O florescimento da bondade é a liberação de toda nossa energia. Não é o controle ou a supressão da energia, mas, sim, a total liberação dessa vasta energia. Ela é limitada e restrita pelo pensamento, pela fragmentação de nossos sentidos. O próprio pensamento é essa energia colocando-se dentro de um sulco estreito, um centro do eu. O florescer da bondade só pode acontecer quando a energia está livre, mas o pensamento, por sua própria natureza, limita essa energia e assim ocorre a fragmentação dos sentidos. Por consequência, existem os sentidos, as sensações, os desejos e as imagens que o pensamento cria através a partir do desejo. Tudo isso é uma fragmentação da energia. Esse movimento limitado pode perceber a si mesmo? Ou seja, os sentidos podem ter percepção de si mesmos? Pode o desejo ver que ele surge a partir dos sentidos, a partir da sensação, da imagem criada pelo pensamento, e pode o pensamento perceber a si mesmo e ao seu movimento? Tudo isso implica a questão: pode o corpo físico, em sua inteireza, ter percepção de si mesmo?
(...) O prazer domina nossa vida — seja nas formas mais rudes ou nas formas mais educadas. E o prazer é essencialmente uma lembrança — aquilo que tem sido ou a antecipação daquilo que pode acontecer. O prazer não está nunca no momento. Quando o prazer é negado, suprimido ou bloqueado, dessa frustração, atos neuróticos, como a violência e o ódio, acontecem. Então o prazer busca outras formas e saídas; satisfação e insatisfação surgem. Estar cônscio dessas atividades, tanto físicas quanto psicológicas, requer uma observação do movimento total de nossa vida.
Quando o corpo percebe a si mesmo, então poderemos fazer uma pergunta adicional e talvez mais difícil: será que o pensamento, que construiu toda essa consciência, pode perceber a si mesmo? Na maior parte do tempo, o pensamento domina o corpo e, assim, o corpo perde sua vitalidade, inteligência, sua energia intrínseca e, portanto, tem reações neuróticas. Será que a inteligência do corpo é diferente da inteligência total, que só pode surgir quando o pensamento, tendo consciência de sua própria limitação, encontra seu lugar adequado?
Como dissemos no começo desta carta, o florescimento da bondade pode acontecer apenas quando há a libertação da energia total. Nessa libertação não há atrito. É somente nessa suprema energia não dividida que existe esse florescer. Essa inteligência não é filha da razão. A totalidade dessa inteligência é compaixão.
A humanidade tem tentado liberar essa imensa energia através de várias formas de controle, através da disciplina exaustiva, através do jejum, através das renúncias e sacrifícios oferecidos a um Deus ou a algum princípio supremo, ou por meio da manipulação dessa energia através dos vários estados. Tudo isso implica a manipulação do pensamento em direção a um fim desejado. Porém o que estamos dizendo é bem o contrário de tudo isso.
Krishnamurti em, Cartas às escolas