O mecanismo da mediocridade
[...] A mediocridade é própria da mente vulgar, da mente estreita, limitada. Em regra, a mente vulgar está interessada nas coisas imediatas; e as coisas imediatas podem ser projetadas para o futuro, mas continuam a ser “as coisas imediatas”. Os políticos, ainda que se interessem pelo futuro, estão realmente interessados no “imediato”, em relação com o futuro. A maioria de nós também está interessada nas coisas imediatas — a “perspectiva curta” em vez da “perspectiva longa” — nossa vida está circunscrita aos interesses imediatos. Isto não significa que o imediato não seja importante; mas se ele se torna de suma importância e nos esquecemos totalmente da “perspectiva longa”, então a imediata preocupação pelo pão de cada dia — a maneira de viver, o marido, a mulher, os pensamentos banais — esta “perspectiva curta”, limitada, estreita, conduz à aflição, conduz ao sofrimento e à luta. E a mente vulgar, medíocre, sempre se devota a um certo movimento, uma certa crença, um certo dogma. É da natureza da mente medíocre o pertencer a alguma coisa. É da natureza da mediocridade, hoje tão generalizada no mundo, o interessar-se exageradamente pela sociedade.
[...] Ao falarmos da mente medíocre, da mente superficial, não a estamos considerando como uma idéia — como coisa que devemos desfazer, que devemos substituir por uma mente bem inteligente, muito ativa, ampla e profunda. Estamos, apenas, mostrando que a mente medíocre é o solo em que medra o sofrimento. E, como a maioria de nós se encontra em sofrimento, desta ou daquela natureza, se não tratarmos de deitar abaixo os muros da mediocridade, o sofrimento invariavelmente continuará existente.
[...] O homem interessado nos fatos não tem ideais; e nós estamos interessados nos fatos. O fato é que há mediocridade, vulgaridade — e isto não significa que outro qualquer seja medíocre, mas, sim, que cada um de nós é medíocre. Assim, devemos estar apercebidos desse fato, devemos aplicá-lo a nós mesmos. A mais elevada forma da crítica é a autocrítica; mas não gostamos de criticar-nos: tratamos meramente de evitar o que vemos. Ao falarmos de mediocridade, vulgaridade, superficialidade, ficai apercebidos disso em vós mesmos. O percebê-lo apenas verbalmente nenhum valor tem. Essa percepção nenhuma modificação opera na mente medíocre.
A mente medíocre se dedica a uma dada ação — ação social, ação econômica, ação política, ou à aquisição de conhecimentos. A mente vulgar está sempre assumindo compromissos; ela sempre pertence a alguma coisa — e o desejo de pertencer é um fenômeno psicológico da mente intelectual. Hoje, ela pertence ao partido comunista e amanhã o rejeita; está entregue a uma certa atividade dogmático-religiosa, que mais tarde rejeita. Deveis observar, se tendes notado esse fato, que os chamados “intelectuais” aderem, coletiva ou individualmente, a uma dada teoria, uma dada utopia, um certo movimento religioso. O desejo de pertencer é desejo de permanência.
Segui o que estou dizendo, por favor, pois estamos investigando o processo da meditação, e isto faz parte da meditação. Todos vós pertenceis a alguma coisa. Não sois uma entidade individual, integrada. Sois agrupados pela sociedade, pelas influências ambientes, que vos impelem a pertencer. Sempre que uma pessoa se interessa em operar uma modificação no mundo, pertence a alguma coisa. Todos nós pertencemos a crenças de várias formas, dogmas e atividades várias, porque, no pertencer, nós não somente nos expandimos, mas também, identificando-nos com a coisa a que nos devotamos, temos o sentimento de atuar — intelectual, física, emocionalmente — como uma entidade total num mundo em desintegração. Se não se compreende o impulso e nos devotamos a determinada norma de ação — qualquer que seja ela, um certo pensamento, uma certa ideia, um certo aspecto do saber técnico — ou pertencemos a alguma coisa, isso por certo é um indício de mediocridade.
A mente medíocre quer então investigar a imensidade da vida. Tendo-se ligado a alguma coisa, quer então, em virtude dessa ligação, compreender o sentido de todas as coisas. Ora bem, cumpre-nos investigar o que é a meditação — algo verdadeiramente maravilhoso, que nada tem que ver com romantismos, com combinações de ideias, especulações, visões, ou sensações de toda ordem — pois tudo isso é completamente infantil. Assim, esse impulso a pertencer, a ligar-se a um método, um sistema, tem de ser compreendido.
A maioria de nós — se me permitis dizê-lo sem nenhum desrespeito — é medíocre; mesmo os mais talentosos são medíocres, porque seu talento é parcial, limitado, estreito. Nenhum dom vos deva acima da mediocridade. Pode um pintor pintar os mais belos quadros, mas é ainda uma pessoa medíocre se tem ânsia de fama, de reconhecimento pela sociedade. Ele quer tornar-se rico, conhecido, famoso e tudo isso é indicativo de uma mente pequenina, superficial, vulgar, embora dotada de talento. Em geral, infelizmente, não temos grandes talentos nem grande capacidade de pensamento. Talvez seja melhor assim, porquanto, quando desejamos ardentemente investigar, descobrir algo, o homem que se ligou a alguma coisa se recusa a investigar o que quer que seja a não ser pelas diretrizes que ele próprio escolheu.
Nessas condições, para descobrir o que é a mente meditativa não deve haver ligação nenhuma — e isso é dificílimo, visto que a pessoa pode estar inteiramente devotada à oração, à repetição de palavras, à meditação sobre uma dada coisa, ou devotada a um símbolo. A maior parte de nós estamos devotados a símbolos — e não à realidade, porque a realidade é perigosa demais, sobremodo destrutiva. A mente vulgar não pode conter a realidade; por consequência, procura símbolos, devotou-se aos símbolos — o símbolo da igreja, do cristianismo; o símbolo do hinduísmo; o símbolo do islamismo, etc. A mente medíocre se ligou ao símbolo, à palavra, à sombra, ao irreal; não ao fato, mas à imagem esculpida pela mente ou pela mão, no templo, ou na mesquita, ou na igreja. Observai isso, vede-o vós mesmo. Uma vez ligado a alguma coisa, tratais de meditar e precisais, então, de métodos, de sistemas, para alcançardes o que pensais ser o permanente, o que pensais ser Deus, o que pensais ser a mais maravilhosa das visões. O que pensais é condicionado por vosso passado, pela sociedade em que viveis. Naturalmente, se sois cristão, tendes visões extraordinárias do Cristo, e “projetais” essas visões. Se sois hinduísta, tendes vossas próprias imagens, vossas próprias visões. Toda visão, toda imagem, uma vez projetada, proporciona uma certa sensação; a isso chamais meditação. Mas, se o examinardes, vereis quanto é infantil, porque é vosso próprio desejo que está a buscar preenchimento numa irrealidade sem nenhuma base, a não ser vosso próprio pensamento; este se acha condicionado pelo passado, pela sociedade em que viveis, pela experiência que acumulastes em virtude dessa condição.
A meditação, pois, não é uma busca de visões, imersão na oração. A oração implica súplica, rogo. Quando pedis algo? Quando buscais? Quando achais? Fazeis tudo isso quando vos vedes perturbado, sofrendo, aflito, quando estais em conflito. E isso significa que desejais conforto — não o conforto do lar, porém conforto psicológico. Por isso, orais; e, infelizmente, vossa oração é ouvida, porque achais o desejado conforto. Esse conforto é provocado, formado, numa ideia que tendes projetado, numa ideia ou numa crença ou num dogma em que buscais abrigo, assim como quem busca abrigo numa tempestade — um abrigo feito de palavras, de ideias. Com o perseverar nessa prática, o devotar-se inteiramente a ela, a pessoa espera encontrar abrigo; mas esse abrigo consiste apenas em palavras, não é a realidade, algo substancial. E isso satisfaz à maioria de nós.
Meditação, pois, não é oração, não é o desejo de achar a Verdade. A mente vulgar que busca Deus encontrará o Deus de sua própria vulgaridade. Compreendeis, senhores? Se tenho uma mente comum, limitada, estreita, superficial, cheia de ambição e avidez, de inveja e ciúme de outrem — e começo a pensar em Deus, meu Deus é igualmente vulgar, estúpido; e essa estupidez me satisfaz.
Pois bem, estamos investigando o processo da meditação. Para investigar, deveis em primeiro lugar negar, deveis proceder negativamente — isto é, deveis estar apercebido de algo que nenhuma realidade tem, a não ser a realidade projetada de vosso próprio desejo, vossa própria fantasia; deveis repudiar o falso. Assim, pelo pensar negativo vamos descobrir alguma coisa positiva. Mas o pensar negativo é essencial, pois é a mais elevada forma de pensar e não o pensar positivo. Pensar positivo é mecanismo de imitação, movimento de conhecido para conhecido. Jamais descobriremos o desconhecido se nos movemos meramente do conhecido para o conhecido, que é o chamado processo positivo. Dessa maneira, jamais descobrireis por vós mesmo o que é a meditação real. As coisas que nos têm sido oferecidas como meditação são por demais elementares, completamente desprovidas de base psicológica. Assim, se tendes suficiente interesse, se desejais realmente examinar até o fim a questão da meditação — e não apenas vos entreterdes com ela — deveis meditar quando vos dirigis ao escritório, quando constituís família, quando gerais filhos. A meditação é necessária, porque destrói os muros da mediocridade, os muros da respeitabilidade e da imitação. Necessária é uma mente de todo livre exatamente no começo, e não no fim.
Estamos, pois, pensando negativamente para descobrir o que é a meditação. Meditação não é contemplação: contemplar é pensar numa ideia, concentrar-se numa certa coisa, geralmente um símbolo ou uma frase lida nos chamados “livros sagrados” — que em nada são sagrados, porém simples livros como outros quaisquer. Selecionais uma frase e nela começais a refletir; e chamais isso “contemplação”. Não cuidais de investigar a entidade que contempla. Essa entidade é condicionada; essa entidade é medíocre, estreita, ciumenta. E essa é a entidade que investiga, que se concentra na contemplação de uma certa coisa!
A meditação, pois, não é oração. Meditação não é contemplação. Meditação não é observância de um dado método ou sistema, O método ou sistema condiciona a mente. E, aquilo que o método ou o sistema oferece, obtereis; mas o que obtiverdes será uma coisa morta. É como ter uma mente embotada e estúpida que se disciplinou por um sistema e se recusa a pensar mais; essa mente perdeu toda a flexibilidade, toda a sensibilidade; já não é nova. Assim, a meditação não é um sistema para ser praticado. Não é, por igual, um processo de disciplinar a mente. Segui intelectualmente tudo isso que estou dizendo, se não puderdes fazê-lo realmente. Se na realidade o seguirdes, podereis ir muito longe. Nesta tarde, pretendo ir muito longe com aqueles que sejam capazes de acompanhar-me, sem bagagens, livres.
Consequentemente, a meditação não é nenhuma dessas coisas, nem tampouco é disciplina. Que significa disciplina? Disciplina significa obediência, imitação, ajustamento a um padrão, uma ideia, um ideal; por conseguinte, exprime “controle” que, por sua vez, implica repressão — mas isso não quer dizer que uma pessoa pode fazer o "'que entender. Estamos examinando todo o mecanismo da disciplina. Sempre que há repressão, há contradição; e sempre que há contradição, há conflito e esforço. A mente que forceja para alcançar algo — com exceção de coisas mecânicas — alcançar aquilo a que chama Deus, alcançar um alvo, um fim — é uma mente morta. Para a meditação necessita-se de uma mente sobremaneira flexível, altamente sensível. E ninguém pode ser sensível se está “comprometido”, se está preso a um sistema inventado pelo homem sob a compulsão do medo.
Nada disso, pois, é meditação. Mas é preciso preparar a base para a meditação. Não sendo ela nenhuma daquelas coisas, é de todo fútil pensar sequer nos óbvios artifícios psicológicos com que nos temos enganado através de séculos. É preciso lançar a base correta. A base correta da meditação é: não ser ambicioso, não ter inveja, não aceitar autoridade de espécie alguma. O lançamento da base é da mais alta importância, porquanto sem ela não podemos edificar. Não se pode construir uma casa sem alicerces; ela desaba. Ser sem ambição, sem autoridade, sem inveja, sem medo, sem ciúme, tem de ser uma coisa que deve ser vista imediatamente, e não cultivada como ideal; e aí é que está a dificuldade.
A importância de lançar a base da meditação tem de ser de pronto percebida. Se dizeis: “Eu lançarei a base”, estais introduzindo o fator tempo. Servindo-vos apenas de um tijolo — a inveja — para lançardes a base, podeis dizer: “Não serei invejoso”, por terdes percebido intelectualmente que não é vantajoso sê-lo, que a inveja implica tensão, luta, penas. Mas a mera aceitação intelectual não vos livra da inveja; tampouco vos libertará o dizerdes: “Usarei de um ideal, a fim de livrar-me da inveja; isto é, não serei invejoso” — porque esse “serei” supõe o tempo. Ao afirmardes “Não serei invejoso”, estais introduzindo o fator tempo; isto é, pensais que necessitareis de tempo para vos livrardes da inveja e dizeis que daqui a alguns anos ou em certa data futura estareis livre da inveja. E quando se introduz o tempo, a inveja perdura, sem solução de continuidade; vós não ficais livre dela; sois ainda invejoso quando dizeis: “Não deve haver inveja”. Por favor, compreendei isto: a inveja tem de ser cortada imediatamente, e só poderá ser cortada imediatamente quando virdes a coisa, quando virdes a inveja.
Como já tive ocasião de dizer, nós não “vemos”, nem tampouco escutamos. Nunca vemos, porque temos opiniões a respeito daquilo que vemos. Quando sois invejoso e vos pondes a refletir sobre a inveja, vós a justificais, porque toda a estrutura social baseia-se na inveja e vós sois educado para serdes invejoso; e dizeis: “Como poderei viver neste mundo sem inveja?” Assim, considerais o fato, que é a inveja, com uma opinião preconcebida a respeito dele. A palavra “inveja” já é condenatória e, por isso, considerais a inveja com condenação. Por conseguinte, para verdes a inveja, tendes de estar livre da palavra.
O que estou dizendo não é complicado; é bem simples. Em verdade, é extraordinariamente simples, se escutais, se tentais, mesmo intelectualmente, escutar. A palavra não é a coisa. A palavra é o símbolo. Nós somos criados com símbolos e não com realidades, com aquilo que constitui o fato. A inveja não é coisa que se possa adiar. Ou sois invejoso, ou não sois invejoso. O homem que deseja meditar, que deseja investigar em profundidade a questão da meditação, não tem tempo para adiar a inveja. A inveja tem de cessar completamente, totalmente. Também a ambição tem de cessar por inteiro, porque o homem ambicioso não tem amor. Aqueles que, impelidos pela ambição, buscam posição, prestígio, poder, não têm amor, ainda que falem de paz e de fraternidade. Poderão ter compaixão, piedade, capacidade organizadora para a ação social; mas, amor não têm.
A pessoa invejosa, que compara, que deseja, que busca poder, posição, autoridade, não tem amor. Pode-se ler a respeito do amor no Gita, nos Upanishads e noutros livros; mas o amor não vem por meio dos livros. Só vem o amor se deixastes de ser invejoso, ambicioso, se já não buscais o poder, se já não sois escravo da moralidade social. À moralidade social só uma coisa interessa: o sexo. Não interessa à sociedade a compreensão da avidez, da ambição, da inveja, nem a razão por que seguimos isto ou aquilo.
Para meditardes, precisais lançar a base correta, não nos dias vindouros, porém imediatamente. Isso é dificílimo — é em verdade o ponto crucial da questão, pois nós queremos ser ambiciosos, queremos ser invejosos; e também falamos a respeito de Deus, da Verdade, etc. Nenhum valor têm vossos deuses e vossas verdades, enquanto não houver a base correta. Quando já não estais preso na engrenagem da sociedade e de sua moralidade, quer dizer, quando vossa mente está livre da ambição, da avidez, da inveja, do poder e de todas as coisas que o homem busca porque a isso a sociedade o estimulou desde a infância — então, há liberdade; não amanhã, não no fim de vossa vida, porém exatamente no começo — agora!
Esse é o início da meditação. Implica o conhecimento de si mesmo, e não o conhecimento do Ser Supremo. Não há Ser Supremo para a mente vulgar, a não ser aquilo que ela inventou e a que chama “Ser Supremo”. Assim, quando a mente é livre — não amanhã, porém realmente, imediata e instantaneamente — da inveja, da avidez, da ambição da busca de fama e de poder, então, começa a meditação. Para essa mente cessou o buscar. Ao dizerdes que estais “buscando”, que buscais? Estais buscando algo que já conheceis; do contrário, não “buscaríeis”. Não podeis buscar algo que desconheceis; podeis buscar algo que se pode reconhecer — e o reconhecimento vem do passado. O reconhecimento é parte essencial do conhecimento — isto é, do conhecido. Assim, quando, mediante o autoconhecimento, negais de todo a ambição, a avidez, a inveja, a autoridade, vos tornastes a luz de vós mesmo; a mente, estando então livre, não “comprometida”, já não busca, porque nada tem que buscar; ela está tranquila.
Como pode uma mente limitada buscar a Imensidade? Só será capaz de traduzir a Imensidade nos termos de sua própria vulgaridade e superficialidade. A mente, por conseguinte, deve ficar livre de todas essas coisas. Quando inteiramente livre de todas elas, a mente se torna tranquila; não tem então necessidade de buscar paz de espírito, pois isso seria absurdo, coisa semelhante a pregar contra a corrupção e ao mesmo tempo querer apoderar-se do dinheiro alheio. A pessoa precisa desligar-se completamente da sociedade. Isso não significa abandonar a sociedade, retirar-se para uma floresta, tornar-se eremita — o que é uma mera troca de roupas, mudança de habitação. Vós tendes de desligar-vos da sociedade, para ficardes só; vossa mente já não estará, então, influenciada pela sociedade.
Quando a mente deixa de sofrer a influência social, ela se torna capaz de ficar só. Começa, então, a meditação. Notareis, assim, que o cérebro — que é resultado do tempo; o resultado de todos os instintos animais, biológicos; o resultado do conhecimento acumulado pela sociedade, pela nação, pela raça, pela família — notareis então que o cérebro se torna sobremodo quieto, porque já não está buscando. O cérebro já não está assustado; já não está a perseguir uma ideia; já não está a ansiar por conforto, segurança, permanência. Por isso, ele se torna extraordinariamente quieto; e ele precisa estar quieto, porque todo movimento do cérebro, que é impulsionado pelo passado, tende a “projetar-se” e criar ilusões. Por conseguinte, o cérebro deve estar completamente sereno.
A serenidade do cérebro não é adquirível. Não se pode adquirir quietude; não se pode praticar a tranquilidade, porque o cérebro que a pratica é um cérebro morto. Como é possível forçar o cérebro, em extremo ativo e, necessariamente, sensível — a ficar quieto? Podeis destruí-lo — e de fato o destruís — renunciando ao mundo e fugindo para uma espécie de “outro mundo”, destruindo a beleza e pensando que Deus é diferente dela. A mente sensível não pode ser destruída; ela tem de permanecer sensível. Se compreenderdes o inteiro significado da disciplina, vereis que há uma extraordinária disciplina, resultante da liberdade, livre de controle. Ao praticardes uma disciplina, a praticais por medo ao castigo ou por desejo de recompensa, ou para ganhardes algo que cobiçais. Essa espécie de disciplina torna o cérebro embotado, insensível.
A vida não pertence ao eremita, nem ao sannyasi, nem ao político, ainda que virtuoso. A vida é algo extraordinariamente vasto, imensurável. A mente medíocre não tem possibilidade de compreendê-la. Ela é essencialmente uma mente ambiciosa, ávida, aquisitiva. E no momento em que deixais de ser ambicioso, sob qualquer aspecto — mesmo que se trate da ambição de descobrir Deus — ao abandonardes a ambição, vosso cérebro se torna singularmente quieto. Está então sem nenhum movimento de desejo, porque o desejo foi compreendido. Se um homem compreendeu as visões da imaginação, se compreendeu o significado do pertencer a isto ou àquilo, e tudo isso foi posto de parte, esquecido, esse homem já não é, então, prisioneiro do conhecido. Em geral nos movemos do conhecido para o conhecido; esta é nossa atividade diária. Toda a vossa vida se consome num escritório ou num trabalho técnico, num constante movimento do conhecido para o conhecido. Vossa mente pensa em termos do “conhecido” e, por conseguinte, nunca está livre do conhecido.
A mente meditativa é livre do conhecido — isto é, livre da palavra, do símbolo, da ideia, da crença, do dogma, das projeções do passado. Quando o cérebro está livre do passado, ou, antes, quando o cérebro está quieto, a consciência se torna completamente tranquila — a totalidade da consciência, e não apenas uma parte dela — porque está, então, de todo sã, livre de influências. Já não pertence a nenhuma sociedade, nenhum grupo, nenhuma casta, nenhuma religião, nenhum dogma; para ela tudo isso se acaba. Portanto, há tranquilidade completa na mente; e nessa quietude não existe observador nem coisa observada — porque o observador, conforme já expliquei, resulta da reação do pensamento; o observador, o pensador, é reação do pensamento. Podeis pensar nisso de maneira completa, mais tarde, se vos interessa.
Não há, pois, “estado de experimentar”; é muito importante compreender isso. A experiência — rápida e concisamente definida — é aquele estado em que há reação a um desafio. Toda reação a desafio produz uma experiência, e essa experiência promana de vosso condicionamento. Se sois hinduísta, com esse fundo é que reagis aos desafios, por insignificantes que eles sejam. Mesmo a um “desafio” insignificante, “reagis” com o fundo de vosso hinduísmo, de vosso condicionamento, e essa reação é experiência. Assim, a mente que está experimentando está reagindo e, por conseguinte, não é uma mente livre.
A mente tranquila nunca está em busca de experiência, de qualquer espécie que seja. E, se não está buscando e, por conseguinte, está perfeitamente serena, sem nenhum movimento do passado e, portanto, do conhecido, podereis ver, então, que há um movimento do Desconhecido, o qual não é reconhecível, nem traduzível, nem exprimível por palavras; podereis ver, então, que há um movimento que é o movimento da Imensidade. Esse movimento é o movimento do Atemporal, porque, nele, o tempo não existe, nada existe para experimentar, nada para ganhar, alcançar. A mente conhece, então, a criação — não a criação do pintor, do poeta, do discursador, porém aquela criação que não tem “motivo”, que não tem expressão. Essa criação é amor e morte.
Tudo isso, do começo ao fim, é o caminho que a meditação percorre. O homem que deseja meditar deve compreender a si próprio. Se não conheceis a vós mesmo, não podeis ir longe. Por mais que tenteis ir longe, nunca ultrapassareis vossa própria “projeção”; e vossa própria “projeção” está muito perto, e a parte alguma vos leva. Meditação é aquele processo de lançar imediatamente a base e de fazer nascer — naturalmente, sem esforço algum — aquele estado de tranquilidade. Só então existe uma mente fora do tempo, fora da experiência e fora do conhecimento.
Krishnamurti, Nova Déli, 7 de fevereiro de 1962, A mutação Interior