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sexta-feira, 20 de abril de 2018

Entrando em comunhão com o problema

Entrando em comunhão com o problema

Há, penso eu, uma grande diferença entre “estar em comunicação” e “estar em comunhão”. Estar em comunicação é partilhar ideias, por meio de palavras, agradáveis ou desagradáveis, por meio de símbolos, de gestos; e as ideias podem ser traduzidas ideologicamente, ou interpretadas conforme as peculiaridades, as idiossincrasias, o fundo de cada um. Mas, na comunhão, penso que ocorre algo muito diferente. Na comunhão não há partilhar ideias, ou interpretação de ideias. A pessoa pode estar, ou não, em comunicação com outros por meio de palavras, mas se acha em relação direta com o que observa; e se encontra em comunhão com a própria mente, com o próprio coração. Pode-se comungar com uma árvore, por exemplo, ou com uma montanha, um rio. Não sei se já alguma vez estivestes sentado sob uma árvore e se realmente experimentastes estar em comunhão com ela. Isso não é sentimentalismo, nem emocionalismo: está-se em contato direto com a árvore. Há uma extraordinária intimidade nessa relação. Nessa comunhão, deve haver silêncio, um senso profundo de quietude; os nervos, o corpo estão em repouso; o próprio coração quase parado. Não há interpretação, não há comunicação, não há partilhar. Vós não sois a árvore, e tampouco estais identificado com a árvore: há só esse sentimento de intimidade em profundo silêncio. Não sei se alguma vez experimentastes isso. Experimentai-o, numa ocasião em que vossa mente não esteja a “tagarelar”, a divagar, em que não estejais a monologar, a lembrar-vos de coisas feitas ou por fazer. Esquecei tudo isso e procurai entrar em comunhão com a montanha, com um rio, uma pessoa, uma árvore, com o movimento da própria vida. Requer isso um extraordinário sentimento de tranquilidade e uma peculiar atenção — não concentração, porém uma atenção natural e agradável.

Pois bem; desejo estar em comunhão convosco, nesta manhã, a respeito do que estivemos investigando outro dia. Falamos sobre a liberdade e sua essência. A liberdade não é um ideal, uma coisa remota; não é concepção de uma mente prisioneira, uma mera teoria. Só pode existir liberdade quando a mente não está sendo tolhida por nenhum problema. A mente que tem problemas jamais pode comungar com a liberdade ou estar ciente dessa coisa extraordinária que ela é.

A maioria das pessoas tem problemas e os vai simplesmente suportando; acostumam-se com os problemas e os aceitam como parte necessária da vida. Mas tais problemas não se resolvem pelo aceitá-los ou acostumar-nos com eles; e se raspamos a superfície, lá os encontramos, a “supurar”, como sempre. E a maioria das pessoas vive nesse estado — aceitando perenemente um problema após outro, uma dor após outra; sentem e aceitam a desilusão, a ansiedade, o desespero.

Se simplesmente aceitamos os problemas e ficamos com eles, nós evidentemente não os resolvemos. Podemos dizer que estão esquecidos ou que nenhuma importância têm; mas eles importam infinitamente, porque pervertem o espírito, falseiam a percepção e destroem a clareza. Se temos um problema, ele, geralmente, invade todo o campo de nossa vida. Pode ser um problema de dinheiro, problema sexual, de falta de instrução ou atinente ao desejo de nos realizarmos, de nos tornarmos famosos. Qualquer que ele seja, ele nos absorve a ponto de apoderar-se de todo o nosso ser, e pensamos que, resolvendo-o, estaremos livres de nossas aflições. Mas a mente limitada e mesquinha que tenta resolver seu problema pessoal isolando-o do movimento global da vida não pode jamais libertar-se de seus problemas; porque cada problema está relacionado com outro e, assim, são de todo inúteis as tentativas de resolução fragmentária. É como cultivar uma só parte do campo e pensar que cultivamos o campo todo. Tendes de cultivar o campo inteiro, considerar cada problema.

Como já disse antes, o importante não é a solução do problema, porém, sim, o compreendê-lo — por mais doloroso, por mais exigente, por mais premente e urgente que ele seja. Sem querer ser positivo ou dogmático, parece-me que o preocupar-se com um só problema, em particular, é indicativo de uma mente vulgar; e a mente vulgar que tenta continuamente resolver seu problema pessoal nunca encontrará um meio de livrar-se de problemas. Poderá fugir de várias maneiras, tomar-se acrimoniosa, mordente, ou entregar-se ao desespero; mas nunca compreenderá o problema total da existência.

Assim, se temos de lidar com problemas, devemos ocupar-nos do campo inteiro em que eles proliferam, e não simplesmente de um dado problema. Qualquer problema, por mais complicado, por mais exigente ou premente que seja, relaciona-se com todos os outros; muito importa, por conseguinte, não tratá-lo fragmentariamente, coisa essa sobremodo difícil. Ao termos um problema urgente, doloroso, insistente, pensamos em geral que o devemos resolver isoladamente, sem levar em conta todo o conjunto de problemas. Nele pensamos fragmentariamente, mas a mente fragmentária é na realidade uma mente vulgar; é — se me permitis a expressão — uma mente burguesa. Não emprego essa palavra em sentido depreciativo, porém apenas para indicar o que a mente de fato é: ela é medíocre ao pretender resolver isoladamente um problema pessoal. A pessoa atormentada pelo ciúme, por exemplo, deseja agir imediatamente, fazer qualquer coisa, reprimir o ciúme ou vingar-se. Mas esse problema individual relaciona-se com outros problemas. É o todo que devemos considerar, e não apenas a parte.

Ao considerarmos problemas, deve ficar entendido que não estamos interessados em achar solução para problema algum. Como já apontei, a investigação que visa apenas a encontrar a solução de um problema é uma fuga ao problema. A fuga poderá ser confortável, ou dolorosa, poderá exigir certa capacidade intelectual, etc.; mas, como quer que seja, é sempre fuga. Se temos de resolver nossos problemas, se temos de ficar livres deles, aliviados de todas as pressões que ocasionam, de modo que a mente fique completamente quieta e possa perceber (pois só pode perceber em liberdade), então o que antes de tudo nos deve interessar não é como resolver um problema, porém, sim, o compreendê-lo. Compreender um problema é muito mais importante do que resolvê-lo. Compreensão não representa a capacidade ou habilidade da mente que adquiriu várias formas de conhecimento analítico e é capaz de analisar um dado problema; compreender é estar em comunhão com o problema. Estar em comunhão não significa achar-se identificado com o problema. Como disse, para se estar em comunhão com uma árvore, com um ente humano, com um rio, com a extraordinária beleza da natureza, necessita-se de certa quietude, um certo senso de separação, de distanciamento do mundo.

Assim, o que aqui estamos tentando é aprender a estar em comunhão com o problema. Mas, percebeis a dificuldade que essa asserção implica? Havendo comunhão com outro, a ideia do “eu” está ausente. Quando estais em comunhão com o ente amado, com vossa esposa, vosso filho, quando segurais a mão de um amigo, nesse momento (se não se trata dessa falsa sentimentalidade, sensualidade, etc., a que chamam “amor”, porém de algo completamente diferente, algo vital, dinâmico, real) há ausência total do mecanismo do “eu”, com seu “mecanismo de pensamento”. Analogamente, estar em comunhão com um problema implica observação completa, não identificadora, não é? Os nervos, o cérebro, o corpo, toda a entidade está quieta. Nesse estado pode-se observar o problema sem identificação, e é esse o único estado em que é possível a compreensão do problema. O chamado artista poderá pintar uma árvore ou escrever uma poesia a respeito dela, mas estará realmente em comunhão com a árvore? No estado de comunhão não há interpretação, nem ideia de comunicação, como também a busca de uma maneira de expressão. Se expressais, ou não, essa comunhão em palavras, numa tela, ou no mármore, pouco importa; mas, no momento em que desejais expressá-la, a fim de exibi-la, de vendê-la, de vos tornardes famoso, etc., começa a ter importância o “eu”.

Compreender inteiramente um problema é comungar com ele. Vereis então que o problema nenhuma importância tem, pois o que importa é o estado mental de comunhão, não criador de problemas. Mas se o indivíduo não é capaz dessa comunhão, se é egocêntrico, egotista, e deseja expressão pessoal e tantas outras infantilidades, eis a mentalidade vulgar geradora de problemas.

Assim, como já acentuei, para se compreender um problema — qualquer problema — é necessário compreender o mecanismo do desejo. Somos contraditórios, psicologicamente, e, por conseguinte, também em nossa atuação. Pensamos uma coisa e fazemos outra. Vivemos num estado de “contradição”, pois, do contrário, não haveria problemas; contradizemo-nos quando não há compreensão do desejo. Para se viver sem conflito de espécie alguma, é preciso compreender a estrutura e a natureza do desejo — não reprimi-lo, controlá-lo, tentar destruí-lo, ou simplesmente entregar-se a ele, como em geral fazemos. Isso não significa pôr-se a dormir, vegetar, e aceitar simplesmente a vida com toda a sua degeneração; significa, isto sim, perceber cada um por si mesmo que o conflito, em qualquer forma que seja — disputa com e mulher, ou marido, ou a comunidade, a sociedade — qualquer conflito — deteriora a mente, torna-a embotada, insensível.

Como disse antes, o desejo em si não é contraditório; são os objetos do desejo, e a reação do desejo a esses objetos, que criam a contradição. O desejo só tem continuidade quando o pensamento com ele se identifica.

Para observar, necessita-se de sensibilidade; os nervos, os olhos e ouvidos, todo o ser deve estar vivo e, contudo, a mente deve estar quieta. Pode-se então olhar para um belo carro, uma bela mulher, uma esplêndida vivenda, ou um rosto de extraordinária vivacidade, inteligência — pode-se observar essas coisas, vê-las tais como são, e não passar disso. Mas, em geral, que acontece? Há desejo; e o pensamento, identificando-se com o desejo, dá-lhe continuidade.

Não sei se me estou expressando com clareza. Examinaremos este ponto posteriormente.

O importante é observar sem interferência do pensamento. Mas não façais agora desta asserção um problema. Não digais: “Como posso observar, como posso ver e sentir, sem deixar o pensamento interferir?” Se perceberdes por vós mesmos todo o mecanismo do desejo e a contradição criada por seus objetos, e a continuidade que o pensamento dá ao desejo — se perceberdes todo esse mecanismo em ação, não fareis tal pergunta. Para aprendermos a conduzir um carro, não basta recebermos instruções teóricas. Temos de sentar-nos ao volante, “dar saída” ao carro, freá-lo, aprender toda a técnica de conduzir. Da mesma maneira deveis conhecer o mecanismo extremamente delicado do pensamento e do desejo, e não apenas ser informado a seu respeito. Precisais olhá-lo, aprender o que há nele, por vós mesmo — e isso requer que dele vos acerqueis com sensibilidade.

Assim, o importante não é a solução de um problema, porém a compreensão dele. Só se apresenta um problema quando existe uma contradição, um conflito; e todo conflito supõe esforço, não é verdade? — esforço para alcançar, esforço para “vir a ser”, esforço para transformar isto naquilo, esforço para aproximar uma coisa ou para distanciá-la. Esse esforço tem sua origem no desejo — o desejo, a que o pensamento deu continuidade. Por conseguinte, deveis aprender tudo o que se relaciona com esse mecanismo — aprender, e não apenas ser instruído por este orador, pois isso nenhum valor tem. O que ouvis por meio do telefone pode ser agradável ou desagradável; pode ser real ou absurdo, completamente falso; mas o que ouvis é que é importante, e não o próprio aparelho. Em geral, damos importância ao instrumento. Pensamos que o instrumento nos vai ensinar algo, e já vos tenho advertido frequentemente a respeito desta particular forma de insensatez.

Aqui estais a fim de aprender, e escutais, não apenas o orador, mas a vós mesmos. Comungais com vossa própria mente, observando o funcionamento do desejo e como surge o problema. Estais entrando em intimidade com vós mesmos, e essa intimidade só pode ser sentida profundamente quando vos aplicais ao problema com toda a calma sem dizerdes: “Preciso liquidar esse problema infernal” — e sem vos sentirdes agitado ou excitado em relação a ele. Quereis averiguar como surge um problema e como o pensamento o perpetua, dando continuidade a um certo desejo. Vamos, pois, aprender como surge e como termina um problema — sem precisarmos de tempo para refletir sobre ele, mas pondo-lhe fim imediatamente.

Qualquer que seja o problema, o pensamento lhe dá continuidade. Se me dizeis algo que me agrada, o pensamento se identifica com esse prazer e nele deseja continuar a viver; por conseguinte, considero-vos meu amigo e visito-vos frequentemente. Mas, se me dizeis algo insultuoso, que acontece? Dou também continuidade a esse sentimento, pensando nele. O que dissestes poderá ser verdadeiro, mas não me agrada e, por conseguinte, evito-vos ou desejo “dar-vos o troco”. É esse o mecanismo que cria e mantém vivos os problemas.

Penso que agora está bastante claro. Pensando constantemente numa coisa, damos-lhe continuidade. Sabeis quantas coisas confusas pensais acerca de vós mesmo e de vossa família, quantas recordações agradáveis e quantas ilusões tendes a vosso respeito pensais constantemente em tudo isso e lhe dais, por conseguinte, continuidade. Ora bem, se começardes a compreender esse “mecanismo”, no seu todo, e a conhecer individualmente a natureza da continuidade, então, ao apresentar-se um problema, podereis entrar em perfeita comunhão com ele, porque então o pensamento não interfere; por conseguinte, termina logo o problema. Entendeis?

Consideremos um problema muito comum: o desejo de segurança. A maioria de nós quer estar em segurança — esta é uma das exigências humanas de origem animal. É óbvio que, no sentido físico, necessita-se de uma certa segurança. Precisamos de um lugar onde morar, e saber onde obter nossa próxima refeição — a não ser que vivamos no Oriente, onde se pode “brincar” com a insegurança física, andando de aldeia em aldeia, etc. Felizmente, ou infelizmente, não se pode fazer isso aqui; quem o faz é preso por vadiagem, etc.

No animal, no bebê, na criança é muito forte a ânsia de segurança física. Mas a maioria quer estar em segurança psicologicamente; em tudo o que fazemos, pensamos e sentimos, queremos segurança, certeza. Por isso, há tanta competição entre nós; por isso, somos ciumentos, ávidos, invejosos, brutais e vivemos terrivelmente interessados em coisas insignificantes. Essa insistente exigência de segurança psicológica existe há milhões de anos, e nunca indagamos a verdade a seu respeito. Temos por assentado e certo que devemos ter segurança psicológica em nossas relações com a família, a mulher, o marido, os filhos, nossos haveres, com o que chamamos Deus. Queremos sentir-nos seguros a qualquer preço.

Ora, preciso pôr-me em comunhão com essa exigência de segurança psicológica, que é um problema real. Compreendeis? Se não nos sentimos seguros, psicologicamente, isso é para nós como perder-nos em águas profundas, ou tornar-nos neuróticos, “esquisitos”. Pode-se notar essa “esquisitice” na fisionomia de muitas pessoas. Eu desejo descobrir a verdade relativa a esta questão, compreender completamente a exigência de segurança; porque é o desejo de se estar seguro nas relações que gera o ciúme, a ansiedade, que faz nascer o ódio e a aflição em que vive a maioria de nós. E como pode a mente, que há milhões de anos exige segurança, que tão condicionada está, descobrir a verdade relativa à segurança? Para descobrir essa verdade, tenho, naturalmente, de estar em perfeita comunhão com ela. Não posso deixar-me instruir por outro a respeito dela — isso seria um absurdo. Eu próprio tenho de aprender o que é essa verdade. Cabe-me investigá-la, descobri-la; devo estar em perfeita intimidade com essa exigência de segurança, pois, de outro modo, nunca saberei se existe, ou não, essa coisa chamada segurança. Este é provavelmente o principal problema de cada um. Se descubro que não existe realmente segurança nenhuma, então não há problema algum, há? Já estou fora da batalha pela segurança e, por conseguinte, minha ação nas relações é toda diferente. Se minha mulher deseja abandonar-me, abandona-me e eu não fico, por isso, em situação dolorosa, não odeio ninguém, não me torno ciumento, invejoso, furioso, etc.

Vejo que prestais toda a atenção e folgo com isso! Estais muito mais familiarizados com essas coisas do que eu. Pessoalmente, não desejo fazer da segurança um problema; não desejo criar em minha vida nenhum problema — econômico, psicológico, ou religioso. Vejo com clareza que a mente que tem problemas se torna embotada, insensível, e que só a que é sensível é inteligente. E, visto que esse clamor pela segurança persiste, profunda e perenemente, em cada um de nós, desejo descobrir a verdade relativa à segurança. Mas esta é uma questão muito difícil de investigar; porque, não só desde nossa infância, mas desde o começo dos tempos, sempre quisemos segurança — segurança em nosso trabalho, em nossos pensamentos e sentimentos, em nossas crenças e nossos deuses, em nossa nação, em nossa família, em nossos haveres. É por isso que a memória, a tradição, o fundo do passado, exercem tão importante papel em nossa vida.

Ora, toda experiência me torna mais forte a consciência de segurança. Toda experiência está sendo registrada na memória, acrescentada ao depósito de coisas passadas. Essa experiência acumulada se torna o meu fundo no decorrer de minha vida, fundo com o qual prossigo “experimentando”; por conseguinte, toda experiência nova vai acrescentar e reforçar esse fundo de memória, em que me sinto protegido, seguro. Entendeis? Portanto, preciso conscientizar-me de todo esse extraordinário mecanismo de condicionamento. Não se trata de saber como ficar livre de meu condicionamento, porém, sim, de estar em comunhão com ele de instante em instante. Posso então olhar o desejo de segurança sem convertê-lo num problema.

Está tudo claro? Desejais fazer perguntas?

INTERROGANTE: Não há comunhão porque a mente está sob a carga do “eu”.

KRISHNAMURTI: Senhor, vou perguntar-vos uma coisa: Que é comunhão? Ora, que acontece quando ouvis esta pergunta? Todo o mecanismo de vossa mente condicionada entra em função, e respondeis à pergunta; mas não a escutastes realmente. Pode ser e pode não ser que já tenhais refletido a esse respeito. Podeis ter pensado nisso ocasionalmente; ou talvez tenhais lido algo sobre o assunto neste ou naquele livro, e repetis o que lestes. Mas não estais escutando. Quando este orador diz: “Procurai estar em comunhão com uma árvore”, é claro que — se tendes verdadeiro interesse — lereis primeiramente de descobrir o que isso significa. Ide sentar-vos debaixo de uma árvore, ou à beira do rio, ou à sombra de uma montanha, ou simplesmente olhai o rosto de vossa mulher, de vosso filho. Que significa “estar em comunhão”? Significa que não há barreira de pensamento entre o observador e aquilo que está sendo observado. O observador não se está identificando com a árvore, com a pessoa, com o rio, com a montanha, com o céu. Não existe, simplesmente, barreira alguma. Se existe um “vós”, com seus complexos pensamentos e ansiedades, a observar a árvore, não há então comunhão com a árvore. O estar em comunhão com alguém ou alguma coisa, exige espaço, silêncio; vosso corpo, vossos nervos, vossa mente, vosso coração, todo o vosso ser deve estar quieto, completamente sereno. Não digais “como posso tornar-me tranquilo?” Não façais da tranquilidade mais um problema. Vede, simplesmente, que não há comunhão se está em função o mecanismo do pensamento — o que não significa pôr-se a dormir.

Provavelmente, nunca fizestes isto; nunca estivestes em comunhão com vossa mulher ou marido, com quem dormis, respirais, comeis, tendes filhos, etc. Provavelmente nunca estivestes sequer em comunhão com vós mesmo. Se sois católico, ides à igreja e recebeis o que se chama “comunhão”; mas não é disso que falo. Tais coisas são todas infantis.

Quando falamos de comunhão com a natureza, com as montanhas, entre nós, em geral não sabemos o que isso significa e procuramos imaginá-lo. Especulamos sobre a matéria, e dizemos que é o “eu” que está impedindo a comunhão. Por Deus, senhores, não façais da comunhão um novo problema. Já tendes problemas que chegam e, portanto, escutais simplesmente. Vós estais em comunhão comigo, e eu estou em comunhão convosco. Digo-vos alguma coisa, e, para a compreenderdes, tendes de escutar. Mas, escutar significa atenção sem esforço, com os nervos repousados; não significa “Tenho de escutar!” — e pôr-vos num estado de excitação, de tensão nervosa. Ou seja, escutar com agrado, naturalidade, em silêncio, para que possais descobrir o que o orador deseja transmitir. O que ele diz pode ser puro disparate, ou algo de real, e cabe-vos escutar, para o averiguardes; mas, isso parece constituir uma das vossas maiores dificuldades. Vós não escutais verdadeiramente; mentalmente, estais argumentando comigo, erguendo uma barreira de palavras.

Eu estou dizendo que o importante em tudo isso é aprender a estar em comunhão com vós próprio, de maneira agradável, feliz, de modo que possais seguir todos os pequenos movimentos de vosso pensamento e sentimento, assim como se segue o curso de um rio. Vede a atividade de cada pensamento e sentimento, sem procurar corrigi-lo, sem dizê-lo bom ou mau, sem nenhum desses juízos simplórios, burgueses, da mente vulgar, insignificante. Observai apenas; e, no observar, sem vos identificardes com nenhum pensamento ou sentimento, agradável ou desagradável, vereis que podereis estar em comunhão com o vosso ser.

A maioria de nós deseja estar psicologicamente segura, disso fazemos questão, e, por essa razão, a família se torna um verdadeiro pesadelo; torna-se uma coisa terrível, porque dela fazemos nosso próprio meio de segurança. Em seguida, torna-se também a nação a nossa segurança e nos deixamos empolgar pelas vacuidades do nacionalismo. A família tem sua razão de ser, mas, quando nos serve como meio de segurança, é veneno mortal.

Para descobrir a verdade relativa à segurança, deveis estar em comunhão com o desejo de vos sentir seguros, profundamente arraigado em nós e que constantemente se manifesta sob diferentes formas. Busca-se a segurança, não só na família, mas também em lembranças e na dominação ou influência de outro. Recorreis à lembrança de alguma experiência ou relação que vos foi grata, que vos deu esperança, conforto, e nessa lembrança buscais abrigo. Há a segurança proporcionada pelo talento e o saber, a segurança dada pelo nome e a posição. E há a segurança proveniente de uma capacidade: sabeis pintar, ou tocar violino, ou executar outra coisa qualquer, que vos faz sentirdes seguros.

Pois bem; uma vez estejais em comunhão com o desejo que vos impele a buscar a segurança, percebendo ser esse desejo o criador da contradição (já que nada ou ninguém neste mundo pode estar em segurança); desde que o descubrais individualmente, e não mediante instrução de outrem, e após a solução do problema, ver-vos-ei fora do campo da contradição e, portanto, livre do medo.

Não sei se alguma vez ficais em íntimo recolhimento. Nesse estado de silêncio interior, quando caminhais pela rua, vossa mente está completamente serena, observando e escutando, sem pensamento. Conduzindo vosso carro, olhais a estrada, as árvores, os outros carros que passam — observais, apenas, sem reconhecimento, sem nenhuma interferência do mecanismo do pensar. Quanto mais funciona esse mecanismo, tanto mais a mente se gasta; nenhum espaço fica para a simplicidade, e só a mente simples, sã, pode perceber a Realidade.

Krishnamurti, Saanen, 16 de julho de 1964,
A mente sem medo

O problema de como resolver nossos problemas

O problema de como resolver nossos problemas

Em nossa reunião aqui, há dias, estivemos falando sobre a necessidade de liberdade; e com essa palavra “liberdade” não me referia à liberdade fragmentária, superficial, em certos níveis de nossa consciência. Falávamos sobre a necessidade de se ser totalmente livre — livre nas raízes mesmas da mente, em todas as nossas atividades físicas, psicológicas e parapsicológicas. Liberdade supõe total ausência de problemas, não achais? Porque, quando a mente é livre, pode observar e agir com perfeita clareza; ela pode ser o que é, sem consciência de nenhuma tradição. Para mim, uma vida de problemas — econômicos ou sociais, particulares ou públicos — destrói e perverte a lucidez. E tem-se necessidade de lucidez. Necessita-se de uma mente que veja bem claro cada problema que surge, uma mente capaz de pensar sem confusão, sem condicionamento, uma mente dotada de afeição, amor, que nada tenha em comum com emocionalismo ou sentimentalismo.

Para nos acharmos nesse estado de liberdade — o qual é dificílimo de compreender e requer muita perquirição — necessitamos de uma mente não perturbada, uma mente quieta; uma mente que funcione por inteiro, não apenas na periferia, mas também no centro. Essa liberdade não é uma abstração, um ideal. O movimento da mente livre é uma realidade, e os ideais e abstrações nenhuma relação têm- com ele. Essa liberdade ocorre natural e espontaneamente — sem nenhuma espécie de coerção, de disciplina, de controle ou persuasão — ao compreendermos integralmente como surgem e findam os problemas. A mente com um problema perturbador, e que encontra meios de fugir a esse problema, continua sendo uma mente inibida, acorrentada, não livre. Para a mente que não resolve cada problema que surge, em qualquer nível que seja — físico, psicológico, emocional — não pode haver liberdade e, por conseguinte, clareza de pensar, de visão, de percebimento.

A maioria dos entes humanos tem problemas. Entendo por “problema” a renitente perturbação causada pela inadequada “resposta” a um desafio — isto é, pela incapacidade de atendermos às solicitações da vida com todo o nosso ser; ou, pela indiferença que produz uma disposição habitual para aceitar e suportar os problemas. Há um problema toda vez que deixamos de enfrentar e examinar uma situação até suas últimas consequências. Não se pode deixar isso para amanhã ou alguma data futura, pois cada situação deve ser enfrentada logo que surge, a cada minuto, a cada hora, a cada dia.

Todo problema, em qualquer nível que seja — consciente ou inconscientemente — é um fator que destrói a liberdade. Problema é tudo aquilo que não compreendemos totalmente. O problema de qualquer de nós pode ser a dor, o incômodo físico, a morte de alguém, ou falta de dinheiro; pode ser a incapacidade de descobrirmos por nós mesmos se Deus é uma realidade ou mera palavra, sem nenhuma substância. E há os problemas atinentes às relações, particulares e públicas, individuais e coletivas. A não compreensão das relações humanas, em seu todo, gera problemas; e quase todos nós temos problemas (causadores de doenças psicossomáticas) a alquebrar-nos a mente e o coração. Com essa carga de problemas, apelamos para vários meios de fuga; cultuamos o Estado, aceitamos a autoridade, recorremos a alguém para que resolva nossos problemas, atiramo-nos a uma fútil repetição de orações e rituais, entregamo-nos à bebida, aos prazeres sexuais, ao ódio, à autopiedade, etc.

Temos cultivado muito zelosamente todo um sistema de fugas — racionais ou irracionais, nervosas ou intelectuais — o qual nos permite aceitar e, por conseguinte, suportar todos os problemas humanos que surgem. Mas tais problemas produzem, inevitavelmente, confusão e a mente nunca se torna livre.

Agora, não sei se tendes o mesmo modo de sentir que eu tenho em relação à necessidade — não necessidade fragmentária, necessidade de um dia em que nos vemos subitamente obrigados a enfrentar uma certa situação, porém a necessidade absoluta (desde que começamos a refletir nessas coisas, até o fim da vida) de não se ter problema algum. Provavelmente não percebeis quanto é urgente essa necessidade. Mas, se pudermos ver com toda a clareza, concretamente — não abstratamente — que a necessidade de se estar livre de problemas é tão grande quanto a de alimento e ar puro, então, com essa percepção agimos, tanto psicologicamente, como nas ocupações da vida diária; essa percepção estará sempre presente em tudo o que fizermos, pensarmos e sentirmos.

Assim, a libertação dos problemas é a questão principal, pelo menos para esta manhã. Pode ser que tornemos a considerá-la de maneira diferente amanhã, mas isso não importa. O importante é perceber que a mente em que há conflito é uma mente destrutiva, porque está sempre a deteriorar-se. A deterioração não depende de nenhuma idade: ela se manifesta quando a mente se acha envolvida em conflito e tem muitos problemas não solucionados. O conflito é o núcleo da deterioração e da decadência. Não sei se percebeis a verdade dessa asserção. Se a percebeis, então o problema é de como resolver o conflito. Mas, primeiramente, é necessário a pessoa perceber por si própria que a mente que tem qualquer espécie de problema, em qualquer nível e de qualquer duração que seja, é incapaz de pensar com clareza, de ver as coisas como são — brutalmente, impiedosamente, sem sentimentalismos nem autopiedade.

Ora, em geral costumamos fugir logo que surge um problema, e achamos dificílimo “ficar com o problema” e observá-lo, sem interpretar, condenar ou comparar, sem tentar alterá-lo ou fazer alguma coisa em relação a ele. Isso requer plena atenção; mas, para a maioria de nós nenhum problema é tão sério que mereça toda a nossa atenção, isso porque levamos uma vida superficial e em regra nos satisfazemos com soluções fáceis e respostas prontas. Queremos esquecer o problema, afastá-lo de nós e ir vivendo com outra coisa qualquer. Só quando o problema nos atinge intimamente, como em caso de morte ou de absoluta falta de dinheiro, ou quando nos vemos abandonado por nosso marido ou nossa mulher — só então o problema pode tornar-se crítico. Mas, nunca permitimos a nenhum problema produzir uma crise real em nossa vida; temos sempre a habilidade de varrê-lo com explicações, com palavras, com vários meios de defesa de que nos servimos.

Já sabemos o que significa um problema. É uma situação que não quisemos examinar até suas últimas consequências e compreender completamente; por conseguinte, o caso não foi liquidado e fica a repetir-se indefinidamente. Para compreender um problema, precisamos compreender as contradições — as contradições extremas e também as contradições triviais de cada dia — de nosso próprio ser. Pensamos de um modo e agimos de outro; dizemos uma coisa e sentimos coisa bem diferente. Há conflito entre o respeito e o desrespeito, a rudeza e a polidez. De um lado, o sentimento de arrogância, de orgulho, de outro lado fazemos exibição de humildade. Conheceis as numerosas contradições, tanto conscientes como ocultas. Ora, como surgem essas contradições?

Como já tenho dito repetidas vezes, peço-vos escutardes não apenas o que o orador diz, mas também o vosso próprio pensamento; que observeis a maneira como se operam vossas próprias reações, e estejais cientes de vossa reação ao ser formulada aquela pergunta (como surgem as contradições?), a fim de vos familiarizardes com vós mesmo.

Quando temos um problema, quase sempre desejamos saber de que maneira resolvê-lo, o que fazer a respeito dele, como transcendê-lo, como nos livrarmos dele, ou qual é a sua solução. Nada disso nos interessa aqui. Eu quero saber como o problema surge; porque, se posso descobrir a raiz de um problema, se posso compreendê-lo de princípio a fim, terei então encontrado a solução de todos os problemas. Se posso olhar completamente um só problema, serei então capaz de compreender qualquer problema que se apresente no futuro. Assim, como surge um problema, um problema psicológico? Consideremos isso em primeiro lugar, uma vez que os problemas psicológicos pervertem todas as atividades da vida. Só quando a mente compreende e resolve um problema psicológico logo que surge, e não transporta o “registro” desse problema para a próxima hora ou dia seguinte, é só então que ela será capaz de enfrentar o próximo “caso” com renovado vigor, com clareza. Nossa vida é uma série de “desafios” e “respostas”, e devemos ser capazes de enfrentar cada desafio de maneira completa, porque, do contrário, cada momento nos trará novos problemas. Compreendeis? Todo o meu interesse é ser livre, não ter problemas — a respeito de Deus, do sexo, do que quer que seja. Se Deus se tornou para mim um problema, então não devo procurá-lo; porque, para descobrir se há Deus, um ser supremo e imensurável, deve a minha mente estar muito clara, purificada, livre, não quebrantada por nenhum problema.

Eis porque eu disse logo de início que a liberdade é necessária. Dizem-me que mesmo Karl Marx — o deus dos comunistas — escreveu que os entes humanos têm direito à liberdade. Para mim, a liberdade é indispensável — liberdade no começo, liberdade no meio, liberdade no fim — e não existe essa liberdade quando “transporto” um problema de um dia para o outro. Isso significa que, não só tenho de descobrir como surge um problema, mas também, como eliminá-lo, de modo que o problema não mais se repita, não seja transferido para mais tarde, e não se sinta nenhuma necessidade de “amanhã” refletir sobre ele e resolvê-lo. Se “transporto” o problema para o dia seguinte, estou contribuindo para que ele se enraíze; e, depois, a extirpação desse problema se torna mais um problema. Por conseguinte, tenho de “operar” pronta e radicalmente, para a completa e definitiva extinção do problema.

Estais vendo, pois, quais são os dois pontos que temos de examinar; descobrir como surge o problema (problema relativo à esposa, aos filhos, problema de falta de dinheiro, ou o problema de Deus — qualquer problema) e, também, como poderemos extirpá-lo imediatamente.

O que estou dizendo não é ilógico. Demonstrei-vos logicamente, racionalmente, a necessidade de se pôr fim ao problema e de nunca “transportá-lo” para o dia seguinte. Desejais fazer perguntas sobre o assunto?

PERGUNTA: Não compreendo porque dizeis que o dinheiro não representa problema.

KRISHNAMURTI: Para muitos, ele constitui um problema. Eu nunca disse o contrário. Notai, por favor, que eu disse que um problema é toda coisa que não compreendemos completamente, quer relacionada com dinheiro, quer com o sexo, Deus, as relações com a nossa esposa ou com alguém que nos odeia — não importa qual seja a coisa. Se tenho uma doença ou muito pouco dinheiro, isso se torna um problema psicológico. Ou pode ser o sexo que se torna um problema. Estamos investigando como surgem os problemas psicológicos, e não como proceder em relação a um dado problema em particular. Entendeis? Santo Deus! Isto é tão simples.

No Oriente, há pessoas que abandonam o mundo e peregrinam de aldeia em aldeia a esmolar. Os brâmanes da Índia estabeleceram, durante séculos, o costume de respeitar, de nutrir e vestir o homem que abandona o mundo. Para esse homem, evidentemente, o dinheiro não constitui problema nenhum; mas não estou advogando esse costume aqui! Estou, simplesmente, apontando que a maioria de nós tem problemas psicológicos. Não tendes problemas, não só de dinheiro, mas também de sexo, Deus e de vossas relações? Não tendes preocupações sobre se sois amado ou não sois amado? Se tenho muito pouco dinheiro e desejo mais, isso naturalmente se torna um problema. Tenho preocupações e ansiedades a esse respeito; ou me torno invejoso, porque vós tendes mais dinheiro do que eu. Tudo isso perverte a percepção, e são estes os problemas que ora consideramos.

Estamos interessados em descobrir como surge um problema dessa natureza. Acho que tornei suficientemente claro este ponto; ou desejais aprofundá-lo mais? Ora, por certo, um problema surge quando há em mim uma contradição. Se não há contradição em nenhum nível, não há problema algum. Se não tenho dinheiro, irei trabalhar, esmolar, pedi-lo emprestado. Farei qualquer coisa, e isso não me será difícil.

PERGUNTA: Mas, que acontece quando nada se pode jazer?

KRISHNAMURTI: Quereis dizer que não podeis fazer nada? Se possuís alguma técnica ou conhecimento especializado, podeis tornar-vos isto ou aquilo. Se sois incapaz de qualquer coisa, podeis cavar a terra.

INTERROGANTE: Depois de certa idade, um homem não pode jazer nenhum trabalho.

KRISHNAMURTI: Para esses casos, há a ajuda do governo.

INTERROGANTE: Não, senhor, não há.

KRISHNAMURTI: Então ele morre, e acabou-se o problema. Mas este é um problema vosso, minha senhora?

INTERROGANTE: Não é um problema pessoal.

KRISHNAMURTI: Então, vos referis a outra pessoa e, assim, isso não nos interessa. Estamos falando aqui a vosso respeito, como ente humano que tem problemas, e não sobre algum parente ou amigo.

INTERROGANTE: Não há ninguém que olhe por ele, senão eu. Como posso vir aqui escutar-vos, deixando-o sem nenhuma assistência?

KRISHNAMURTI: Não venhais, então.

INTERROGANTE: Mas, eu quero vir.

KRISHNAMURTI: Então não façais disso um problema.

PERGUNTA: Quereis dizer que numa situação incômoda ou embaraçosa, como, por exemplo, falta de dinheiro, podemos sobrepor-nos a essa situação?

KRISHNAMURTI: Não. Vede, já me tomastes a dianteira querendo resolver o problema. Quereis saber como proceder com o problema, e ainda não cheguei aí. Só formulei o problema, e não o que a seu respeito se deve fazer. Quando alguém diz que devemos elevar-nos acima do problema, ou pergunta o que se pode fazer por um parente ou amigo, velho, e sem dinheiro — percebeis o que essa pessoa está fazendo? Está fugindo ao fato. Um momento, escutai o que estou dizendo. Não aceiteis nem rejeiteis o que digo — escutai-o apenas. Não tendes vontade de enfrentar o fato — que sois vós, com o vosso problema, e não outrem. Se resolverdes vosso próprio problema de ente humano, ajudareis a outro (ou não o fareis, conforme o caso) a resolver o seu. Mas, no momento em que vos passais para o problema de outro, perguntando “Que devo fazer?” — assumistes uma posição em que não se pode dar nenhuma resposta e, por conseguinte, torna-se existente uma contradição.

Não sei se está tudo claro.

INTERROGANTE: Sou sem instrução em virtude de uma incapacidade da infância, e isso tem sido para mim um problema medonho toda a vida. Como resolvê-lo?

KRISHNAMURTI: Tendes uma terrível preocupação de resolver problemas, não é verdade? Eu não a tenho. Sinto muito. Logo de início eu vos disse que não me interessava resolver problemas, nem vossos, nem meus. Não sou vosso protetor ou guia. Sois vosso próprio instrutor e vosso próprio discípulo. Aqui estais para aprender, e não para perguntardes a outro o que deveis e o que não deveis fazer. A questão não é sobre o que se deve fazer por um inválido, ou por alguém que não tem dinheiro suficiente, ou que é iletrado, etc. etc. Aqui estais para aprender de vós mesmo a respeito dos problemas que tendes, e não para serdes instruído por mim. Portanto, não me coloqueis nessa posição falsa, porque eu não quero instruir-vos. Se o fizesse, me tornaria um guia, um guru, e iria aumentar as numerosas inutilidades com que se explora o próximo já existentes no mundo. Estamos aprendendo, não mediante estudo, porém mantendo-nos vigilantes, despertos, autoconscientes; nossa relação, por conseguinte, difere completamente da relação de mestre e discípulo. Este orador não vos está instruindo, nem dizendo o que deveis fazer — isso seria completa imaturidade.

PERGUNTA: Quando somos incapazes de ver tudo o que um problema envolve, como poderem os penetrar até à raiz desse problema e resolvê-lo?

KRISHNAMURTI: Tão ansiosos vos mostrais por descobrir o que se deve fazer, que ainda não me destes oportunidade de entrar nessa questão. Escutai por alguns minutos, se vos apraz. Não vou dizer-vos o que deveis fazer em relação a vossos problemas. Vou apontar-vos como aprender, e o que é aprender; e vereis então que, ao compreenderdes um problema, o problema termina. Mas se apelais para alguém, pedindo-lhe que vos diga o que deveis fazer acerca de um problema, vos tornareis como uma criança irresponsável, cujos passos são guiados por outro, e tereis mais problemas ainda. Isto é verdadeiro e simples, e, assim sendo, peço-vos de uma vez por todas que lhe deis acolhida em vossa mente e em vosso coração. Aqui estamos para aprender e não para sermos instruídos. Ser instruído é confiar à memória o que se ouve de outro; mas a simples repetição, de memória, não traz a solução de problemas. Só há maturidade no efetivo aprender. O uso do conhecimento, daquilo que foi aprendido meramente de memória, como meio de resolver os problemas humanos, procede da falta de maturidade, e só pode criar mais padrões, mais problemas.

O simples desejo de resolver um problema é uma fuga aos problemas, não achais? Não penetrei o problema, não o estudei, não o explorei, não o compreendi. Não conheço a beleza, ou a fealdade, ou a profundidade do problema; minha única preocupação é resolvê-lo, afastá-lo de mim. Esta ânsia de resolver um problema, sem o ter compreendido, é uma fuga ao problema; por conseguinte, torna-se mais um problema. Toda fuga gera novos problemas.

Pois bem; tenho um problema que desejo compreender completamente. Não desejo fugir dele, não desejo “verbalizar” a seu respeito, não quero falar a outro sobre ele; só quero compreendê-lo. Não estou esperando que ninguém me diga o que devo fazer. Sei que ninguém pode dizer-me o que devo fazer; e que, se alguém o fizesse e eu aceitasse sua instrução, isso constituiria um ato fútil e absurdo. Assim, tenho de aprender sem ser instruído e sem fazer uso da lembrança do que aprendi acerca de anteriores problemas, para atender ao problema presente. Oh, não percebeis a beleza disso!

Sabeis o que significa viver no presente? Parece-me que não, infelizmente. Viver no presente é não ter continuidade nenhuma. Mas isso é coisa de que trataremos noutra ocasião.

Tenho um problema, e desejo compreendê-lo, aprender a respeito dele. Para tanto, não posso trazer as lembranças do passado e, com a ajuda delas, ocupar-me com o problema; porque o problema novo exige uma maneira nova de estudá-lo, e não posso aplicar-me a ele com minhas lembranças mortas, estáticas. O problema é algo atuante, e, portanto, tenho de ocupar-me dele agora. Por conseguinte, o elemento tempo deve ser totalmente afastado.

Desejo descobrir como surgem os problemas — os problemas psicológicos. Como disse, se compreendo toda a estrutura causadora dos problemas e fico, em consequência, livre de criar problemas para mim mesmo, saberei então como agir em relação ao dinheiro, ao sexo, ao ódio, em relação a tudo na vida; e, no lidar com essas coisas, não irei criando novos problemas. Tenho, assim, de descobrir de que modo surge o problema psicológico, e não qual a maneira de resolvê-lo. Entendeis? Ninguém me pode dizer como surge o problema; eu próprio tenho de compreender isso.

Enquanto estou “explorando” dentro em mim, o mesmo deveis fazer em vós, e não ficar apenas ouvindo minhas palavras. A menos que ultrapasseis as palavras e olheis a vós mesmos, as palavras de nada vos servirão; tornar-se-ão meras abstrações, e nunca uma realidade. A realidade é o movimento de vossa própria investigação descobridora, e não a indicação verbal desse movimento.

Está bem claro, até aqui?

Para mim, como disse, a liberdade é da mais alta importância. Mas a liberdade de modo nenhum pode ser compreendida, se não há inteligência; e a inteligência só pode vir ao compreendermos, individualmente, as causas dos problemas. A mente deve estar alertada, atenta, num estado de supersensibilidade, de modo que cada problema seja resolvido assim que se apresenta. De outro modo não há liberdade verdadeira; só há uma liberdade periférica, fragmentária, sem nenhum valor. Isso é o mesmo que um homem rico dizer que é livre. Santo Deus! Ele é um escravo da bebida, do sexo, do conforto, de dúzias de coisas. E o homem pobre que diz: “Sou livre, porque não tenho dinheiro” — esse tem outros problemas. A liberdade, pois, e a manutenção dessa liberdade, não pode ser uma mera abstração: ela deve constituir para vós, como ente humano, uma necessidade absoluta, porque é só quando existe a liberdade que podeis amar. Como podeis amar se sois ganancioso, ambicioso, competidor?

Não concordeis, senhores; assim, estais-me deixando fazer sozinho todo o trabalho.

Eu não tenho interesse em resolver o problema ou em procurar alguém que me diga como resolvê-lo. Nenhum livro, nenhum guia, nenhuma igreja, nenhum sacerdote me pode dizer. Há milênios que nos entretemos com essas coisas, e continuamos carregados de problemas. O frequentar a igreja, a confissão, a oração — nada disso resolverá nossos problemas, que apenas continuam a multiplicar-se, como atualmente está acontecendo. Assim, de que modo surge um problema?

Como já disse, quando não há contradição interior, não há problema algum. A contradição envolve conflito do desejo. Mas o desejo em si não é contraditório. Por certo, o que cria a contradição são os objetos do desejo. Porque pinto quadros, escrevo livros, ou por qualquer coisa estúpida que faço, desejo ser famoso, aplaudido. Quando ninguém me reconhece os méritos, há uma contradição e fico em estado lastimoso. Tenho medo da morte, que não compreendi; e nisso a que chamo “amor”, há contradição. Vejo, pois, que o desejo é o começo da contradição — não o desejo em si, mas os objetos do desejo são contraditórios. Se tento mudar ou negar os objetos do desejo, dizendo que me aterei a uma só coisa e a nada mais, essa coisa, por sua vez, se torna também um problema, porque tenho de resistir, erguer barreiras a tudo o mais. Assim, o que devo fazer não é meramente mudar ou reduzir os objetos de meu desejo, porém compreender o desejo em si.

Direis, talvez: “Que relação tem tudo isso com o problema”? — Pensamos ser o desejo que cria o conflito, a contradição; e eu estou apontando que não é o desejo, porém os objetos ou alvos contraditórios do desejo que criam a contradição. E nenhuma vantagem há em tentar ter um só desejo. Isso é fazer como o sacerdote, que diz: “Só tenho um desejo, o desejo de alcançar a Deus” e que tem uma infinidade de desejos, dos quais nem sequer está consciente. Cumpre, pois, compreender a natureza do desejo, e não tratar meramente de controlá-lo ou negá-lo. Diz a literatura religiosa que não se deve ter desejo, mas sim, destruir o desejo — o que é uma falta de sentido. É preciso compreender como o desejo surge e o que lhe dá continuidade — e não como fazê-lo terminar. Compreendeis o problema? Pode-se ver como o desejo surge; isto é muito simples.

Há a percepção, o contato, a sensação (sensação mesmo sem contato) e da sensação resulta o começo do desejo. Vejo um carro, suas linhas, sua forma, sua beleza me atraem, e eu o desejo. Mas, destruir o desejo significa ficar insensível a tudo. Quando sou sensível, já estou no “mecanismo” do desejo. Vejo um belo objeto, ou uma bela mulher — o que quer que seja — e dá-se o despertar do desejo; ou vejo um homem de extraordinária inteligência, integridade, e quero ser também assim. Da percepção vem a sensação, e da sensação o começo do desejo. É isso o que verdadeiramente acontece; não há nada complicado na coisa. A complexidade só começa quando o pensamento entra em cena e dá o desejo de continuidade. Penso no carro, na mulher, ou no homem inteligente, e desse pensamento o desejo recebe continuidade. De outro modo ele não continua. Posso olhar o carro, e não passa disso. Entendeis? Mas, no momento em que penso no carro, tem então o desejo continuidade e começa a contradição.

PERGUNTA: Pode haver desejo sem objeto?

KRISHNAMURTI: Tal coisa não existe. Não há desejo abstrato.

PERGUNTA: Então, o desejo está sempre relacionado com um objeto. Mas dissestes que temos de compreender o mecanismo do desejo em si, e não nos preocuparmos com o seu objeto.

KRISHNAMURTI: Senhor, eu mostrei como o desejo nasce, e como, por meio do pensamento, lhe damos continuidade.

Sinto muito, mas temos de parar agora. Continuaremos na próxima quinta-feira.

Krishnamurti, Saanen, 14 de julho de 1964,
Experimente um novo caminho

quinta-feira, 12 de abril de 2018

O esclarecedor sentimento de exatidão compassiva


O esclarecedor sentimento de exatidão compassiva

[...] Herdamos da sociedade muitos problemas. Nascemos com problemas e com eles morremos. Temo-los aos milhares; tudo o que tocamos, tudo a cujo respeito pensamos se torna um problema; e nunca, por um dia, por uma hora, sequer, estamos livres de problemas. Mesmo dormindo, somos atormentados por problemas. A continuidade de um problema embota a mente, corrompe-a. O problema que “transportastes” de ontem para hoje já vos turvou a mente, a clareza do pensamento. Mas nós passamos de um dia para o outro, de ano para ano, com problemas não resolvidos, não compreendidos; e esses problemas se tornam uma carga que perverte, que corrompe, que embota a mente.

Há, não só os problemas conscientes, mas também os problemas inconscientes, que se manifestam por meio dos sonhos — sonhos que requerem interpretação. E, assim, quer acordados, quer dormindo, temos problemas e mais problemas. Problema é tudo aquilo que não foi resolvido, que não foi compreendido; e da sociedade herdamos numerosos problemas, aos quais se acrescentaram os de nossa existência individual. A primeira coisa — parece-me — que impende compreender é que um problema deve ser liquidado imediatamente, e não “transportado” para o futuro — qualquer que seja esse problema. Porque, se não o liquidamos prontamente, acostumamo-nos com o problema, ele se torna hábito; e a mente que funciona na rotina do hábito não pode pensar com lucidez, não tem compaixão.

Necessita-se, pois, de pronta reflexão, para se pôr fim a um problema incontinenti, tão logo desponte, e qualquer que ele seja físico ou psicológico. Se estais doente, não deixeis a doença criar raízes na mente, porque então ela se torna psicossomática — isto é, torna-se um problema psicológico que perverte o pensamento e, por conseguinte, atinge o corpo físico. Nessas condições, é essencial solucionar de imediato cada problema, assim que surge, para não se enraizar na mente.

É possível viver completamente sem problemas; mas isso, naturalmente, não significa evitar a sociedade ou retrair-se e desaparecer entre as montanhas... ou num hospício. A cada minuto existe um problema. Eu vos estou propondo agora um problema ao dizer que é possível viver sem problema algum, extinguindo cada problema imediatamente. Isso se torna para vós um problema, porque logo perguntais: “Como?” Já tendes uma infinidade de problemas, aos quais acrescentais mais este problema. Não há “como?” Mas deveis compreender a importância de dar fim a um problema imediatamente, logo que surge; deveis ver que quando a mente tem um problema e está “vivendo com ele” (não importa qual seja a problema: problema do marido, problema da mulher, do sexo, de Deus, da bebida, do ganhar o sustento — qualquer problema, enfim), se não tratarmos de lhe dar pronta solução, ele embotará, corromperá a mente; e a mente será incapaz de aprender. Se tendes problemas, não podeis ser afetuoso; sois egocêntrico, vos tornais cruel, mordaz. Assim sendo, é preciso enfrentar o problema (que é um conflito, um “caso” não resolvido) logo que surge, aprender, logo que ele surge, tudo quanto lhe diz respeito.

E não podeis aprender, se vos abeirais do problema com conhecimento trazido do passado. Eis por que releva compreender o que é aprender. Para a maioria de nós, aprender é um processo aditivo. Direis: Aprenderei, experimentarei, acrescentarei; e, daí por diante, serei capaz de levar uma vida melhor, poderei compreender melhor”. A compreensão é resultado de um processo acumulativo, como o conhecimento? Ou a compreensão é ação imediata? Isto é, quando nenhum problema tem, a mente é capaz de olhar, de observar, de estar atenta, de escutar, instantaneamente. E isso só é possível se cada um compreende a enorme importância de resolver cada problema logo que surge, sem deixá-lo lançar raízes no solo da mente.

Nas quatro ou cinco palestras seguintes — não sei quantas ainda haverá — pretendo falar acerca de muitos outros assuntos, tais como a morte, a religião, a meditação. Por isso, importa compreender o que é aprender “a respeito de um problema”. Mas não podeis aprender rapidamente “a respeito de um problema”, se ficais afeito a ele; muito importa, pois, não vos acostumardes com o problema. Entretanto, é justamente isso o que acontece com a maioria de nós: brigamos com nossa mulher, com nossos filhos, com nossos vizinhos; percorremos ruas imundas, sentamo-nos em ônibus sujos — mas nunca notamos nada disso, porque com tudo nos habituamos. Nunca notareis uma árvore bela, a palmeira que se ergue perto de vossa casa, porque vos acostumastes com elas. Já se vos tornou hábito a maneira como falais aos vossos serviçais; e o enorme respeito que demonstrais para com o homem de quem esperais obter alguma coisa — com isso também vos acostumais. Assim, desde que nos habituamos com uma coisa, com um problema qualquer, começa a corrupção, começa o embotamento.

Estou citando todos estes fatos porque (já que vamos investigar a questão do medo e aprender o que ele significa — e não fazer dele um problema) temos de compreender profundamente o significado do aprender. Porque, vede bem, o amor requer uma mente livre, uma mente imaculada. Mas nossa mente não é imaculada. Nós não somos livres, não sabemos o que significa o amor. Sabemos o que significa concupiscência, sabemos o que significa o apego “possessivo” à família; mas isso não é amor. E quando a mente está cheia de problemas, dilacerada por tantos “casos” não resolvidos — nunca poderá amar. Nossos sentimentos estão mortos. E foram os problemas que mataram toda a nossa beleza, que esmagaram nossas reações instintivas, naturais, espontâneas, a “presteza” de nosso coração.

Se nesta tarde escutardes (não intelectualmente, nem verbalmente, não com a ideia de que, escutando, ireis resolver os vossos problemas), escutardes, simplesmente, então vós e eu poderemos comungar naquele nível onde existe a compaixão que responde com precisão, a compaixão que traz clareza à mente. Só quando, emocionalmente — não sentimentalmente, romanticamente, porém emocionalmente — estais em contato com um problema, pode este ser resolvido. Mas nunca estamos em contato dessa maneira; estamos em contato com o problema intelectual ou verbalmente, mas nunca emocionalmente; porque nos acostumamos com a vida, nos acostumamos com a nossa maneira de viver; acostumamo-nos com nossas mulheres e filhos, com nossos empregos, com a cidade suja, com as religiões organizadas. Nunca vedes o mar agitado, nem a beleza do ocaso, porque tendes problemas. E a mente que tem um problema nunca é uma mente audaz, uma mente juvenil; mas, para aprender, deveis ter uma mente nova, uma mente sem compromissos, não comprometida com nenhuma crença, nenhuma igreja, nenhuma organização política ou religiosa, nem com a família. Só então podereis aprender. Há beleza em aprender, não em adquirir conhecimentos, que se tornam entediantes; onde há aquisição, amontoar de conhecimentos, aí existe vaidade; e a vaidade, que é a essência do preenchimento, se torna acrimoniosa, mordaz.

Vamos, pois, aprender o que é o temor. Não vamos resolver o problema do medo; mas, aprendendo o que ele é, iremos dissolvê-lo completamente e, assim, extingui-lo. Mas, se começais com uma intenção, consciente ou inconsciente, dizendo como seria, maravilhoso estar livre do medo, nesse caso nunca vos libertareis dele, e jamais aprendereis. E nós vamos aprender. O medo nunca é constante; ele existe por causa do pensamento, que projeta essa ansiedade para o futuro, ou porque, em virtude de seu conhecimento do passado, sabe o que é “ter medo” e, por conseguinte, deseja evitá-lo. Tende a bondade de acompanhar isso, não verbalmente, porém realmente, em vós mesmos. Sabeis que temeis muitas coisas não é verdade? Medo de vossa mulher, de vosso marido, medo de vosso vizinho, medo a respeito de vosso emprego, medo de não alcançar o céu, medo da morte, da opinião pública, de mil e uma coisas. Tomai um desses temores que vos afligem, um com que estejais bem familiarizado, e examinai-o enquanto falo sobre o medo; examinai-o, investigai-o, observai-o, prestai-lhe atenção. Não tenteis livrar-vos dele, dizendo: “Vou observá-lo, a fim de ficar livre dele”. Dessa maneira nunca ficareis livre dele. Tendes de aprender tudo o que a ele se refere; mas só o fareis se perceberdes que não podeis livrar-vos dele. Tendes de aprender tudo a seu respeito e, por conseguinte, compreendê-lo; se assim procederdes, ficareis completamente livre dele.

O pensamento é a origem do medo. Se não houvesse pensamento, não haveria medo. Se nenhum pensamento tivéssemos a respeito da morte (como, por exemplo, “que aconteceria se eu morresse?”) e a morte ocorresse neste mesmo instante, não teríeis medo nenhum. É o pensamento a respeito da morte que vos infunde temor — temor proveniente da experiência do passado e “projetado” no futuro. Notai, por favor, que o que estou dizendo é muito simples. Observai-o vós mesmo. O pensamento resulta do tempo; o tempo é memória. Mas não estou falando acerca do tempo; estou falando sobre o pensamento como tempo. Estamos falando a respeito do pensamento e não a respeito do tempo. O pensamento formou, por meio da experiência, reações autoprotetórias, tanto fisiológicas, como psicológicas. Quando encontrais uma cobra, há uma reação instintiva de autoproteção. Esta espécie de medo, que é autoprotetória, é necessária; porque, do contrário, seríeis destruído; de outro modo, não prestaríeis atenção a um ônibus e correríeis de encontro a ele, ou cairíeis num fosso. Há, pois, esse instinto autoprotetório, o instinto fisiológico de autoproteção, que se formou com o tempo, com a experiência, como memória. Esse instinto reage ao vos deparardes com uma cobra ou um animal feroz, ou ao verdes um ônibus em disparada. Essa reação deve existir, para a mente equilibrada, sã. Mas nenhuma outra forma de medo é saudável, porque foi criada pelo pensamento, pela reação da memória, que se acumulou através de séculos de experiência, e é “projetada” pelo pensamento.

Assim, é necessário compreender o mecanismo do pensar, se desejais compreender o medo — e isso significa que deveis compreender o pensador e o pensamento.

Notai, por favor, que o que estou dizendo é bem simples; estou dizendo o que verdadeiramente penso: isto é realmente simples. Mas, se vos abeirais do que estou dizendo com o vosso condicionamento — isso é que o torna difícil. Não vos aplicais à questão, não escutais o que estou dizendo, com uma mente nova. Vindes para aqui com o que já sabeis, com aquilo que Sankara, Buda ou outro qualquer disse a respeito do pensador e do pensamento; por conseguinte, vos abeirais do que estou dizendo com uma conclusão, com a memória, com conhecimentos prévios; e é isso que torna a questão difícil. Vede-o, por favor. Bem, se desejais aprender algo a respeito do que digo, tendes de pôr de lado tudo aquilo; e só o podeis pôr de lado quando estais em contato emocional com o que se está dizendo.

Como sabeis, segurar a mão de alguém não é um fato intelectual; quando estais em relação emocional com a pessoa, há harmonia, comunhão, há um sentimento entre as duas pessoas. Da mesma maneira, para comungarmos uns com os outros, devemos dar-nos as mãos, emocionalmente, não intelectualmente. Esse mesmo contato emocional, compassivo, afetuoso, deveis ter com o fato do medo, com o fato do pensamento, que vamos examinar. A menos que estejais emocionalmente em contato com o fato, vitalmente, diretamente em contato com ele, não passareis além das primeiras poucas palavras. Enquanto houver divisão entre pensador e pensamento, será inevitável o medo. Vede porque isso acontece: porque há contradição entre o pensador e o pensamento. O pensador está procurando guiar, controlar, moldar, disciplinar o pensamento; mas, por causa dessa divisão, há conflito, há contradição; e onde há contradição, há o impulso para dominá-la, transcendê-la — e aí está a própria essência do medo. Assim, vós tendes de compreender o mecanismo pelo qual surge essa separação entre o pensador e o pensamento, e não aceitar o que outro qualquer disse — não importa quem seja: o mais antigo, mais iluminado dos instrutores, ou o mais moderno. Não aceiteis nada de ninguém, mas investigai sempre. Não sigais ninguém; quando seguis, sois incapaz de aprender. E só podeis aprender se estais investigando sem ter um motivo. Se estais investigando com um motivo, estais apenas adicionando, procurando resolver algo que não pode ser resolvido. Por conseguinte, não sigais o que aqui se está dizendo, nem o aceiteis como verdade evangélica — porque não o é. O que outro diz não é a verdade evangélica; vós tendes de descobrir por vós mesmo, sem nenhuma restrição. E isso só é possível quando sois livre, quando vossa mente é imaculada e compassiva.

Há o pensador e há o pensamento. Sabemos disso. É o que fazemos todos os dias: essa divisão. O pensador é o censor, o pensador é o juiz, o pensador é o centro acumulador de conhecimento, de experiência psicológica, etc. É o pensador que reage a todo “desafio”; e sua comunhão, seu contato com uma coisa se efetua por meio do pensamento — se não pensásseis, não haveria pensador. Essa divisão, esse conflito, gera o medo. O centro, o observador, o experimentador, o pensador, está estabilizado; e o pensamento é errante, move-se, modifica-se. O centro nunca muda; ajusta-se, disfarça-se, cobre-se com novas roupagens, novo verniz, novas características; mas ele lá está, sempre. E esse centro gera o medo, porque “reage” sempre de um ponto fixo, embora possa ser flexível.

O pensamento, pois, institui o pensador; não é o pensador que institui o pensamento; porque, se não há pensamento, não há pensador. É possível não pensar absolutamente, não ter um só pensamento que seja, e esse extraordinário estado mental é que é vazio e, portanto, contém todo o espaço. Só é realizável esse estado pela meditação. Mas não digais: “Aguardarei o dia em que falareis sobre a meditação; então investigarei”. Não podereis fazê-lo então. Precisais lançar as bases; e para lançardes as bases, deveis estar em contato; e não podeis estar em contato se apenas vos pondes em relação intelectual ou sentimental. Deveis estar em contato totalmente, com todo o vosso ser — vosso corpo, vossos sentidos, vosso coração, tudo o que tendes.

Portanto, deveis compreender o processo do pensamento. Pensar é reação a um “desafio”, pequeno ou grande. Essa reação promana da memória que tendes acumulado. Ao perguntar-vos se sois hinduísta, direis “sim”. Esta “resposta”, ou reação, é imediata, porque fostes criado nessa sociedade, nessa cultura denominada hinduísta, parse, etc. Todo pensar é reação da memória. E memória é associação. A memória resulta de inumeráveis experiências, conscientes e inconscientes. Vede que o que estou dizendo não é nada novo. Qualquer psicólogo, qualquer pessoa que tenha refletido um pouco a esse respeito, vos poderá dizer a mesma coisa; mas, para compreenderdes o mecanismo do pensar e eliminardes totalmente o centro representado pelo pensador, e que gera o medo — para isso necessitais de clareza, precisais de um bisturi intelectual, para “abrirdes” tudo o que não compreendeis completamente.

Por conseguinte, o necessário não é ter uma autoridade — a autoridade da própria memória, ou a autoridade de vossa experiência, que foi condicionada através de séculos e que criou o “eu”, o “ego”. Enquanto existir esse centro — e esse centro cria a divisão entre si próprio e o pensamento — tem de haver medo. A questão, pois, é de como ultrapassarmos, como nos livrarmos desse centro. Não o traduzais como “ego”, e não junteis ideias de toda espécie a respeito dele; atende-vos ao fato de que existe um centro de onde julgais, avaliais, censurais. Esse centro de experiências acumuladas cria uma divisão entre si próprio e o pensamento. E quando procuramos superar essa divisão e não o conseguimos, gera-se o medo. Se puderdes juntar as duas coisas, não haverá medo; mas não podeis juntá-las, porque só existe um fato que é o pensamento, e não o pensador.

Ao dizerdes “o pensador” — isto não corresponde a nenhuma realidade. O “eu” é um feixe de lembranças, nada permanente; não é mais permanente do que o pensamento. Mas a mente, o pensamento, deseja a segurança; o pensamento deseja permanência; por conseguinte, o pensamento se estabelece como “centro”, e esse centro fala de “Eu Superior Permanente”, “Eu Cósmico”, “Deus”, etc.; mas, tudo é ainda mecanismo de pensamento. Assim, a menos que tenhais compreendido inteiramente o mecanismo do pensar, o medo existirá sempre. Como sabeis, há atualmente certos preparados químicos, drogas, que podem livrar-vos de vosso medo; podeis tomar um comprimido e tornar-vos completamente tranquilo, sereno, plácido. A ansiedade, o sentimento de culpa, a inveja, e todas as coisas com que o homem vem batalhando há séculos podem ser afastadas com um comprimido. Mas, vede que, tomando uma pílula, não ficais livres de vossa mente medíocre, estreita, limitada, estulta. Ela continua existente; vós apenas a narcotizastes, suspendestes o seu funcionamento. O que nos interessa não é oferecer nem tomar pílulas, mas eliminar a mediocridade da mente, quer dizer, a mediocridade do pensamento; o pensamento é medíocre, porque o pensamento nunca é livre, porque pensamento é reação do que antes foi, em relação com o que virá a ser.

A questão, pois, é esta: é possível, com a compreensão do medo, terminar o pensamento — isto é, não deixar o pensamento projetar-se no futuro, e fazer que a mente veja o fato que surge a cada minuto, sem nenhuma “projeção”? Compreendeis? O fato é: tememos a morte. Não estamos falando acerca da morte; isso ficará para outra ocasião; estamos agora falando sobre o temor.

Ora, o pensamento se projeta no futuro. Ele não deseja morrer; não sabe o que ele próprio virá a ser; sabe o que é no presente, com toda a agitação, dor, ansiedade, sofrimento, angústia em que vive; por isso, projeta-se no futuro e sente medo. Porque está confuso, incerto, sem clareza, ele “projeta” uma ideia de permanência, e, por conseguinte, teme não alcançar essa permanência. Tem medo à opinião pública, porque deseja ser respeitável; porque a respeitabilidade é uma coisa muito vantajosa; a sociedade a aprova, considera-a “nobre”. Por isso, ele atemoriza-se com que a sociedade possa dizer, e, assim, busca proteger-se. Tem medo de todos os incidentes conscientes e inconscientes. Mas tudo é ainda mecanismo de pensar. Assim, pois, devemos enfrentar cada fato ao surgir, sem pensamento; observar simplesmente cada fato que surge, como num clarão.

Agora, senhores, vou explicar isso um pouco mais, pois vejo que não sereis capazes de seguir com rapidez. Existe o fato de que tenho medo de minha mulher. O pensamento criou esse fato, minhas ações o criaram, e sinto medo. Estou tomando isso para exemplo; na verdade não tenho medo nenhum, pois não sou casado. Vós podeis pensar noutra coisa que temeis. Eu temo minha mulher. Fiz algo de que me envergonho ou que não desejo que ela saiba. Ou, ela gosta de me contrariar, e eu não quero tal coisa; portanto, acho melhor acostumar-me com ela. E acostumei-me — quer dizer, minha mente aceitou o fato, e essa aceitação se tornou um hábito; não dou mais atenção ao que ela diz. Minha mente, pois, formou um hábito. Essa aceitação (isso é, o ouvir o que ela diz sem lhe ligar importância) corrompeu-me a mente; tornou-a embotada para o fato; isso se tornou um hábito, e eu não ouso quebrá-lo, porque o quebrar o hábito supõe mudança, e eu não desejo mudar. Assim sendo, tenho medo. E esse é o fato.

Mas, como é possível compreender o fato do temor sem interferência do pensamento? Pois o pensamento ou deseja “projetar” o fato, ou aceitá-lo, mudá-lo, modificá-lo, conforme sua conveniência. Entendeis? Como enfrentar o fato de que tenho medo, sem aquele fundo de temor, de pensamento? Porque o pensamento quererá traduzi-lo, interpretá-lo, moldá-lo, negá-lo, livrar-se dele, superá-lo. O pensamento não o compreenderá, porque o pensamento resulta da memória; só é capaz de “reagir” ao que já conhece, sendo, portanto, incapaz de enfrentar o medo. O medo sempre “vem e vai”, não é constante. Embora possa existir permanentemente no inconsciente, o medo não se manifesta continuamente, porém como que em relâmpagos. Como enfrentar esses “relâmpagos” de medo, sem pensamento?

Os que temem permanentemente se tornam neuróticos; têm outros problemas. Mas os que são mais ou menos racionais não têm nenhum medo no inconsciente; enfrentam o medo, ocasionalmente ou frequentemente, na presença de suas esposas. Assim, ao enfrentardes o medo, deveis enfrentá-lo sem pensamento, enfrentá-lo completamente; e isso significa ter compreendido todo o mecanismo do pensar, intelectualmente, verbalmente, e com compaixão, a qual faculta a exatidão que possibilita o contato imediato com o fato. Enfrentar o fato totalmente significa não apenas enfrentá-lo intelectualmente, mas também emocionalmente. Esse mecanismo de "aprender do fato” não é possível quando vos abeirais do fato com o pensamento que já conheceu, pois o pensamento promana do “conhecido”.

Podeis enfrentar o temor sem o conhecido? Se puderdes fazê-lo, vereis que já não existe temor, porquanto é a projeção do conhecido que o torna existente. A projeção do pensamento, que é resultado ou “reação” do “conhecido”, cria o medo. O pensamento, como tempo, produz medo. E quando compreendeis todo o mecanismo do pensamento e sois capaz de olhar o fato, de ver o fato, de estar em contato com ele emocionalmente, totalmente, então, já não vos abeirais dele com o pensamento, produto do “conhecido”; por consequência, vos abeirais do fato de maneira nova. Uma mente nova não teme, uma mente nova investiga.

Dessa forma, como disse no começo desta palestra, há necessidade de humildade. A humildade nunca aceita nem rejeita. É arrogância aceitar ou rejeitar. Humildade é aquela extraordinária capacidade de aprender, de descobrir, de investigar. Mas, se já tendes uma acumulação de resultados de vossas investigações, então já não estais aprendendo; por conseguinte, deixais de ser humilde. Muito importa termos humildade, porque é essa qualidade essencial que tem afeição. Sem humildade, não há amor, e o amor não é uma coisa que tem raízes na mente, raízes no pensamento. Assim, só desse extraordinário sentimento de humildade resulta o sentimento de exatidão compassiva, e a clareza da mente. É só então que o medo deixa de existir. E quando o medo deixa de existir, quando o medo finda, não há mais sofrimento.

Krishnamurti, Bombaim, 2 de março de 1962, A mutação Interior

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill