Oi Out,
Quero contribuir para as suas reflexões a respeito da confusão entre desordem mental e emergência espiritual, em especial quanto ao ato suicida.
Há algum tempo fiquei sabendo de um antropólogo, desses que vão viver numa aldeia indígena durante muitos anos, que estava acontecendo uma epidemia de suicídios entre crianças indígenas, que se enforcavam da própria altura por flexão das pernas. Agora, ao investigar se isto ainda ocorre, descobri que os índios recorrem mais frequentemente ao suicídio do que o resto dos brasileiros. A população indígena do Alto Solimões tem, proporcionalmente, o segundo maior índice de suicídio por habitante do mundo (perde somente para a Groenlândia). A explicação técnica mais frequente é o despertencimento. Ao que parece, a personalidade desencaixada de uma cultura, ou suspensa entre estágios culturais distintos, cobra um alto preço, às vezes impagável, de adequação.
[Aqui um link interessante da TV ONU.] https://www.youtube.com/watch?v=ngUZ6_6xVXA#t=549
Consta que 1 milhão de pessoas se suicida anualmente, numa proporção de 3 homens para cada mulher. É a décima causa de morte no mundo. As tentativas de suicídio são estimadas em 10 milhões anuais. Os países com as maiores taxas (depois da Groenlândia) são Lituânia, Coreia do Sul (onde o suicídio é a causa principal de morte em pessoas abaixo dos 40 anos!), a Guiana, o Cazaquistão e a Bielorússia. E por aí vai.
Fui atrás destes dados para tentar compreender algum desenho, algo que pudesse explicar este fato. Como era de se esperar, falhei. O suicídio é um acontecimento complexo, impossível de ser explicado por uma causa única. Recuso-me a especular, tanto no geral quanto no particular, como um ato destes pode ser engendrado. (O mundo não precisa de mais alguém adivinhando a realidade e contribuindo para o falso.)
Alguns exemplos. O suicídio é sacrificial na cultura japonesa (país que ocupa o nono lugar no ranking). O mesmo vale para os jihadistas islâmicos (o homem-bomba vai direto ao paraíso). Nestes casos, portanto, o suicídio é socialmente honroso. Ao contrário, ele é execrado na cultura judaica (a alma sofrerá danação eterna, o corpo não terá direito a enterro em campo santo). A Igreja Católica renega o suicídio, mas nunca conseguiu decidir se a morte pelo martírio voluntário deve ser considerado um suicídio ou não.
Imagina-se que o suicídio seja tão antigo quanto a humanidade (há evidências de auto-mutilação no homem pré-histórico). Mas não é possível saber se uma pessoa morreu por seus próprios meios ou de outra forma.
Fora isso, sabe-se que outras espécies animais o praticam (tem uma formiga no Brasil que é muito estudada por isso). Mas o suicídio é definido como um ato da vontade e esta é uma propriedade profundamente humana. Assim, os atos de morte autógena entre animais têm sido entendidos como um processo natural, apesar de sua obscuridade.
Quanto ao uso do paradigma para a compreensão deste fenômeno, quero convidar você a refletir sobre isto: nem sempre o que é verdadeiro, é certo. A verdade e o bem não caminham atrelados. Infelizmente. Tantos gênios, santos, profetas conheceram e propagaram a verdade, perceberam o ilusório e denunciaram o falso. Ainda assim o mundo evoluiu por seus próprios descaminhos, sem jamais erradicar a dor, a ignorância, a desorientação. Sócrates, Jesus, Buda, Lao Tse, Maomé, só pra citar alguns dos que compreenderam profundamente a verdadeira raiz do sofrimento e do mal. Todos falharam. Nenhum deles foi capaz de alavancar uma sociedade fraterna e desconstruir o ego em larga escala. Não foram eficientes para aprimorar o convívio interpessoal, reduzir conflitos e guerras. A partir de suas revelações, seus sucessores contribuíram para piorar ainda mais o quadro.
Pessoalmente, acho isso tudo compreensível. Pois nem K, nem Bagwan, nem São João da Cruz ou Nietzsche, nem Grof nem Wilber jamais poderão conduzir um único indivíduo para fora de sua própria miséria. Pois o gatilho para qualquer possibilidade de despertar sempre ocorrerá na própria experiência pessoal, na medida do indivíduo, venha a iluminação na forma que vier, quer seja sofrimento ou êxtase, depressão ou ânsia, estagnação ou busca. Danação ou graça. Doença mental ou salvação. Ou tudo junto. Ao mesmo tempo ou em fases alternadas.
Termino com uma citação clássica, só pra provocar:
"Nossas maiores bênçãos vêm a nós através da loucura, desde que a loucura seja inculcada por uma dádiva divina." Platão em Fedro.
Abraço e grato por seu trabalho
Helio Biesemeyer
Quero contribuir para as suas reflexões a respeito da confusão entre desordem mental e emergência espiritual, em especial quanto ao ato suicida.
Há algum tempo fiquei sabendo de um antropólogo, desses que vão viver numa aldeia indígena durante muitos anos, que estava acontecendo uma epidemia de suicídios entre crianças indígenas, que se enforcavam da própria altura por flexão das pernas. Agora, ao investigar se isto ainda ocorre, descobri que os índios recorrem mais frequentemente ao suicídio do que o resto dos brasileiros. A população indígena do Alto Solimões tem, proporcionalmente, o segundo maior índice de suicídio por habitante do mundo (perde somente para a Groenlândia). A explicação técnica mais frequente é o despertencimento. Ao que parece, a personalidade desencaixada de uma cultura, ou suspensa entre estágios culturais distintos, cobra um alto preço, às vezes impagável, de adequação.
[Aqui um link interessante da TV ONU.] https://www.youtube.com/watch?v=ngUZ6_6xVXA#t=549
Consta que 1 milhão de pessoas se suicida anualmente, numa proporção de 3 homens para cada mulher. É a décima causa de morte no mundo. As tentativas de suicídio são estimadas em 10 milhões anuais. Os países com as maiores taxas (depois da Groenlândia) são Lituânia, Coreia do Sul (onde o suicídio é a causa principal de morte em pessoas abaixo dos 40 anos!), a Guiana, o Cazaquistão e a Bielorússia. E por aí vai.
Fui atrás destes dados para tentar compreender algum desenho, algo que pudesse explicar este fato. Como era de se esperar, falhei. O suicídio é um acontecimento complexo, impossível de ser explicado por uma causa única. Recuso-me a especular, tanto no geral quanto no particular, como um ato destes pode ser engendrado. (O mundo não precisa de mais alguém adivinhando a realidade e contribuindo para o falso.)
Alguns exemplos. O suicídio é sacrificial na cultura japonesa (país que ocupa o nono lugar no ranking). O mesmo vale para os jihadistas islâmicos (o homem-bomba vai direto ao paraíso). Nestes casos, portanto, o suicídio é socialmente honroso. Ao contrário, ele é execrado na cultura judaica (a alma sofrerá danação eterna, o corpo não terá direito a enterro em campo santo). A Igreja Católica renega o suicídio, mas nunca conseguiu decidir se a morte pelo martírio voluntário deve ser considerado um suicídio ou não.
Imagina-se que o suicídio seja tão antigo quanto a humanidade (há evidências de auto-mutilação no homem pré-histórico). Mas não é possível saber se uma pessoa morreu por seus próprios meios ou de outra forma.
Fora isso, sabe-se que outras espécies animais o praticam (tem uma formiga no Brasil que é muito estudada por isso). Mas o suicídio é definido como um ato da vontade e esta é uma propriedade profundamente humana. Assim, os atos de morte autógena entre animais têm sido entendidos como um processo natural, apesar de sua obscuridade.
Quanto ao uso do paradigma para a compreensão deste fenômeno, quero convidar você a refletir sobre isto: nem sempre o que é verdadeiro, é certo. A verdade e o bem não caminham atrelados. Infelizmente. Tantos gênios, santos, profetas conheceram e propagaram a verdade, perceberam o ilusório e denunciaram o falso. Ainda assim o mundo evoluiu por seus próprios descaminhos, sem jamais erradicar a dor, a ignorância, a desorientação. Sócrates, Jesus, Buda, Lao Tse, Maomé, só pra citar alguns dos que compreenderam profundamente a verdadeira raiz do sofrimento e do mal. Todos falharam. Nenhum deles foi capaz de alavancar uma sociedade fraterna e desconstruir o ego em larga escala. Não foram eficientes para aprimorar o convívio interpessoal, reduzir conflitos e guerras. A partir de suas revelações, seus sucessores contribuíram para piorar ainda mais o quadro.
Pessoalmente, acho isso tudo compreensível. Pois nem K, nem Bagwan, nem São João da Cruz ou Nietzsche, nem Grof nem Wilber jamais poderão conduzir um único indivíduo para fora de sua própria miséria. Pois o gatilho para qualquer possibilidade de despertar sempre ocorrerá na própria experiência pessoal, na medida do indivíduo, venha a iluminação na forma que vier, quer seja sofrimento ou êxtase, depressão ou ânsia, estagnação ou busca. Danação ou graça. Doença mental ou salvação. Ou tudo junto. Ao mesmo tempo ou em fases alternadas.
Termino com uma citação clássica, só pra provocar:
"Nossas maiores bênçãos vêm a nós através da loucura, desde que a loucura seja inculcada por uma dádiva divina." Platão em Fedro.
Abraço e grato por seu trabalho
Helio Biesemeyer