sem memória, não há pensamento, não há pensar. O que quer que nos seja perguntado, qualquer que seja o desafio que se nos apresente, e qualquer que seja a nossa reação a ele — tudo provém do “registro”, é reação do passado, da memória, de todas as experiências acumuladas. Esse passado tem sempre um centro, de onde pensamos; e esse centro se torna da maior relevância em nossa vida; torna-se proveitoso, garante-nos segurança. Com base nele, pensamos, agimos. Tal centro é mais ou menos estático; embora seus “desafios” difiram na forma, embora lhe sejam acrescentadas e subtraídas coisas, ele subsiste sempre. Esse centro se tornou importante para cada um de nós. Pode ele ser a família; faculta-nos conforto, prazer, é o objeto em torno do qual tantas coisas temos reunido para nossa proteção. Há, pois, a existência desse centro, criado pelo pensamento — o mecanismo do passado. Enquanto não compreendemos o pensamento e o pensador, tem de haver dualidade, tem de haver conflito; e todo conflito consome energia, deteriora a qualidade da mente.

Assim, quem deseja realmente compreender esse mecanismo de acumular energia deve, por certo, compreender de todo essa divisão entre o pensador e o pensamento, e o conflito existente entre os dois.

Nós temos um centro; e esse centro é criado pelo pensamento, constitui ele nosso fundo. Este fundo é bem amplo e “histórico”, e contém também uma grande quantidade de mitologia e valores morais da sociedade. Por mais amplo que seja este fundo, nele há sempre um centro, o “eu”, muito mais importante do que a história. Esse “eu”, esse “ego” é criado pelo pensamento, porquanto, se não há pensar, não pode haver nenhum “eu”. Não é uma entidade sobrenatural que suscita o “eu”; ele é gerado pelos incidentes de cada dia, por cada acidente, cada experiência, por inumeráveis asserções e negações e buscas.

É possível eliminar o conflito entre o censor e a coisa censurada? Eis uma pergunta realmente importante para fazerdes a vós mesmo, porque com ela se elimina todo o conflito, toda a contradição. A mente em contradição, em conflito, está-se desperdiçando, deteriorando; todo problema a que damos tempo deteriora a mente, pois qualquer problema tem de ser resolvido imediatamente, instantaneamente. E o problema a que nos referimos é importantíssimo, porquanto se trata do centro de onde emanam todos os problemas.

É possível não termos centro algum? Não traduzais isso em vossa linguagem própria, ou tirada do Gita ou de outro livro; esquecei tudo isso e considerai a questão. Não a interpreteis em vossa linguagem peculiar — porque, assim, perdeis a vitalidade da percepção.

É possível pensar, sentir, agir, fazer tudo o que fazemos, sem aquele centro? As coisas que fazemos, e a angústia, o caos, a confusão, o sofrimento, o extremo desespero em que nos debatemos, existirão se nenhum centro existir, se nenhuma entidade existir, assumindo obrigações e atuando sob o ditado de uma coisa que se tornou mero feixe de lembranças e que assumiu desmedida importância? Por certo, só há pensar, e não há nenhum centro que pensa. Mas o pensamento, por várias razões, criou o centro. Uma delas é que o pensamento é inseguro, incerto; e o pensamento pode ser modificado, não tem segurança, não tem pouso, está sujeito a alterar-se, dia por dia. O homem, porém, está sempre em busca de um abrigo seguro, onde não seja perturbado em circunstância alguma; e, assim, gradualmente, o centro se torna psicologicamente muito importante, pois nele encontramos segurança.

Existe de fato segurança em alguma coisa — na família, no emprego, no que pensamos, no que sentimos? Há segurança, há alguma espécie de permanência? Entretanto, o pensamento busca a permanência em todas as coisas, e a busca de permanência é que produz o centro. Ouvi isso, apenas, pois nada podeis fazer. Não pergunteis; “Como poderei livrar-me do centro?” — pois esta é uma pergunta prematura e sem qualquer significação; mas, se observardes, se virdes simplesmente, se perceberdes os efeitos, então talvez se vos abra um novo caminho.

O pensamento, pois, é reação da memória, da experiência, do passado; constitui ele nossa mente, nossa consciência; e, nessa consciência, existe dor, alegria, sofrimento, lá estão as coisas que desejamos fazer, melhorar, modificar — tudo parte de lá. E, quando uma pessoa se sente insatisfeita com tudo, a menos que seja completamente infantil, acaba encontrando alguma satisfação estúpida, aí se instalando para o resto da vida; ou, por estar descontente, insatisfeita, deseja dedicar-se a um dado movimento. E, depois de iniciar as atividades nesse campo, verifica que não é bom o que está fazendo; e assim continua, passando de uma coisa para outra, sempre em perseguição de algo.

Para nós, a ideia e não a ação se tornou de suma importância, sendo a ação mero ajustamento à ideia. É possível agir sem ideia e, portanto, sem nenhum ajustamento, em tempo algum? Isso significa, com efeito, que devemos examinar a questão de porque a ideia tomou o lugar da ação. Muito se fala de ação, muito se pergunta: “Que é correto fazer?" O que é correto fazer não é uma ideia divorciada da ação, porque nesse caso a ação se torna ajustamento à ideia e, por conseguinte, a ideia continua sendo importante, e não a ação. Assim, como podereis atuar tão completamente, tão totalmente, que não haja ajustamento nenhum, que vivais plenamente a todas as horas? Não tem então a pessoa nenhuma necessidade de ideias, de conceitos, de fórmulas, de métodos. Não existe então o tempo, porém só ação. Só surge o tempo quando há ajustamento entre a ação e a ideia.

Isso poderá parecer extravagante e absurdo. Mas, se já examinastes bem a questão do pensamento, a questão da ideia (e visto que não podeis viver sem ação), deveis perguntar; “É possível viver sem a ideia, sem a palavra, porém somente com a ação?” Só depois de compreendido o mecanismo do pensamento, pode haver ação que não seja ajustamento. Sem dúvida, se pensardes nisso, vos mesmo, vereis que coisa extraordinária é.

Nós separamos a ação, o conhecimento e o amor, e os mantemos apartados; cada uma dessas coisas tem o seu impulso próprio, sua intensidade própria, sua própria força, e cada uma está em contradição com as outras. Assim é nossa existência diária, nossa vida. Perceber o significado dessas atividades separadas que, na realidade, pertencem à ordem das ideias e não dos fatos, e descobrir individualmente (quer dizer, não aprendê-lo de outrem nem de livro algum, mas descobrir por si mesmo o estado de ação sem ideia, o qual significa “fazer cada coisa totalmente”), isso só é possível quando há amor, afeição. O pensamento cria todas as divisões existentes na vida — amor divino, amor humano, etc.

O completo lazer da mente, resultante da compreensão, da observação — essa qualidade não é quietude, percepção do silêncio? Para mim, todo esse processo de auto-investigação é meditação. Meditação não é repetir palavras e fórmulas, não é uma pessoa hipnotizar-se para entrar em estados fantásticos, de toda espécie. Quem toma ópio ou um sedativo qualquer pode ter visões maravilhosas, mas isso não é meditação.

A meditação é, em verdade, esse processo de auto-investigação. Se vós mesmo a aprofundardes bem, não deixareis de atingir aquele estado em que é possível pensar sem o centro, ver sem o centro; atuar totalmente, sem ideia nem ajustamento; amar sem o centro e, por conseguinte, sem pensamento e sentimento. E depois de passardes por esse estado, descobrireis por vós mesmo uma mente inteiramente livre, sem limites, sem fronteiras; uma mente desimpedida, sem temor, não oriunda de nenhuma disciplina. Alcançado esse ponto, começamos a perceber, melhor, a mente começa a observar diretamente o próprio mecanismo do pensamento, verificando-se, assim, uma alteração completa daquela qualidade que é tempo, que é ontem, hoje e amanhã, de modo que a ação já não se relaciona com ontem, hoje e o dia imediato. Essa ação nenhum motivo tem, pois todo motivo está enraizado no passado, e qualquer ação nascida de motivo é sempre ajustamento.

