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sábado, 21 de abril de 2018

O pensamento impede a integral comunhão do amor


O pensamento impede a integral comunhão do amor

Há, a meu ver, vasta diferença entre mudança e mutação. A mera mudança não conduz a parte alguma. Uma pessoa pode tornar-se superficialmente adaptável, muito hábil no ajustar-se aos diferentes ambientes e circunstâncias sociais, e existem várias formas de pressão interior e exterior; mas a mutação requer um estado mental bem diferente. Nesta manhã desejo salientar a diferença entre estas duas coisas.

Mudança é alteração, reforma, substituição de uma coisa por outra. Mudança implica ato de vontade, consciente ou inconsciente. E, considerando-se a confusão, a miséria, a opressão, a extrema aflição existente em toda a Ásia subdesenvolvida, torna-se evidente a necessidade de uma mudança radical, revolucionária. Há necessidade, não só de mudança física ou econômica, mas também de mudança psicológica — mudança em todos os níveis de nosso ser, exteriores e interiores, a fim de se proporcionar uma melhor existência ao homem. Isso é óbvio, e até os mais extremados conservadores o admitirão. Mas, ainda que o reconheçamos, em regra não consideramos profundamente a questão da mudança e tudo o que ela encerra. Qualquer ajustamento, substituição, reforma, é de ação profunda, ou consiste meramente num polimento superficial, numa “limpeza”, na moralidade das relações humanas? Penso que devemos compreender plenamente o que está implicado nesse mecanismo de mudança, antes de examinarmos o que considero mutação.

A mudança, embora necessária, me parece sempre superficial. Entendo por mudança todo movimento operado pelo desejo ou pela vontade, toda iniciativa concentrada numa dada direção, visando a uma certa atitude ou ação bem definida. Toda mudança, evidentemente, tem atrás de si um motivo. Esse motivo pode ser pessoal ou coletivo, manifesto ou remoto; pode ser um motivo bondoso, generoso, ou um motivo de medo, desespero; mas qualquer que seja a natureza ou o nível do motivo, a iniciativa ou movimento resultante desse motivo produz uma certa mudança. Isso me parece claro. Em geral somos suscetíveis, individual e coletivamente, de modificar nossas atitudes, sob influência, pressão, e também quando aparece alguma invenção nova que direta ou indiretamente influi em nossa vida. Podemos ser levados a mudar nossos pensamentos, orientá-los em diferente direção, por um artigo de jornal ou pela propaganda que se faz de uma ideia. A religião organizada empenha-se em educar-nos, desde a infância, numa certa forma de crença, condicionando-nos assim a mente, e, pelo resto da vida, toda mudança que operamos fica dentro dos limites “modificados” dessa crença.

Assim, são raros os que mudam, a não ser com um motivo. O motivo poderá ser altruísta ou interesseiro, limitado ou amplo; poderá ser o medo de perder uma recompensa, ou de não atingir um certo e prometido estado para o futuro. O indivíduo se sacrifica à coletividade, ao Estado, a uma ideologia, ou a determinada forma de crença em Deus. Tudo isso implica uma certa mudança, consciente ou inconscientemente produzida.

Pois bem; a chamada mudança é uma "continuidade modificada” do que já existia, e nessa suposta mudança nos tornamos muito hábeis. Estamos constantemente fazendo novas descobertas na Física, na Ciência, na Matemática, inventando coisas novas, preparando-nos para ir à Lua, etc. etc.

Em certos aspectos tornamo-nos extraordinariamente “sabidos”, bem informados; e essa espécie de mudança envolve capacidade de ajustamento ao novo ambiente, às novas pressões que ela cria. Mas, basta isso? Pode-se perceber tudo o que determina essa superficial modalidade de mudança. Entretanto, sabemos, interiormente, profundamente, ser necessária uma mudança radicalmudança não produzida por nenhum motivo ou como resultado de pressão. Percebemos a necessidade de mutação na própria raiz da mente, pois, sem ela, somos apenas uma horda de macacos habilíssimos e dotados de extraordinárias aptidões — e não autênticos entes humanos.

Percebendo-se isso, profundamente, em nós mesmos, que cumpre fazer? Vemos que se necessita de uma mudança revolucionária, de completa mutação na raiz mesma de nosso ser, porque, do contrário, nossos problemas, tanto econômicos como sociais, irão crescendo inevitavelmente, e se tornando cada vez mais críticos. Necessita-se de uma mente nova, fresca — e, para a termos, deve operar-se, na totalidade de nossa consciência, uma mutação não produzida por ato de vontade e, portanto, sem motivo.

Não sei se me estou expressando claramente.

Percebendo a necessidade de mudança, pode uma pessoa exercer a vontade, a fim de produzi-la — sendo “vontade” o desejo fortalecido, em dada direção, pela determinação e posto em movimento pelo pensamento, pelo medo, pela revolta. Mas toda mudança dessa ordem — mudança produzida pela ação do desejo, da vontade — é sempre limitada. É uma “continuidade modificada” do que era antes, como se pode ver pelo que está ocorrendo no mundo comunista, e também nos países capitalistas. Necessita-se, pois, de uma revolução extraordinária, de revolução psicológica no ente humano, no próprio homem; mas, se ele tem um alvo, se sua revolução é planejada, está ainda dentro dos limites do “conhecido” e, por conseguinte, não constitui mudança nenhuma.

Eu posso mudar, posso forçar-me a pensar de outro modo, a adotar um diferente sistema de crenças; posso suprimir um dado hábito, livrar-me do nacionalismo, reformar meu raciocínio, fazer eu próprio a “lavagem” de meu cérebro, em vez de deixá-la para ser feita por um partido ou igreja. Tais mudanças são muito fáceis de operar em mim mesmo; mas percebo sua total inutilidade, porquanto são superficiais e não conduzem à compreensão profunda que deve orientar-nos na vida. Assim, que fazer?

Compreendeis minha pergunta? Acho que fui claro.

Se faço um esforço para mudar, esse esforço tem motivo, significando isso que o desejo inicia um movimento em certa direção. Aí está em ação a vontade, e, por conseguinte, qualquer mudança que seja produzida é uma simples modificação — não é uma mudança real, absolutamente.

Vejo claramente que preciso mudar, e que essa mudança deve ocorrer sem esforço. Todo esforço para mudar anula-se a si próprio, uma vez que supõe a ação do desejo, da vontade, em conformidade com um padrão, uma fórmula, um conceito preestabelecido. Assim sendo, que fazer?

Não sei se sentis como eu a relevância desta questão — o quanto ela nos interessa, não só no sentido intelectual, mas, principalmente, como um fator essencial em nossa vida. Há milhões de anos vem o homem fazendo um esforço incessante para mudar, entretanto continua envolto em aflições, desespero, medo, só tendo raros e fugidios clarões de alegria e deleite. E como pode essa entidade, que há tanto tempo vem sendo fortemente condicionada, alijar sua carga sem nenhum esforço? Esta a pergunta que estamos fazendo a nós mesmos. Mas, “o lançar fora a carga” não deve tornar-se mais um problema; porque, como antes indiquei, problema é algo que não compreendemos, algo que não temos capacidade para examinar até o fim e liquidar de uma vez.

Para se produzir essa mutação — “produzir”, não, esta é uma expressão errônea; a mutação é uma necessidade e tem de verificar-se agora. Introduzindo-se o tempo como fator de mutação, o tempo cria o problema. Não há amanhã, não há tempo nenhum em que eu irei mudar — sendo o tempo pensamento. Isso tem de acontecer agora ou nunca. Compreendeis?

Percebo a necessidade dessa mudança radical em mim, ente humano, parte integrante da humanidade; e percebo, também, que o tempo, que é pensamento, não deve representar nisso um fator. O pensamento não deve representar nisso um fator. O pensamento não pode resolver este problema. Venho exercendo o pensamento há milhares de anos e, no entanto, não mudei. Continuo com meus hábitos, minha avidez, minha inveja, meus temores, e me vejo ainda todo enredado no padrão de competição da existência. Foi o pensamento que criou o padrão; e o pensamento não pode, em circunstância alguma, alterar esse padrão sem criar outro padrão — sendo o pensamento tempo. Portanto, não posso contar com o pensamento, com o tempo, para operar a mutação, a mudança radical. Não pode haver exercício da vontade, e não se pode deixar o pensamento orientar a mudança.

Que me resta, então? Vejo que o desejo, que é vontade, não pode operar em mim uma verdadeira mutação. O homem vem trabalhando nisso há séculos e nele não se produziu nenhuma mudança fundamental. Tem-se servido, também, do pensamento para produzir mudança em si próprio — pensamento como tempo, pensamento como amanhã, com todas as suas exigências, invenções, pressões, influências — e, como vemos, ainda não houve nenhuma transformação radical. Que fazer, pois?

Ora, uma vez compreendida, em sua totalidade, a estrutura e o movimento da vontade, esta deixa de atuar; e, percebendo-se que o emprego do pensamento, do tempo, como instrumento de mudança, não passa de mero adiamento, termina então o mecanismo do pensar. Mas, que queremos exprimir ao dizer que percebemos ou compreendemos uma coisa? A compreensão é meramente intelectual, verbal, ou significa que se está vendo uma coisa como fato? Posso dizer que “compreendo” — mas a palavra não é a coisa real. A compreensão intelectual de um problema não é a solução desse problema. Ao compreendermos uma coisa apenas verbalmente (e isso é o que chamamos compreensão intelectual), a palavra importa muito; mas, havendo verdadeira compreensão, ela perde toda a importância, sendo então simples meio de comunicação. Há contato direto com a realidade, o fato. Se percebemos como um fato a futilidade da vontade, e também a futilidade do pensamento, ou do tempo, no produzir essa radical transformação, então a mente (que rejeitou toda a estrutura da vontade e do pensamento) nenhum instrumento tem com que iniciar a ação.

Bem, até agora vós e eu temos estado em comunicação, e talvez tenhamos também estabelecido entre nós uma certa comunhão. Mas, antes de prosseguirmos, considero importante compreender o que entendemos por comunhão. Se alguma vez andastes entre as árvores de uma floresta, ou pela margem de um rio, e sentistes a quietude, tivestes o sentimento de estar vivendo completamente com todas as coisas, com as pedras, com as flores, com o rio, com as árvores, com o céu — sabereis então o que é comunhão. O “eu” — com seus pensamentos, suas ânsias, seus prazeres, lembranças, desesperos — cessou completamente. Não existis como observador separado da coisa observada; há só aquele estado de completa comunhão. E espero que seja esta a comunhão aqui estabelecida entre nós. Ela não é um estado hipnótico; o orador não vos está hipnotizando, para pôr-vos nesse estado. Explicou certas coisas com todo o cuidado, Mas há algo mais, que não pode ser explicado verbalmente. Até um certo ponto podeis ser informados pelas palavras do orador, mas ao mesmo tempo cumpre ter em mente que a palavra não é a coisa, e que ela não deve interferir na direta percepção do fato. Quando comungais com uma árvore — se alguma vez o fazeis — vossa mente não está ocupada com a espécie dessa árvore, ou a respeito de sua utilidade ou não utilidade. Estais em comunhão direta com a árvore. Analogamente, deve-se estabelecer esse estado de comunhão entre vós e o orador, porque vamos passar agora a um assunto dos mais difíceis de tratar verbalmente.

Como disse, a ação da vontade, e a ação do pensamento como tempo, e o movimento que é iniciado por influência ou pressão de qualquer natureza, cessaram de todo. A mente, por conseguinte, que de fato observou e compreendeu tudo isso, está completamente quieta. Ela não é a iniciadora de qualquer movimento, consciente ou inconsciente. E isso, também, é algo que precisa ser considerado, antes de podermos ir um pouco mais longe.

Conscientemente, podereis não desejar atuar em nenhuma direção determinada, porque já observastes a futilidade de toda espécie de mudança calculada, da mudança promovida pelo comunista ou pelo mais reacionário conservador. Vedes quanto tudo isso é fútil. Mas, interiormente, inconscientemente, há o tremendo peso do passado a impelir-vos numa certa direção. Estais condicionado como europeu, como cristão, como cientista, como matemático, como artista, como técnico; e há a milenar tradição (muito zelosamente explorada pela igreja) que instilou no inconsciente certas crenças o dogmas. Podeis, conscientemente, rejeitar tudo isso, mas, incutis cientemente, o seu peso continua existente. Sois ainda cristãos, inglês, alemão, francês; sois ainda movido pelos interesses nacionais, econômicos, familiais, e pelas tradições da raça a que pertenceis, e, quando se trata de raça antiquíssima, mais profunda ainda é sua influência.

Ora, como eliminar tudo isso? Como purificar o inconsciente, imediatamente, do passado? Creem os analistas que o inconsciente pode ser expurgado, em parte ou no todo, por meio da análise mediante investigação, exploração, a confissão, a interpretação dos sonhos, etc., — de modo que qualquer um pode tornar-se pelo menos um ente humano “normal”, capaz de ajustar-se ao atual ambiente Mas, na análise, há sempre o analista e a coisa analisada, um observador a interpretar a coisa observada — e isso representa uma dualidade, fonte de conflito.

Vejo, pois, que a mera análise do inconsciente a nenhuma parte conduz. Poderá ajudar-me a ser menos neurótico, mais amável com minha mulher, meu próximo — ou outra superficialidade semelhante; mas não é disso que estamos falando. Percebo que o processo analítico (que implica tempo, interpretação, movimento do pensamento que analisa, como observador, a coisa observada) não pode libertar o inconsciente; por conseguinte, rejeito completamente o mecanismo analítico. Assim que percebo esse fato, que a análise não pode, em circunstância nenhuma, afastar o fardo do inconsciente estou fora da análise. Já não analiso. Assim, que aconteceu? Não havendo analista separado da coisa analisada, o próprio analista é essa coisa. Não é uma entidade à parte. Descobre-se, então, que o inconsciente é de pouca importância. Percebeis?

Estive mostrando quanto é trivial o consciente, com suas atividades superficiais, sua perene tagarelice, etc.; e o inconsciente é também trivial. O inconsciente, como o consciente, só se torna importante quando o pensamento lhe dá continuidade. O pensamento tem seu lugar próprio, sua utilidade em assuntos técnicos, etc., mas o pensamento é de todo em todo fútil, quando se trata de operar aquela radical transformação. Se percebo ser o pensamento que dá continuidade ao pensador, termina essa continuidade.

Espero estejais seguindo o que estou dizendo, que requer muita atenção.

O consciente, ou o inconsciente, pouco significam. Eles só se tornam importantes quando o pensamento lhe dá continuidade. Ao perceberdes a verdade de que todo o “mecanismo do pensar” é uma reação do passado e não pode, de modo nenhum, atender à enorme necessidade de mutação, então, tanto o consciente como o inconsciente perdem toda a importância, e a mente deixa de ser influenciada ou impelida por qualquer dos dois. Por conseguinte, já nenhuma iniciativa toma; fica completamente quieta, tranquila, silenciosa. Embora ciente da necessidade de mutação, revolução, de completa e radical transformação de nosso ser, a mente nenhum movimento inicia, em qualquer sentido; e, nesse total percebimento, nesse silêncio completo, opera-se a mutação. A mutação, pois, só pode verificar-se de uma maneira não “diretiva”, isto é, quando a mente nenhum movimento inicia e, por conseguinte, permanece inteiramente tranquila. Nessa tranquilidade há mutação, porque a raiz de nosso ser, ficando exposta, estiola-se. Esta é a única revolução real (e não a revolução econômica ou social) e não pode ser feita pela vontade ou pelo pensamento. Só naquele estado de mutação, pode-se perceber o imensurável, algo de supremo, acima de toda tecnologia e todo reconhecimento.

Espero não tenhais adormecido! Quereis fazer perguntas?

PERGUNTA: Até onde tenho experimentado, o pensamento me condena ao isolamento, porquanto me impede a comunhão com as coisas que me cercam , e também de penetrar as raízes de meu ser. Por conseguinte, pergunto: Porque pensam os entes humanos? Qual a função do pensamento? E porque tanto exageramos a importância do pensar?

KRISHNAMURTI: Supus que isso já tivesse ficado para trás. Está bem, senhor, vou explicar.

Escutar meramente uma explicação não é ver o fato, e não podemos estar em comunhão por meio de uma explicação, a menos que ambos vejamos o fato e não o toquemos, isto é, nos abstenhamos de nele interferir. Então, estamos também em comunhão com o fato. Mas, se interpretais o fato de uma maneira e eu o interpreto diferentemente, não estamos em comunhão nem com o fato nem entre nós.

Ora, como surge o pensamento — o pensamento que isola, que não dá amor, o único meio de comunhão? E, como pode terminar esse pensamento? O pensamento — a totalidade do mecanismo do pensamento tem de ser compreendido, e essa própria compreensão é o seu fim. Examinemos isso.

Surge o pensamento, como reação, quando há um “desafio”. Se nenhum desafio houvesse, vós não pensaríeis. O desafio pode ter a forma de uma pergunta, trivial ou importante, e conforme a pergunta “respondemos”. No intervalo de tempo entre a pergunta e a resposta, começa o mecanismo de pensamento, não é verdade? Se me perguntais alguma coisa com que estou bem familiarizado, minha resposta é imediata. Se me perguntais onde moro, por exemplo, não há intervalo de tempo, porque não tenho de pensar nisso, e imediatamente respondo. Mas, se vossa pergunta é mais complexa há um intervalo (durante o qual fico rebuscando na memória) entre vossa pergunta e minha resposta. Podeis perguntar-me qual a distância entre a Terra e a Lua, e eu digo: “Será que sei alguma coisa a este respeito? Ah! se i...” — e, então, respondo. Entre vossa pergunta e minha resposta há um intervalo de tempo, durante o qual a memória se põe em funcionamento, fornecendo, por fim, a resposta. Assim, quando sou “desafiado”, minha “resposta” pode ser imediata ou pode necessitar de algum tempo. Se me perguntais algo a cujo respeito nada sei, o intervalo é muito mais longo. Digo: “Não sei, mas vou verificar”; e, não encontrando a resposta entre as coisas guardadas na memória, apelo para alguém, a fim de obter a informação, ou procuro-a num livro. Também aqui, durante esse longo intervalo, o “mecanismo de pensamento” está em função. Essas três fases nos são bem familiares.

Pois bem; há uma quarta fase que talvez desconheçais ou nunca tenhais encadeado às outras, e que é a seguinte: Vós me fazeis uma pergunta, e eu realmente não sei a resposta. Minha memória não tem registro dela, e eu não estou contando que outra pessoa me dê a resposta. Não tenho resposta nenhuma, e nenhuma expectativa. Com efeito, eu não sei. Não há intervalo de tempo e, por conseguinte, não há pensamento, porque a mente não está à procura de nada, nem esperando nada. Este estado é, com efeito, uma negação completa, um estado livre de todas as coisas que a mente tem conhecido. E só então o novo pode ser compreendido — sendo o novo o Supremo, ou outra qualquer palavra que preferirdes. Nesse estado, cessou todo o mecanismo do pensamento; não há observador nem coisa observada, não há experimentador nem coisa experimentada. Toda experiência cessou, e nesse silêncio total há completa mutação.

Krishnamurti, Saanen, 19 de julho de 1964,
A mente sem medo

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Entrando em comunhão com o problema

Entrando em comunhão com o problema

Há, penso eu, uma grande diferença entre “estar em comunicação” e “estar em comunhão”. Estar em comunicação é partilhar ideias, por meio de palavras, agradáveis ou desagradáveis, por meio de símbolos, de gestos; e as ideias podem ser traduzidas ideologicamente, ou interpretadas conforme as peculiaridades, as idiossincrasias, o fundo de cada um. Mas, na comunhão, penso que ocorre algo muito diferente. Na comunhão não há partilhar ideias, ou interpretação de ideias. A pessoa pode estar, ou não, em comunicação com outros por meio de palavras, mas se acha em relação direta com o que observa; e se encontra em comunhão com a própria mente, com o próprio coração. Pode-se comungar com uma árvore, por exemplo, ou com uma montanha, um rio. Não sei se já alguma vez estivestes sentado sob uma árvore e se realmente experimentastes estar em comunhão com ela. Isso não é sentimentalismo, nem emocionalismo: está-se em contato direto com a árvore. Há uma extraordinária intimidade nessa relação. Nessa comunhão, deve haver silêncio, um senso profundo de quietude; os nervos, o corpo estão em repouso; o próprio coração quase parado. Não há interpretação, não há comunicação, não há partilhar. Vós não sois a árvore, e tampouco estais identificado com a árvore: há só esse sentimento de intimidade em profundo silêncio. Não sei se alguma vez experimentastes isso. Experimentai-o, numa ocasião em que vossa mente não esteja a “tagarelar”, a divagar, em que não estejais a monologar, a lembrar-vos de coisas feitas ou por fazer. Esquecei tudo isso e procurai entrar em comunhão com a montanha, com um rio, uma pessoa, uma árvore, com o movimento da própria vida. Requer isso um extraordinário sentimento de tranquilidade e uma peculiar atenção — não concentração, porém uma atenção natural e agradável.

Pois bem; desejo estar em comunhão convosco, nesta manhã, a respeito do que estivemos investigando outro dia. Falamos sobre a liberdade e sua essência. A liberdade não é um ideal, uma coisa remota; não é concepção de uma mente prisioneira, uma mera teoria. Só pode existir liberdade quando a mente não está sendo tolhida por nenhum problema. A mente que tem problemas jamais pode comungar com a liberdade ou estar ciente dessa coisa extraordinária que ela é.

A maioria das pessoas tem problemas e os vai simplesmente suportando; acostumam-se com os problemas e os aceitam como parte necessária da vida. Mas tais problemas não se resolvem pelo aceitá-los ou acostumar-nos com eles; e se raspamos a superfície, lá os encontramos, a “supurar”, como sempre. E a maioria das pessoas vive nesse estado — aceitando perenemente um problema após outro, uma dor após outra; sentem e aceitam a desilusão, a ansiedade, o desespero.

Se simplesmente aceitamos os problemas e ficamos com eles, nós evidentemente não os resolvemos. Podemos dizer que estão esquecidos ou que nenhuma importância têm; mas eles importam infinitamente, porque pervertem o espírito, falseiam a percepção e destroem a clareza. Se temos um problema, ele, geralmente, invade todo o campo de nossa vida. Pode ser um problema de dinheiro, problema sexual, de falta de instrução ou atinente ao desejo de nos realizarmos, de nos tornarmos famosos. Qualquer que ele seja, ele nos absorve a ponto de apoderar-se de todo o nosso ser, e pensamos que, resolvendo-o, estaremos livres de nossas aflições. Mas a mente limitada e mesquinha que tenta resolver seu problema pessoal isolando-o do movimento global da vida não pode jamais libertar-se de seus problemas; porque cada problema está relacionado com outro e, assim, são de todo inúteis as tentativas de resolução fragmentária. É como cultivar uma só parte do campo e pensar que cultivamos o campo todo. Tendes de cultivar o campo inteiro, considerar cada problema.

Como já disse antes, o importante não é a solução do problema, porém, sim, o compreendê-lo — por mais doloroso, por mais exigente, por mais premente e urgente que ele seja. Sem querer ser positivo ou dogmático, parece-me que o preocupar-se com um só problema, em particular, é indicativo de uma mente vulgar; e a mente vulgar que tenta continuamente resolver seu problema pessoal nunca encontrará um meio de livrar-se de problemas. Poderá fugir de várias maneiras, tomar-se acrimoniosa, mordente, ou entregar-se ao desespero; mas nunca compreenderá o problema total da existência.

Assim, se temos de lidar com problemas, devemos ocupar-nos do campo inteiro em que eles proliferam, e não simplesmente de um dado problema. Qualquer problema, por mais complicado, por mais exigente ou premente que seja, relaciona-se com todos os outros; muito importa, por conseguinte, não tratá-lo fragmentariamente, coisa essa sobremodo difícil. Ao termos um problema urgente, doloroso, insistente, pensamos em geral que o devemos resolver isoladamente, sem levar em conta todo o conjunto de problemas. Nele pensamos fragmentariamente, mas a mente fragmentária é na realidade uma mente vulgar; é — se me permitis a expressão — uma mente burguesa. Não emprego essa palavra em sentido depreciativo, porém apenas para indicar o que a mente de fato é: ela é medíocre ao pretender resolver isoladamente um problema pessoal. A pessoa atormentada pelo ciúme, por exemplo, deseja agir imediatamente, fazer qualquer coisa, reprimir o ciúme ou vingar-se. Mas esse problema individual relaciona-se com outros problemas. É o todo que devemos considerar, e não apenas a parte.

Ao considerarmos problemas, deve ficar entendido que não estamos interessados em achar solução para problema algum. Como já apontei, a investigação que visa apenas a encontrar a solução de um problema é uma fuga ao problema. A fuga poderá ser confortável, ou dolorosa, poderá exigir certa capacidade intelectual, etc.; mas, como quer que seja, é sempre fuga. Se temos de resolver nossos problemas, se temos de ficar livres deles, aliviados de todas as pressões que ocasionam, de modo que a mente fique completamente quieta e possa perceber (pois só pode perceber em liberdade), então o que antes de tudo nos deve interessar não é como resolver um problema, porém, sim, o compreendê-lo. Compreender um problema é muito mais importante do que resolvê-lo. Compreensão não representa a capacidade ou habilidade da mente que adquiriu várias formas de conhecimento analítico e é capaz de analisar um dado problema; compreender é estar em comunhão com o problema. Estar em comunhão não significa achar-se identificado com o problema. Como disse, para se estar em comunhão com uma árvore, com um ente humano, com um rio, com a extraordinária beleza da natureza, necessita-se de certa quietude, um certo senso de separação, de distanciamento do mundo.

Assim, o que aqui estamos tentando é aprender a estar em comunhão com o problema. Mas, percebeis a dificuldade que essa asserção implica? Havendo comunhão com outro, a ideia do “eu” está ausente. Quando estais em comunhão com o ente amado, com vossa esposa, vosso filho, quando segurais a mão de um amigo, nesse momento (se não se trata dessa falsa sentimentalidade, sensualidade, etc., a que chamam “amor”, porém de algo completamente diferente, algo vital, dinâmico, real) há ausência total do mecanismo do “eu”, com seu “mecanismo de pensamento”. Analogamente, estar em comunhão com um problema implica observação completa, não identificadora, não é? Os nervos, o cérebro, o corpo, toda a entidade está quieta. Nesse estado pode-se observar o problema sem identificação, e é esse o único estado em que é possível a compreensão do problema. O chamado artista poderá pintar uma árvore ou escrever uma poesia a respeito dela, mas estará realmente em comunhão com a árvore? No estado de comunhão não há interpretação, nem ideia de comunicação, como também a busca de uma maneira de expressão. Se expressais, ou não, essa comunhão em palavras, numa tela, ou no mármore, pouco importa; mas, no momento em que desejais expressá-la, a fim de exibi-la, de vendê-la, de vos tornardes famoso, etc., começa a ter importância o “eu”.

Compreender inteiramente um problema é comungar com ele. Vereis então que o problema nenhuma importância tem, pois o que importa é o estado mental de comunhão, não criador de problemas. Mas se o indivíduo não é capaz dessa comunhão, se é egocêntrico, egotista, e deseja expressão pessoal e tantas outras infantilidades, eis a mentalidade vulgar geradora de problemas.

Assim, como já acentuei, para se compreender um problema — qualquer problema — é necessário compreender o mecanismo do desejo. Somos contraditórios, psicologicamente, e, por conseguinte, também em nossa atuação. Pensamos uma coisa e fazemos outra. Vivemos num estado de “contradição”, pois, do contrário, não haveria problemas; contradizemo-nos quando não há compreensão do desejo. Para se viver sem conflito de espécie alguma, é preciso compreender a estrutura e a natureza do desejo — não reprimi-lo, controlá-lo, tentar destruí-lo, ou simplesmente entregar-se a ele, como em geral fazemos. Isso não significa pôr-se a dormir, vegetar, e aceitar simplesmente a vida com toda a sua degeneração; significa, isto sim, perceber cada um por si mesmo que o conflito, em qualquer forma que seja — disputa com e mulher, ou marido, ou a comunidade, a sociedade — qualquer conflito — deteriora a mente, torna-a embotada, insensível.

Como disse antes, o desejo em si não é contraditório; são os objetos do desejo, e a reação do desejo a esses objetos, que criam a contradição. O desejo só tem continuidade quando o pensamento com ele se identifica.

Para observar, necessita-se de sensibilidade; os nervos, os olhos e ouvidos, todo o ser deve estar vivo e, contudo, a mente deve estar quieta. Pode-se então olhar para um belo carro, uma bela mulher, uma esplêndida vivenda, ou um rosto de extraordinária vivacidade, inteligência — pode-se observar essas coisas, vê-las tais como são, e não passar disso. Mas, em geral, que acontece? Há desejo; e o pensamento, identificando-se com o desejo, dá-lhe continuidade.

Não sei se me estou expressando com clareza. Examinaremos este ponto posteriormente.

O importante é observar sem interferência do pensamento. Mas não façais agora desta asserção um problema. Não digais: “Como posso observar, como posso ver e sentir, sem deixar o pensamento interferir?” Se perceberdes por vós mesmos todo o mecanismo do desejo e a contradição criada por seus objetos, e a continuidade que o pensamento dá ao desejo — se perceberdes todo esse mecanismo em ação, não fareis tal pergunta. Para aprendermos a conduzir um carro, não basta recebermos instruções teóricas. Temos de sentar-nos ao volante, “dar saída” ao carro, freá-lo, aprender toda a técnica de conduzir. Da mesma maneira deveis conhecer o mecanismo extremamente delicado do pensamento e do desejo, e não apenas ser informado a seu respeito. Precisais olhá-lo, aprender o que há nele, por vós mesmo — e isso requer que dele vos acerqueis com sensibilidade.

Assim, o importante não é a solução de um problema, porém a compreensão dele. Só se apresenta um problema quando existe uma contradição, um conflito; e todo conflito supõe esforço, não é verdade? — esforço para alcançar, esforço para “vir a ser”, esforço para transformar isto naquilo, esforço para aproximar uma coisa ou para distanciá-la. Esse esforço tem sua origem no desejo — o desejo, a que o pensamento deu continuidade. Por conseguinte, deveis aprender tudo o que se relaciona com esse mecanismo — aprender, e não apenas ser instruído por este orador, pois isso nenhum valor tem. O que ouvis por meio do telefone pode ser agradável ou desagradável; pode ser real ou absurdo, completamente falso; mas o que ouvis é que é importante, e não o próprio aparelho. Em geral, damos importância ao instrumento. Pensamos que o instrumento nos vai ensinar algo, e já vos tenho advertido frequentemente a respeito desta particular forma de insensatez.

Aqui estais a fim de aprender, e escutais, não apenas o orador, mas a vós mesmos. Comungais com vossa própria mente, observando o funcionamento do desejo e como surge o problema. Estais entrando em intimidade com vós mesmos, e essa intimidade só pode ser sentida profundamente quando vos aplicais ao problema com toda a calma sem dizerdes: “Preciso liquidar esse problema infernal” — e sem vos sentirdes agitado ou excitado em relação a ele. Quereis averiguar como surge um problema e como o pensamento o perpetua, dando continuidade a um certo desejo. Vamos, pois, aprender como surge e como termina um problema — sem precisarmos de tempo para refletir sobre ele, mas pondo-lhe fim imediatamente.

Qualquer que seja o problema, o pensamento lhe dá continuidade. Se me dizeis algo que me agrada, o pensamento se identifica com esse prazer e nele deseja continuar a viver; por conseguinte, considero-vos meu amigo e visito-vos frequentemente. Mas, se me dizeis algo insultuoso, que acontece? Dou também continuidade a esse sentimento, pensando nele. O que dissestes poderá ser verdadeiro, mas não me agrada e, por conseguinte, evito-vos ou desejo “dar-vos o troco”. É esse o mecanismo que cria e mantém vivos os problemas.

Penso que agora está bastante claro. Pensando constantemente numa coisa, damos-lhe continuidade. Sabeis quantas coisas confusas pensais acerca de vós mesmo e de vossa família, quantas recordações agradáveis e quantas ilusões tendes a vosso respeito pensais constantemente em tudo isso e lhe dais, por conseguinte, continuidade. Ora bem, se começardes a compreender esse “mecanismo”, no seu todo, e a conhecer individualmente a natureza da continuidade, então, ao apresentar-se um problema, podereis entrar em perfeita comunhão com ele, porque então o pensamento não interfere; por conseguinte, termina logo o problema. Entendeis?

Consideremos um problema muito comum: o desejo de segurança. A maioria de nós quer estar em segurança — esta é uma das exigências humanas de origem animal. É óbvio que, no sentido físico, necessita-se de uma certa segurança. Precisamos de um lugar onde morar, e saber onde obter nossa próxima refeição — a não ser que vivamos no Oriente, onde se pode “brincar” com a insegurança física, andando de aldeia em aldeia, etc. Felizmente, ou infelizmente, não se pode fazer isso aqui; quem o faz é preso por vadiagem, etc.

No animal, no bebê, na criança é muito forte a ânsia de segurança física. Mas a maioria quer estar em segurança psicologicamente; em tudo o que fazemos, pensamos e sentimos, queremos segurança, certeza. Por isso, há tanta competição entre nós; por isso, somos ciumentos, ávidos, invejosos, brutais e vivemos terrivelmente interessados em coisas insignificantes. Essa insistente exigência de segurança psicológica existe há milhões de anos, e nunca indagamos a verdade a seu respeito. Temos por assentado e certo que devemos ter segurança psicológica em nossas relações com a família, a mulher, o marido, os filhos, nossos haveres, com o que chamamos Deus. Queremos sentir-nos seguros a qualquer preço.

Ora, preciso pôr-me em comunhão com essa exigência de segurança psicológica, que é um problema real. Compreendeis? Se não nos sentimos seguros, psicologicamente, isso é para nós como perder-nos em águas profundas, ou tornar-nos neuróticos, “esquisitos”. Pode-se notar essa “esquisitice” na fisionomia de muitas pessoas. Eu desejo descobrir a verdade relativa a esta questão, compreender completamente a exigência de segurança; porque é o desejo de se estar seguro nas relações que gera o ciúme, a ansiedade, que faz nascer o ódio e a aflição em que vive a maioria de nós. E como pode a mente, que há milhões de anos exige segurança, que tão condicionada está, descobrir a verdade relativa à segurança? Para descobrir essa verdade, tenho, naturalmente, de estar em perfeita comunhão com ela. Não posso deixar-me instruir por outro a respeito dela — isso seria um absurdo. Eu próprio tenho de aprender o que é essa verdade. Cabe-me investigá-la, descobri-la; devo estar em perfeita intimidade com essa exigência de segurança, pois, de outro modo, nunca saberei se existe, ou não, essa coisa chamada segurança. Este é provavelmente o principal problema de cada um. Se descubro que não existe realmente segurança nenhuma, então não há problema algum, há? Já estou fora da batalha pela segurança e, por conseguinte, minha ação nas relações é toda diferente. Se minha mulher deseja abandonar-me, abandona-me e eu não fico, por isso, em situação dolorosa, não odeio ninguém, não me torno ciumento, invejoso, furioso, etc.

Vejo que prestais toda a atenção e folgo com isso! Estais muito mais familiarizados com essas coisas do que eu. Pessoalmente, não desejo fazer da segurança um problema; não desejo criar em minha vida nenhum problema — econômico, psicológico, ou religioso. Vejo com clareza que a mente que tem problemas se torna embotada, insensível, e que só a que é sensível é inteligente. E, visto que esse clamor pela segurança persiste, profunda e perenemente, em cada um de nós, desejo descobrir a verdade relativa à segurança. Mas esta é uma questão muito difícil de investigar; porque, não só desde nossa infância, mas desde o começo dos tempos, sempre quisemos segurança — segurança em nosso trabalho, em nossos pensamentos e sentimentos, em nossas crenças e nossos deuses, em nossa nação, em nossa família, em nossos haveres. É por isso que a memória, a tradição, o fundo do passado, exercem tão importante papel em nossa vida.

Ora, toda experiência me torna mais forte a consciência de segurança. Toda experiência está sendo registrada na memória, acrescentada ao depósito de coisas passadas. Essa experiência acumulada se torna o meu fundo no decorrer de minha vida, fundo com o qual prossigo “experimentando”; por conseguinte, toda experiência nova vai acrescentar e reforçar esse fundo de memória, em que me sinto protegido, seguro. Entendeis? Portanto, preciso conscientizar-me de todo esse extraordinário mecanismo de condicionamento. Não se trata de saber como ficar livre de meu condicionamento, porém, sim, de estar em comunhão com ele de instante em instante. Posso então olhar o desejo de segurança sem convertê-lo num problema.

Está tudo claro? Desejais fazer perguntas?

INTERROGANTE: Não há comunhão porque a mente está sob a carga do “eu”.

KRISHNAMURTI: Senhor, vou perguntar-vos uma coisa: Que é comunhão? Ora, que acontece quando ouvis esta pergunta? Todo o mecanismo de vossa mente condicionada entra em função, e respondeis à pergunta; mas não a escutastes realmente. Pode ser e pode não ser que já tenhais refletido a esse respeito. Podeis ter pensado nisso ocasionalmente; ou talvez tenhais lido algo sobre o assunto neste ou naquele livro, e repetis o que lestes. Mas não estais escutando. Quando este orador diz: “Procurai estar em comunhão com uma árvore”, é claro que — se tendes verdadeiro interesse — lereis primeiramente de descobrir o que isso significa. Ide sentar-vos debaixo de uma árvore, ou à beira do rio, ou à sombra de uma montanha, ou simplesmente olhai o rosto de vossa mulher, de vosso filho. Que significa “estar em comunhão”? Significa que não há barreira de pensamento entre o observador e aquilo que está sendo observado. O observador não se está identificando com a árvore, com a pessoa, com o rio, com a montanha, com o céu. Não existe, simplesmente, barreira alguma. Se existe um “vós”, com seus complexos pensamentos e ansiedades, a observar a árvore, não há então comunhão com a árvore. O estar em comunhão com alguém ou alguma coisa, exige espaço, silêncio; vosso corpo, vossos nervos, vossa mente, vosso coração, todo o vosso ser deve estar quieto, completamente sereno. Não digais “como posso tornar-me tranquilo?” Não façais da tranquilidade mais um problema. Vede, simplesmente, que não há comunhão se está em função o mecanismo do pensamento — o que não significa pôr-se a dormir.

Provavelmente, nunca fizestes isto; nunca estivestes em comunhão com vossa mulher ou marido, com quem dormis, respirais, comeis, tendes filhos, etc. Provavelmente nunca estivestes sequer em comunhão com vós mesmo. Se sois católico, ides à igreja e recebeis o que se chama “comunhão”; mas não é disso que falo. Tais coisas são todas infantis.

Quando falamos de comunhão com a natureza, com as montanhas, entre nós, em geral não sabemos o que isso significa e procuramos imaginá-lo. Especulamos sobre a matéria, e dizemos que é o “eu” que está impedindo a comunhão. Por Deus, senhores, não façais da comunhão um novo problema. Já tendes problemas que chegam e, portanto, escutais simplesmente. Vós estais em comunhão comigo, e eu estou em comunhão convosco. Digo-vos alguma coisa, e, para a compreenderdes, tendes de escutar. Mas, escutar significa atenção sem esforço, com os nervos repousados; não significa “Tenho de escutar!” — e pôr-vos num estado de excitação, de tensão nervosa. Ou seja, escutar com agrado, naturalidade, em silêncio, para que possais descobrir o que o orador deseja transmitir. O que ele diz pode ser puro disparate, ou algo de real, e cabe-vos escutar, para o averiguardes; mas, isso parece constituir uma das vossas maiores dificuldades. Vós não escutais verdadeiramente; mentalmente, estais argumentando comigo, erguendo uma barreira de palavras.

Eu estou dizendo que o importante em tudo isso é aprender a estar em comunhão com vós próprio, de maneira agradável, feliz, de modo que possais seguir todos os pequenos movimentos de vosso pensamento e sentimento, assim como se segue o curso de um rio. Vede a atividade de cada pensamento e sentimento, sem procurar corrigi-lo, sem dizê-lo bom ou mau, sem nenhum desses juízos simplórios, burgueses, da mente vulgar, insignificante. Observai apenas; e, no observar, sem vos identificardes com nenhum pensamento ou sentimento, agradável ou desagradável, vereis que podereis estar em comunhão com o vosso ser.

A maioria de nós deseja estar psicologicamente segura, disso fazemos questão, e, por essa razão, a família se torna um verdadeiro pesadelo; torna-se uma coisa terrível, porque dela fazemos nosso próprio meio de segurança. Em seguida, torna-se também a nação a nossa segurança e nos deixamos empolgar pelas vacuidades do nacionalismo. A família tem sua razão de ser, mas, quando nos serve como meio de segurança, é veneno mortal.

Para descobrir a verdade relativa à segurança, deveis estar em comunhão com o desejo de vos sentir seguros, profundamente arraigado em nós e que constantemente se manifesta sob diferentes formas. Busca-se a segurança, não só na família, mas também em lembranças e na dominação ou influência de outro. Recorreis à lembrança de alguma experiência ou relação que vos foi grata, que vos deu esperança, conforto, e nessa lembrança buscais abrigo. Há a segurança proporcionada pelo talento e o saber, a segurança dada pelo nome e a posição. E há a segurança proveniente de uma capacidade: sabeis pintar, ou tocar violino, ou executar outra coisa qualquer, que vos faz sentirdes seguros.

Pois bem; uma vez estejais em comunhão com o desejo que vos impele a buscar a segurança, percebendo ser esse desejo o criador da contradição (já que nada ou ninguém neste mundo pode estar em segurança); desde que o descubrais individualmente, e não mediante instrução de outrem, e após a solução do problema, ver-vos-ei fora do campo da contradição e, portanto, livre do medo.

Não sei se alguma vez ficais em íntimo recolhimento. Nesse estado de silêncio interior, quando caminhais pela rua, vossa mente está completamente serena, observando e escutando, sem pensamento. Conduzindo vosso carro, olhais a estrada, as árvores, os outros carros que passam — observais, apenas, sem reconhecimento, sem nenhuma interferência do mecanismo do pensar. Quanto mais funciona esse mecanismo, tanto mais a mente se gasta; nenhum espaço fica para a simplicidade, e só a mente simples, sã, pode perceber a Realidade.

Krishnamurti, Saanen, 16 de julho de 1964,
A mente sem medo

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill