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sexta-feira, 20 de abril de 2018

O problema de como resolver nossos problemas

O problema de como resolver nossos problemas

Em nossa reunião aqui, há dias, estivemos falando sobre a necessidade de liberdade; e com essa palavra “liberdade” não me referia à liberdade fragmentária, superficial, em certos níveis de nossa consciência. Falávamos sobre a necessidade de se ser totalmente livre — livre nas raízes mesmas da mente, em todas as nossas atividades físicas, psicológicas e parapsicológicas. Liberdade supõe total ausência de problemas, não achais? Porque, quando a mente é livre, pode observar e agir com perfeita clareza; ela pode ser o que é, sem consciência de nenhuma tradição. Para mim, uma vida de problemas — econômicos ou sociais, particulares ou públicos — destrói e perverte a lucidez. E tem-se necessidade de lucidez. Necessita-se de uma mente que veja bem claro cada problema que surge, uma mente capaz de pensar sem confusão, sem condicionamento, uma mente dotada de afeição, amor, que nada tenha em comum com emocionalismo ou sentimentalismo.

Para nos acharmos nesse estado de liberdade — o qual é dificílimo de compreender e requer muita perquirição — necessitamos de uma mente não perturbada, uma mente quieta; uma mente que funcione por inteiro, não apenas na periferia, mas também no centro. Essa liberdade não é uma abstração, um ideal. O movimento da mente livre é uma realidade, e os ideais e abstrações nenhuma relação têm- com ele. Essa liberdade ocorre natural e espontaneamente — sem nenhuma espécie de coerção, de disciplina, de controle ou persuasão — ao compreendermos integralmente como surgem e findam os problemas. A mente com um problema perturbador, e que encontra meios de fugir a esse problema, continua sendo uma mente inibida, acorrentada, não livre. Para a mente que não resolve cada problema que surge, em qualquer nível que seja — físico, psicológico, emocional — não pode haver liberdade e, por conseguinte, clareza de pensar, de visão, de percebimento.

A maioria dos entes humanos tem problemas. Entendo por “problema” a renitente perturbação causada pela inadequada “resposta” a um desafio — isto é, pela incapacidade de atendermos às solicitações da vida com todo o nosso ser; ou, pela indiferença que produz uma disposição habitual para aceitar e suportar os problemas. Há um problema toda vez que deixamos de enfrentar e examinar uma situação até suas últimas consequências. Não se pode deixar isso para amanhã ou alguma data futura, pois cada situação deve ser enfrentada logo que surge, a cada minuto, a cada hora, a cada dia.

Todo problema, em qualquer nível que seja — consciente ou inconscientemente — é um fator que destrói a liberdade. Problema é tudo aquilo que não compreendemos totalmente. O problema de qualquer de nós pode ser a dor, o incômodo físico, a morte de alguém, ou falta de dinheiro; pode ser a incapacidade de descobrirmos por nós mesmos se Deus é uma realidade ou mera palavra, sem nenhuma substância. E há os problemas atinentes às relações, particulares e públicas, individuais e coletivas. A não compreensão das relações humanas, em seu todo, gera problemas; e quase todos nós temos problemas (causadores de doenças psicossomáticas) a alquebrar-nos a mente e o coração. Com essa carga de problemas, apelamos para vários meios de fuga; cultuamos o Estado, aceitamos a autoridade, recorremos a alguém para que resolva nossos problemas, atiramo-nos a uma fútil repetição de orações e rituais, entregamo-nos à bebida, aos prazeres sexuais, ao ódio, à autopiedade, etc.

Temos cultivado muito zelosamente todo um sistema de fugas — racionais ou irracionais, nervosas ou intelectuais — o qual nos permite aceitar e, por conseguinte, suportar todos os problemas humanos que surgem. Mas tais problemas produzem, inevitavelmente, confusão e a mente nunca se torna livre.

Agora, não sei se tendes o mesmo modo de sentir que eu tenho em relação à necessidade — não necessidade fragmentária, necessidade de um dia em que nos vemos subitamente obrigados a enfrentar uma certa situação, porém a necessidade absoluta (desde que começamos a refletir nessas coisas, até o fim da vida) de não se ter problema algum. Provavelmente não percebeis quanto é urgente essa necessidade. Mas, se pudermos ver com toda a clareza, concretamente — não abstratamente — que a necessidade de se estar livre de problemas é tão grande quanto a de alimento e ar puro, então, com essa percepção agimos, tanto psicologicamente, como nas ocupações da vida diária; essa percepção estará sempre presente em tudo o que fizermos, pensarmos e sentirmos.

Assim, a libertação dos problemas é a questão principal, pelo menos para esta manhã. Pode ser que tornemos a considerá-la de maneira diferente amanhã, mas isso não importa. O importante é perceber que a mente em que há conflito é uma mente destrutiva, porque está sempre a deteriorar-se. A deterioração não depende de nenhuma idade: ela se manifesta quando a mente se acha envolvida em conflito e tem muitos problemas não solucionados. O conflito é o núcleo da deterioração e da decadência. Não sei se percebeis a verdade dessa asserção. Se a percebeis, então o problema é de como resolver o conflito. Mas, primeiramente, é necessário a pessoa perceber por si própria que a mente que tem qualquer espécie de problema, em qualquer nível e de qualquer duração que seja, é incapaz de pensar com clareza, de ver as coisas como são — brutalmente, impiedosamente, sem sentimentalismos nem autopiedade.

Ora, em geral costumamos fugir logo que surge um problema, e achamos dificílimo “ficar com o problema” e observá-lo, sem interpretar, condenar ou comparar, sem tentar alterá-lo ou fazer alguma coisa em relação a ele. Isso requer plena atenção; mas, para a maioria de nós nenhum problema é tão sério que mereça toda a nossa atenção, isso porque levamos uma vida superficial e em regra nos satisfazemos com soluções fáceis e respostas prontas. Queremos esquecer o problema, afastá-lo de nós e ir vivendo com outra coisa qualquer. Só quando o problema nos atinge intimamente, como em caso de morte ou de absoluta falta de dinheiro, ou quando nos vemos abandonado por nosso marido ou nossa mulher — só então o problema pode tornar-se crítico. Mas, nunca permitimos a nenhum problema produzir uma crise real em nossa vida; temos sempre a habilidade de varrê-lo com explicações, com palavras, com vários meios de defesa de que nos servimos.

Já sabemos o que significa um problema. É uma situação que não quisemos examinar até suas últimas consequências e compreender completamente; por conseguinte, o caso não foi liquidado e fica a repetir-se indefinidamente. Para compreender um problema, precisamos compreender as contradições — as contradições extremas e também as contradições triviais de cada dia — de nosso próprio ser. Pensamos de um modo e agimos de outro; dizemos uma coisa e sentimos coisa bem diferente. Há conflito entre o respeito e o desrespeito, a rudeza e a polidez. De um lado, o sentimento de arrogância, de orgulho, de outro lado fazemos exibição de humildade. Conheceis as numerosas contradições, tanto conscientes como ocultas. Ora, como surgem essas contradições?

Como já tenho dito repetidas vezes, peço-vos escutardes não apenas o que o orador diz, mas também o vosso próprio pensamento; que observeis a maneira como se operam vossas próprias reações, e estejais cientes de vossa reação ao ser formulada aquela pergunta (como surgem as contradições?), a fim de vos familiarizardes com vós mesmo.

Quando temos um problema, quase sempre desejamos saber de que maneira resolvê-lo, o que fazer a respeito dele, como transcendê-lo, como nos livrarmos dele, ou qual é a sua solução. Nada disso nos interessa aqui. Eu quero saber como o problema surge; porque, se posso descobrir a raiz de um problema, se posso compreendê-lo de princípio a fim, terei então encontrado a solução de todos os problemas. Se posso olhar completamente um só problema, serei então capaz de compreender qualquer problema que se apresente no futuro. Assim, como surge um problema, um problema psicológico? Consideremos isso em primeiro lugar, uma vez que os problemas psicológicos pervertem todas as atividades da vida. Só quando a mente compreende e resolve um problema psicológico logo que surge, e não transporta o “registro” desse problema para a próxima hora ou dia seguinte, é só então que ela será capaz de enfrentar o próximo “caso” com renovado vigor, com clareza. Nossa vida é uma série de “desafios” e “respostas”, e devemos ser capazes de enfrentar cada desafio de maneira completa, porque, do contrário, cada momento nos trará novos problemas. Compreendeis? Todo o meu interesse é ser livre, não ter problemas — a respeito de Deus, do sexo, do que quer que seja. Se Deus se tornou para mim um problema, então não devo procurá-lo; porque, para descobrir se há Deus, um ser supremo e imensurável, deve a minha mente estar muito clara, purificada, livre, não quebrantada por nenhum problema.

Eis porque eu disse logo de início que a liberdade é necessária. Dizem-me que mesmo Karl Marx — o deus dos comunistas — escreveu que os entes humanos têm direito à liberdade. Para mim, a liberdade é indispensável — liberdade no começo, liberdade no meio, liberdade no fim — e não existe essa liberdade quando “transporto” um problema de um dia para o outro. Isso significa que, não só tenho de descobrir como surge um problema, mas também, como eliminá-lo, de modo que o problema não mais se repita, não seja transferido para mais tarde, e não se sinta nenhuma necessidade de “amanhã” refletir sobre ele e resolvê-lo. Se “transporto” o problema para o dia seguinte, estou contribuindo para que ele se enraíze; e, depois, a extirpação desse problema se torna mais um problema. Por conseguinte, tenho de “operar” pronta e radicalmente, para a completa e definitiva extinção do problema.

Estais vendo, pois, quais são os dois pontos que temos de examinar; descobrir como surge o problema (problema relativo à esposa, aos filhos, problema de falta de dinheiro, ou o problema de Deus — qualquer problema) e, também, como poderemos extirpá-lo imediatamente.

O que estou dizendo não é ilógico. Demonstrei-vos logicamente, racionalmente, a necessidade de se pôr fim ao problema e de nunca “transportá-lo” para o dia seguinte. Desejais fazer perguntas sobre o assunto?

PERGUNTA: Não compreendo porque dizeis que o dinheiro não representa problema.

KRISHNAMURTI: Para muitos, ele constitui um problema. Eu nunca disse o contrário. Notai, por favor, que eu disse que um problema é toda coisa que não compreendemos completamente, quer relacionada com dinheiro, quer com o sexo, Deus, as relações com a nossa esposa ou com alguém que nos odeia — não importa qual seja a coisa. Se tenho uma doença ou muito pouco dinheiro, isso se torna um problema psicológico. Ou pode ser o sexo que se torna um problema. Estamos investigando como surgem os problemas psicológicos, e não como proceder em relação a um dado problema em particular. Entendeis? Santo Deus! Isto é tão simples.

No Oriente, há pessoas que abandonam o mundo e peregrinam de aldeia em aldeia a esmolar. Os brâmanes da Índia estabeleceram, durante séculos, o costume de respeitar, de nutrir e vestir o homem que abandona o mundo. Para esse homem, evidentemente, o dinheiro não constitui problema nenhum; mas não estou advogando esse costume aqui! Estou, simplesmente, apontando que a maioria de nós tem problemas psicológicos. Não tendes problemas, não só de dinheiro, mas também de sexo, Deus e de vossas relações? Não tendes preocupações sobre se sois amado ou não sois amado? Se tenho muito pouco dinheiro e desejo mais, isso naturalmente se torna um problema. Tenho preocupações e ansiedades a esse respeito; ou me torno invejoso, porque vós tendes mais dinheiro do que eu. Tudo isso perverte a percepção, e são estes os problemas que ora consideramos.

Estamos interessados em descobrir como surge um problema dessa natureza. Acho que tornei suficientemente claro este ponto; ou desejais aprofundá-lo mais? Ora, por certo, um problema surge quando há em mim uma contradição. Se não há contradição em nenhum nível, não há problema algum. Se não tenho dinheiro, irei trabalhar, esmolar, pedi-lo emprestado. Farei qualquer coisa, e isso não me será difícil.

PERGUNTA: Mas, que acontece quando nada se pode jazer?

KRISHNAMURTI: Quereis dizer que não podeis fazer nada? Se possuís alguma técnica ou conhecimento especializado, podeis tornar-vos isto ou aquilo. Se sois incapaz de qualquer coisa, podeis cavar a terra.

INTERROGANTE: Depois de certa idade, um homem não pode jazer nenhum trabalho.

KRISHNAMURTI: Para esses casos, há a ajuda do governo.

INTERROGANTE: Não, senhor, não há.

KRISHNAMURTI: Então ele morre, e acabou-se o problema. Mas este é um problema vosso, minha senhora?

INTERROGANTE: Não é um problema pessoal.

KRISHNAMURTI: Então, vos referis a outra pessoa e, assim, isso não nos interessa. Estamos falando aqui a vosso respeito, como ente humano que tem problemas, e não sobre algum parente ou amigo.

INTERROGANTE: Não há ninguém que olhe por ele, senão eu. Como posso vir aqui escutar-vos, deixando-o sem nenhuma assistência?

KRISHNAMURTI: Não venhais, então.

INTERROGANTE: Mas, eu quero vir.

KRISHNAMURTI: Então não façais disso um problema.

PERGUNTA: Quereis dizer que numa situação incômoda ou embaraçosa, como, por exemplo, falta de dinheiro, podemos sobrepor-nos a essa situação?

KRISHNAMURTI: Não. Vede, já me tomastes a dianteira querendo resolver o problema. Quereis saber como proceder com o problema, e ainda não cheguei aí. Só formulei o problema, e não o que a seu respeito se deve fazer. Quando alguém diz que devemos elevar-nos acima do problema, ou pergunta o que se pode fazer por um parente ou amigo, velho, e sem dinheiro — percebeis o que essa pessoa está fazendo? Está fugindo ao fato. Um momento, escutai o que estou dizendo. Não aceiteis nem rejeiteis o que digo — escutai-o apenas. Não tendes vontade de enfrentar o fato — que sois vós, com o vosso problema, e não outrem. Se resolverdes vosso próprio problema de ente humano, ajudareis a outro (ou não o fareis, conforme o caso) a resolver o seu. Mas, no momento em que vos passais para o problema de outro, perguntando “Que devo fazer?” — assumistes uma posição em que não se pode dar nenhuma resposta e, por conseguinte, torna-se existente uma contradição.

Não sei se está tudo claro.

INTERROGANTE: Sou sem instrução em virtude de uma incapacidade da infância, e isso tem sido para mim um problema medonho toda a vida. Como resolvê-lo?

KRISHNAMURTI: Tendes uma terrível preocupação de resolver problemas, não é verdade? Eu não a tenho. Sinto muito. Logo de início eu vos disse que não me interessava resolver problemas, nem vossos, nem meus. Não sou vosso protetor ou guia. Sois vosso próprio instrutor e vosso próprio discípulo. Aqui estais para aprender, e não para perguntardes a outro o que deveis e o que não deveis fazer. A questão não é sobre o que se deve fazer por um inválido, ou por alguém que não tem dinheiro suficiente, ou que é iletrado, etc. etc. Aqui estais para aprender de vós mesmo a respeito dos problemas que tendes, e não para serdes instruído por mim. Portanto, não me coloqueis nessa posição falsa, porque eu não quero instruir-vos. Se o fizesse, me tornaria um guia, um guru, e iria aumentar as numerosas inutilidades com que se explora o próximo já existentes no mundo. Estamos aprendendo, não mediante estudo, porém mantendo-nos vigilantes, despertos, autoconscientes; nossa relação, por conseguinte, difere completamente da relação de mestre e discípulo. Este orador não vos está instruindo, nem dizendo o que deveis fazer — isso seria completa imaturidade.

PERGUNTA: Quando somos incapazes de ver tudo o que um problema envolve, como poderem os penetrar até à raiz desse problema e resolvê-lo?

KRISHNAMURTI: Tão ansiosos vos mostrais por descobrir o que se deve fazer, que ainda não me destes oportunidade de entrar nessa questão. Escutai por alguns minutos, se vos apraz. Não vou dizer-vos o que deveis fazer em relação a vossos problemas. Vou apontar-vos como aprender, e o que é aprender; e vereis então que, ao compreenderdes um problema, o problema termina. Mas se apelais para alguém, pedindo-lhe que vos diga o que deveis fazer acerca de um problema, vos tornareis como uma criança irresponsável, cujos passos são guiados por outro, e tereis mais problemas ainda. Isto é verdadeiro e simples, e, assim sendo, peço-vos de uma vez por todas que lhe deis acolhida em vossa mente e em vosso coração. Aqui estamos para aprender e não para sermos instruídos. Ser instruído é confiar à memória o que se ouve de outro; mas a simples repetição, de memória, não traz a solução de problemas. Só há maturidade no efetivo aprender. O uso do conhecimento, daquilo que foi aprendido meramente de memória, como meio de resolver os problemas humanos, procede da falta de maturidade, e só pode criar mais padrões, mais problemas.

O simples desejo de resolver um problema é uma fuga aos problemas, não achais? Não penetrei o problema, não o estudei, não o explorei, não o compreendi. Não conheço a beleza, ou a fealdade, ou a profundidade do problema; minha única preocupação é resolvê-lo, afastá-lo de mim. Esta ânsia de resolver um problema, sem o ter compreendido, é uma fuga ao problema; por conseguinte, torna-se mais um problema. Toda fuga gera novos problemas.

Pois bem; tenho um problema que desejo compreender completamente. Não desejo fugir dele, não desejo “verbalizar” a seu respeito, não quero falar a outro sobre ele; só quero compreendê-lo. Não estou esperando que ninguém me diga o que devo fazer. Sei que ninguém pode dizer-me o que devo fazer; e que, se alguém o fizesse e eu aceitasse sua instrução, isso constituiria um ato fútil e absurdo. Assim, tenho de aprender sem ser instruído e sem fazer uso da lembrança do que aprendi acerca de anteriores problemas, para atender ao problema presente. Oh, não percebeis a beleza disso!

Sabeis o que significa viver no presente? Parece-me que não, infelizmente. Viver no presente é não ter continuidade nenhuma. Mas isso é coisa de que trataremos noutra ocasião.

Tenho um problema, e desejo compreendê-lo, aprender a respeito dele. Para tanto, não posso trazer as lembranças do passado e, com a ajuda delas, ocupar-me com o problema; porque o problema novo exige uma maneira nova de estudá-lo, e não posso aplicar-me a ele com minhas lembranças mortas, estáticas. O problema é algo atuante, e, portanto, tenho de ocupar-me dele agora. Por conseguinte, o elemento tempo deve ser totalmente afastado.

Desejo descobrir como surgem os problemas — os problemas psicológicos. Como disse, se compreendo toda a estrutura causadora dos problemas e fico, em consequência, livre de criar problemas para mim mesmo, saberei então como agir em relação ao dinheiro, ao sexo, ao ódio, em relação a tudo na vida; e, no lidar com essas coisas, não irei criando novos problemas. Tenho, assim, de descobrir de que modo surge o problema psicológico, e não qual a maneira de resolvê-lo. Entendeis? Ninguém me pode dizer como surge o problema; eu próprio tenho de compreender isso.

Enquanto estou “explorando” dentro em mim, o mesmo deveis fazer em vós, e não ficar apenas ouvindo minhas palavras. A menos que ultrapasseis as palavras e olheis a vós mesmos, as palavras de nada vos servirão; tornar-se-ão meras abstrações, e nunca uma realidade. A realidade é o movimento de vossa própria investigação descobridora, e não a indicação verbal desse movimento.

Está bem claro, até aqui?

Para mim, como disse, a liberdade é da mais alta importância. Mas a liberdade de modo nenhum pode ser compreendida, se não há inteligência; e a inteligência só pode vir ao compreendermos, individualmente, as causas dos problemas. A mente deve estar alertada, atenta, num estado de supersensibilidade, de modo que cada problema seja resolvido assim que se apresenta. De outro modo não há liberdade verdadeira; só há uma liberdade periférica, fragmentária, sem nenhum valor. Isso é o mesmo que um homem rico dizer que é livre. Santo Deus! Ele é um escravo da bebida, do sexo, do conforto, de dúzias de coisas. E o homem pobre que diz: “Sou livre, porque não tenho dinheiro” — esse tem outros problemas. A liberdade, pois, e a manutenção dessa liberdade, não pode ser uma mera abstração: ela deve constituir para vós, como ente humano, uma necessidade absoluta, porque é só quando existe a liberdade que podeis amar. Como podeis amar se sois ganancioso, ambicioso, competidor?

Não concordeis, senhores; assim, estais-me deixando fazer sozinho todo o trabalho.

Eu não tenho interesse em resolver o problema ou em procurar alguém que me diga como resolvê-lo. Nenhum livro, nenhum guia, nenhuma igreja, nenhum sacerdote me pode dizer. Há milênios que nos entretemos com essas coisas, e continuamos carregados de problemas. O frequentar a igreja, a confissão, a oração — nada disso resolverá nossos problemas, que apenas continuam a multiplicar-se, como atualmente está acontecendo. Assim, de que modo surge um problema?

Como já disse, quando não há contradição interior, não há problema algum. A contradição envolve conflito do desejo. Mas o desejo em si não é contraditório. Por certo, o que cria a contradição são os objetos do desejo. Porque pinto quadros, escrevo livros, ou por qualquer coisa estúpida que faço, desejo ser famoso, aplaudido. Quando ninguém me reconhece os méritos, há uma contradição e fico em estado lastimoso. Tenho medo da morte, que não compreendi; e nisso a que chamo “amor”, há contradição. Vejo, pois, que o desejo é o começo da contradição — não o desejo em si, mas os objetos do desejo são contraditórios. Se tento mudar ou negar os objetos do desejo, dizendo que me aterei a uma só coisa e a nada mais, essa coisa, por sua vez, se torna também um problema, porque tenho de resistir, erguer barreiras a tudo o mais. Assim, o que devo fazer não é meramente mudar ou reduzir os objetos de meu desejo, porém compreender o desejo em si.

Direis, talvez: “Que relação tem tudo isso com o problema”? — Pensamos ser o desejo que cria o conflito, a contradição; e eu estou apontando que não é o desejo, porém os objetos ou alvos contraditórios do desejo que criam a contradição. E nenhuma vantagem há em tentar ter um só desejo. Isso é fazer como o sacerdote, que diz: “Só tenho um desejo, o desejo de alcançar a Deus” e que tem uma infinidade de desejos, dos quais nem sequer está consciente. Cumpre, pois, compreender a natureza do desejo, e não tratar meramente de controlá-lo ou negá-lo. Diz a literatura religiosa que não se deve ter desejo, mas sim, destruir o desejo — o que é uma falta de sentido. É preciso compreender como o desejo surge e o que lhe dá continuidade — e não como fazê-lo terminar. Compreendeis o problema? Pode-se ver como o desejo surge; isto é muito simples.

Há a percepção, o contato, a sensação (sensação mesmo sem contato) e da sensação resulta o começo do desejo. Vejo um carro, suas linhas, sua forma, sua beleza me atraem, e eu o desejo. Mas, destruir o desejo significa ficar insensível a tudo. Quando sou sensível, já estou no “mecanismo” do desejo. Vejo um belo objeto, ou uma bela mulher — o que quer que seja — e dá-se o despertar do desejo; ou vejo um homem de extraordinária inteligência, integridade, e quero ser também assim. Da percepção vem a sensação, e da sensação o começo do desejo. É isso o que verdadeiramente acontece; não há nada complicado na coisa. A complexidade só começa quando o pensamento entra em cena e dá o desejo de continuidade. Penso no carro, na mulher, ou no homem inteligente, e desse pensamento o desejo recebe continuidade. De outro modo ele não continua. Posso olhar o carro, e não passa disso. Entendeis? Mas, no momento em que penso no carro, tem então o desejo continuidade e começa a contradição.

PERGUNTA: Pode haver desejo sem objeto?

KRISHNAMURTI: Tal coisa não existe. Não há desejo abstrato.

PERGUNTA: Então, o desejo está sempre relacionado com um objeto. Mas dissestes que temos de compreender o mecanismo do desejo em si, e não nos preocuparmos com o seu objeto.

KRISHNAMURTI: Senhor, eu mostrei como o desejo nasce, e como, por meio do pensamento, lhe damos continuidade.

Sinto muito, mas temos de parar agora. Continuaremos na próxima quinta-feira.

Krishnamurti, Saanen, 14 de julho de 1964,
Experimente um novo caminho

A atenção precisa ser sem conflito

A atenção precisa ser sem conflito

PERGUNTA: Permiti-me perguntar quem é que percebe, e se há diferença entre percebimento e "observação pelo observador".

KRISHNAMURTI: Quando escutais música ou o que outrem diz, de maneira total, há alguém que está escutando? Quando observais algo com atenção completa, existe observador? Só quando a atenção está dividida, quando é incompleta, existe um observador separado do observar; e perguntais, então: "Quem é o observador?".

De que maneira escutais qualquer coisa? Escutais parcialmente, não é verdade? Não prestais toda a vossa atenção. Não estais profundamente interessado no que o outro está dizendo, e prestais muito pouca atenção; ouvis indiferentemente, e por isso há separação entre o escutar e aquele que escuta. Mas, se escutais uma coisa com atenção completa, não existe tal separação. Sabeis o que entendemos por "atenção completa": prestar atenção sem esforço. Não digais: "Estou sujeito a distrações, e como posso prestar atenção sem esforço?" Se prestardes atenção a isso que chamamos "distração", então essa "distração" deixa de ser distração, não achais?

Em geral, não prestamos atenção, e por isso somos exercitados para a concentração. Se, em vosso emprego, não vos concentrardes no que estiverdes fazendo, perdereis o emprego; por isso, sois exercitado, condicionado, disciplinado, para vos concentrardes. Tal concentração implica exclusão. Se vos obrigais a concentrar-vos numa coisa, sois também obrigado a excluir qualquer outra coisa. Quando vosso pensamento se desvia daquilo em que desejais concentrar-vos para aquilo que estais tentando excluir, chamais isso "distração"; por conseguinte, a concentração, para vós, é uma forma de conflito — que é só o que conhecemos, quase todos nós.

Mas eu estou falando de coisa muito diferente: prestar atenção sem conflito. Isso significa escutar sem tensão, sem perturbação — e isso é escutar com atenção completa. Mas só se pode escutar com "atenção completa" quando no escutar não há ganho, não há motivo pessoal, nem exigências, nem interpretação. A pessoa está, simplesmente, escutando. Nesse estado de "total escutar" não há entidade que está a escutar, não há quem escuta, separado do escutar. É um mecanismo unitário, que se verifica quando estamos completamente interessados numa coisa.

Já observastes uma criança com um brinquedo novo? Enquanto a criança não se acostuma com o brinquedo e dele se enjoa, o brinquedo absorve-a inteiramente. O brinquedo de tal maneira a atrai que, temporariamente, a criança fica unificada com ele; não há distração alguma, porque o brinquedo a absorveu de todo. Nós também desejamos deixar-nos absorver completamente por alguma coisa — Deus, o sexo, o amor, uma centena de coisas. Desejamos estar tão intimamente ligados a uma certa coisa, que por ela sejamos inteiramente absorvidos; mas, essa absorção não é atenção. Em geral temos, dentro em nós ou fora de nós, alguma coisa a que estamos ligados — uma crença, uma esperança, uma relação, uma certa ocupação ou distração — e toda ligação dessa ordem é sempre de fundo neurótico. E a sociedade em que viveis — comunista ou outra qualquer — exige que estejais ligado a alguma coisa — um partido, uma ideologia, a defesa do Estado — porque, de outra maneira, sois um ente humano perigoso. Mas, quando nem as coisas externas nem as internas vos absorvem, e quando tendes compreendido todo o mecanismo da concentração e exclusão, então, dessa compreensão, nasce um estado de percebimento simples, de atenção sem esforço, em que vosso corpo, vossa mente, todo o vosso ser está vigilante, completamente atento.

Senhor, escutai aquele trem que está passando. Se escutais o barulho, o estrondo que ele faz, sem nenhuma resistência, nenhuma ideia de levantar uma muralha contra ele, se o escutardes completamente, vereis que não há entidade que escuta.

PERGUNTA: Falais da "extraordinária energia" de que se necessita para a atenção completa. Como se pode adquirir essa energia?

KRISHNAMURTI: Como adquirimos energia? Uma das maneiras é tomar alimentos adequados ou da qualidade de que necessitamos, fazer suficiente exercício, e ter a justa porção de sono. E a maioria de nós, também, deriva energia da competição, da luta e do conflito, não é verdade? É só essa a energia que conhecemos. Restritos a essa limitada energia e desejando, portanto, expandir nossa consciência, recorremos as drogas. Há várias drogas que têm o efeito de expandir a consciência; e no momento dessa expansão provocada por uma droga, sentimo-nos extraordinariamente perceptivos, sensíveis. Ela nos confere uma qualidade diferente, um vivo sentimento de "diversidade". Tal efeito tem sido descrito por várias pessoas que, de fato, fizeram uso de tais drogas.

Ora, como despertar em nós mesmos uma energia que tenha seu ímpeto próprio, causa e efeito próprios, energia que não contenha resistência e não esteja sujeita a deteriorar-se? Como alcançá-la? As religiões organizadas advogam vários métodos, e supõe-se que, pela prática de um certo método, pode-se adquirir essa energia. Mas os métodos não dão tal energia. A prática de um método exige sujeição, resistência, rejeição, aceitação, ajustamento, e com isso se consome a energia de que porventura dispomos. Se perceberdes a verdade desta asserção, nunca mais praticareis método algum. Isto, em primeiro lugar. Em segundo lugar, se a energia tem um motivo, um fim a que se dirige, essa energia é autodestrutiva. E, no que respeita à maioria de nós, a energia tem sempre motivo, não é verdade? Somos movidos pelo desejo de alcançar, de nos tornarmos isto ou aquilo, e, por conseguinte, nossa energia anula a si própria. Em terceiro lugar, a energia se enfraquece, se degrada, quando se ajusta ao passado — e aí talvez esteja nossa maior dificuldade. O passado não é apenas os inúmeros dias passados, mas é também cada minuto que se lhes vai acrescentando, a lembrança daquilo que se passou há um segundo.

Assim, para despertar essa energia, não deve haver na mente resistência, nem motivo, nem "fim em vista"; ela não deve estar enredada no tempo, sob o aspecto de ontem, hoje e amanhã. A energia está, então, a renovar-se constantemente e, por conseguinte, não degenera. A mente já não está ligada, a nada, é totalmente livre; e só então é capaz de encontrar aquilo a que se não pode dar nome, aquela coisa extraordinária que transcende todas as palavras. A mente precisa libertar-se do "conhecido", para ingressar no Desconhecido.

Krishnamurti, Saanen, 28 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho

quarta-feira, 11 de abril de 2018

A totalidade do mecanismo do conflito


A totalidade do mecanismo do conflito

Se me permitis, continuarei com o assunto de que está­ vamos tratando em nossa reunião de sexta-feira passada. Dizíamos então que era sumamente importante adotarmos uma nova maneira de pensar e, também, que era de toda a necessidade uma nova maneira de viver, neste mundo que se tornou tão superficial, com crescentes problemas e a constante perspectiva de tremendos perigos. Não denotamos perceber — principalmente neste país — quão grave é o problema. Aqui, achamo-nos em relativa segurança; talvez estejamos muito corrompidos, mas temos segurança. Temos nossos problemas: o nacionalismo se intensifica, enquanto noutros países está sendo repudiado; temos ainda líderes, quando noutros países os estão rejeitando; temos também a autoridade da posição, enquanto noutros países a autoridade está sendo posta em dúvida. Aqui muito se fala de religião, mas, na realidade, não somos religiosos, absolutamente; vivemos, como qualquer outro, superficialmente, interessados apenas em ganhar dinheiro, ter êxito, progredir, divertir-nos, como todos os demais habitantes deste mundo, embora falemos em alto som a respeito de Deus, etc.

Nessas condições, parece-me de essencial necessidade o advento de uma nova mentalidade. Não deixareis de reconhecer quanto é urgente essa necessidade, se observardes as condições mundiais, a geral superficialidade, os êxitos mecânicos, o progresso técnico, as tremendas influências postas em ação. Se observamos ainda mais atentamente essas condições, penetrando-as com certa profundeza, não podemos deixar de ver que é indispensável uma nova mentalidade. E essa nova qualidade não pode ser criada por nenhuma espécie de progresso técnico. Cumpre perceber isso bem claramente. E, se me permitis desejo estender-me mais um pouco sobre o que estava dizendo na última sexta-feira.

Como sabeis, vós sois o resultado do passado, de muitos dias que ficaram para trás. Sois o resultado de vosso ambiente, da sociedade em que fostes educados, da propaganda chamada religião que há séculos vem sendo instilada em vós. Podeis falar muito eloquentemente sobre as ideias religiosas e a influência ocidental na mente oriental, na vossa mente; mas tudo isso continua a ser muito perfunctório. Percebendo bem isso, qualquer pessoa verdadeiramente séria não pode deixar de perguntar a si própria: Para onde nos está levando tudo isso, qual a finalidade disso? Ao fazerdes com toda a seriedade esta pergunta, podereis retornar ao vosso condicionamento e responder que tudo “dará certo”, que se trata apenas de uma temporária mutação pela qual o homem está passando, e que no fim desta confusão tudo sairá certo, porque há Deus, porque há Justiça, Beleza, Amor. Mas tudo isso são só palavras sem muita significação. O homem faminto não se satisfaz com palavras: ele quer comida. Se fizerdes seriamente aquela pergunta a vós mesmo, vereis que, como já salientamos, sois o resultado do passado — o autêntico resultado — e que não há nada novo.

Toda tentativa para alcançar o novo é realmente uma reação do “velho”, projeção de uma certa parte do velho, sendo “o velho” a religião em que fostes criado, o meio cultural, a influência da família, da tradição, etc. Assim, não há nada novo. E, entretanto, as circunstâncias da vida — a crise atual, a presente confusão, miséria, sofrimento, fome — exigem o aparecimento de uma nova mentalidade; não de uma nova ordem de ideias, pois não se necessita de novas ideias ou ideais, porém, antes, de “um novo acesso à vida”, de todo diferente. E esse “novo acesso” não é de modo nenhum questão de tempo. Isto é, precisamos de mutação, de imediata transformação, de uma nova qualidade mental, para produzir uma ação de qualidade diferente, novos valores.

E como irá efetuar-se essa mutação? Era sobre isso que estávamos tentando falar na última sexta-feira, e desejo prosseguir com este tópico. Estivemos dizendo que é importante compreender um fato: o fato de que estamos imitando, de que estamos em busca de êxito, de que somos ambiciosos — que releva vermos esse fato. Porque o próprio ato de ver o fato produz a mutação. O próprio ato de ver uma certa coisa como um fato, sem emitir opinião, nem julgamento, sem condenação, produz o necessário ímpeto, a energia que operará a mutação. Talvez a maioria de vós não compreenda o significado desse ver, desse escutar. E desejo apreciar esse ponto, porquanto, para mim, o ato de ver, o ato de escutar constitui o único meio, o único instrumento que operará uma revolução, a transformação da mente.

Em maioria desejamos o bom êxito. Vou falar a esse respeito, a fim de ajudar-vos a ver o fato — não para o rejeitardes, não para o aceitardes: ajudar-vos a vê-lo, simplesmente. Em regra se adora o sucesso, o sucesso neste mundo; ou, também, desejamos ser bem sucedidos psicologicamente. E para se ser bem sucedido tem de haver imitação, cópia, continuidade do que foi. E, se observardes a vós mesmo, vereis ser isto o que desejais: sucesso; não só neste mundo, mas também interiormente aspirais a um resultado. E esse desejo de resultado implica, por certo, a observância de certo padrão, não é verdade? E quando tendes de observar um padrão, não há possibilidade de transformação fundamental. Todo afastamento do padrão gera medo. E, a fim de evitar o medo, seguis as linhas traçadas pela autoridade, e obedeceis a essa autoridade — que poderá ser o Gita, ou o líder político, ou o guru, ou quem quer que seja — a fim de terdes êxito, para estardes livres de perturbações, evitardes todo e qualquer conflito, sempre tendo em mente um resultado satisfatório, que represente um “sucesso”.[...]

Por que razão todos nós admitimos o conflito como parte da existência? Por que aceitamos o conflito como coisa essencial à vida? Se observardes vossa própria vida, vereis que estais em conflito, não só com vosso próximo e o mundo, mas também psicologicamente; interiormente vos achais num conflito muito maior. Não sabeis o que fazer. Ou, se sabeis o que deveis fazer, vós o fazeis; e o resultado é um problema, é sofrimento, atrito, luta. Tudo isso, como sabemos, é conflito; e estamos sempre procurando evitar esse conflito, fugir dele. Isso é um fato. Não estou tentando dizer-vos como ser livre de conflito — mostrar-vos o caminho, a via de fuga. A fuga, a coisa para a qual fugimos, se torna muito mais importante do que o próprio conflito. Essa coisa — bebida, vossa igreja, vossos deuses, sexo, poder, ambição — se torna importante; tudo isso representa uma fuga do fato de que estais em conflito. Eis a realidade. Por favor, vede esse fato; vede-o no sentido que dou à palavra “ver”; não negueis, não digais: “Que devo fazer com esse fato?”, “Como poderei fugir dele?”; vede o fato de que estais em conflito e de que há esse impulso a fugir do conflito. E que, depois de fugirdes, a coisa para a qual fugistes se torna de suma importância. Vossa religião, vosso nacionalismo, vosso guru, os ideais, os santos — tudo isso são fugas do fato central de que vos achais em conflito, de que vos achais em sofrimento.

Ora, como surge o conflito — não apenas os pequenos conflitos da vida diária, mas também os profundos conflitos interiores, os conflitos inconscientes e conscientes, que ficaram sem solução? Como surge esse conflito? Notai mais uma vez que não deveis aceitar nem rejeitar isso, mas, sim, verificar se o orador está dizendo a verdade, verificar — não concordar — se estais em conflito. Se estais realmente apercebido de vossas próprias condições, deveis ficar apercebido de estardes em conflito. Estais em conflito; por quê? Há conflito, porque há contradição. Quereis fazer uma certa coisa e ao mesmo tempo desejais fazer o oposto dela; isso é uma contradição, como o é o amor e o ódio, o ser ambicioso e ao mesmo tempo fingir-se não ambicioso, o desejar ser rico e simultaneamente fazer o mesmo jogo do político simulando pobreza. Há o fato, “o que sois”, e a ideia de “o que deveríeis ser”; o fato do que realmente é e a ideia do que deveria ser — uma contradição. Sois educado na ideia do que “deveríeis ser”, e de que não deveis enfrentar o fato. Sois educados para serdes não violentos e nunca enfrentardes o fato de que sois violentos. É o que se vem ensinando neste país há anos e anos: que deveis ser não violentos que deveis ser idealistas. E os ideais se tornam mais importantes do que “o que é”. Assim, entre o que é e o que deveria ser abre-se um vão, e o esforço para lançar uma ponte sobre esse vão gera conflito. Observai a vós mesmo. Estou apenas pondo em palavras aquilo que constitui o fato real.

É assim que surge a contradição; da contradição surge o conflito e, depois, vem o esforço. Gostamos de fazer esforços. Para nós o esforço é muito importante. Tudo o que fazemos é resultado de esforço. Isso é um fato. É o que estamos acostumados a fazer. Por que devemos forcejar?

Não é possível viver-se neste mundo sem esforço algum? Só podeis responder a esta pergunta se compreenderdes a totalidade do mecanismo do conflito, tanto exterior como interiormente — conflito entre nações e entre as pessoas, exteriormente; e o conflito, a profunda ansiedade interior. E, quando há conflito, há esse esforço para dominá-lo. Por conseguinte, o conflito surge por causa da contradição. E havendo contradição, com os sofrimentos, as agitações e ansiedades que a acompanham, há o impulso para se fazer esforço a fim de dominar esse conflito; e neste círculo ficamos presos. E todo o nosso interesse se concentra em fugirmos desse fato, resultando, daí, consequentemente, mais conflito — mais esforço em nossas práticas religiosas, com o fim de disciplinar, de moldar, compelir, renunciar, obedecer. Dessa maneira, nossa mente nunca se acha quieta, nunca é capaz de olhar qualquer coisa, de escutar qualquer coisa plenamente, completamente. Ela está sempre agitada.

E como pode a mente agitada compreender o que quer que seja? A vida é uma coisa imensa que precisa ser compreendida. A vida não é simplesmente exercer emprego, gerar filhos, não é meramente sexo, meramente prosperidade; a vida não é uma série de êxitos, não é o preenchimento de ambições; ela é muito mais do que tudo isso. A vida é também investigação, para descobrir se há ou se não há Deus, algo que se encontra além das palavras; para descobrir se o amor existe; descobrir como enfrentar e compreender o desespero, o sentimento de culpa, o imenso sofrimento, a ansiedade jacente no coração do homem. Tudo isso é a vida. E, para compreendê-la, necessita-se de uma mente serena, não uma mente talada pelo conflito, pela agitação.

E que acontece quando nos vemos frente a frente com tudo isso? Volvemos ao passado, ou recorremos a um certo livro, uma certa autoridade; e pensamos ter compreendido toda essa enorme complexidade seguindo uma certa fórmula absurda, ou o Gita, ou um guru, este ou aquele livro. Mas, para compreenderdes essa imensidade é necessário uma revolução em vossa mente — não revolução econômica e social, porém, sim, mutação da qualidade da mente. Essa mutação não pode ser efetuada por volição, porque, quanto mais recorrerdes ao passado, tanto mais condicionamento haverá e, por conseguinte, nenhuma possibilidade de mutação. Vede pois o fato — que é tudo isso — vede quanto nos tornamos mecanizados.

A virtude perdeu seu significado, pois qualquer um pode tornar-se virtuoso com ingerir certas substâncias químicas. Não sei se tendes visto tudo o que se está passando no mundo. A pessoa pode tomar uma pílula e tornar-se tranquila. A tranquilidade, portanto, perdeu sua significação. Podeis tomar um comprimido, um preparado químico, para vos tornardes menos irritadiço, menos ciumento, menos rancoroso, etc. Se sois sexualmente apaixonado, podeis tomar uma pílula e acalmar o amor. Perderam, pois, as virtudes o seu significado. E os computadores, os cérebros mecânicos, essas extraordinárias máquinas eletrônicas estão-se encarregando de pensar por nós; e, de fato, se desempenham de suas tarefas bem melhor ido que o homem. E a ‘'automatização” — máquinas que farão funcionar outras máquinas — está também prestes a surgir. Estamo-nos tornando — não só aqui na Índia, mas também no resto do mundo — muito superficiais, porque nos estamos mecanizando. Considerando-se tudo isso, que são fatos e não invenções minhas, os deuses já nada significam, as religiões perderam toda a sua importância; e estamos na expectativa de iminentes perigos. O futuro é desconhecido; o que tendes é unicamente o passado, e nada mais — o passado, constituído pelo que conheceis, pelo que aprendestes, o passado relativo à bomba atômica, à vossa tradição, etc. etc. Eis o que tendes. Vossa mente é só isso, e nada mais.

Ora, como operar, dessa base, aquela extraordinária mutação, aquela revolução radical? Este é que é o verdadeiro problema. Espero tenhais compreendido a pergunta; não se trata de “o que se deve fazer”. Devemos primeiramente compreender a pergunta e seu verdadeiro significado. Vede, senhores, vós ledes o Gita, sois cristãos, budistas, maometanos ou o que mais seja. O que faz a diferença não é o que o Gita diz, mas o que realmente sois; não são vossos turbantes e casacos, vossa erudição e saber, mas o que sois. Se isso vos é retirado, resta-vos apenas o passado, algo que já existiu, algo que conhecestes, enfim, o mecanismo do passado. E tudo o que fizerdes com base no passado condicionará o futuro e, por conseguinte, será ainda o passado.

Vede, por favor, a importância do que se está dizendo. Se fizerdes qualquer esforço para operar a mutação — e essa mutação é absolutamente necessária no mundo atual — esse impulso provirá do passado e, por conseguinte, condicionará a mutação, que, portanto, já não será mutação, e, sim, meramente, um prolongamento do passado. O que verdadeiramente nos interessa é a mutação, uma mente nova, capaz de perceber a totalidade da existência, e não simplesmente uma parte dela. Houve tempo em que vos diziam, neste país, que não devíeis ser provincialistas, separando-vos do resto da nação; e é estranho constatar que agora vos estais tornando nacionalistas, mas continuais divididos. O que vos deve interessar é o todo da vida; não a Índia, os hindus ou os budistas, mas o homem, o futuro do homem, a mente do homem, de que também fazeis parte. Assim, ao perceberdes esse fato, esse percebimento deve obrigar-vos a indagar fundamentalmente. Mas, se procurardes resposta para aquela pergunta, a resposta procederá do passado; assim, deveis fazer a pergunta sem procurar resposta. E isso é dificílimo: limitar-se a fazer a pergunta, e investigar.

Nosso problema, portanto, é este: Há necessidade de uma radical revolução interior, na mente, na consciência. Ao verificar-se essa revolução, ela atuará na esfera social e econômica, e de forma singular. Ora, como promover essa revolução? Estou empregando a palavra “como”, não para sugerir um método, um sistema— pois, se tendes algum método ou sistema, isso faz parte ainda do passado; estou empregando-a apenas como meio de investigação e não como meio de oferecer um sistema. Como promover essa revolução?

Em primeiro lugar, para se viver plenamente, para se ver claramente qualquer coisa, é preciso que não haja conflito de espécie alguma; por conseguinte, deve haver compreensão de todo o problema da contradição — e isso significa investigar, observar as operações da própria mente e ver que qualquer forma de ambição, de ordem externa ou interna, produz contradição. Sempre que há preenchimento pessoal, sempre que há impulso para o preenchimento — impulso para ser isto ou não ser aquilo — nesse próprio desejo de preenchimento há contradição, ou seja, frustração. Deste modo, a ambição, o sucesso, o preenchimento implicam frustração, e da frustração resulta conflito. Tudo isso são fatos psicológicos, e não invenções minhas. Se vos observardes, verificareis serem esses os fatos que estão ocorrendo.

Assim, a mente que está procurando compreender o que a mutação implica já deixou de ser ambiciosa. Perguntareis, então: Como pode essa mente viver neste mundo — este mundo feito de conflito, de ambição, de crueldade, em que cada um só cuida de si — como pode a mente não ambiciosa viver neste mundo? Não pode. Por conseguinte, quando tiverdes compreendido e abandonado completamente a ambição, vereis que podereis viver sem os preceitos da velha sociedade, pois tereis criado um novo mundo. Compreendeis, senhores, o que estamos dizendo? Um novo mundo precisa vir à existência. E não podereis criar um novo mundo, se apenas dizeis: “Tenho de ajustar-me, para viver neste mundo”. Vós tendes de destruir esta sociedade, para criardes um mundo novo. Não estou falando da destruição de construções, porém da destruição dos valores sociais. E isso não desejais fazer, porque temeis; por conseguinte, novamente vos vedes envolvido em conflito.

Tendes, pois, de ver com clareza que, havendo ambição de qualquer espécie, há também conflito, sofrimento. Mas, como sabeis, somos criados na ambição, na competição. Todo escolar é ensinado a competir. Ensina-se-lhe a adorar o êxito. E como rejeitareis todo esse padrão, o padrão em que fostes educado? Vós o rejeitareis quando perceberdes a importância de rejeitá-lo, quando estiverdes enfrentando uma crise. E a crise atual reclama uma mente nova. É o que ela reclama, e não uma maneira de reformar o velho padrão. Assim, uma vez apercebido da crise, uma, vez apercebido de tudo o que a ambição implica, após terdes penetrado a fundo em vós mesmo para descobrirdes a fonte da ambição — porque sois ambicioso, porque há competição, luta, ânsia de posição, de prestígio pessoal — depois de terdes compreendido toda a anatomia da ambição, ou ficareis com a ambição e suas crueldades, ou saireis dela. E o homem que “saiu” dela cria uma mente nova, um pensar de nova qualidade.

Assim, o que deveras nos interessa é perceber a importância dessa profunda revolução interior e descobrir se ela é possível, ou não, a cada um de nós. A época a exige, as circunstâncias também, vossa própria vida a impõe; e o extraordinário nisso é que não há tempo. Não podeis dizer: “com o tempo eu mudarei, acumularei a energia necessária para efetuar a mutação”. O tempo não vos dá energia. O tempo vos rouba energia; envelheceis, definhais. O que vos dá energia para investigar profundamente é o enfrentar o fato, simplesmente enfrentar o fato, qualquer que seja ele. E vereis que, do enfrentar o fato, nasce a energia. Ela não nasce da negação do fato; esta nunca dá energia. E vós necessitais de tremenda energia, porque não só é necessário enfrentar e compreender as trivialidades da vida, mas é necessário também ultrapassá-las. Há ainda outra coisa mais significativa e que requer toda a vossa atenção: Precisais descobrir por vós mesmo, não por meio de palavras, porém realmente, se alguma coisa existe além dos limites da mente, algo chamado o Imensurável, que transcende a morte, as palavras, o pensamento. Se não descobrimos isso, a vida se torna bem superficial, mecânica; e ela é então toda de sofrimentos e agitações. E para o descobrirdes, necessitais de imensa energia.

Mas essa energia só pode vir quando compreendida a “qualidade de ver”, a “qualidade de escutar”, quando a pessoa é capaz de olhar os fatos, olhar o próprio ciúme, a própria ambição, olhar as próprias paixões e todos os absurdos de que se cercou e a que chama “religião”. E quando temos a capacidade de enfrentar esses fatos e de não reagir, desse enfrentar resulta energia. E é essa qualidade de energia que opera a mutação. E só então a mente se torna algo extraordinário; já não é produto do ambiente, já não é produto da experiência. Fica então apta a renovar-se constantemente; passa a ter aquela qualidade denominada juventude, inocência. E ela necessita dessa qualidade que é a inocência, a perfeita humildade, a fim de descobrir o que se acha além das palavras, além do pensamento, além do tempo.

Krishnamurti, Nova Déli, 28 de janeiro de 1962, A mutação Interior


segunda-feira, 9 de abril de 2018

Em conflito, jamais vemos o que é real

Em conflito, jamais vemos o que é real

[...] Vemos a vida, uma pessoa, uma árvore, através de ideias, opiniões, lembranças? Ou estamos em comunhão direta com a vida, a pessoa, ou a árvore? Penso que nós vemos através de ideias, lembranças e juízos e que, por conseguinte, nunca vemos nada. Assim, vejo-me a mim mesmo tal como “eu realmente sou”, ou vejo-me como “eu deveria ser” ou como “eu fui”? Por outras palavras, a consciência é divisível? Falamos com muita facilidade a respeito da mente consciente e da mente inconsciente, e das muitas camadas entre ambas existentes. Existem essas camadas, essas divisões, e elas se acham opostas umas às outras. Temos de percorrer todas essas camadas, uma a uma, para nos livrarmos delas ou tentarmos compreendê-las — maneira muito cansativa e ineficaz de resolver um problema — ou é possível varrermos todas as divisões, todo esse conjunto, e tomarmos conhecimento da consciência total?

Como dizia noutro dia, para nos tornarmos apercebidos totalmente de uma coisa, necessita-se de percepção, visão, não colorida por ideia alguma. Ver uma coisa inteiramente, totalmente, não é possível quando existe motivo, um propósito. Se estamos interessados em alguma alteração, não estamos vendo o que realmente é. Se estamos interessados na ideia de que devemos ser diferentes, de que devemos melhorar o que vemos, torná-lo mais belo, etc., não somos então capazes de ver a totalidade do que é. A mente só está então interessada em mudança, alteração, melhoria, aperfeiçoamento.

Mas posso ver-me assim como sou, como consciência total, sem ficar enredado nas divisões, nas camadas, nas ideias opostas, existentes na consciência? Não sei se já alguma vez praticastes a meditação — por ora não discorrerei sobre esta matéria. Mas, se já o fizestes, deveis ter observado o conflito que se verifica na meditação — a vontade lutando para controlar o pensamento, e o pensamento a escapar-lhe sempre. É uma parte de nossa consciência — esse impulso para controlar, moldar, satisfazer-se, ter êxito, encontrar segurança; e ao mesmo tempo a compreensão do absurdo, da inutilidade, da futilidade de tudo isso. A maioria de nós tenta desenvolver uma ação, uma ideia, uma vontade de resistência, para servir como uma espécie de muralha em torno de nós mesmos, e dentro dessa muralha esperamos permanecer num estado de ausência de conflito.

Ora bem. É possível percebermos a totalidade desse conflito e permanecermos em contato com essa totalidade? Isso não significa permanecer em contato com a ideia da totalidade do conflito, ou vos identificardes com as palavras que estou empregando; mas, sim, significa estar em contato com o fato da totalidade da existência humana, com todos os seus conflitos de tristeza, sofrimento, aspiração e luta. Significa enfrentar o fato, “viver com ele”.

Como sabeis, “viver com uma coisa” é extremamente difícil. “Viver com aquelas montanhas” que nos cercam, com a beleza das árvores, com as sombras, a luz matinal, a neve, “viver com isso” realmente, é muito difícil. Todos tomamos conhecimento dessas coisas, não é verdade? Mas, vendo-as dia por dia, embotam-nos diante delas, como acontece com os camponeses, e nunca mais tornamos a olhá-las realmente. Mas “viver com a coisa”, vê-la cada dia como nova, com clareza, com sensibilidade, com apreciação, com amor — isso requer enorme soma de energia. E “viver com uma coisa feia” sem que essa coisa feia possa perverter, corroer a mente — isso requer por igual muita energia. “Viver tanto com o belo como com o feio” — como temos de viver, em nossa existência — requer descomunal energia. E essa energia é rejeitada, destruída, quando nos encontramos num estado de perpétuo conflito.

Assim, pode a mente olhar a totalidade do conflito, “viver com ele”, sem aceitá-lo, nem rejeitá-lo, sem permitir que o conflito nos deforme a mente, porém observando realmente todos os movimentos internos de nossos próprios desejos, geradores de conflito? Acho que isso é possível — não apenas possível, mas, quando penetramos mui profundamente o conflito, quando nossa mente está apenas a observar e não a resistir, a rejeitar, a escolher, eis o que acontece. Então, depois de chegardes até aí, não em termos de tempo e espaço, porém com a experiência real da totalidade do conflito, descobrireis por vós mesmos que a mente é capaz de viver muito mais intensa, apaixonada e vitalmente; e uma mente assim é essencial para que possa surgir na existência aquela “certa coisa imensurável”. A mente em conflito jamais descobrirá o verdadeiro. Poderá tagarelar incessantemente acerca de Deus, da bondade, da espiritualidade e tudo o mais, mas só a mente que compreendeu de maneira completa a natureza do conflito e, por conseguinte, se acha fora dele, só ela pode receber aquilo a que se não pode dar nome, aquilo que não pode ser medido.

Krishnamurti, Saanen, 30 de julho de 1961, O Passo Decisivo

A mente em conflito é uma mente medíocre


A mente em conflito é uma mente medíocre

Estivemos falando sobre a necessidade de termos uma mente nova, fresca. Em toda parte aonde vamos encontramos tremenda desordem, sofrimento em grande escala, físico e moral, infinita confusão. E, parece-me, em vez de tratarmos de resolver o problema do sofrimento e da confusão, estamos mais interessados em fugir dele — em busca da Lua, de entretenimentos, de ilusões várias. Mas, o que quer que façamos, continuam existentes o sofrimento e a confusão e, para livrar-nos dessas condições, é-nos necessário, penso eu, uma mente nova, viçosa. Desejo, pois, continuar do ponto em que paramos e considerar se é possível vivermos neste mundo sem conflito. Porque, quer-me parecer, uma mente invadida pelo conflito está embotada, é medíocre. Todos nos achamos em conflito, desta ou daquela natureza, em níveis diferentes e de diferentes formas. E, ou nós nos conformamos com ele, ou tratamos ansiosamente de refugiar-nos em entretenimentos, reformas sociais e nas coisas que as igrejas e as religiões oferecem, com seus rituais, suas misteriosas palavras, suas crenças e dogmas — românticas formas de consolação. E, à medida que vamos envelhecendo e as fugas se tornando cada vez mais habituais e constantes, nossa mente se torna mais e mais embotada, lerda, estúpida. Isso é um fato ocorrente com a maioria de nós. Poderá haver momentos em que, apesar de todos os sofrimentos causados pelo conflito, as nuvens se abrem, deixando-nos ver algo, muito claramente, que nos desperta um sentimento de tranquilidade, profundeza; mas raramente isso acontece.

Acho que precisamos investigar esta questão profundamente — tarefa bem difícil. Não se trata apenas de examinar umas poucas ideias; trata-se, antes, de penetrarmos mui profundamente em nós mesmos, para vermos se é possível extirpar o conflito em todas as suas formas. Requer-se uma mente ardorosa, penetrante, mente que não se deixe prender na rede das palavras. Infelizmente, tendemos a prestar atenção apenas a certas palavras, frases e ideias; limitamo-nos a deslizar sobre a superfície das coisas. E, provavelmente, tal é a razão por que vimos assistir a estas conferências, ano por ano, e o resultado final se torna um tanto estúpido; porque ficamos apenas a trocar ideias sem jamais penetrarmos a matéria profunda e diretamente, para extirparmos deveras o conflito.

Penso, portanto, que devemos restringir-nos nesta manhã a ver se é verdadeiramente possível — não teórica ou verbalmente — compreender deveras a natureza do conflito e, dessa investigação, sairmos renovados, rejuvenescidos, purificados. A mente purificada, “inocente”, nunca se acha em conflito; está num estado de ação. Uma mente em ação, em movimento, sempre a renovar-se, nunca se achará em conflito. Só aquela que encerra contradição está perpetuamente em luta.

Por favor, enquanto falo, não vos limiteis a ouvir minhas palavras, porquanto as palavras só têm significado superficial. Pois estou certo de que, se examinardes a vós mesmos, encontrareis muitas contradições. Assim, tende a bondade de acompanhar-me atentamente, “experimentando” durante o percurso, porque, então, ao concluirmos o nosso exame, talvez alcanceis um sentimento de clareza, um sentimento de libertação da terrível opressão do conflito.

Vimos aceitando o conflito desde a infância. No setor educativo, todas as escolas do mundo estão criando bases de conflito e há a luta constante para emularmos com os que são mais talentosos que nós. E ao nos tornarmos mais velhos começamos a seguir o exemplo, o líder, a autoridade, o ideal; e surge, assim, a separação entre o que deveria ser e o que realmente é, e, daí, a contradição. Temos não apenas o conflito exterior, mundano, a competição, os ideais, a ambição, o perpétuo impulso, na moderna vida social, a nos tornarmos inteligentes, mais belos; imitação não só de nossos semelhantes, mas também de Jesus, de Deus; imitação não só da moda, mas também da virtude. De tudo isso resultam, exteriormente, guerras entre os povos, as raças, as nações e os estadistas. E se um homem repudia tudo isso, por demasiado estúpido, volta-se para o seu interior, onde novo problema se apresenta — o de alcançar a paz, a tranquilidade, a felicidade, Deus, o amor, o céu. A busca interior é uma reação à busca exterior, sendo, por conseguinte, o mesmo movimento — movimento semelhante ao vaivém das marés. São estes óbvios fatos psicológicos; e se nos tornamos apercebidos de tudo isso, não há mais discutir a seu respeito: é o fato. Poder-se-á argumentar sobre a possibilidade de transcender tudo isso; mas o fato real é que existe conflito interior e exteriormente, de onde se origina um espírito de espantosa brutalidade, uma eficiência cruel. O movimento exterior poderá produzir um certo progresso, prosperidade, mas pode-se ver o que está acontecendo no mundo: tanta prosperidade e menos, cada vez menos, liberdade. Isso se pode observar muito claramente na América: lá existe esta grande prosperidade, mas o espírito pioneiro, o espírito de liberdade vai desaparecendo gradualmente. Interiormente, também, quanto mais intenso o conflito, tanto maior o impulso para a atividade; e surgem assim os ‘‘beneméritos”, os reformadores, os chamados “ santos” e os intelectuais, autores de livros e mais livros, etc. etc. Quanto maior a tensão do conflito, tanto mais ela se expressa por meio da capacidade.

Sabemos de tudo isso, todos sentimos o “puxão” em diferentes direções. Conhecemos o impulso da ambição. E onde há ambição, não há amor em forma nenhuma, não há compaixão, piedade ou afeição. E a fuga ao conflito, seja conflito entre duas pessoas, seja entre nações — e não importa se nosso refúgio é Deus, a bebida, o nacionalismo, a conta bancária — a fuga nos afunda mais e mais no ilusório sentimento de segurança. Nossa mente se nutre de mitos, especulações.

Cresce, assim, o conflito e desse estado resulta ação que, por sua vez, produz mais contradição ainda. E ficamos a debater-nos nesse torvelinho de luta. Estou apenas expressando em palavras o que realmente está acontecendo. Tal é a sina de todos. Podemos ver diretamente que a mente está sempre tentando fugir, por meio da repressão, da disciplina — sempre advogada pelos santos, em todo o mundo e, de feito, tudo submetendo a seu controle. E, se não é a disciplina o nosso meio de fuga, é então uma certa atividade: reforma social, reforma política, estudo de cursos especiais, fomento da fraternidade — conheceis todas essas atividades, essa agitação, esse impulso para fazer algo em relação com alguma coisa. O que sabemos é apenas que nossa ação cria mais misérias, mais perversão, mais ilusão e sofrimento, interior e exteriormente. Todo estado de relação, no começo tão novo, tão original, degenera em algo feio, estúpido ou venenoso. Todos, sem dúvida, conhecemos esse processo dual de amor e de ódio. E rogamos aos deuses os meios de ocultá-lo... e, infelizmente, os deuses nos atendem, pois não faltam meios de fuga.

Eis o quadro que se nos depara: uma ideia, um ideal, e a ação resultante, visando a concretizar essa ideia. A mente cria a ideia e em seguida procura agir, a fim de realizá-la. Está assim criado um intervalo, sobre o qual procuramos tenazmente lançar uma ponte. E nunca o conseguimos, porquanto a ideia é estática, criamo-la firme, fixa; a ação, entretanto, tem de ser necessariamente variada, mutável, em constante movimento, conforme as exigências da vida. Por isso, há conflito perene.

E embora apercebidos de todas essas tremendas tensões e violentas exigências, nunca perguntamos a nós mesmos se é possível viver neste mundo sem conflito. É possível? No meu sentir, só é criadora a mente em que não existe um só movimento de conflito. Não me refiro à ação criadora dos poetas, dos pintores, dos arquitetos etc. Estes poderão possuir certos dons, certas capacidades; poderão ocasionalmente vislumbrar algo, num rápido clarão, e expressá-lo no mármore, num poema, num monumento arquitetônico; mas não são verdadeiramente criadores, porque continuam em guerra, com si mesmos e com o mundo; são impulsionados por suas ambições, seus ciúmes, suas irritações e rancores, tal como nós outros. Mas, para encontrar Deus — ou o nome que preferirdes — para descobrir realmente se tal entidade existe, a mente deve estar de todo livre de conflito. Isso exige enorme esforço; e, talvez, os mais velhos dentre nós já estão acabados, fora de combate. Podemos estar assim, ou talvez não.

Não sei se já vistes as pinturas das cavernas de Dordogne, velhas de dezessete mil anos. As cores são muito vivas, porque os ventos e as chuvas nunca as atingiram. Representam essas figuras o homem em luta com animais, cavalos, touros de graciosos chifres; e são representações cheias de extraordinário movimento. Mas... a mesma luta, sempre.

A questão, pois, é: Que devemos fazer em relação a tudo isso? E tendes de resolver este problema, porque sois vós quem sofre, quem está em conflito. Não podeis ficar a esperar descansadamente que outra pessoa o resolva. E isso, afinal, nada tem que ver com a idade, não depende de se a pessoa é velha ou nova.

Enunciando diferentemente o problema: viver é agir. Não se pode viver sem ação. Cada gesto, cada ideia, cada onda de pensamento é ação; e toda ação dá origem a uma reação, e dessa reação resulta mais ação. Assim, todas as nossas ações são reações; e estamos aprisionados nisso. Ora, é possível vivermos com ação em extraordinária abundância e sem raízes nenhumas no conflito? Eis a questão, que espero vos esteja clara.

APARTE: Suponho que isso acontece ocasionalmente a cada um de nós; vem e vai independentemente de nossa vontade, como o vento entre as árvores ou as folhas mortas levadas pelo vento.

KRISHNAMURTI: Quer dizer, isso acontece casualmente e fica-nos sua lembrança, despertando o desejo de repetição — e temos assim, de novo, conflito. Percebeis? Tenho uma experiência que me deleita: contemplando uma bela nuvem, um rosto bonito, um doce sorriso; e essa experiência deixa-me uma impressão de prazer, de alegria — êxtase. Desejo vê-la repetir-se, e começa o conflito. Tende a bondade de seguir isso, completamente, e vereis algo por vós mesmo.

APARTE: O conflito começa com o desejar.

KRISHNAMURTI: De fato? Que mal há em desejar algo belo?

APARTE: Desejar a repetição, quero dizer.

KRISHNAMURTI: Um momento, senhor. Todo desejo é de repetição. Não haveria desejo de uma coisa, se não a tivéssemos provado antes, sem uma lembrança prévia. Todo desejar representa reconhecimento de uma coisa antes conhecida.

APARTE: E se se trata de desejar Deus?

KRISHNAMURTI: É a mesma coisa, não? Desejar uma mulher, um filho, apreciar um belo poente, ou desejar Deus, e desejar a repetição da experiência — tudo é a mesma coisa, não? Parece que não estais percebendo o aspecto mais importante da questão.

APARTE: É a resistência ao desejar que cria a contradição.

KRISHNAMURTI: O desejar gera conflito, e qualquer espécie de resistência gera conflito; mas é este o problema? O perpétuo clamor do artista provém de ter ele conhecido esse ocasional vislumbre da beleza e desejar segurá-lo; e, assim, ele luta, entrega-se às mulheres, à bebida etc. E nós fazemos a mesma coisa; vivemos no passado, nos “dias felizes que se foram”, os rostos lembrados, nossas memórias, e todas as coisas que desejamos recordar. Há o desejo, e a resistência a esse desejo; mas é este o problema? Todos os santos disseram: “Eliminai o desejo”; mandam-nos voltar-lhe as costas, asfixiá-lo, controlá-lo, não nos deixarmos apaixonar. Mas é este o problema que nos interessa?

APARTE: Acho que não compreendo o desejo.

KRISHNAMURTI: É esse o problema? Vede, senhores, quando tendes uma experiência e desejais repeti-la, continuá-la, não criastes um problema? Quer resistais, quer cedais, não criastes um problema? Criamos o problema de como manter um determinado estado, não é certo? Ora, que é um problema? Problema, por certo, é tudo aquilo que eu não compreendi. Compreendida uma coisa, o problema deixou de existir. Para um mecânico, um desarranjo num motor não constitui problema real: ele sabe o que deve fazer. Nós aqui não sabemos o que devemos fazer, e esse “não saber” é um problema. Não podemos destruir o desejo, pois isso seria terrível, estúpido; seria assumir a vulgaridade do santo — perdoai-me, se vos choco. E a resistência é uma forma de repressão. Certo?

E que há para compreender no desejo? Não muita coisa. Sabeis o que são desejos e como eles nascem; e conheceis também a resistência, e como nasce: de nossa educação, nossas tradições, nosso conteúdo mental (background), a atitude do dizer “isto é certo e aquilo errado”, o sentimento de que devo ser respeitável a todo custo e que minha respeitabilidade deve ser reconhecida pela sociedade. Conheceis tudo isso.

Podemos agora passar adiante? Que é um problema, que é que cria o problema?

APARTE: A lembrança da experiência.

KRISHNAMURTI: Não se pode eliminar a experiência, pode-se? Isso significaria morrer, fechar os olhos à vida, tornar-se insensível. Viver é experiência. Mas a experiência deixa-nos o seu resíduo, como memória — a cicatriz da memória. Estais-me seguindo? O problema, pois, é a memória e não o desejo ou a resistência. Pode, então, a mente viver num “estado de experimentar”, sem que fique resíduo, isto é, memória?

Podeis compreender isso verbalmente, mas trata-se de coisa realmente extraordinária e que deve ser investigada; mas para tanto requer-se excepcional vitalidade e energia. Não pode a mente fugir à experiência, entretanto todos tentamos furtar-nos a uma experiência vital; reforçamos as paredes da crença; recusamo-nos a ver que o mundo é uma unidade, que a Terra é vossa e minha; dividimo-la em britânica, europeia, indiana, russa; e quedamo-nos, paralisados, no interior dessas muralhas. Repelimos, com efeito, a experiência porque não desejamos mudanças; cultivamos a memória, adicionando-lhe em vez de subtrair-lhe.

O problema, portanto, é este: Pode a mente receber uma coisa sem que esta deixe marca? Não podeis dizer que isso é possível ou impossível. Pensai, por favor. Porque só a mente que experimenta, vê, olha, vibra, está viva. Não está viva a mente que leva a carga de memórias seculares, a que chamamos conhecimento, tradições. Entretanto, não podemos suprimir o conhecimento; ele precisa existir, senão não saberemos voltar para casa. Mas pode-se viver sem a interferência do passado?

APARTE: O problema é que, para impedirmos a memória de deixar-nos marca na mente, precisamos possuir extraordinário interesse em cada uma de nossas experiências.

KRISHNAMURTI: Por favor, senhor, atentai no que acabais de dizer: “precisamos”. Esse “precisamos” já lançou na mente o germe do conflito, não?

APARTE: Talvez eu devesse perguntar: Como criar esse interesse?

KRISHNAMURTI: Para termos uma resposta correta, temos de fazer uma pergunta correta. Esta pergunta é correta?

APARTE: Seria mais correto perguntar: Por que não estou interessado?

KRISHNAMURTI: Ora, isto é como tirar o tom correto de um violino. Só se pode tirar o tom correto quando a corda está na tensão correta. Estais fazendo esta pergunta com a tensão correta? Tensão correta; não, estado de conflito. Se considerarmos bem, encontrareis em vós mesmo a resposta. Talvez a própria pergunta que estais fazendo vos esteja impedindo de descobrir diretamente. Percebeis? Vou expressá-lo de maneira diferente.

Percebo realmente, visualmente, o conflito existente no mundo e em mim mesmo. Há contradição interna e externa. E o esforço para fazer alguma coisa a esse respeito: tornar-me pacífico, evitar todo sofrimento — implica conflito. Isso, fora de qualquer dúvida, é o fato. Estais percebendo? E o desejar fazer alguma coisa contra o fato é a reação de procurar fugir-lhe, repudiá-lo, resistir-lhe, transcendê-lo. Correto? Portanto, o desejo, a ânsia, o impulso para fazer alguma coisa em relação ao fato é que é o problema. Mas, se o fato existe e percebeis que nada podeis fazer contra ele, o próprio fato vos dá então a resposta. Existe, então, problema?

Krishnamurti, Londres, 07 de maio de 1961, O Passo Decisivo

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill