Entrevistadora: Vou começar. Sei que você acredita que sua história pessoal não é importante; mas eu gostaria de fazer-lhe algumas perguntas a respeito de sua vida, de seus antecedentes, de como e onde cresceu, em que tipo de família.
Eckhart Tolle: Cresci na Alemanha Ocidental até completar os 13 anos. Meu pai era um jornalista; minha mãe, dona de casa. Meus pais se divorciaram. Aos meus 12 anos, meu pai abandonou seu convencional estilo de vida social; converteu-se num dos primeiros a fazer isso; e foi viver na Espanha. Eu não era feliz na escola e, aos 13 anos, cometi meu único ato de rebelião durante minha infância: recusei-me a continuar na escola. Era muito dócil e obediente em tudo, mas algo muito dentro de mim, impediu-me de seguir na escola. Simplesmente jamais pude fazê-lo. Minha mãe não sabia o que fazer comigo e, finalmente, concordaram que eu viveria com meu pai na Espanha; ali ele havia tornado a casar-se. Na realidade, ali vivi uma vida muito pouco convencional desde então. Meu pai viveu de suas economias por algum tempo, depois voltou a trabalhar. Dos 13 até os 19 anos, passei minha adolescência na Espanha. O espanhol converteu-se em meu segundo idioma. Permaneci fora da cultura que havia me acompanhado durante os primeiros 13 anos da vida; estive sujeito a um ambiente e cultura distintos. Creio que isso foi bom porque, quando se permanece toda a vida na mesma cultura, você tende a deixar-se — incondicionalmente — a condicionar-se por ela. Mas ao compartilhar várias culturas, na infância, esse condicionamento é menor. Meu pai, que era tão pouco convencional que muitos o denominaram como excêntrico, perguntou-me: "Você quer ir à escola?" "Não", lhe respondi. "Muito bem, então, faça o que quiser", respondeu-me. E dediquei-me a ler livros e literaturas de que gostava; a estudar idiomas durante as tardes; e estudei outras coisas de que gostava, como astronomia. Foi assim que passei minha adolescência sem a pressão que a maioria dos jovens tem que passar hoje em dia. Aos 19 anos, fui viver, por minha conta, na Inglaterra.
Entrevistadora: E foi assim como começou a ter uma educação na Inglaterra?
ET: Sim, na Inglaterra me ofereceram milagrosamente um trabalho formal, apesar de que não possuía as qualificações formais. Tratava-se de ensinar espanhol ou alemão e o fiz durante alguns anos, numa escola de idiomas. Com isso também começou certo tipo de cruzada pessoal em meio dos períodos de depressão que por essa época começaram a me acompanhar. Vivia num estado de generalizada e progressiva ansiedade. Buscava uma resposta ao dilema da vida e do viver; buscava na internet respostas sobre "filosofia". Lia muito e me ocorreu que a resposta devia estar com os catedráticos universitários. Prestei os exames que necessitava e me preparei durante as tardes e, finalmente, cheguei à Faculdade de Idiomas e Literatura de Londres. Cada vez me sentia mais infeliz. Continuei investigando e absorvendo cada vez mais conhecimentos; gradualmente comecei a compreender que eles não tinham as respostas aos dilemas da vida. Recordo que numa manhã de segunda-feira cheguei à classe de um professor da Universidade de Londres que eu admirava muito, gostava dele, sabia muito e caímos surpreendidos ao saber que havia cometido suicídio. Isso sacudiu-me no interior, porque compreendi que, certamente, estas pessoas na qual eu buscava as respostas, tampouco as tinham. Minha depressão intensificou-se. Saia-me muito bem nos exames de graduação porque estudava muito, movido pelo medo e pela ansiedade. Graduei-me da Universidade de Londres e não fiz nada durante quase um ano. Durante esse ano, minha depressão e infelicidade cresceram ao máximo e ao final, finalmente, ocorreu-me uma mudança interior. Tinha 29 anos e despertei no meio da noite, o qual não era nada raro para mim, em meio de um grande medo e uma intensa depressão. Passou-me pela mente um pensamento de que já não era capaz de viver comigo mesmo. E repetiu-se, em minha mente: "Eu não posso viver comigo mesmo". Então, de repente, observei esse pensamento, como se desse um passo atrás e o observara. E pensei: "Que pensamento estranho: eu não posso viver comigo mesmo. Sou um ou dois?" Este pensamento parecia dizer-me que há duas pessoas aqui: eu, e meu eu mesmo. Nessa noite não achei a resposta, porém fiquei muito surpreendido por minhas interrogações. Mais tarde lembrei-me de um enigma que tem no Zen, desenhado para deter a mente. Por exemplo: qual é o som de uma só mão aplaudindo? Isso não tem resposta alguma na parte intelectual. E compreendi que minha pergunta tampouco a tinha, num nível puramente intelectual. Quem sou eu e quem é o meu eu mesmo com que não posso viver junto? Mas, essa pergunta serviu para iniciar uma mudança em meu interior. Foi algo que não entendi nesse momento, mas que serviu para desidentificar "meu eu infeliz" — como mais tarde comecei a chamá-lo — de meu eu mesmo. Esta desidentificação interior entre eu sou — ao que eu depois reconheci como Consciência — e minha entidade condicionada, de minha consciência condicionada, a que me provia com um sentido de identidade cheio de coisas infelizes. Em seguida, me senti atraído para certo tipo de energia voltaica, como se estivesse nela desaparecendo. E como ainda lhe tinha certa resistência, ouvi algo assim como uma voz interior que me dizia: "Não se oponha a nada". Foi assim que me entreguei e não opus resistência alguma a esse sentimento de desaparecer no meio do nada. Não me recordo de nada mais dessa noite. O que sei é que, ao despertar, na manhã seguinte, abri meus olhos, observei cada coisa na habitação e cada coisa ali, parecia como se a visse pela primeira vez: fresca, nova, viva. A luz pelas janelas e os objetos familiares sobre a mesa, tudo parecia fresco, novo e vivo. Levantei-me e saí a caminhar. Cada coisa se via tão aprazível, o trânsito, a cidade. E compreendi que algo estranho havia ocorrido, pois tudo estava repleto de vivacidade e paz. E eu não sabia por que. E assim seguiu esta paz intrínseca era a tela de fundo de todas as experiências, de todas as minhas percepções sensoriais e, inclusive, de todos os meus pensamentos. E nunca me abandonou desde esse dia. Porém, tomou-me muito tempo para entendê-lo e poder colocá-lo em palavras. Algum tempo depois, pus-me a investigar outros ensinamentos espirituais pela primeira vez: budismo, cristianismo e outras correntes espirituais mais contemporâneas. Rapidamente reconheci a verdade que muitas vezes está oculta, algumas vezes, debaixo de séculos de correções culturais, interpretações e más interpretações. Pude ver a verdade oculta no budismo, no cristianismo, os ensinamentos originais. E elas, em troca, me iluminaram a respeito do que havia me acontecido. Por exemplo, tomei o novo testamento, as palavras de Jesus: "A paz que transpassa qualquer entendimento". E foi exatamente assim como me sentia: uma paz que não se pode entender. Ele deve ter passado exatamente pela mesma experiência. Uma paz que surge e não está relacionada com nenhuma causa do mundo exterior. Tampouco era causada por algo maravilhoso que pode ser devido a algo externo. Parecia carecer de uma causa externa. Visitei mestres Zen e de novo reconheci imediatamente a verdade do Zen. Mas, ainda mais, me ajudaram a colocar o que me havia ocorrido num contexto mais amplo. Por exemplo: falei com um monge budista que explicava que, em últimas, tudo se tratava de levar os pensamentos a seu fim. Zen, em últimas, é não pensar. Assim, compreendi algo que estranhamente não havia entendido antes: que meus processos de pensar se haviam reduzido, desde essa noite, em aproximadamente 80%. Já não pensava tanto. Por isso a paz era tão grande. Compreendi que o ruído mental permanente — como agora o chamo — esse pensar, em sua grande maioria, inútil e compulsivo no qual a maioria das pessoas se acham enganchados — havia se acabado. Ainda havia alguns pensamentos. Os pensamentos chegavam-me quando eu os necessitava. E, ocasionalmente, alguns pensamentos vinham e se iam. Mas haviam novas estruturas nesses novos pensamentos e nesses largos intervalos sem pensamento, havia maravilhosos intermédios para experimentar a paz interior. Compreendi então, que a paz interior sempre havia estado ali, inclusive, em meio de todas as minhas ansiedades; simplesmente havia sido encoberta pela ansiedade, pela mente hiperativa. Assim que isto gradualmente me foi se convertendo num ensinamento espiritual, que tenta mostrar para as pessoas que elas já possuem, dentro de si mesmas. aquilo que estão buscando fora. A vivacidade, a paz e o sentido de auto-realização interna, já estão presentes em cada ser humano no interior de sua própria essência. A questão não é que necessitem obter nem adquirir algo novo, que é o que muitos buscadores espirituais estão buscando. O que todos estão buscando é adquirir algo que os complete a si mesmos — seja no nível material ou a um nível de experiências, de acumulação de conhecimentos, de riquezas, ou os buscadores espirituais se a passam buscando adicionar mais experiências espirituais a quem são, ou que os conduzam a realizar-se em algum momento do futuro, como quem já são. Porém não o alcançam. Mas se você busca no futuro achar a si mesmo, já está se perdendo de si mesmo, pois a essência de seu ser, você só pode achar no agora. Foi assim que minha compreensão do que me ocorreu nessa noite, me tomou muitos anos. Em meio desse processo de entendimento, ao mesmo tempo, as pessoas ocasionalmente vinham me fazer perguntas. Gradualmente podia falar a respeito disso. Assim, finalmente, pude reconhecer nos demais aquilo que me havia ocorrido. Era o mesmo dilema. A diferença era que eu sofria de uma ansiedade muito mais aguda que a dos demais. Por isso eu estava muito mais imerso no ruído mental e no torvelinho maior ao normal. Porém esse mesmo mecanismo é o que opera em todos. Assim que, o ensinamento neste momento, é que existe uma dimensão em você, que é muito mais profunda que aquilo com o que normalmente você se identifica a si mesmo como sendo si mesmo. É mais profunda que o eu, minha história pessoal, com o que a maioria das pessoas se identificam como quem são. O reconhecimento dessa dimensão se chega quando as pessoas lhe abrem campo interiormente ao momento presente, porque só pode provir de uma alienação interna com o agora, como eu a chamo, a qual é a vida mesma. A corda de pensamentos sempre tem a ver com o passado e o futuro. Assim que para a maioria das pessoas que se identificam com o pensar em todo momento, cada pensamento é investido com um sentido de ser que as absorve completamente. Caem nele. Isto é o que significa identificar-se. Cada pensamento que se me apresenta se converte em mim, em algo em que me envolvo tanto que me converto nele. Esta corda mental arrasta a maioria das pessoas, todo o dia. Um pensamento atrás do outro. E no interior dessa corda de pensamentos existe uma fabricação mental do eu, que consiste de memórias passadas e de experiências e de coisas com as quais minha mente tenha se identificado. E tudo isso contribui para a minha identidade. Tudo isso são formas-pensamento. Por exemplo, minhas posses, meus conhecimentos, minhas experiências, o que as pessoas me têm dito ou o que eu disse para as pessoas. Coisas com as quais você tenha se identificado. Caem em sua mente e então tudo isso se converte no eu. E essas foram as coisas que essa noite reconheci que não eram realmente eu mesmo. Assim que, existe a possibilidade de identificar-se com essa corda mental e também a de afastar-se dela. Isso se alcança acessando ao momento presente. Para a maioria das pessoas, o momento presente quase não existe. Porque o que verdadeiramente lhes interessa é o momento seguinte ou que se segue depois desse. Assim, que eles vivem para o futuro, para o momento seguinte. Inconscientemente eles consideram que o momento seguinte — o seguinte ponto no futuro ao qual devem chegar — é muito mais importante que este momento. Não compreendem que o momento futuro ao que tão desesperadamente anseiam chegar — esta noite, amanhã, qualquer atividade — faz com que se queiram desfazer de qualquer coisa, a grande escala ou a uma pequena escala, que lhes interponha para chegar a esse momento futuro.
Entrevistadora: Eu sou um bom exemplo disso.
Eckhart Tolle: Sim. Não reconhecem que o futuro não existe, exceto como uma forma-pensamento. Quando você vive só para o futuro, ao viver sua vida acaba atado na realidade conceitual dos pensamentos-forma. Isso adquire um grande significado e lhe impede de ver a realidade imediata da vida, que é o agora. Sua vida consiste completamente do momento presente. E para a maioria das pessoas... se você verdadeiramente compreender a realidade desta declaração — que sua vida completa consiste só do momento presente — verá que a vida nunca é algo distinto deste momento. Inclusive quando você está recordando o passado, só o pode recordar no agora. Igualmente quando você pensa no futuro, só o pode pensar no agora. Mas as pessoas vivem como se o momento presente fosse um obstáculo que requer ser ultrapassado para chegar a um momento que nunca chega. Essa é uma maneira louca de viver. Isso faz com que o viver seja difícil. Isso faz com que a vida se converta num esforço. Nos temos condicionado, ao longo de milhares de anos, pela mente humana, a qual é uma coisa maravilhosa: a qualidade de pensar, e que em algum momento, faz muitíssimo tempo, deve haver alguma razão nos seres humanos, cedeu sua capacidade de conceitualizar, e se abriu a uma dimensão completamente nova para a humanidade. Isso, supostamente, converteu a humanidade na espécie mais poderosa, apesar de que os humanos não são fisicamente os mais fortes, foram capazes de dominar toda as espécies devido a essa habilidade para pensar. Isso se desenvolveu lentamente, quem sabe, no que a mitologia descreve na história do Gênesis, no começo da Bíblia, quando eles comem esta maçã que provém da árvore do conhecimento do bem e do mal. De diferenciar isto daquilo, que provém só da habilidade de pensar, de analisar, de separar. E assim se desenvolveram os seres humanos. No começo não era um problema; abriu-lhes muitas possibilidades. Mas depois de milhares e milhares de anos, a mente pensadora se fortaleceu, cresceu e eles perderam a conexão com algo que é muito mais profundo e mais essencial interiormente, que chamamos o ser, o sentido de estar vivos. A inteligência profunda que se vai mais além dos pensamentos de sua cabeça. Gradualmente os humanos — devido ao crescimento da mente pensadora — perderam a habilidade de sentir sua profunda conexão com a vida. Temos chegado a um ponto donde nosso sentido completo acerca de quem somos, foi preso na mente, no pensamento. Esta etapa evolucionária, que é perfeitamente necessária para a humanidade, a podemos denominar, a etapa da mente, a etapa do pensamento, na que estamos totalmente possuídos — gosto de chamá-la assim: possuídos — pela mente, sem sequer nos darmos conta disso. Parece que não podemos deixar de pensar. Sim, podemos. Para a maioria das pessoas isso não parece ser uma realidade possível. Eles têm que estar pensando; são compulsivos ao pensamento. Eles têm que derivar seu sentido de ser a partir do movimento de seus pensamentos. Estamos chegando ao final desta etapa evolucionária. Para a humanidade, para o que se vê agora, necessitamos transcender a mente; deixar de estar possuídos pela mente; ir mais além da compulsão de pensar. Trata-se de voltar a ganharmos o significado que perdemos; ao recobrá-lo agora, o faremos com um estado de alerta muito mais profundo. Neste processo é que se encontra enredada a humanidade neste momento. A transformação e evolução da consciência tem deixado de ser um luxo, por assim dizê-lo, já não é apenas mais uma opção para a humanidade, senão que, pela primeira vez na história da humanidade, a transformação da consciência é uma necessidade para a sobrevivência da humanidade. Estamos criando o caos no planeta — um inferno — num planeta que tem todo o potencial de ser um paraíso.
(continua...)
(continua...)