Meditação, pois, é o perceber da totalidade de cada movimento do pensamento, e jamais negação dele; quer dizer, é deixar cada pensamento “florescer” livremente: pois só em liberdade pode o pensamento “florescer” e terminar. Assim, com esse trabalho (se isso se pode chamar “trabalho”) ou, melhor, com essa observação, a mente tudo compreendeu. Está então quieta, sabe o que realmente significa “estar quieta”, estar verdadeiramente tranquila. E, nessa tranquilidade, existem várias outras formas de movimento que, para quem nunca refletiu a esse respeito, só verbalmente se podem descrever.

PERGUNTA: Após um dia de intenso trabalho, a mente se torna cansada. Que se deve fazer?

KRISHNAMURTI: A pergunta é esta: Após um dia de trabalho, cheio de ocupações, vê-se que o pouco tempo disponível é todo ocupado; a mente está cansada; que se deve fazer?

Vede, nossa estrutura social está totalmente errada; nossa educação é absurda; essa chamada educação nada mais é senão repetir, “memorizar”, encher-se de conhecimentos. Como pode uma mente que lutou o dia todo, atuando como cientista, especialista, etc., que durante treze horas andou tão ocupada com isto ou com aquilo, como pode essa mente encontrar um lazer fecundo? Não pode. Como podeis vós, após quarenta ou cinquenta anos que passastes como cientista, burocrata, médico ou o que quer que seja (não estou dizendo que essas profissões não sejam necessárias), passar os próximos dez anos com vossa mente não condicionada, não incapacitada? A questão, pois, é realmente esta: É possível uma pessoa exercer um emprego, ser engenheiro, especialista em fertilizantes, ser um bom educador e, ao mesmo tempo, em todo o decorrer do dia, em cada minuto, manter a mente sobremodo penetrante, sensível, viva? Eis o verdadeiro problema, e não como ter tranquilidade no fim do dia. Vós vos dedicais à engenharia ou a outra especialidade; não podeis evitá-lo; a sociedade vo-lo exige, e vós tendes de trabalhar. É possível, em vosso trabalho, não vos deixardes colher na rodagem dessa coisa monstruosa que se chama sociedade? Eu não posso dar-vos a resposta. Digo ser isso possível, não teoricamente, porém realmente. Mas só é possível quando nenhum centro existe; foi por isso que vos falei a respeito do centro. Considerai um especialista em otorrinolaringologia que clinicou durante cinquenta anos. Qual é o céu desse médico? Naturalmente, é ouvido, nariz e garganta. Mas é possível ser-se um médico de primeira ordem e, ao mesmo tempo, funcionar, observar, estar apercebido de tudo, de todo o mecanismo do pensamento? Por certo, isso é possível, mas requer extraordinária energia. E essa energia é desperdiçada em conflitos, esforços; desperdiçais essa energia se sois vaidoso, ambicioso, invejoso.

Ao pensarmos em energia, esse termo nos sugere a ideia de “fazer alguma coisa”, ou a chamada ideia religiosa de que se necessita de imensa energia para alcançar Deus e que, para consegui-la, o homem deve ser celibatário, deve fazer isto, aquilo e aquilo outro — sabeis com quantas coisas as pessoas religiosas enganam a si próprias, e acabam extenuadas, vazias, embotadas. Deus não quer gente embotada, insensível. Só podemos chegar a Deus cheios de vitalidade, cada parte de nós bem viva, vibrante; mas, vede, a dificuldade está em vivermos sem nos deixarmos cair numa rotina, em hábitos de pensamento, de ideias, de ação. Se aplicardes devidamente a vossa mente, vereis que se pode viver neste mundo feio — emprego a palavra “feio” com seu significado lexicográfico, sem lhe dar nenhum conteúdo emocional — vereis que se pode viver neste mundo, trabalhar, agir, e ao mesmo tempo manter o cérebro alertado, semelhante ao rio que constantemente se purifica com seu próprio movimento.

Krishnamurti, Varanasi, 12 de janeiro de 1961, A mutação Interior

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Pode a mente "descondicionar-se"?


Pode a mente "descondicionar-se"?

Parece-me que uma das coisas mais difíceis é descobrirmos por nós mesmos o que estamos buscando, coletiva ou individualmente. Alguns dentre nós, porventura, desejam melhorar a sociedade, produzir igualdade econômica e igualdade de oportunidade para todos, de acordo com o padrão socialista, comunista ou outro qualquer, esperando dessa maneira promover o bem-estar do homem. Ou talvez estejamos tentando descobrir, como indivíduos, o que significa esta vida, por que sofremos, por que razão só nos são dados raros momentos de alegria. Há o fim inevitável, que chamamos a morte, e o medo do aniquilamento completo. E, assim, vive a nossa mente na esperança de encontrar um remédio, um sistema econômico ou religioso que, pelo menos temporariamente, resolva os nossos múltiplos e difíceis problemas. Outros estão à procura de um melhor sistema de criar ou educar os filhos, a fim de que o ente humano não se veja forçado a sustentar esta luta tremenda de competição, comparação, avidez, inveja e apetites lascivos.

Assim, parece-me de grande importância averiguarmos o que é que estamos buscando, individualmente e bem assim coletivamente. Quando aqui estais sentados, a escutar, que é que estais escutando? E qual o "motivo", a intenção, o impulso que não só vos faz escutar agora, mas também vos impele constantemente à busca, à luta? A busca é individual ou é coletiva?

Isto é, todos queremos alguma coisa, estamos sempre a tatear, em busca de algum objetivo. Alguns pensam ter encontrado um sistema econômico que resolveria os problemas do mundo, se fosse possível que todos escutassem e se deixassem organizar. Outros não estão interessados nas massas, porém tentando individualmente fazer nascer um mundo melhor, pela compreensão de si mesmos ou pela "realização" de Deus, da Verdade — ou como quiserdes chamá-lo.

Importa, pois — não achais? — estejamos apercebidos do que estamos a buscar e por que razão buscamos. Enquanto, deliberadamente, não nos pusermos apercebidos daquilo que a mente está lutando por alcançar, da razão por que ingressamos em organizações várias, seguimos um certo guru, ou vivemos em conformidade com certo padrão que promete uma sociedade bem organizada — enquanto não estivermos apercebidos do significado de todo esse processo, penso que a coisa que estamos lutando por alcançar e aquilo que alcançamos terá muito pouca significação.

Os mais de nós desejamos uma sociedade bem organizada, não baseada nos valores da ambição, da aquisição, da avidez, da inveja. Qualquer homem inteligente deseja o advento de uma sociedade desta natureza; e deseja também saber se há algo mais importante do que a manutenção da vida física, algo que se encontre além da ação e reação da mente — chamai-o Amor, Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Creio que a maioria das pessoas deseja um mundo são, bem organizado e bem equilibrado, onde não exista pobreza nem degradação, e onde não existam uns poucos opulentos ou aqueles poucos que se tornam extremamente poderosos e tirânicos, em nome do proletariado, etc. etc. Desejamos criar um mundo diferente. É isso, por certo, o que desejam as pessoas inteligentes, as pessoas sensíveis e compassivas, e é isso que estão lutando para criar. E percebemos também que a vida não é meramente um movimento de produção e consumo, não é verdade? A existência deve ser algo mais vital, mais significativo, mais interessante.

Pois bem. É isso o que quase todos desejamos, e por onde começaremos Se percebo que isso é importantíssimo para os entes humanos, em todas as partes, de que lado devo colocar-me, para trabalhar? Devo dedicar minha vida, minhas energias, minha atividade à criação de um mundo são, ordeiro, bem equilibrado, um mundo sem tiranias nem pobreza, um mundo em que uns poucos não disponham da vida de milhões, pelo emprego da violência, dos campos de concentração, etc.? Devo começar, interessando-me pelo melhoramento do mundo e pelo bem-estar econômico do homem? Ou devo começar no terreno psicológico, que no fim sempre domina o outro? Ainda que criássemos um mundo bem organizado e equitativo, não iria o homem que ambiciona o poder, o homem cujo impulso psicológico é alcançar posição, prestígio, implantar novamente o caos e a aflição? Onde começar, pois? Devemos dar a primazia ao plano psicológico ou ao plano físico, econômico?

Este é um problema que desafia a todos nós; não vo-lo estou inculcando. É portanto evidente a necessidade de uma revolução de certa espécie. Deve a revolução ser econômica ou religiosa. Eis a verdadeira questão. Considerando-se as condições sem precedentes do mundo — onde se vê tanta violência, miséria, confusão, a propaganda espalhafatosa dos vários especialistas — não merece atenção este problema, se estais verdadeiramente interessado em investigar, descobrir por vós mesmo se, como indivíduo, podeis contribuir para a revolução fundamental? Se a revolução for simplesmente econômica, não creio que terá muita significação. No meu sentir; a revolução deve ser religiosa, isto é, psicológica. Para mim, o mais importante é ter a capacidade de despertar uma diferente maneira de pensar, de promover uma total revolução da mente. Porque, em verdade, é a mente que nos interessa, já que é capaz de fazer uso de qualquer sistema, em seu próprio proveito. Quaisquer que sejam as leis ou sanções postas em vigor, a mente continuará a trabalhar para seu próprio benefício. Temos visto isso acontecer através da história, nas sucessivas revoluções.

Nessas condições, como parece, — aos que estão apercebidos da imperiosa necessidade de revolucionar a mente — que deve realizar-se a revolução? Quando digo "religioso" não quero dizer dogmático, tradicional, não quero significar a aceitação desta ou daquela doutrina ou crença; para mim, essas coisas não são religiosas. As pessoas que observam certos cerimoniais, que vestem trajes sagrados, cobrem a cabeça com uma certa coisa ou meditam um certo número de horas por dia, tais pessoas não são, absolutamente, religiosas. Estão unicamente aceitando a autoridade e seguindo-a sem reflexão. Religião, sem dúvida nenhuma, é coisa completamente diversa.

Agora, como realizar essa revolução da mente? Penso que só se realizará ela quando compreendermos a totalidade da consciência, coisa muito complicada, como quase tudo na vida. Se a mente for capaz de compreender inteiramente o seu próprio mecanismo, terá então a possibilidade de libertar-se do coletivo e produzir a revolução interior.

Atualmente não sois um verdadeiro indivíduo, sois? Podeis ter casa própria, um nome próprio, conta bancária própria e certas qualidades, idiossincrasias, capacidades; mas é isso que constitui a individualidade? Ou só há individualidade quando compreendemos o mecanismo coletivo da mente? A mente, afinal de contas, é resultado do coletivo; é moldada pela sociedade, produto de inumeráveis condicionamentos. Quer sejais hinduísta, ou maometano, ou cristão, ou comunista, sois resultado de condicionamento da educação, de influências sociais, econômicas e religiosas, que vos fazem pensar de uma certa maneira. Sois, portanto, produto do coletivo; e pode a mente libertar se do coletivo? Por certo, é só então que existe a possibilidade de pensar de maneira totalmente nova, e não de acordo com alguma religião ou ismo, ocidental ou oriental. Nossos problemas requerem uma solução que não seja tradicional, que não esteja de acordo com nenhum padrão ou sistema de pensamento. A questão pois é de saber se a mente pode libertar-se do passado, de todas as influências herdadas e descobrir algo totalmente novo, algo nunca dantes experimentado e que se pode chamar Realidade, Deus, ou como quiserdes. Está claro isto?

Temos uma série assustadora de desafios para enfrentar, não é exato? O desafio é sempre novo; e enquanto a mente estiver condicionada pela crença, cativa da tradição, moldada de acordo com dado padrão, poderá corresponder adequadamente ao novo? Naturalmente, não poderá. No entanto, os mais de nós nos achamos nesta situação. Os políticos, os especialistas, as pessoas ditas religiosas, todos só reagem de acordo com um "fundo" condicionado, o que significa que sua reação é sempre inadequada e, portanto, criadora de mais e mais problemas. Aceitamos como inevitáveis esses problemas, como parte do processo do viver, e com eles nos conformamos; mas deve haver uma maneira diferente de atender a esta questão.

Isto é, pode a mente "descondicionar-se"? Prestai atenção, por favor. Não digais nem "sim" nem "não"; averiguemos juntos se a totalidade da mente — não só a mente consciente, ocupada com os fatos diários, mas também as camadas mais profundas, a mente que está condicionada para pensar de acordo com a tradição em que foi educada, averiguemos juntos se essa mente pode libertar-se de todos os condicionamentos. E essa libertação depende do tempo ou é imediata? A mente condicionada poderá afirmar que o seu "descondicionamento" tem de processar-se gradativamente, durante um certo período de tempo; mas essa própria asserção bem pode ser mais uma reação do seu condicionamento.

Tende a bondade de acompanhar o mecanismo de vossa própria mente, e não apenas o que estou dizendo. Rir-se disso, ou aceitá-lo, ou negá-lo, seria evidentemente absurdo, porque a questão, necessariamente, continuará a surgir. Muitos de nós recebemos, como parte de nosso condicionamento, a ideia de que o "descondicionamento" da mente é um processo gradual, que se estende através de várias vidas, exigindo a prática de disciplinas, etc. Ora, tal pode ser o mais errôneo modo de pensar e o "descondicionamento" da mente pode ser, muito ao contrário, uma coisa imediata. Eu acho que ele é imediato, e isto não é mera opinião. Se examinardes o mecanismo total de vossa mente, vereis que ela é resultado do tempo, de experiências e conhecimentos acumulados e que sua reação provém sempre desse fundo; e, assim sendo, ao afirmardes que o descondicionamento da mente só pode processar-se gradualmente, estais apenas reagindo de acordo com vosso condicionamento. Mas, se não reagis de maneira nenhuma, porém ficais apenas a escutar, porque não sabeis — pois de fato não sabeis se a mente pode ser "descondicionada" imediatamente ou não — haverá então possibilidade de se descobrir a verdade relativa a esta questão.

Há os que dizem que a mente nunca pode ser descondicionada e que é necessário condicioná-la melhor. "Antigamente ela era condicionada para adorar a Deus — uma fantasia, um mito, uma irrealidade — condicionemo-la agora de maneira melhor" — ou seja, para a adoração do Estado, representado pelos poucos, os especialistas desta ou daquela ideologia. Para essas pessoas, o problema é muito simples. Afirmam elas que a mente não pode ser descondicionada e, portanto, o que as preocupa é apenas a melhoria do seu condicionamento. Mas o que elas afirmam é também mero dogmatismo e nenhuma investigação se faz para descobrir o que é verdadeiro. Certo, para descobrir o que é verdadeiro, a mente nada pode afirmar, nada aceitar nem rejeitar.

Agora, qual o estado da mente — e espero que vos acheis nesse estado — que não aceita nem rejeita? Por certo, ela está então livre para investigar. E quando a mente está livre para investigar, já não está descondicionada? Quando está investigando, não superficialmente, curiosamente, porém com persistência, com sua total capacidade de descobrir, a mente está, de certo, livre de todos os dogmas religiosos e políticos, já não pertence a religião alguma, não está presa nas redes de nenhuma crença ou ideologia, não depende de nenhuma autoridade. Só a mente que é livre para investigar, descobrir, pode promover a revolução religiosa, que se torna tão necessária. Uma mente livre é verdadeiramente religiosa, porque é fresca, "inocente" nova. E, então, talvez essa própria mente seja o Real.

Krishnamurti, Quarta Conferência em Madrasta, 29 de janeiro de 1956
Da Solidão à Plenitude Humana


Descontentamento é sinal de inveja


Descontentamento é sinal de inveja

INTERPELANTE: Existe em mim um descontentamento profundo, e estou em busca de alívio. Instrutores, como Sankara e Ramanuja, recomendaram a submissão a Deus. Recomendaram também o cultivo da virtude e o seguimento do exemplo dos nossos Mestres. Pareceis considerar tudo isso inútil. Tereis a bondade de explicar por quê?

KRISHNAMURTI: Porque estamos descontentes, e que há de mau no descontentamento? Evidentemente, estamos descontentes porque — para dizê-lo com muita simplicidade — queremos ser alguma coisa. Se sou bom pintor, pinto para tornar-me mais famoso; se escrevo um poema, sinto-me insatisfeito por não o achar bom e luto para melhorar a minha capacidade. Se sou dessas pessoas ditas religiosas, também neste terreno quero ser alguma coisa. Sigo o exemplo dos vários santos e desejo alcançar nomeada igual à deles. Desde meninos, nos dizem sempre que devemos ser tão bons ou melhores do que outro. Fui criado na base da comparação, da competição, da ambição e, por isso, levo em toda a vida a carga do descontentamento. Propriamente falando, descontentamento é inveja; e nossa cultura religiosa e social está baseada na inveja. Estimulam-nos a ser alguma coisa, para maior glória de Deus. Por um lado, estimula-se o descontentamento, e, por outro lado, queremos achar meios e modos de dominar o descontentamento. Estando descontentes, economicamente, socialmente, recorremos aos exemplos religiosos, a fim de encontrarmos satisfação; meditamos, praticamos disciplinas, a fim de nos livrarmos do descontentamento, ficarmos em paz. Isto está acontecendo com todos vós e eu vos digo que é uma coisa completamente fútil, sem significação nenhuma. Seguir, imitar, obedecer a uma autoridade em assuntos religiosos é coisa má, assim como é uma coisa má a tirania do governo, porque então está completamente perdida a individualidade.

Atualmente, não sois indivíduos, e sim meras máquinas de imitar, produto de um certo meio cultural, um certo sistema educativo. Sois o corpo coletivo, não sois indivíduo, sendo isto muito óbvio. Todos sois hinduístas ou cristãos, isto ou aquilo, com certos dogmas, crenças, o que significa que sois produto da massa. Por conseguinte, não sois indivíduos. Precisais estar totalmente descontentes, para poderdes descobrir. Mas a sociedade não deseja ver vos descontentes, porque teríeis então vitalidade, começaríeis a inquirir, a investigar, a descobrir e, consequentemente, vos tornaríeis perigosos para ela.

Infelizmente, o descontentamento de quase todos vós está baseado no desejo de satisfação, e no momento em que vos vedes satisfeitos, desaparece o descontentamento. E então definhais e declinais. Já não observastes como pessoas descontentes quando jovens, perdem esse descontentamento logo que obtêm um bom emprego? Dai ao comunista um emprego rendoso, e lá se foi o seu descontentamento. O mesmo acontece com as pessoas religiosas. Não riais — isto também acontece convosco. Desejais encontrar o mestre certo, o guru certo, a disciplina certa: e o que se encontra é uma gaiola que vos asfixiará e destruirá; e esta destruição se chama "busca da verdade"... Isto é, quereis achar-vos satisfeitos permanentemente, para não sofrerdes perturbação, descontentamento, não terdes o desejo de investigar. Foi isso que realmente sucedeu; e quanto mais antiga a civilização, tanto mais destrutiva, porque a tradição gera sempre mediocridade.

Vemos, pois, que o descontentamento, tal como ora o conhecemos, é meramente desejo de encontrar satisfação permanente. E existe de fato satisfação permanente, um permanente estado de paz? Ou só existe um estado em que nada é permanente? Só a mente que, na sua totalidade, é impermanente, incerta, pode descobrir o que é verdadeiro; porque a Verdade não é estática. A Verdade é sempre nova e só pode ser compreendida pela mente que está morrendo para todas as acumulações, todas as experiências e é, por conseguinte, fresca, jovem, "inocente". Agora, existe descontentamento sem objetivo, sem "motivo"? Compreendeis? A mente cujo descontentamento tem um "motivo" procurará uma conclusão que a satisfaça, destruindo o descontentamento; e, então, a mente definha, declina. Todo nosso descontentamento está baseado em algum "motivo", não? Mas agora estamos fazendo uma pergunta completamente diferente: existe descontentamento sem "motivo", que não seja produto de uma causa? Não deveis investigar e averiguar isso? Ora, tal descontentamento é necessário. Ou empreguemos uma palavra diferente — o que aliás é sem importância — digamos que é um movimento sem causa, sem "motivo". Penso que tal movimento existe, e isto não é mera especulação nem promessa. Quando a mente compreende o descontentamento que tem "motivo", o descontentamento nascido do desejo de satisfação, permanência; quando percebe, realmente, a verdade relativa a esse descontentamento, vem então à existência "a outra coisa". Mas "a outra coisa" não pode ser compreendida nem experimentada, se há descontentamento com "motivo", e atualmente todo descontentamento nosso tem "motivo": não posso alcançar o que desejo, minha mulher não me ama, nada valho assim como sou e, portanto, tenho de tornar-me diferente, e assim por diante. Há esta interminável multiplicidade de causas e efeitos, causadora dessa coisa que chamamos "descontentamento".

Ora, se a mente está apercebida de todo esse mecanismo e o compreende integralmente, percebe a sua verdade, vereis então manifestar-se um movimento sem "motivo" algum — um movimento, uma ação, uma coisa não estática, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Nesse movimento há beleza infinita, e ele se pode chamar "amor"; porque, afinal, o amor é sem "motivo". Se eu vos amo e desejo algo de vós, isto não é amor — embora eu lhe dê esse nome — porque, aí, há "motivo". A atividade social ou religiosa baseada em "motivo", ainda que a denominemos "serviço", não é serviço porém, sim, autopreenchimento.

Pode-se descobrir o que é amar sem "motivo"? Isso é uma coisa que se precisa descobrir e que não pode ser praticada. Se disserdes: "Como alcançarei esse amor?" — estareis fazendo uma pergunta sem significação, porque o desejo de alcançá-lo já é um "motivo". Se empregais um método, para alcançar esse amor, esse método só tornará mais forte o "motivo", que é "vós". Vós sois então importante, e não o amor.

Se penetrardes profundamente esta questão — o que é muito difícil e é, em si, meditação — penso que descobrireis um movimento sem "motivo", um movimento sem causa alguma e é esse movimento que traz a paz ao mundo, e não o movimento de vosso descontentamento, determinado por uma causa. O homem em quem se verifica esse movimento sem causa é um homem religioso, é um homem que ama e, portanto, pode fazer o que deseja. Mas o político, o reformador social, o homem que cultiva a virtude, a fim de ser feliz ou de conhecer Deus, o homem, cujos esforços são o resultado de um "motivo", num nível qualquer, — as atividades desse homem só podem gerar ódios, antagonismos e sofrimentos.

Eis porque muito importa que cada um de nós descubra por si mesmo, deixando de seguir Sankara, Ramanuja, Buda ou Cristo. Para por nós mesmos descobrirmos, acharmos uma coisa, temos de ser livres; e não somos livres, se meramente citamos Sankara ou outra autoridade qualquer. Se seguimos, nunca achamos. Assim, pois, a liberdade está no começo, e não no fim. A liberdade precisa ser buscada agora, não no futuro. Liberdade significa estar livre de autoridade, da ambição, da avidez, da inveja, do descontentamento que tem "motivo" e exige resultados, e que asfixia o verdadeiro descontentamento.

Torna-se necessária uma revolução, não dentro do padrão da sociedade, porém dentro de cada um de nós, a fim de que nos tornemos indivíduos totais e não pequenos Sankaras, pequenos Budas, pequenos Cristos. Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe "motivo" algum. A própria jornada representa o "motivo", e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo — e não os reformadores sociais, os "beneméritos", os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Estes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitores. O "homem da paz" é aquele que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade — ou como quiserdes chamá-lo — não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Madrasta, 18 de janeiro de 1956
Da Solidão à Plenitude Humana

O mecanismo da insatisfação e do descontentamento

O mecanismo da insatisfação 

e do descontentamento

Parece-me muito importante descobrirmos, por nós mesmos, o que é que estamos buscando, e porque estamos buscando. Se pudermos examinar esta questão com certa profundeza, acho que descobriremos muitas coisas nela envolvidas. Os mais de nós estamos em busca de alguma espécie de preenchimento. Estando insatisfeitos, queremos achar a satisfação em certa relação, no exercício de certas capacidades, ou na busca de certa espécie de ação que seja completamente satisfatória. Ou, se não somos desse temperamento, então, em geral, buscamos o que pensamos ser a verdade, Deus, etc. Quase todos nós estamos buscando, procurando; e se pudéssemos, cada um de nós, descobrir por nós mesmos o que é que estamos buscando, e porque estamos buscando, esse descobrimento, penso, muitas coisas nos revelaria. Vendo-nos insatisfeitos com nós mesmos, com nosso ambiente, com nossas atividades, nossas ocupações, quase todos desejamos um emprego melhor, uma posição melhor, melhor compreensão, atividades mais amplas, uma filosofia mais satisfatória, um cargo inteiramente satisfatório. Exteriormente, é isso que desejamos; e, quando não podemos satisfazer-nos, procuramos águas mais profundas, cultivamos a filosofia, interessamo-nos por reformas, reunimo-nos em grupos diversos, para discutir, etc., e a insatisfação continua... Acho importante averiguarmos se o motivo de nossa busca é compreender a insatisfação, ou achar a satisfação. Porque, se é a satisfação que estamos buscando em qualquer nível, é claro, então, que nossa mente se tornará muito vulgar. Mas pode ser que haja um descontentamento sem objetivo, o descontentamento em si, que não é impulso para a consecução de um resultado, para se chegar a alguma parte. Acho que a maioria de nós, vendo-nos insatisfeitos com nossas relações, nossas profissões, nossas atitudes, nossos valores, estamos procurando desvencilhar-nos de tudo isso para adotarmos um diferente sistema de valores, diferentes relações, diferentes ideias, diferentes crenças; mas, no fundo de tudo isso, está o impulso para nos tornarmos satisfeitos.

Seria interessante se pudéssemos descobrir, por nós mesmos, se existe uma coisa tal como um descontentamento sem "motivo" algum, descontentamento que não seja produto de certa frustração; porque esse próprio descontentamento sem "motivo" pode ser a qualidade que se faz necessária. Presentemente, quando estamos buscando, a nossa busca resulta de insatisfação, descontentamento, e nosso "motivo" é achar satisfação desta ou daquela espécie. Principalmente quando falamos a respeito da verdade ou Deus, estamos — não é verdade? — em busca de certo estado de espírito que seja completamente satisfatório. Quer a mente seja muito ampla, muito sutil, quer tenha muito pouca capacidade, se ela está em busca da satisfação — ainda que sob a forma mais sutil — então os seus deuses, suas virtudes, suas filosofias, seus valores, serão forçosamente vulgares, mesquinhos, superficiais.

Nessas condições, é possível a mente ficar livre de toda busca, o que significa: livre daquele descontentamento cujo "motivo" é achar satisfação? Porque, por mais sutil e por mais inteligente que a mente seja, e quaisquer que sejam as virtudes que tenha cultivado, se ela está meramente buscando satisfação, sob qualquer forma, é então incapaz de compreender o que é verdadeiro. Sem dúvida, todo o mecanismo do pensar é medíocre, muito limitado. Afinal de contas, o pensar é resultado da memória acumulada, da associação, da experiência; o pensar é a reação dessa memória, a reação da mente condicionada. Quando esse condicionamento cria insatisfação, então tudo o que resulta dessa insatisfação é também condicionado. Nossa busca será sempre de todo em todo fútil enquanto estiver baseada num descontentamento que não seja mais do que uma simples reação a dado condicionamento.

Percebido isso, surge a questão de saber se existe alguma outra forma de descontentamento, se existe um descontentamento que não esteja "canalizado", que não tenha "motivo" algum, que não vise a um preenchimento. É possível que a coisa essencial seja esse descontentamento "sem motivo", esse descontentamento que não é reação a certo condicionamento. Por ora, o nosso pensar, a nossa busca, tem um "motivo", e esse motivo baseia-se em nossa exigência de um estado permanente de satisfação completa, ao abrigo de toda e qualquer perturbação, estado que chamamos "paz", "verdade", "Deus", etc.; e toda a finalidade da nossa busca é o alcance desse estado. Vemos, pois, que a busca, em geral está baseada na exigência de satisfação, na exigência de um estado de permanência, onde nunca sejamos perturbados. E pode uma mente nessas condições, cujo pensar é "motivado" pelo desejo de satisfação, descobrir, em algum tempo, o que é verdadeiro?

Parece-me que devemos compreender por nós mesmos todo o "mecanismo" que motiva a nossa busca, o porque buscamos, sem nos deixarmos satisfazer por nenhuma palavra preferida, nenhuma finalidade ou alvo preferido, por mais nobre, inspirador ou ideal que pareça. Porque, sem dúvida, o próprio do "eu" é, exatamente, esse constante "mecanismo" de descontentamento dirigido para uma realização, um preenchimento; é só isso que conhecemos. Quando não há preenchimento há frustração; e surgem então os numerosos problemas relativos a como superar este sentimento de frustração. E, assim, a mente busca um estado livre de frustração, sofrimento. Por conseguinte, a nossa busca da verdade pode ser, justamente, preenchimento, expansão do "eu", de "mim". E vemo-nos, assim, aprisionados neste círculo vicioso. Se estamos apercebidos disso, completamente, totalmente, não há então nenhuma tendência para o preenchimento em qualquer crença, qualquer dogma, qualquer atividade, ou qualquer estado particular. A busca de preenchimento implica sofrimento, frustração; e, se percebe a verdade a esse respeito, a mente deixa de buscar. Em meu sentir, há diferença entre a atenção que se dá a um objetivo e a atenção sem objetivo algum. Podemos concentrar-nos em dada ideia, crença, objetivo, o que é um processo de "exclusão"; e há outra atenção, um percebimento que não é "exclusivo". Identicamente, existe um descontentamento, sem "motivo", que não é produto de nenhuma frustração, que não pode ser "canalizado", que não pode aceitar preenchimento algum. Talvez eu não esteja empregando a palavra correta, mas acho que esse extraordinário descontentamento é a coisa essencial. Sem ele, qualquer outra forma de descontentamento se torna mero caminho para a satisfação.

Assim sendo, pode a mente que está apercebida de si mesma, que conhece as peculiaridades de seu próprio pensar, pôr fim a essa exigência de preenchimento? E, terminada ela, podemos permanecer sem buscar, num estado de completa vacuidade, sem esperança, sem medo? Não devemos chegar a esse estado, quando ocorre a completa cessação do buscar? Porque só então é que será possível acontecer algo que não é produto da mente. Nosso pensar, afinal de contas, resulta do tempo, de muitos dias passados; e, através do tempo, que é pensar, estamos tentando achar algo que está além do tempo. Estamo-nos servindo da mente, o instrumento do tempo, para achar uma coisa que não pode ser medida. Nessas condições, pode a mente imobilizar-se de todo para que possa acontecer algo, o que, naturalmente, não significa um estado de amnésia, um estado de inexistência, de não pensamento. Pelo contrário, isso requer muita vigilância, um percebimento em que não há objeto nem "entidade que percebe". Acho importante compreender isso. Atualmente, quando estamos percebendo, comumente, na vida cotidiana, nesse percebimento há julgamento, avaliação; tal é o nosso percebimento normal. Quando olhamos um quadro, começa a funcionar imediatamente o processo de condenação, de comparação, de avaliação; e não podemos ver o quadro, porque o mecanismo de avaliação, como uma cortina, se pôs de permeio. Podemos olhar o quadro sem avaliação, sem comparação? Analogamente, posso olhar a mim mesmo, não importa o que eu seja — todos os erros, tribulações, fracassos, tristezas, alegrias — e ver tudo isso sem avaliação, percebê-lo simplesmente, sem pôr no meio a cortina da condenação ou da comparação? Se a mente for capaz de fazê-lo, veremos que esse próprio percebimento "queima" a raiz de qualquer problema. Quando a mente está assim apercebida, totalmente cônscia, então não há busca; a mente já não está comparando, buscando a satisfação, pensando em termos de realizarão. Não é a mente, então, ela própria, atemporal? Enquanto a mente compara, condena, julga, está condicionada, e está no tempo; mas quando tudo isso cessou, de todo, não se acha então a própria mente naquele estado que se pode chamar "eternidade"? Nesse estado não há observador, não há "experimentador" que tem associações, que tem lembranças, que está buscando, pois tudo isso é produto do tempo. Enquanto o experimentador está buscando, tentando preencher-se, acumulando experiência, acumulando conhecimentos, tentando descobrir campos mais vastos onde viver, está criando o tempo, e suas ações, quaisquer que sejam, estarão sempre dentro da esfera temporal. O imensurável não pode, jamais, ser encontrado pelo experimentador, "aquele que busca". É só naquele estado em que a mente já não está buscando, em que já não está cultivando, pela busca, um fim para ser alcançado, é só então que se torna possível despontar na existência a realidade.

Krishnamurti, Sexta Conferência em Londres, 26 de junho de 1955

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Como chegou a este grau de compreensão?

Pergunta: Pode dizer-nos como chegou a este grau de compreensão?

Krishnamurti: Receio que fosse demorar muito tempo, e pode ser muito pessoal. Em primeiro lugar, Senhores, eu não sou um filósofo, não sou um estudante de filosofia. Penso que aquele que seja apenas estudante de filosofia está já morto. Mas vivi com toda o gênero de pessoas, e fui criado, como talvez saibam, para levar a cabo uma certa função, um certo cargo. Mais uma vez, isso significa “explorador”. E era também o dirigente de uma enorme organização em todo o mundo, para fins espirituais; e vi a falácia disso, porque não se pode conduzir os homens à verdade. Só se pode torná-los inteligentes através da educação, o que nada tem a ver com sacerdotes e os seus meios de exploração – as cerimônias. Portanto dissolvi essa organização; e, vivendo com as pessoas, e não tendo uma ideia fixa sobre a vida, ou uma mente limitada por um determinado contexto tradicional, comecei a descobrir o que, para mim, é a verdade: verdade para toda a gente – uma vida que se pode viver saudavelmente, sensatamente, humanamente, não baseada na exploração, mas nas necessidades. Sei o que preciso, e que não é muito, portanto quer trabalhe para elas escavando um jardim, ou falando, ou escrevendo, isso não é de muita importância.

Em primeiro lugar, para descobrir qualquer coisa, tem que haver um grande descontentamento, um grande questionamento, infelicidade; e muito poucas pessoas no mundo, quando estão descontentes, desejam acentuar esse descontentamento, desejam passar por ele para descobrir. Geralmente as pessoas querem o oposto. Se estão descontentes, querem felicidade, ao passo que, por mim – se me permitem ser pessoal – eu não queria o oposto, eu queria descobrir; e assim gradualmente através de vários questionamentos e através de um atrito contínuo, cheguei a compreender isso a que se chama a verdade ou Deus. Espero ter respondido à pergunta.

Jiddu Krishnamurti em Auckland, Nova Zelândia, palestra a homens de negócios 6 de abril, 1934.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Existe descontentamento sem objetivo, sem "motivo"?

Por que estamos descontentes, e que há de maus no descontentamento? Evidentemente, estamos descontentes porque — para dize-lo com muita simplicidade — queremos ser alguma coisa. Se sou um bom pintor, pinto para tornar-me mais famoso; se escrevo um poema, sinto-me insatisfeito por não achá-lo bom e luto para melhorar a minha capacidade.  Se sou dessas pessoas ditas religiosas, também neste terreno quero ser alguma coisa. Sigo o exemplo dos vários santos e desejo alcançar nome igual ao deles. Desde meninos, sempre nos dizem que devemos ser bons ou melhores do que os outros. Fui criado na base da comparação, da competição, da ambição e, por isso, levo em toda a vida o peso do descontentamento. Propriamente falando, descontentamento é inveja; e nossa cultura religiosa e social está baseada na inveja. Somos estimulados para sermos alguma coisa, para maior glória de Deus. Por um lado, estimula-se o descontentamento, e, por outro lado, queremos achar meios e modos de dominar o descontentamento. Estando descontentes, econômica, socialmente, recorremos aos exemplos religiosos, a fim de encontrarmos satisfação; meditamos, praticamos disciplinas, a fim de nos livrarmos do descontentamento, ficarmos em paz. Isto está acontecendo com todos vocês e eu lhes digo que é uma coisa completamente fútil, sem nenhum significado. Seguir, imitar, obedecer uma autoridade em assuntos religiosos é uma coisa má, assim como é uma coisa má a tirania do governo, porque então está completamente perdida a individualidade. 

Atualmente, vocês não são indivíduos, e sim meras máquinas de imitar, produto de um certo meio cultural, um certo sistema educativo. Vocês são o corpo do coletivo, não são indivíduos, sendo isto muito óbvio. Todos são hinduístas ou cristãos, isto ou aquilo, com certos dogmas, crenças, o que significa que são produto da massa. Por conseguinte, não são indivíduos. Precisam estar totalmente descontentes, para poderem descobrir. Mas a sociedade não deseja lhes ver descontentes, porque teriam vitalidade, começariam a questionar, a investigar, a descobrir e, consequentemente, se tornariam perigosos para ela. 

Infelizmente, o descontentamento de quase todos vocês está baseado no desejo de satisfação, e no momento em que se veem satisfeitos, desaparece o descontentamento. E então definham e declinam. Já não observaram como pessoas descontentes quando jovens, perdem esse descontentamento logo que obtêm um bom emprego? Dai ao comunista um emprego rendoso, e lá se foi o seu descontentamento. O mesmo acontece com as pessoas religiosas. Não riam — isso também acontece com vocês. Desejam encontrar o mestre certo, o guru certo, a disciplina certa: e o que se encontra é uma gaiola que os asfixiará de destruirá; e esta destruição se chama "busca da verdade"... Isto é, querem se achar permanentemente satisfeitos, para não sofrerem perturbação, descontentamento, não terem o desejo de investigar. Foi isso o que realmente ocorreu; e quanto mais antiga a civilização, tanto mais destrutiva, porque a tradição sempre gera mediocridade.

Vemos, pois, que o descontentamento, tal como ora o conhecemos, é meramente desejo de encontrar satisfação permanente. E existe de fato satisfação permanente, um permanente estado de paz? Ou só existe um estado em que nada é permanente? Só a mente que, na sua totalidade, é impermanente, incerta, pode descobrir o que é verdadeiro; porque a Verdade não é estática. A Verdade é sempre nova e só pode ser compreendida pela mente que está morrendo para todas as acumulações, todas as experiências e é, por conseguinte, fresca, jovem, "inocente". 

Agora, existe descontentamento sem objetivo, sem "motivo"? Compreendem? A mente cujo descontentamento tem um "motivo" procurará uma conclusão que a satisfaça, destruindo o descontentamento; e, então, a mente definha, declina. Todo nosso descontentamento está baseado em algum "motivo", não? Mas agora estamos fazendo uma pergunta completamente diferente: existe descontentamento sem "motivo", que não seja produto de uma causa? Não devem investigar e averiguar isso? Ora, tal descontentamento é necessário. Ou empregamos uma palavra diferente — o que aliás é sem importância — digamos que é um movimento sem causa, sem "motivo". Penso que tal movimento existe, e isto não é mera especulação nem promessa. Quando a mente compreende o descontentamento que tem "motivo", o descontentamento nascido do desejo de satisfação, permanência; quando percebe, realmente, a verdade relativa a esse descontentamento, vem então à existência "outra coisa". Mas a "outra coisa" não pode ser compreendida nem experimentada, se há descontentamento com "motivo", e atualmente todo descontentamento nosso tem "motivo": não posso alcançar o que desejo, minha mulher não me ama, nada valho assim como sou e, portanto, tenho que ser diferente, e assim por diante. Há esta interminável multiplicidade de causas e efeitos, causadora dessa coisa que chamamos "descontentamento". 

Ora, se a mente está consciente de todo esse processo e o compreende integralmente, percebe a sua verdade, verão então se manifestar um movimento sem "motivo" algum — um movimento, uma ação, uma coisa não estática , que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserem. Nesse movimento há beleza infinita, e ele pode ser chamado de "amor"; porque, afinal, o amor é sem "motivo". Se eu os amo e desejo algo de vocês, isto não é amor — embora eu lhe dê esse nome — porque, aí, há "motivo". A atividade social ou religiosa baseada em "motivo", ainda que a denominemos "serviço", não é serviço, porém, sim, autopreenchimento. 

Pode-se descobrir o que é amar sem "motivo"? Isso é uma coisa que se precisa descobrir e que não pode ser praticada. Se disserem: "Como alcançarei esse amor?" — estarão fazendo uma pergunta sem significação, porque o desejo de alcançá-lo já é um "motivo". Se empregam um método, para alcançar esse amor, esse método se tornará mais o "motivo", que é "vocês". Vocês são importante, e não o amor. 

Se penetrarem profundamente esta questão — o que é muito difícil e é, em si, meditação — penso que descobrirão um movimento sem "motivo", um movimento sem causa alguma e é esse movimento que traz a paz ao mundo, e não o movimento do descontentamento de vocês, determinado por alguma causa. O homem em que se verifica esse movimento sem causa é um homem religioso, é um homem que ama e, portanto, pode fazer o que deseja. Mas o político, o reformador social, o homem que cultiva a virtude, a fim de ser feliz ou de conhecer Deus, o homem cujos esforços são o resultado de um "motivo", num nível qualquer —, as atividades desse homem só podem gerar ódios, antagonismos e sofrimentos. 

Eis porque muito importa que cada um de nós descubra por si mesmo, deixando de seguir Sankara, Ramana, Buda ou Cristo. Para nós mesmos descobrirmos, acharmos uma coisa, temos de ser livres; e não somos livres, se meramente citamos Sankara ou outra autoridade qualquer. Se seguimos, nunca achamos. Assim, pois, a liberdade está no começo, e não no fim. A liberdade precisa ser buscada agora, não no futuro. Liberdade significa estar livre de autoridade, da ambição, da avidez, da inveja, do descontentamento que tem um "motivo" e exige resultados, e que asfixia o verdadeiro descontentamento. 

Torna-se necessária uma revolução, não dentro do padrão da sociedade, porém dentro de cada um de nós, a fim de que nos tornemos indivíduos totais e não pequenos Sankaras, pequenos Budas, pequenos Cristos. temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe "motivo" algum. A própria jornada representa o "motivo", e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo — e não os reformadores sociais, os "beneméritos", os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. estes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros mal-feitores. O "homem da paz" é aquele que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar deus, a Verdade — ou como quiserem chamá-lo — não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência. 

Jiddu Krishnamurti em, Da solidão à plenitude humana

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Uma pessoa satisfeita é uma pessoa apática e estúpida

O descontentamento não é uma enfermidade ou uma doença; ele simplesmente mostra vida e sensibilidade. Somente os mortos não têm descontentamento. Uma pessoa realmente viva precisa viver seu descontentamento, sentir sede, ficar em chamas. Somente através deste fogo, desta sede, ela viverá uma vida intensa. 

As pessoas vivem no mínimo e jamais vêm a saber o que é o ótimo absoluto, e as coisas acontecem somente no ótimo absoluto. 

(...) De onde vem o sentido? Ele vem ao se viver intensamente; a intensidade e a intencionalidade trazem o sentido. Uma pessoa sabe o que é a vida somente quando ela vive como se a tocha estivesse queimando em ambas as pontas. Deus é revelado nesses raros momentos de intensidade, e nunca antes. O contentamento certamente acontece, mas somente nos momentos mais intensos de descontentamento. 

Sócrates está certo quando diz: "Preferiria ser um Sócrates descontente a ser um porco contente". Mas milhões de pessoas decidiram o contrário: elas decidiram viver como porcos satisfeitos. Elas insistem em evitar qualquer fenômeno intenso(...)

Lembre-se: sede, descontentamento e fome são qualidades saudáveis. Uma pessoa satisfeita é uma pessoa apática e estúpida. E, devido à satisfação ter sido praticada através dos tempos, suas igrejas estão cheias desses idiotas, seus monastérios estão repletos dessas pessoas apáticas e mortas. Elas são cadáveres ambulantes, de alguma forma se arrastando; elas perderam toda a seiva e estão congeladas, sem fluir. Suas vidas não são correntes, não são vibrações, músicas ou melodias. 

A sede é perfeitamente bela, pois somente através dela você saberá o que é contentamento, o que é a beleza de se sentir saciado.(...) Quando você estiver se queimando como fogo, somente então o contentamento acontecerá. E Deus é o contentamento supremo. Ele acontece para a pessoa religiosa que vive através do descontentamento. Uma pessoa religiosa é aquela que está sedenta. 

OSHO

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Diálogo sobre descontentamento

ACHO que é importante compreender-se o problema do descontentamento. Talvez encontremos a solução correta de nossos enormes problemas se pudermos investigar o significado profundo do descontentamento. Quase todos nós estamos insatisfeitos com nós mesmos, nosso ambiente, nossas idéias, nossas relações. Desejamos efetuar uma modificação. Há descontentamento geral, do simples aldeão ao homem mais letrado - se não está subordinado ao seu poder, se não é escravo da sua ciência. Alastra-se por toda a parte uma insatisfação que nos leva a executar toda sorte de ações, e queremos encontrar um caminho que nos conduza à satisfação. Se estais insatisfeito, desejais encontrar

um caminho para a felicidade. Se estais batalhando dentro em vós mesmo, aspirais a encontrar o caminho da paz. Estando insatisfeito, descontente, desejais uma solução que seja satisfatória. Por conseguinte, a mente está sempre a tatear, sempre a sondar, em busca da Verdade - em busca da solução para o seu descontentamento. Uns encontram a solução na satisfação própria, num alvo, num objetivo na vida, por eles estabelecido; e tendo descoberto um meio por onde encaminhar o seu desejo, pensam ter encontrado o contentamento.

O contentamento pode ser encontrado? A paz é uma coisa que possa ser achada pelo processo do intelecto? A felicidade é coisa adquirível pela compreensão ou pela criação do seu oposto? Esse sofrimento, esse descontentamento é essencial em nossa vida? O fato é que estamos descontentes com o que é, descontentes com as coisas que temos, descontentes com o que somos; e o descontentamento surge por causa da comparação. Estou descontente porque vejo que sois ilustrado, rico, feliz, poderoso. É essa a causa do descontentamento? Ou vem à existência o descontentamento quando estou em busca de um caminho por onde possa afastar-me do que é? Se eu puder compreender o caminho do descontentamento, talvez possa haver felicidade, talvez possa haver satisfação. Não há caminho para a felicidade, para o contentamento. Aquele contentamento e aquela felicidade não constituem um processo de "estagnação". Pois, se me vejo descontente e desejo estar contente, esse caminho me conduz ao contentamento, que é estagnação; e isso é o que deseja a maioria de nós. Mas existe algum caminho?

Podemos investigar, podemos sondar a questão do descontentamento, sem procurarmos criar o seu oposto, sem querermos alcançar o seu oposto? Porque, afinal de contas, quando somos jovens, estamos descontentes com a sociedade, tal como está constituída. Queremos reformá-la, produzir uma modificação. Aderimos, assim, a uma sociedade, a um partido, um grupo político ou associação religiosa. E logo o nosso descontentamento se canaliza, e é refreado e destruído. Porque, nesse caso, estamos interessados tão-somente em pôr em prática um método, um sistema, para produzirmos um resultado e, em virtude disso, pomos fim ao nosso descontentamento. Este não é um dos nossos maiores problemas? Como nos satisfazemos facilmente!

O descontentamento não é essencial em nossa existência, relativamente a qualquer questão, qualquer indagação, no sondar, no descobrir o que é o Real, o que é a Verdade, o que é essencial na vida? Posso possuir em mim esse flamejante descontentamento durante o tempo de colégio; mais tarde, porém obtenho um emprego e lá se vai o descontentamento. Torno-me satisfeito, luto para manter minha família, para ganhar a vida, e, dessa maneira, o descontentamento se acalma, é destruído, e me transformo numa entidade medíocre, satisfeita com as coisas da vida, e não mais estou descontente. Entretanto, a chama tem de ser alimentada desde o princípio até o fim, para que haja verdadeira investigação, o verdadeiro sondar do problema relativo ao que é o descontentamento. Porque a mente busca muito prontamente um narcótico que a ponha satisfeita com suas virtudes, qualidades, idéias, ações, e estabelece uma rotina na qual se aprisiona. Estamos muito familiarizados com esse fato; o nosso problema, porém, não é o de como acalmar o descontentamento, mas de como mantê-lo em combustão, ativo, cheio de vitalidade. Todos os nossos livros religiosos, todos os nossos gurus, todos os nossos sistemas políticos pacificam a mente, aquietam-na, influem sobre ela para fazê-la arrefecer, pôr de parte o descontentamento e ficar chafurdando nalguma forma de satisfação. E não é essencial estar-se descontente, para se descobrir o que é verdadeiro?

Por que ficamos descontentes? - e o descontentamento produz revolução, modificação, transformação? E só é possível a revolução quando compreendemos a natureza do descontentamento? E com o que há descontentamento? Que coisa é essa com a qual estamos descontentes? Se puderdes investigar verdadeiramente esta questão, talvez vos seja possível achar uma solução. Com que estamos descontentes? Ora, com o que é. Esse "o que é" pode ser a ordem social, podem ser as relações, pode ser o que somos, a coisa que somos essencialmente isto é, o feio, os pensamentos inconstantes, as ambições, as frustrações e os temores sem conta; isso é o que somos. Pensamos que, afastando-nos disso, encontraremos uma solução para o nosso descontentamento. Por conseguinte, estamos sempre em busca de um método, um meio de modificar "o que é". É nisso que está interessada a nossa mente. Se me vejo descontente e desejo encontrar o método, o meio de chegar ao contentamento, fica o meu espírito ocupado com o meio, o método e a prática do método, a fim de alcançar o contentamento. Assim, pois, já não estamos interessados em manter vivas as brasas, em nutrir a flama que arde e que se chama descontentamento. Não descobrimos o que existe na base desse descontentamento. Interessa-nos, tão somente afastar-nos dessa chama, dessa ânsia ardente.

Não há dúvida de que estamos descontentes com "o que é". E é extraordinariamente difícil sondar "o que é" - a Realidade, e não "o que deveria ser", sondar aquilo que sou momento por momento. Esse indagar e sondar não visa ao "eu superior", mera fabricação da mentalidade, mas somente ao que é. Isso é dificílimo, porquanto a nossa mente nunca fica satisfeita, jamais fica contente quando examina o que é. Quer sempre transformar o que é noutra coisa, - o que indica o processo da condenação, da justificação ou da comparação. Se observardes a vossa própria mente, vereis que quando ela se vê frente a frente com o que é, logo o condena e compara com o que deveria ser; ou justifica-o, etc., e desse modo afasta de si o que é, desembaraçando-se dessa coisa que lhe causa perturbação, dor, ansiedade.

O descontentamento não é essencial? E não achais que não devemos deixá-lo consumir-se, mas sempre nutri-lo, investigá-lo, sondá-lo, de modo que, com a compreensão do que é, surja o contentamento? Este contentamento não é o contentamento produzido por um sistema de pensamento; é o contentamento que acompanha a compreensão do que é. Esse contentamento não é produto da mente - da mente que está sempre perturbada, agitada, que é incompleta, quando busca a paz, quando busca um caminho que a leve para longe do que é. E desse modo, o espírito, pela justificação, pela comparação, pelo julgamento, procura alterar o que é e espera assim alcançar um estado em que nunca será perturbado, em que estará calmo, no qual haverá tranqüilidade. E quando a mente se vê perturbada por causa das condições sociais - pobreza, miséria, degradação, angústias pavorosas - quando a mente percebe tudo isso e deseja alterá-lo, logo se prende e enreda no método de alterar, no sistema de alterar. Se o espírito, porém, é capaz de olhar o que é, sem comparação e sem julgamento, sem o desejo de transformá-lo noutra coisa, pode-se ver que surge uma espécie de contentamento não produzido pela mente.

O contentamento que é produto da mente é fuga. É estéril. É coisa morta. Mas há contentamento que não vem da mente, que surge com a compreensão do que é, e no qual se verifica uma revolução profunda, atingindo a sociedade e as relações individuais. O descontentamento, pois, não deve ser aplacado, posto de parte, narcotizado por algum sistema de pensamento. Ele é essencial. Cumpre mantê-lo vivo, ardente, para podermos investigar as coisas.

Achamo-nos em conflito uns com os outros e nosso mundo está sendo destruído. Há crise sobre crise, guerra após guerra; há fome, há angústias; há os que são excessivamente ricos, revestidos de respeitabilidade, e há os que são pobres. Para se resolverem esses problemas, o que é necessário não é um novo sistema de pensamento, não é uma nova revolução econômica, mas sim a compreensão do que é - o descontentamento, o constante investigar do que é - da qual resultará uma revolução de alcance infinitamente maior do que o da revolução de idéias. E essa revolução é que se faz sumamente necessária para a criação de uma civilização diferente, uma religião diferente, um diferente estado de relação entre os homens.

Krishnamurti - 25 de fevereiro de 1953
Do livro: Autoconhecimento - Base da Sabedoria
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill