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domingo, 8 de abril de 2018

O mecanismo do condicionamento

O mecanismo do condicionamento

ESTA é a última da presente série de conferências, e eu gostaria de saber o que todas estas palestras e discussões significaram para a maioria de nós. Que foi que entendemos, até que ponto penetramos os nossos problemas e os compreendemos? Estivemos a escutar com o propósito único de encontrarmos uma resposta, uma solução para os nossos problemas, uma maneira prática de proceder, em relação aos sofrimentos e provações da existência? Ou abrimos caminho para um conhecimento mais amplo e mais profundo de nós mesmos, a fim de podermos, independente e livremente, resolver os problemas que, inevitavelmente, surgem em nossa vida? Considero muito importante, depois de termos escutado estas palestras e discussões, descubramos por nós mesmos o que foi que compreendemos e de que maneira essa compreensão está operando em nossas atividades diárias. É bem de ver que o mero escutar, separado da ação, mui pouco significa; e parece-me que seria completamente inútil e vão assistir a essas conferências sem delas se extrair alguma coisa — não uma coisa artificial, uma conclusão lógica, ou um plano sistematicamente concebido para as atividades futuras, porém, antes, o rompimento das estreitas muralhas de condicionamento que estão tornando a mente incapaz de perceber a totalidade das coisas. Se, assistindo-se a estas palestras, foram demolidas essas muralhas, essa é que é a única coisa importante, e não o quanto se aprendeu, ouvindo-as. O que mais importa é descobrirmos por nós mesmos o nosso próprio condicionamento e o dissolvermos, espontaneamente, sem esforço, quase inconscientemente; porque não é o pensamento deliberado, com sua ação peculiar, porém, antes, a dissolução espontânea e quase inconsciente, do condicionamento, que irá libertar a mente.

Assim, considerando-se o presente estado da sociedade, a extrema confusão em que nos achamos — com guerras, desigualdades, degradações de toda ordem, e a constante batalha interior e exterior — parece-me sumamente importante, para os que levamos verdadeiramente a sério estas conferências, descobrirmos se efetuamos uma radical transformação de nos mesmos; porque, em última análise, só o indivíduo, e não as circunstâncias, é que é capaz de operar a transformação radical. Quando nos limitamos a resignar-nos às mudanças das circunstâncias, a mente resolve os seus problemas num nível muito superficial, tornando-se assim inferior e incapaz de perceber o todo. Penso que é a compreensão do todo, da totalidade, do ilimitado, ou mesmo um simples entreabrir da mente condicionada, que pode resolver os nossos problemas, e não o processo de dissecar e analisar os nossos problemas, um a um. Uma árvore é constituída não apenas do tronco, dos ramos, das flores, dos frutos, mas também das raízes profundamente ocultas no seio da terra; e, sem a compreensão disso, sem o sentimento da totalidade, ninguém é capaz de experimentar a plenitude, a beleza da árvore.

Agora, parece-me que o que em geral estamos fazendo é muito lamentável. Com o esforço para compreendermos as nossas lutas e angústias diárias, parceladamente, isto é, pela gradual acumulação de conhecimentos, pensamos que compreenderemos a totalidade da vida. A reunião de muitas partes não faz o todo. Se juntamos folhas, ramos, um tronco e algumas raízes, não teremos uma árvore; mas é isso o que estamos fazendo. Aplicamo-nos aos problemas da vida separadamente, e não considerando-a como um processo unitário; e o todo não pode ser compreendido pelo conhecimento analítico, cumulativo. O conhecimento tem o lugar que lhe compete; mas o conhecimento se torna um empecilho, uma verdadeira barreira ao descobrimento da verdade, em sua totalidade, sua beleza — descobrimento que requer uma mente extraordinariamente simples.

Como a quase todos nós só interessa o que se deve fazer, desejareis saber quais foram os resultados práticos obtidos do escutar estas palestras. Estou certo de que muitos de vós fizestes a vós mesmos estas perguntas, e outros a fizeram a mim. Espero sinceramente que nada de prático tenhais ganho; porque a mente só busca o prático, o útil, o exequível, quando interessada nas insignificantes atividades geradas pelo seu próprio impulso. "Como pôr em prática o que escutei? De que maneira utilizá-lo?" — tais perguntas parecem-me muito superficiais, e só a mente limitada as faz, não aquela que percebe a totalidade, a imensidão da vida, com seus múltiplos problemas. Ao perceber-se realmente a imensidade, a extraordinária profundeza e vastidão da vida, esse próprio percebimento produz ação que não vem da mente limitada. O que a mente limitada, condicionada, faz é produzir uma atividade adequada às suas próprias dimensões, e por este motivo existe confusão e cada vez mais confusão.

Porque é que pensamos parceladamente, isto é, considerando só determinado setor da sociedade? Já vos fizestes esta pergunta? Não é porque nossa mente está condicionada pela literatura que lemos, pela educação que recebemos, pelas influências culturais e religiosas a que estamos expostos, desde a infância? Todos esses fatores condicionam a mente, e é esse condicionamento que nos faz pensar parceladamente. Pensamos em nós mesmos como hinduístas ou cristãos, americanos ou russos, como pertencentes ao mundo asiático ou ao mundo ocidental. Aqui na Índia, dividimo-nos mais ainda: somos malabaris, madrasis ou gujarathis, pertencemos a esta ou àquela casta, lemos este ou aquele Livro.

Senhor, posso pedir-vos não tirardes fotografias agora? Não sei se sabeis qual é a finalidade destas reunires. É deplorável ser necessário lembrar-vos que espécie de reunião é esta. Tirando fotografias, observando as pessoas que entram, procurando entre os assistentes os vossos amigos, conversando uns com os outros — com isso denotais desrespeito, não à minha pessoa, mas ao vosso próximo e a vós mesmo. Quando uma pessoa é incapaz de, diligente e resolutamente, levar até ao fim um pensamento, isso denuncia a que extrema superficialidade ela reduziu a si própria. Se simplesmente escutardes, tenho fortes razões para afirmar-vos que nesse escutar quebrareis o vosso condicionamento; o ato de escutar é tudo o que é preciso. A reflexão posterior, as ideias que acumulais e guardais para serem meditadas ulteriormente, isso não vos dará liberdade. O que demolirá a muralha é dar-lhe agora toda a atenção; e não podeis dar-lhe toda a atenção, se vossa mente está a divagar, se estais distraído. Ao ouvirdes uma canção que amais ou vossa música predileta, nenhum esforço fazeis; escutais, simplesmente, deixando a música exercer sua peculiar ação sobre vós. De modo semelhante, se escutardes agora com essa qualidade de atenção, com essa ausência de esforço, vereis que o próprio ato de escutar produz efeito de muito maior significação do que qualquer esforço deliberado, de vossa parte, para escutar, racionalizar, e pôr em prática o que ouvis.

Já perguntei porque estamos, todos nós, a pensar parceladamente, em pequenos segmentos, quando no mundo inteiro os entes humanos estão lutando com mais ou menos os mesmos problemas, experimentando as mesmas ânsias, os mesmos temores, as mesmas alegrias transitórias. Porque não tomamos como um todo esta coisa estupenda que é nossa vida sobre a Terra, considerando-a como algo que temos de compreender, não como indianos ou ingleses, chineses ou alemães, comunistas ou capitalistas, porém como entes humanos? Não é porque estamos pensando dentro desses pequenos segmentos que vivemos perpetuamente a disputar, a guerrear, a destruir-nos mutuamente? E esse pensar parcial, essa compreensão fracionária se tornou possível porque, pela nossa educação, pelas influências sociais, pela chamada instrução religiosa, pelos livros e suas interpretações, nossa mente se tornou condicionada. Só a mente não condicionada pode ser livre; e não se pode "descondicionar" a mente quando, deliberadamente, nos pomos a atuar nesse sentido. É preciso compreender o mecanismo integral do condicionamento e porque a mente está condicionada. Todo ato, todo pensamento, todo movimento da mente, é limitado; e é com essa mente limitada que estamos tentando compreender algo que tem a profundeza e a amplidão da existência inteira.

A questão, pois, não é o que se deve fazer, nem se se aprendeu algo de prático, assistindo-se a estas reuniões. Não é pelo mero esforço para encontrar uma resposta, uma solução para o problema, porém, antes, pelo escutar, pelo discutir, pelo profundo investigar, pelo fazer perguntas sérias e fundamentais, que se quebra o condicionamento da mente. Mas o condicionamento da mente deve quebrar-se por si, a mente nada pode fazer nesse sentido. Estando condicionada, não pode atuar sobre seu próprio condicionamento. Uma mente estreita que tenta tornar-se ampla, continuará estreita. A mente limitada pode conceber Deus, a Verdade, mas suas concepções só podem ser uma "projeção?' de sua própria limitação. Uma vez percebendo isso, a mente já não formula o que é Deus nem luta para ser livre. Deixa tudo isso de parte, porque agora só lhe interessa o investigar do "mecanismo" integral do condicionamento; e se uma pessoa sente verdadeiro interesse, verá que esse próprio investigar lhe abrirá a porta, de modo que seu condicionamento é revelado e destruído. Vós não podeis destruir o vosso condicionamento; mas o próprio percebimento do fato de estardes condicionado, produz uma vitalidade que destrói o condicionamento. Parece que não percebemos isso. O próprio fato de ser eu ávido e de saber que o sou, tem sua vitalidade própria, capaz de destruir a avidez.

Nessas condições, se pudermos verdadeiramente investigar e compreender porque a mente pensa fracionariamente, tenho certeza de que descobriremos um fato muito importante acerca de nós mesmos; e é desse investigar que nasce a individualidade. No presente, não somos indivíduos livres, condicionados que estamos pela sociedade e sendo meros brinquedos do ambiente; mas se a mente puder investigar esse condicionamento, e, assim, livrar-se dele, surgirá então o verdadeiro indivíduo, que não segue ninguém, que não reconhece nenhuma autoridade ou líder; e com esse estado mental livre de influências, nasce aquela ação criadora que não pertence ao tempo.

Assim, pois, permiti-me sugerir que não investigueis para verdes o que podeis aprender. Se escutais unicamente com o fim de aprender, criais um instrutor, que seguis. O importante, decerto, é percebermos muito claro que nossa mente é limitada, condicionada — o que é um fato tão óbvio — e que qualquer solução que seja encontrada pela mente limitada, será também limitada. O próprio percebimento desse fato — de que estais condicionado, de que vossos valores, vossas opiniões, vossos conhecimentos, vossos juízos, são sempre limitados, sem brilho, vazios — é o começo da humildade. Não é a mente que cultivou a humildade, porém aquela que é simples, humilde, que se acha sempre num estado de "não saber" — que pode descobrir o desconhecido. A mente que busca a virtude, a respeitabilidade, que está à cata de um sistema, de uma filosofia prática, para viver neste mundo, nunca encontrará o incognoscível. Mas a mente que, compreendendo seu próprio condicionamento, se torna simples, humilde; a mente que não acumula, que se acha incerta e sempre num estado de "não saber", sendo por essa razão uma coisa viva, ativa, dinâmica — só essa mente pode experimentar o incognoscível ou permitir a sua manifestação.

Krishnamurti, Oitava Conferência em Bombaim
28 de março de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

quinta-feira, 5 de abril de 2018

A libertação do “eu” e da própria mente


A libertação do “eu” e da própria mente

PERGUNTA: Muitos dos que passaram pela desastrosa experiência da guerra parecem incapazes de achar o seu lugar no mundo moderno. Jogados para todos os lados pelas vagas desta sociedade caótica, flutuam à deriva, de ocupação em ocupação, e sua vida é lastimável. Sou uma dessas pessoas. Que devo fazer?

KRISHNAMURTI: Quando uma pessoa está em revolta contra a sociedade, que acontece, geralmente? Sob compulsão ou impelida pela necessidade, ela se submete a um certo padrão social e fica sustentando uma batalha incessante dentro de si mesma e com a sociedade. A sociedade fez de vós o que sois, desencadeou, guerras e semeou a destruição. Esta civilização baseia-se na inveja, na agitação, suas religiões não produzem nenhum homem religioso. Pelo contrário, destroem o homem religioso. Que pode então um indivíduo fazer? Alquebrado pela guerra, ou se torna neurótico, ou para não se tornar neurótico recorre à ajuda de alguém, procurando adaptar-se ao padrão social. E continua, assim, a manter-se uma sociedade produtiva de insânia, de guerras e de corrupção. Ou, ainda — o que realmente é dificílimo — o indivíduo pode examinar toda a estrutura da sociedade e libertar-se dela. Estar livre da sociedade significa não ser ambicioso, não ser ganancioso, não ser competidor; significa “ser nada”, perante essa sociedade que luta para ser algo. Mas esse estado é muito difícil de aceitar, porque o indivíduo está sujeito a ser pisado, empurrado para o lado, e nada possuirá. Nesse “estado de nada” há sanidade, e não no outro. No momento em que perceberdes isso, no momento em que fordes o mesmo que nada, nesse momento a Vida cuidará de vós. Ela o fará. Algo acontecerá. Mas isso requer uma profundíssima penetração da estrutura da sociedade. Enquanto queremos fazer parte dessa sociedade, havemos de gerar a insânia, as guerras, a destruição e o sofrimento; mas o libertarmo-nos dessa sociedade, que é a sociedade da violência, da riqueza, da posição, do sucesso — isso exige paciência, investigação, descobrimento, e não a leitura de livros, a busca ansiosa de instrutores, psicólogos, etc.

PERGUNTA: Estou intrigado com esta frase que empregastes na vossa palestra da semana passada: “uma mente perfeitamente controlada”. Uma mente controlada não supõe a vontade ou uma entidade controladora?

KRISHNAMURTI: De fato empreguei a expressão “uma mente controlada”, e pensava ter esclarecido a sua significação. Vejo, entretanto que não fui compreendido, e por isso explicar-me-ei de novo.

Não é necessário termos, não uma mente controlada, mas uma mente muito firme, uma mente sem distrações? Segui-me por favor. A mente não sujeita a distrações é aquela em que não existe nenhum interesse central. Quando há interesse central, há distrações. Mas a mente que está completamente atenta, mas não para um determinado objeto, é uma mente firme.

Ora, examinemos rapidamente a questão do controle. Quando há controle, há uma entidade que controla, que domina, que sublima ou procura substitutos. No controle, pois, há sempre um mecanismo dual: a entidade que controla e a coisa que é controlada. Por outras palavras, há conflito. Com certeza percebeis isso. Há a entidade que controla, que avalia, que julga, o juiz, o experimentador, o pensador; e, do lado oposto, a coisa que está sendo examinada, controlada, reprimida, sublimada, etc. Há, assim, sempre uma batalha entre duas entidades: o que é, e o que diz “devo ser”. Esta contradição, este conflito, é um desperdício de energia. E é possível ficarmos só com o fato, sem o “controlador”? É possível eu perceber o fato de que sou invejoso, sem dizer que é mau ser invejoso, que é um estado anti-social, anti-espiritual, que deve ser modificado? Pode a entidade que avalia desaparecer completamente e restar só o objeto? Pode a mente considerar o fato sem avaliação, quer dizer, sem opinião? Quando há opinião a respeito de um fato, há confusão, conflito. Espero que estejais compreendendo.

A confusão é um desperdício de energia, e a mente está necessariamente confusa quando se abeira de um fato com uma conclusão, uma ideia, opinião, juízo, condenação. Mas quando a mente percebe o fato como verdadeiro, sem ter opinião a seu respeito, há então apenas a percepção do fato, e desta percepção resulta uma extraordinária firmeza e sutilidade da mente, porque então não há mais diversões nem fugas, nem juízos, nem conflito, de modo que a mente não desperdiça as suas energias. Só há, então, pensar, sem pensador; mas o experimentar de tal coisa é dificílimo.

Vede o que ocorre. Assistis a um belo pôr de sol. No momento preciso em que o presenciais, não há experimentador, há? Só há o sentimento de uma grande beleza. Depois, a mente diz: Que belo que foi! Desejo mais" — e começa o conflito do experimentador a desejar mais experiência. Ora, pode a mente achar-se num “estado de experimentar”, sem haver experimentador? O experimentador é memória, é o coletivo. Estais percebendo? Posso contemplar o pôr do sol, sem comparar, sem dizer “Que belo espetáculo, quem me dera gozá-lo mais vezes!” — posso? O mais é produto do tempo, que encerra o medo de terminar, o medo da morte.

PERGUNTA: Há dualidade entre a mente e o “eu"? Se há, como libertar a mente do “eu"?

KRISHNAMURTI: Existe dualidade entre o “eu”, a pessoa, o “ego”, e a mente? Certo, não existe. A mente é o “eu”, o “ego”. O “ego”, o “eu”, é esse impulso de inveja, brutalidade, violência, essa falta de amor, essa busca perene de prestígio, posição, poder, essa luta para se ser alguma coisa; e isso é o que a mente também está fazendo, não é? A mente está sempre a pensar em como progredir,­ adquirir mais segurança, uma posição melhor, mais conforto, mais riqueza, mais poder e tudo isso é o “eu”. A mente, portanto, é o “eu”; o “eu” não é uma coisa separada, embora gostemos de pensar que o seja, porque então a mente pode controlar o “eu”, fazer esse jogo de vaivém, de subjugar o “eu”, procurar alterá-lo — jogo infantil da mente educada, “educada” no sentido errôneo que se costuma dar à palavra.

Assim, pois, a mente é o “eu”, esta mesma estrutura aquisição. E o problema é: Como pode a mente libertar-se de si própria? Tende a bondade de seguir isto. Se a mente faz qualquer movimento para se libertar, ela é ainda “eu”, não achais?

Vede: Eu e minha mente somos a mesma coisa; não há divisão entre mim e a minha mente. O “eu” que é invejoso, ambicioso, é a mesmíssima mente que diz “Não devo. ser invejosa, devo ser nobre” — o que acontece é só que a mente dividiu a si mesma. Ora, se percebo isso, que devo fazer? Se a mente é produto do ambiente, da inveja, da avidez, de condicionamento, que lhe compete fazer? Sem dúvida, todo movimento que ela faça para se libertar, decorre desse condicionamento, não é exato? Estais compreendendo? Todo movimento que a mente faz para se libertar de seu condicionamento, é ação do “eu” que quer ser livre, a fim de ser mais feliz, ter mais paz, sentir-se mais perto da mão direita de Deus-Pai. Mas eu percebo tudo isso, todos os movimentos e truques da mente. Por conseguinte, a minha mente está quieta, completamente tranquila, imóvel; e nesse silêncio, nessa tranquilidade encontramos a libertação do “eu” e da própria mente.

Por certo, o “eu” só tem existência no movimento da mente para obter alguma coisa ou evitar alguma coisa. Se não há movimento de obtenção ou evitação, a mente está então muito tranquila. E só então nos é dada a possibilidade de ficar livres da totalidade da consciência, como “coletivo” e como oposto do coletivo.

Krishnamurti, 28 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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sábado, 1 de abril de 2017

Será que a mente racional, de fato, comanda o nosso ser?


Ao refletir sobre as complexidades da mente, pode ser útil pensarmos em nossa consciência comum como um navio, tendo como capitão a mente racional e valorativa, que mapeia o curso que nossa vida irá seguir. Nossos sentidos e sistema nervoso, bem como os centros cognitivos da mente, possuem todos suas próprias redes que distribuem força para todo o navio. No entanto, eles também trabalham em conjunto, coordenados pela mente. 

O intrincado sistema de alimentação de força do nosso navio-mente inclui incontáveis interações que estimulam a energia da consciência, evocando correntes de força que entram em nossa cognição com grande ímpeto, à medida que pensamentos explodem em imagens. Estas imagens multiplicam-se, refletem-se, fundem-se e dividem-se em mais imagens, que dão continuidade aos mesmos processos. Interagindo umas com as outras e criando de volta inúmeras réplicas, estas imagens cambiantes estruturam-se em padrões definidos. Os padrões de imagens encontram-se também em movimento, dividindo-se em reformando-se em um sem-número de combinações, Toda esta atividade transcorre dentro do pensamento, como se o pensamento em si fosse uma esfera de prismas facetados, cada qual tendo a oportunidade e o brilho de um diamante. 

Pensamentos isolados giram para fora desta esfera, para se disporem em progressão linear, dentro de uma cadeia de pensamentos correlatos. Estes, por sua vez, interagem entre si e se proliferam numa complexa dinâmica interna, que inclui surtos de impressões sensoriais, percepções, lembranças, associações e interpretações, que jorram juntas e respondem umas às outras sem cessar.

Mesmo antes que consigamos vislumbrar um pensamento que vem surgindo, o processo está quase que concluído, despertando sentimentos e emoções que canalizam mais energia para ciclos padronizados. O sistema inteiro está pré-programado para disparar automaticamente, com o início do processo de percepção. 

Nosso navio-mente navega num oceano de emoções, algumas vezes encontrando bom tempo, outras atravessando tempestades. O oceano, em movimento com as correntes alternadas dos desejos, raramente é calmo; guiando o navio através de águas incertas, o capitão toma decisões que determinam o nosso curso. 

Mas será que podemos confiar em nosso capitão para nos guiar com sabedoria? Em um nível, pensamos que conhecemos a nossa mente. Treinamos suas capacidades racionais e as utilizamos e as utilizamos para conferir uma ordem coerente à nossa vida. Podemos testar a sensibilidade dos nossos sentidos e localizar, em nosso cérebro, os centros que a eles correspondem; podemos acompanhar a trajetória do processo da percepção, definir nossas faculdades integrativas e analíticas, e mensurá-las de acordo com uma escala de definições. Mas será que estes métodos conseguem revelar toda a extensão da capacidade humana? 

Quanto mais de perto olhamos para a natureza da mente, menos confiantes ficamos. Consideramos a mente o árbitro do nosso conhecimento. Tudo aquilo que constitui a nossa realidade é percebido pela mente. A mente nos diz o que é conhecível e o que é inconhecível; nossas perguntas surgem dentro da mente e são respondidas pela mente. A mente mede, a mente interpreta, a mente desenvolve diálogos com a mente, a mente avalia e julga, a mente decide. 

Quando investigamos a natureza do nosso mundo interior de sentimentos, emoções, pensamentos, lembranças, associações e conceitos, vemos que a mente é, igualmente, o árbitro da nossa experiência. Porém, se tentamos investigar o campo que está por trás das nossas percepções e pensamentos, a mente se mostra curiosamente silenciosa. Parece que a mente consegue apenas fazer mensurações dentro de padrões de pensamentos e de conceitos; a mente não tem medidas para ela mesma. 

Será que a mente racional comanda verdadeiramente o nosso ser? Como é ela influenciada por emoções, por sentimentos e pelas flutuações na receptibilidade dos nossos sentidos? Qual é a verdadeira natureza do pensamento? Existiriam outros aspectos da nossa consciência que não entendemos por inteiro? Se existissem, como é que ficaríamos sabendo? O que acontece com a nossa consciência quando dormimos, quando passamos horas sem consciência de que estávamos pensando? Será que realmente sabemos quem somos, e, em caso negativo, será que podemos saber para onde estamos indo? 

Podemos nós confiar na capacidade da nossa mente discernir entre o verdadeiro e o aparente, ou distinguir entre valores reais e superficiais? Mesmo quando pensamos que estamos sendo racionais ou razoáveis, será que este é sempre o caso? Nossa posição pode parecer razoável na superfície e, no entanto, estar fundamentada em suposições falsas. Se somos hábeis, conseguimos justificar quase que qualquer posição que tenhamos interesse em assumir. Mesmo inconsequentemente, podemos mudar de uma posição para outra, em diferentes ocasiões, automaticamente ajustando os "fatos" de modo a se encaixarem nos nossos propósitos. Da mesma forma que tendemos a ser enganados por aparências externas, tendemos a aceitar argumentos lógicos como convincentes, sem examinar muito de perto as suposições que estão apoiados. É possível que vejamos a palavra escrita de maneira ainda menos crítica do que a falada. Como os pensamentos que as precederam, as palavras tendem a ser "verossímeis" quando apresentadas "racionalmente" — esquecendo-nos de que tanto as palavras quanto a lógica são produtos da mente humana. 

As percepções são instantaneamente nomeadas e rotuladas pela mente, dando origem ao pensamento e ideias que criam uma determinada versão da realidade. Nosso senso de "realidade" é especialmente acentuado quando estamos envolvidos por uma forte emoção, como por exemplo, a raiva. Aí, afirmamos, negamos, rejeitamos, tudo com a base no que "sabemos" ser o correto. No entanto, daí a instantes, podemos estar nos sentindo ternos e carinhosos. Então, pode ser que a nossa realidade seja diferente; os motivos da nossa raiva talvez não sejam mais contundentes; mais tarde, podemos até negar a nossa raiva passada. Será que uma "realidade" era menos real do que a outra? Que tipo de fio une estas duas "realidades"? Nós poderíamos, provavelmente, estabelecer uma ligação que soasse muito plausível. Será que estas ligações são válidas, ou será que são suposições? Será que são verdadeiras em si mesmas, ou será que são aquilo que gostaríamos de acreditar que fosse verdade? Como é que podemos saber?

A "construção" da nossa realidade pode ser vista mais claramente em circunstâncias em que sentimos necessidade de nos "acobertar". Raramente precisamos mentir — geralmente existem muitas "meias verdades" que servem para nos proteger. Em um certo sentido, nenhuma das nossas respostas precisa estar errada, embora todas possam ser enganosas. Facilmente perdemos de vista as formas sutis pelas quais escondemos a verdade pura de nós mesmos e dos outros. Uma vez que tenhamos explicado nosso comportamento e a outra pessoa tenha aceito nossas razões, nossa mente pode tomá-las como sendo toda a verdade. As palavras conferem solidez às nossas razões; depois que as palavras são pronunciadas, podemos facilmente nos convencer de que são verdadeiras. Não temos proteção alguma contra tais enganos, que nascem da qualidade oscilante de nossa própria mente. É possível que a nossa "realidade" seja mais "flexível" e instável dos que nos damos conta.

Esta qualidade oscilante parece permear todas as nossas experiências. Por exemplo, valorizamos nosso direito de "mudar de ideia", mas será que esta "mudança" toma por base conhecimentos novos que investigamos a fundo? Ou será que ela reflete apenas uma alteração de interesse ou de motivação? Até que ponto é estável a nossa ligação com as coisas que possuem valor e valem a pena buscar? Como é que podemos confiar em nossas ideias, quando elas podem "mudar", ser mudadas ou influenciadas tão facilmente?

Não dispondo de um maior conhecimento sobre o funcionamento da mente, alimentamos nossa consciência com uma dieta mista de coisas verdadeiras e falsas, reais e artificiais, a começar dos pensamentos que surgem em nossa mente. Quando acreditamos na realidade dos pensamentos e imagens criados pelo impulso arrebatador da cognição, fundimos nossa consciência a ilusões, e plantamos as sementes do auto-engano. A cada vez que surgem percepções mais pensamentos são criados, repetindo-se o processo de fusão da nossa consciência a ilusões. 

Nossa consciência fica sintonizada neste processo contínuo; as sementes anteriormente plantadas deitam raízes e se desenvolvem. A qualidade de pureza original da percepção diminui; uma qualidade de inquietação permeia todas as nossas experiências, condicionando nossa visão de nós mesmos e do nosso meio. Ao buscar contato com o real, encontramos o superficial, o provisório e o artificial.

Dado que a nossa consciência tem uma fixação tão forte no polo objetivo das nossas experiências, fica muito difícil olharmos para dentro e nos estudarmos de perto. Apesar de todos os nossos conhecimentos a respeito do mundo observável, e da nossa engenhosidade em manipular o nosso meio ambiente, pouco sabemos sobre a nossa própria natureza.

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade        

A formação da limitada e separatista mente dual


Em algum ponto no passado, os seres humanos começaram a reconhecer contrastes de luz e sombra como formas isoladas às quais podiam dar nomes. Contrastando, identificando e nomeando formas, eles criaram um mundo de polaridades interdependentes (dualidade): grande e pequeno, duro e macio, macho e fêmea. Embora todas estas distinções, bem como os rótulos aplicados a elas, foram criação da mente humana e variassem em caráter de cultura para cultura, com o tempo adquiriram maior substância e passaram a ser vistas como efetivamente sólidas e reais.  

A partir desta única semente, com raiz no processo da percepção, os seres humanos criaram o "eu" e o seu mundo. Eles se transformaram em espectadores que vivenciavam seu meio comum como um mundo objetivo. Ao olhar para dentro, podiam refletir sobre os contrastes que percebiam em seus próprios estados interiores, e dar nomes a sentimentos e emoções. Assim, foi-lhes possível distinguir entre gostos e aversões, prazer e dor; podiam recordar e refletir sobre suas sensações. Empregando nomes, os seres humanos podiam avaliar sua experiência e expressar preferências e opiniões. 

Gradativamente, os nomes foram adquirindo maior significado, através de associações com outros nomes; conceitos se tornaram mais complexos. Mais tarde, criou-se uma base que viria possibilitar pensamentos mais abstratos e sofisticados. Derivados desta longa cadeia de desenvolvimentos, moldados pela linguagem, pela cultura e pelo meio ambiente, nossos atuais padrões mentais evoluíram ao longo de muitos milhares de anos. 

Durante toda a história da humanidade, a parte da nossa consciência que se liga a objetos recebeu contínuos reforços. Canais profundos foram entalhados em nossa mente, direcionando nossa energia mental para o plano dos objetos, e distanciando-a da dimensão aberta da consciência. A cada pensamento ou sensação, nossa mente agora ágil com a velocidade de uma corrente elétrica para absorver o mundo aparentemente objetivo. Desde o nascimento, somos condicionados a estes padrões de percepção, pensamento e reação

Automaticamente, empregamos estes padrões para interpretar objetos e situações, e responder a eles. Esta forma única de reagir é tudo o que conhecemos: como um trem segue seus trilhos, parecemos predestinados a seguir o caminho demarcado pelo curso da nossa evolução. Embora possamos estar convencidos de que estamos pensando e agindo de acordo com nossas próprias escolhas, na verdade vivemos condicionados por um sentido de separação e pelo jogo de atração e repulsão das polaridades. Estamos fadados a avaliar e reagir a todas as coisas em termos de agradável e desagradável, desejável e não-desejável, bom e ruim. 

Comprometidos com uma visão baseada na dualidade, e confinados às estruturas conceituais que emergem a partir desta visão, não conseguimos conceber a possibilidade de uma estrutura mais aberta para os nossos pensamentos e ações. Quase nada existe em nosso modo de vida que nos leve a qualquer indagação sobre os nossos padrões de percepção e pensamento, ou a qualquer reflexão sobre as inclinações mais profundas da nossa maneira de ver a nós mesmos e ao nosso mundo. 

Ao mesmo tempo, a força atrativa do mundo objetivo tornou-se mais intensa do que em qualquer outra época. As sociedades modernas deram luz a inúmeras tecnologias novas, colocando em movimento um tipo moderno de evolução, alimentado pela inventividade da mente racional. Embora nossa evolução científica e tecnológica seja um desenvolvimento recente na história do planeta, sua força fez crescer de forma significativa o impulso natural das mudanças. 

[...] À medida que o mundo se torna mais caótico e confuso, será que estaremos sendo mais e mais atraídos pela previsibilidade racional do computador? Será que alguns de nós poderão chegar até a se identificar mais com a inteligência computadorizada do que com seus semelhantes? (o aparelho celular como exemplo). Será que com o tempo vamos começar a avaliar nossa própria inteligência por comparação aos computadores?
[...] As respostas a estas perguntas precisam estar fundadas em um conhecimento do ser humano que seja o mais completo possível. Antes que sejamos arrastados na direção de um futuro que talvez não se apresente da maneira como desejamos, precisamos olhar de perto para a nossa situação atual, e começar um processo de exame da base mesma do nosso conhecimento — nossa consciência humana e a natureza da nossa mente. 

sexta-feira, 31 de março de 2017

Os conceitos e a "linha de enredo" do pensamento

Se refletirmos sobre a natureza dos conceitos e sobre a maneira não-crítica como aceitamos a realidade que eles criam, poderemos ter a impressão de estar presos no meio de um elaborado programa de computador que funciona sem a nossa decisão consciente. E, no entanto, tendemos a achar que comandamos o nosso pensamento. Somos nós que estamos operando o programa, ou será que é ele que está nos operando? Seríamos capazes de nos separar do programa e permitir que os nossos pensamentos e ações fossem informados por um conhecimento mais abrangente e confiável, intrínseco ao nosso próprio ser?

À luz de uma compreensão mais ampla, será que poderíamos retreinar a nossa mente para uma forma mais satisfatória de visão? Seria possível uma visão que conseguisse penetrar as nossas estruturas e padrões conceituais? Haveria um meio de abrirmos os nossos conceitos e revitalizá-los com significados que nos permitissem comunicar nossas ideias de forma mais completa? Poderíamos encontrar conceitos que fossem mais próximos da qualidade imediata de nossa experiência, e mais sintonizados com os nossos insights e sentimentos?

Talvez haja meios de vislumbrarmos um lado mais sutil da nossa consciência que poderia nos permitir examinar, com maior clareza, os padrões fixos da mente. Quando relaxamos o corpo, podemos diminuir o ritmo dos pensamentos e das imagens, e observar mais diretamente o processo dos pensamentos em si. 

Este relaxamento não precisa de qualquer técnica especial. É simplesmente uma questão de observarmos os pensamentos que vêm, sem comentários nem interpretações. Quando experimentamos esta maneira de observar o funcionamento da mente, o que vemos talvez não seja bem o que esperávamos: pode parecer não muito importante. Porém, com o tempo, é possível que comecemos a observar com uma qualidade de concentração relaxada e não-forçada, a qual, em si mesma, pode constituir uma experiência nova. Esta forma de olhar para dentro pode levar a importantes insights acerca da natureza dos pensamentos, bem como uma nova consciência das ligações que existem entre os pensamentos e os sentimentos.

Os pensamentos, quando deixados por si só, tendem a caminhar até um ponto em que pausam, quase como se tivessem convergido para uma parede vazia. Pode ser que já tenhamos vivenciado esta pausa, num momento em que seguíamos rigorosamente um determinado encadeamento de pensamentos, ou que nos percebemos "entalados" num problema. A qualquer momento, a mente pode ficar silenciosa por um instante. Se notamos esta pausa, geralmente consideramos que chegamos ao fim de uma cadeia de pensamentos. Se nenhum pensamento novo surge para continuá-la, voltamos nossa atenção para um outro assunto. 

No entanto, este aparente "beco sem saída", onde os pensamentos caminham para um único ponto e se desfazem, pode também representar a porta para um novo conhecimento. Focalizando-nos neste ponto com uma concentração equilibrada, podemos ver possibilidades de um modo de conhecer que se encontra além de nossos padrão habitual de pensamento.

Se permanecermos relaxados e atentos, poderemos perceber uma sensação de luminosidade, como se através do silêncio brilhasse uma luz. O fluxo normal dos pensamentos e o hábito de fixarmos a atenção no conteúdo dos pensamentos, dão-nos poucas oportunidades de perceber a presença de luz em nossas imagens mentais. Se afrouxarmos nosso apego ao conteúdo dos pensamentos e ficarmos atentos aos pensamentos em si, poderemos percebê-los surgindo de dentro desta luminosidade, logo antes de tomarem a forma de palavras.

O processo acontece tão rápido que imediatamente identificamos os pensamentos com palavras, ou talvez com blocos inteiros de palavras que dão início a um diálogo interno. À proporção que mais interpretações vão se seguindo, e que conceitos vão se combinando e evocando fortes cores emocionais, podemos nos dar conta de que os nossos sentimentos estão onerados por uma sensação de peso que parece escura e séria. Que pensamentos contribuem para esta sensação pesada? O que aconteceu com as qualidades de abertura e luz com as quais o processo havia se iniciado?

Ao fazermos estas perguntas, talvez o fluxo dos pensamentos faça novamente uma pausa, por um breve momento. Porém, quase que imediatamente, um novo fluxo de pensamentos se põe em movimento, durando um período longo ou talvez apenas poucos instantes, antes que uma nova sequência se inicie. De onde vêm estas fileiras de pensamentos? O que acontece quando tomamos posse dos nossos pensamentos e conscientemente os guiamos em uma direção específica?

Talvez pareça não haver pausas no fluxo dos pensamentos: somos envolvidos por uma sequência que tem um tema ou uma "linha de enredo", quando, de repente, o conteúdo muda e nos vemos no meio de uma outra história. Como fomos parar de uma história na outra? Será que cada uma delas tem um começo e um fim, ou será que são contínuas? Elas se sobrepõem, influenciado-se umas às outras?

Ao questionarmos os pensamentos desta maneira, conseguimos afrouxar nosso apego e fixação ao conteúdo dos pensamentos, e ganhar novos insights acerca dos nossos processos mentais. Cada pensamento constitui uma oportunidade para observarmos a nossa mente e aprendermos com ela. Com maior experiência, podemos começar a ver como os pensamentos podem, na verdade, criar confusão e prolongar estados mentais indesejáveis. Com o tempo, ficará mais óbvio o modo como um pensamento gera outro, e como a dinâmica dos pensamentos tende a se auto-propelir, alimentando e realimentando ciclos de impulsos que correm pela mente.

Da mesma forma que um tecelão cria uma tapeçaria, definindo a trama básica do tecido, e depois ornamentando-a com um desenho após outro, nossa mente parece ter pensamentos e imagens em réplicas intermináveis. Quando pegamos o começo de um pensamento, podemos observar como ele se inicia com um padrão simples, aberto e espaçoso, que vai se tornando mais denso, à medida que imagens se entrecruzam para formar padrões cada vez mais complexos.

Ao estimular lembranças e associações que evocam um universo de sentimentos e emoções, os pensamentos perdem sua abertura, enquanto vão se proliferando e se entrelaçando. Concomitantemente, podemos perceber nossas faculdades críticas em ação, rotulando nossa experiência como felicidade, depressão, êxtase, tédio, raiva, como algo nobre ou condenável. 

À medida que cada experiência é carimbada e testemunhada pela mente, nossos pensamentos a seu respeito tornam-se mais conscientes e "reais"; então, identificamo-nos com a experiência e reagimos a ela de acordo com o nosso condicionamento. Dentre todas as possibilidades de enxergarmos uma determinada experiência, vamos, quem sabe, optar por chamá-la de "prazer". A seguir, projetamos a experiência fora de nós, e decidimos que queremos ter aquela experiência. Ao buscarmos as coisas que associamos com o prazer, encontramos a nossa própria imagem do que o,prazer "deve ser". Ao tentar agarrar um objeto, esperando sentir prazer e desejando prolongá-lo, experimentamos prazer por apenas um curto tempo. Quase que imediatamente, sentimos que ele escorrega em nossa mão.

Observar os movimento de ir e vir dos pensamentos nos permite ver como a mente apõe rótulos às percepções, sentimentos e emoções, e como ela então produz comentários e mais comentários sobre o que estamos vivendo. Ao ver estes padrões de pensamento sendo tecidos diante de nossos olhos, podemos nos perguntar se eles, na realidade, formam uma trama sólida. Talvez seja possível nos vermos — não só a nossa personalidade, aparência e atividades, mas a própria raiz do nosso ser —  de modo diferente. Uma visão assim nova e aberta poderia aliviar a mente das tendências que congelam a experiência e nos deixam vulneráveis a confusões. Assim que descobrimos que é possível soltar a garra dos conceitos que nos enredam em dores emocionais, teremos dado os primeiros passos em direção a uma compreensão nova, capaz de transformar a qualidade de todas as nossas experiências.

Com um maior discernimento acerca de quem somos e do que somos, por que percebemos, sentimos, compreendemos e interpretamos da maneira como fazemos, seria possível considerar tudo o que sabemos de uma perspectiva inteiramente nova. Poderíamos, então, analisar nossas pressuposições mais a fundo, decidindo por nós mesmos o que é possível e  que não é possível mudar, que forma de pensar são saudáveis e úteis, e quais delas nos envolvem em sofrimentos desnecessários. À medida que continuássemos a questionar, nossos pensamentos poderiam se tornar mais vitais e mais claros, abrindo novas possibilidades de autocompreensão e de maior controle sobre a direção da nossa vida.

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade

É possível ver tudo como que pela primeira vez?

Será que conseguimos sequer pensar em alguma coisa para a qual não temos um conceito? Se não tivéssemos um conceito de amor, será que poderíamos ter expectativas sobre como é o amor, ficar decepcionados quando nossas experiências não correspondessem a estas expectativas, ou então fantasiar sobre as pessoas que amamos? Se não tivéssemos noção alguma de amor, poderíamos ter ódio? E como seria se não tivéssemos nenhum conceito de "eu", ou da nossa pessoa como, de alguma forma, separada dos outros? Então, o que iríamos amar ou odiar? Será que poderíamos ficar apegados a pessoas ou coisas, sentir insegurança ou temer rejeição? Se a sociedade não fosse capaz de nos apresentar ideais que não se casassem com a realidade da nossa situação, será que iríamos nos sentir culpados por não nos pormos à altura desses ideais? Que diferença poderia haver na qualidade da nossa vida se não tivéssemos nenhum "deveria" ou "gostaria" em nosso idioma? 

Se olharmos com cuidado para a nossa experiência, poderemos ver que muitas coisas que parecem substanciais e reais são, na verdade, noções formadas por nossa mente. Ao operá-las em nosso pensamento e empregá-las em nosso cotidiano, tendemos a esquecer que são formulações mentais, e nos relacionamos com elas como se fossem reais. Assim, por exemplo, a felicidade não é inerente aos objetos que desejamos, mas nasce da maneira como interpretamos uma certa qualidade de entusiasmo. Por mais que valorizemos a felicidade, ela é também um conceito, um nome que aprendemos a aplicar a certos tipos de situações ou sentimentos.

Sem a nossa ideia de felicidade, e sem as muitas noções ligadas a ela sobre o que nos deixa felizes, será que iríamos saber se éramos felizes? Será que poderíamos ser infelizes? Será que teríamos os mesmos sentimentos se nos faltasse uma palavra para expressá-los? Como é que poderíamos ficar pensando ser éramos felizes, ou então nos sentir carentes se não o fôssemos?

É quase impossível imaginar como seria a vida sem estes conceitos familiares. Passamos a confiar em nossas atuais estruturas e padrões conceituais, tomando por um reflexo razoavelmente seguro da verdade, e não vemos nenhuma razão para questioná-los. Mas será que as nossas estruturas conceituais aumentam as nossas opções de estar e atuar no mundo, ou seriam elas limitadas demais para atender às nossas necessidades? Será que os nossos conceitos atuais são capazes de acomodar todo o conhecimento que nos é possível adquirir, ou será que eles se tornaram demasiadamente rígidos para sustentar uma perspectiva mais abrangente com relação ao conhecimento?

Quando dependemos de conceitos de uma maneira automática — seja ao pensar, falar ou escrever — podemos, na realidade, estar diminuindo nossa capacidade de comunicação. Todos nós vivemos em um mundo mental próprio; nossas experiências pessoais condicionaram as conotações específicas dos conceitos que utilizamos. Embora nosso mundo mental coincida em parte com os das outras pessoas, eles nunca são completamente idênticos. Ao dependermos de um conhecimento que seja filtrado através de conceitos, não conseguimos comunicar plenamente os significados que tencionamos transmitir; ficamos sutilmente isolados uns dos outros. Embora todos nós empreguemos as mesmas palavras diariamente, há um hiato em nossa comunicação que não pode ser fechado por completo. 

Quando traduzimos os conceitos de uma cultura para os de outra, o hiato na comunicação se amplia. O significado de cada conceito pode parecer o mesmo, mas as conotações associadas a eles podem variar enormemente. Hoje em dia, à medida que o inglês e outros idiomas ocidentais estão cada vez mais usados nas comunicações internacionais, os povos do mundo parecem estar caminhando em direção a um corpo comum de conceitos. No entanto, o que é compartilhado talvez seja apenas algo superficial; as mesmas palavras podem ter significados diferentes dentro de culturas diferentes. Mesmo a estrutura de diferentes idiomas pode influenciar muito a capacidade de expressarmos importantes nuances de significado. Assim, há um grande potencial para confusões e mal-entendidos. Podemos, sem saber, perder conhecimentos valiosos no processo de tradução. É também possível que os povos do mundo venham a se comportar como parceiros dentro de um mau relacionamento, que trocam palavras e procuram se reassegurar, mas que não dispõem de uma base para uma comunicação real. 

Seriam os nossos padrões conceituais necessariamente a melhor base para expandirmos a nossa compreensão de nós mesmos e do nosso mundo? Já exploramos as pressuposições que estão por baixo dos nossos conceitos? Se as condições do nosso passado tivessem sido diferentes, é possível que outros padrões mentais tivessem se desenvolvido com igual facilidade; aí, estaríamos vivendo em outro panorama mental, tão confiantes em nosso senso de realidade quanto estamos hoje. O que agora consideramos como nossas verdades inquestionáveis e auto-evidentes poderia nem sequer existir; não teríamos como pensar nelas, ansiar por elas, sofrer com elas, lutar por elas.     

No endurecimento dos conceitos, a morte do criativo


Os conceitos, a princípio, são fluídos e flexíveis, mas vão-se tornando mais fixos, à medida que amadurecemos. Quando aprendemos pela primeira vez um conceito — como, por exemplo, "espaço" ou "consciência" — somos muito receptivos às nuances que o cercam; podemos brincar com ele por um período, questioná-lo e explorar suas possibilidades. Assim que sentimos que o "conhecemos", tendemos a perder o interesse. Nossa disposição para reexaminar, descartar ou expandir a abrangência do conceito diminui; a palavra já não está mais viva, sujeita a modificações à luz de novos conhecimentos, mas sim, congelada como um dado ou informação que possuímos. Lançamos mão dela automaticamente em nosso processo mental, que passa a ser mais uma questão de rememorar do que uma atividade criativa

Ao recorrer exclusivamente às nossas estruturas e padrões conceituais, vamos lentamente contraindo a abertura natural da mente. Fica difícil percebermos as nuances sutis do momento, que se refaz constantemente. No ato da percepção, nossa mente apreende e interpreta as informações sensoriais, e nos devolve conceitos pré-fabricados que possuem associações e cores emocionais específicas, baseadas em nossa experiência passada. Estas associações emergem simultaneamente com o conceito, projetando uma situação passada sobre o presente, e condicionando a forma como enxergamos uma dada experiência. Não respondemos necessariamente à experiência imediata mas, sim, à experiência tal como filtrada através dos nossos conceitos, lembranças, imagens e associações.

Ao identificar uma situação no presente como semelhante a uma outra no passado, tendemos a reagir automaticamente, reduzindo nossa capacidade de avaliar a situação presente de forma espontânea. Vinculados deste modo ao passado, não conseguimos perceber a ampla gama de alternativas que estão disponíveis no presente, diminuindo assim nossas opções de ação. Esta tendência obscurece nossa visão; ao perdermos contato com a dinâmica aberta do momento vivo, passamos a viver dentro de um mundo amortecido. 

Quando os conceitos se tornam assim fixos em nossa consciência, não somos capazes de perceber nada de novo. Impossibilitados de notar as sutilezas de cada situação, à medida que ela vai se modificando, chegamos a repetir os mesmos gestos e os mesmos comentários em situações que parecem iguais. Quando nossa mente se acostuma a estas reações automáticas, ela se torna preguiçosa e desatenta, especialmente em ambientes que lhe são familiares. Nossos pontos de vista fixos nos dão uma sensação de segurança. Sentimos que "conhecemos" os objetos do nosso mundo; sentimos que "conhecemos" as pessoas e os demais seres vivos. Esperamos que as coisas permaneçam as mesmas e que preencham as nossas expectativas do que achamos que elas devam ser e fazer. 

Quanto mais reforçamos essa passividade e recorremos a conceitos amortecidos, mais a nossa mente resiste a qualquer tentativa de reexaminar aquilo que sabemos. À medida que tentamos, à força, encaixar nossa experiência em moldes rígidos, nosso mundo interior vai-se tornando cada vez menor e mais limitado, em vez de enriquecer-se com as nossas experiências do dia a dia. Confinados a conceitos que limitam os sentimentos e as compreensões que podemos expressar conseguimos apenas reeditar os padrões que prendemos, tal como os nossos pais, nossos avós, os pais dos nossos avós, etc. É possível que todo o conhecimento que adquirimos com a nossa educação formal e com as nossas experiências, represente apenas associações cada vez mais complexas de conceitos que pouco significado têm para uma vida humana. Tais conceitos são muito congelados, muito particularizados, muito distantes do mundo das coisas vivas para expressar nossos níveis mais profundos de experiência. 

Até que questionemos, analisemos e reavaliemos os conceitos que utilizamos para nos expressar, ficamos restritos a apenas um conjunto de interpretações sobre as nossas experiências. Quer elas se ajustem à realidade do que está acontecendo, quer nos tragam sofrimento desnecessário, não nos permitimos outra escolha a não ser viver neste mundo limitado. Mesmo que o nosso mundo mental seja solitário e que tenhamos pouco prazer com as nossas experiências, os nossos pensamentos nos são familiares e nos proporcionam uma ilusão de segurança e controle, que nos conserva presos a eles. É possível que não vejamos nenhuma alternativa para este modo de entender a nós mesmos e ao nosso mundo. Porém, quando até mesmo pensamentos como este dependem de conceitos que nunca examinamos em profundidade, como podemos saber que não existem outra possibilidades? 

Os conceitos e a limitação "do que É"

Será que nossos pensamentos e ações poderiam ser orientados por um conhecimento mais abrangente e confiável, intrínseco ao nosso próprio ser?

Todos nós vivemos dentro de um mundo interior de imagens, pensamentos e lembranças, que se alteram continuamente, evocando uma rica trama de sentimentos, emoções e humores. Por vezes surgem imagens vívidas em nossa mente, que estimulam uma cadeia de pensamentos; outras vezes, podemos sentir a nossa mente procurando focar uma ideia. Inicialmente, talvez percebamos simplesmente que estamos vendo imagens ou pensando pensamentos, mas logo o pensamento toma mais corpo; percebemos as palavras concretas em nossa mente, à medida que as pensamos ou as expressamos em nossa fala ou por escrito.

As palavras que expressam imagens e pensamentos são conceitos agrupados em cadeias que esclarecem as suas inter-relações. Os conceitos são as unidades a partir das quais a nossa língua é construída, e os seus significados constituem a substância do nosso conhecimento. Inúmeros conceitos que empregamos hoje tiveram sua origem muito tempo atrás.  Ao longo de toda a história da humanidade, os conceitos deram nascimento uns aos outros, ramificando-se e proliferando-se como as trepadeiras na selva.

Os conceitos podem ser simples elementos identificadores, como “árvore” e “casa”, ou noções mais abstratas, como “liberdade”, “amor” ou “justiça”. Eles são construídos por meio de um processo de distinções, segundo um padrão lógico que contrasta “isto” com “não-isto”. O “verde” distingue-se do “não-verde”; a “árvore” distingue-se de tudo que seja “não-árvore”. Estas distinções dependem todas umas das outras — “alto” ganha seu significado em comparação a “baixo”, “grande” tem sentido em comparação a “pequeno”.

À medida que continuamos a nos deparar com novos objetos, podemos rotulá-los, distinguindo-os daquilo que já conhecemos... Estas distinções simples servem de base para conceitos mais complexos, que se valem dos significados de muitos outros conceitos. “Liberdade” tem sentido porque podemos definir o que significa ser “não-livre”. Podemos fazer uma ideia de “amor” fazendo um contraste entre tudo o que associamos a amor e aquilo que seja “não-amor”.

Em algum momento de nossa infância, nós nos vimos pensando e falando, usando conceitos e reagindo a eles. De nossos pais, amigos e demais influências do nosso complexo condicionamento social, absorvemos nossa estrutura conceitual básica. Quando éramos crianças, ficávamos fascinados com formas que se moviam e com padrões de luz e sombra; aprendemos a reconhecer nossos pais e a distinguir objetos. Já fazíamos associações entre as coisas que víamos, ouvíamos, cheirávamos, saboreávamos e sentíamos através do nosso corpo. Podemos ter desenvolvido uma noção de que as nossas associações continham significado, mas não dispúnhamos de palavras para expressá-lo.

Ouvindo as palavras ditas à nossa volta, aprendemos a dar nome às formas e qualidades do nosso mundo. Este processo foi desenvolvido por meio de tentativas e erros; as palavras que a princípio ligávamos aos objetos que nos rodeavam nem sempre correspondiam às palavras empregadas pelos outros... Corrigidos e recorrigidos muitas vezes, moldamos nossas primeiras impressões de modo a se encaixarem nos conceitos dos adultos, e começamos a associar formas e sons “corretamente”.

Com o tempo, não precisávamos mais ouvir os sons como sons — eles tocavam nossos conceitos de imediato, de modo que “ouvimos significados” diretamente. Os conceitos se tornaram um modo conveniente de nos referirmos a objetos conhecidos, sem ter que descrever precisamente o que estávamos vendo ou exatamente o que queríamos dizer.

Concomitantemente, fomos ensinados de que forma reagir a estes conceitos: o que podíamos e não podíamos tocar, o que valorizar, o que querer e o que rejeitar; aprendemos até com o que ficar alegre e com o que ficar triste.  De acordo com os costumes da nossa cultura, foi-nos ensinado o modo apropriado de categorizar, pensar e usar todas as coisas em nossa experiência.

Gradativamente, muitas associações começaram a se acumular em torno dos conceitos. Elas eram capazes de tocar lembranças e evocar reações complexas. Podíamos, ao falar a palavra “casa”, despertar uma infinidade de sentimentos e associações que conferiam a este conceito um significado especial para nós. Desta forma, talvez, muitas palavras adquiriram um profundo significado pessoal, do mesmo modo que certas cenas, cheiros, sons e sensações algumas vezes pareciam ressoar com significados intensos e inexplicáveis.

No entanto, tudo o que tinha significado pessoal para nós, precisava ser expresso dentro de conceitos disponíveis em nossa língua. Tínhamos que aceitar os significados que nos eram dados, e deixar não-expressos os significados e sentimentos que não tínhamos condições de comunicar. Os conceitos que aprendíamos refletiam sobre nós, e assim começamos a pensar com as palavras da nossa língua. As palavras que agora se formam tão espontaneamente em nossa mente são, todas elas, conceitos que nos foram transmitidos pelos outros. Este conceitos condicionam, hoje, a maneira como vemos a nós mesmos e ao nosso mundo, como pensamos e como respondemos àquilo que acontece à nossa volta. Eles criam a nossa realidade do cotidiano, e nós os utilizamos para interpretar todas as nossas experiências.  

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Se não voltarem a ser como crianças...

"Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus." - Jesus
“Vocês querem conhecer o meu segredo?...Este é o meu segredo: eu não me importo com o que acontece”. - Krishnamurti
Toda criança nasce sentindo todo o universo, não sabendo da sua separação com relação a ele. É por meio da educação gradativa que a ensinamos a se sentir separada. Damos-lhe um nome, damos-lhe uma identidade, damos-lhe qualidades, damos-lhe ambições — criamos uma personalidade em torno dela. Pouco a pouco a personalidade vai se adensando em decorrência da criação, da educação, dos ensinamentos religiosos. E, à medida que ela vai se adensando, a criança começa a esquecer quem ela costumava ser quando estava no ventre materno — pois ali, ela não era médica nem engenheira. Ela não tinha um nome; no ventre, não estava separada da existência. Ela estava totalmente junto da mãe, e além dela não havia nada. O útero era tudo, era todo o universo da criança.

A criança no ventre da mãe nunca se preocupa, "O que acontecerá amanhã?" Ela não tem dinheiro, não trem conta bancária, não tem negócios. Está desempregada, não tem nenhuma qualificação. Não sabe quando a noite chega, quando amanhece o dia, quando as estações mudam; ela vive simplesmente na mais pura inocência, em profunda confiança de que tudo ficará bem, como sempre esteve. Se hoje tudo está bem, amanhã também estará. Ela não "´pensa" assim, esse é simplesmente um sentimento intrínseco — ele não tem palavras porque a criança não conhece as palavras. Ela conhece apenas os sentimentos, o seu estado de espírito e está sempre alegre, de muito bom humor — a absoluta felicidade sem nenhuma responsabilidade.

[...] Porque toda criança nasce chorando? Porque o seu lar está lhe sendo arrancado, seu mundo está sendo destruído — de repente ela se vê num mundo estranho, entre pessoas estranhas. E continua chorando, porque a cada dia a sua liberdade fica menor e a sua responsabilidade, mais e mais pesada. Por fim, ela percebe que não lhe resta nenhuma liberdade, apenas obrigações a cumprir, responsabilidades a assumir; ela passa a ser um animal de carga. Quando vê isso com clareza de seus olhos inocentes, ela chora e você não pode condená-la por isso.

Os psicólogos dizem que a busca pela verdade, por Deus, pelo paraíso, está na realidade baseada na experiência da criança no útero. Ela não consegue esquecê-la. Mesmo que esqueça em sua mente consciente, essa experiência continua ecoando em seu inconsciente. Ela está mais uma vez em busca daqueles dias maravilhosos de total relaxamento e nenhuma responsabilidade, e toda liberdade do mundo ao seu alcance.
Existem pessoas que encontram. A palavra para isso é "iluminação". Você pode usar a palavra que quiser, mas o significado básico continua o mesmo. A pessoa descobre que todo o universo é assim como um ventre materno para você. Você pode confiar, relaxar, aproveitar, cantar, dançar. Tem uma vida imortal e uma consciência universal.

Mas as pessoas têm medo de relaxar. Têm medo de confiar. Têm medo das lágrimas. Têm medo de qualquer coisa que saia do comum, que vá além do mundano. Elas resistem e nessa resistência cavam a própria sepultura e nunca passam pelos momentos deliciosos e pelas experiências extasiantes que são seus por direito nato, só precisam ser reivindicados.

[...] Por causa de suas tensões, de suas preocupações, de seus problemas, o homem se perde na multidão e se torna outra pessoa. Lá no fundo ele sabe que não é o papel que está apresentando, ele é outra pessoa, isso cria um enorme conflito dentro dele. Ele não consegue desempenhar o papel corretamente, porque sabe que ele não é o seu ser autêntico — e tampouco consegue encontrar o seu eu autêntico. Ele tem de desempenhar o papel porque ele lhe garante o sustento, a vida, os filhos, poder, respeitabilidade, tudo. Ele não pode colocá-lo em risco, então tem de continuar a representar o papel de Napoleão Bonaparte. Aos poucos ele próprio começa a acreditar no papel. Tem de acreditar, do contrário ficaria difícil representá-lo. O melhor ator é aquele que esquece a própria individualidade e se funde com seu papel; então o seu choro é autêntico, o seu amor é autêntico e qualquer coisa que diga não vem do SCRIPT, mas do fundo do coração — parece quase real. Se tem de representar um papel, você precisa estar profundamente envolvido nele. Você tem de se tornar esse papel.

Todo undo está representando um papel, e sabe perfeitamente bem que esse papel não é o que se deveria ser. Isso cria um conflito, uma angústia, e essa angústia destrói todas as possibilidades de relaxar, confiar, amar, estar em comunhão com outra pessoa — um amigo, um amor. Você fica isolado. Passa a ser, com suas próprias ações, um exilado voluntário, e então sofre.

Tanto sofrimento neste mundo não é natural; trata-se de uma situação pouco natural. Pode-se aceitar de vez em quando que alguém sofra, mas a bem-aventurança deveria ser natural e universal.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A Verdade não se apresenta à mente superficial

Pergunta: Há muitos anos o ouvimos. Entretanto, continuamos abjetos, ignóbeis, rancorosos. Não raro nos sentimos como que abandonados por você. Sabemos que não nos quer para discípulos, mas há necessidade de se eximir completamente da vossa responsabilidade perante nós? Não deve nos dar a mão, nos guiar?

Krishnamurti: Senhores, eis uma maneira indireta de perguntar: "Por que você não quer ser nosso guru?" (Risos). Ora, Senhores, o problema nada tem a ver com abandoná-los ou dar-lhes a mão, porque, presume-se, somos pessoas adultas. Pelo menos fisicamente já somos adultos; mentalmente, somos crianças de catorze e quinze anos; e queremos um ente glorificado, um Salvador, um guru, um Mestre, que venha nos tirar de nossa desgraça, de nossa confusão; que nos explique o presente estado de caos; que "explique", e não que produza uma revolução em nosso pensar; e isso basta para nós. 

Fazem estar pergunta com o desejo de encontrar uma saída desta confusão; com o desejo de se libertarem do temor, do ódio, de toda mesquinhez da vida; e contam com a ajuda de alguém, a esse respeito. Ou talvez, outros gurus não conseguiram fazer com que adormecessem com uma dose de ópio, com uma explicação; por isso se voltam para outra pessoa, dizendo: "por favor, nos guie". É este o problema, para vocês — a substituição de um antigo guru por um novo, de um antigo mestre por um novo, de um antigo líder por um novo? Tenham a bondade de ouvir com toda a atenção. Pode alguém conduzi-los à Verdade, ao descobrimento da Verdade? É possível o descobrimento, quando somos levados à fazê-lo? Se forem conduzidos à Verdade, vocês a descobriram, vocês a experimentaram? Pode alguém — seja qual for essa pessoa — conduzi-los à Verdade? Quando dizem que precisam seguir alguém, não implica isso em que a Verdade é uma coisa estacionária, que a Verdade está em algum lugar, para serem conduzidos até lá, olhá-la, e levá-la? 

A Verdade é algo que tem de ser descoberto ou algo a que somos conduzidos? Se é algo a que somos conduzidos, então o problema se torna muito simples: tratarão de encontrar o guru ou guia que mais lhe agrade, e ele os levará onde a Verdade está. Mas, por certo, a Verdade que buscam se acha acima do plano das explicações; ela não é estática, tem de ser experimentada; tem de ser descoberta; e não pode ser experimentada por intermédio de um guia. Como posso experimentar espontaneamente uma coisa original, se me dizem "olhe aqui uma coisa original — experimente-a!" O ódio, a vileza, a ambição, a frivolidade, são os problemas de vocês, e não o descobrimento da Verdade. Não podem achar o que é a Verdade com uma mente frívola. Uma mente superficial, maledicente, estúpida, ambiciosa — jamais descobrirá o que é a Verdade. Uma mente frívola não pode criar senão uma coisa frívola; não pode criar senão um Deus frívolo. Nosso problema, por conseguinte, não é o de achar ou descobrir o que é Deus, mas o de percebermos como somos frívolos. 

Veja, Senhor, se sei que sou frívolo, que estou desgraçado, que sou infeliz, posso então fazer alguma coisa. Entretanto, se sou frívolo e digo "não devo ser frívolo, quer ser um homem superior", nesse caso estou fugindo, e isso é frivolidade. Compreenda isso, por favor.

O importante é descobrir-se e compreender-se o que é, e não, transformá-lo noutra coisa final. Afinal, uma mente estúpida, mesmo quando procura se tornar muito sagaz, muito penetrante e inteligente, continua estúpida do mesmo modo, porque sua essência mesma é a estupidez. Não gostamos de escutar. Queremos alguém que nos converta a frivolidade numa coisa superior e nunca aceitamos, jamais o que é, na sua realidade. O descobrimento do que é, da realidade, é importante; é a única coisa verdadeiramente importante. Em qualquer nível que seja — econômico, social, religioso, político, psicológico — o que mais deve interessar é o descobrimento do que é, no seu aspecto exato — e não o que deveria ser

Prestem atenção. Esta pergunta suscita várias questões. O interrogante deseja alguém, para ajudá-lo a se libertar das complicações de sua vida; está, portanto, à procura de um guia. O guia que ele busca é produto da sua confusão, da sua atribulada condição; e por isso o guia é também confuso. Senhor, não sabem o que ocorre pelo mundo? Um homem que se vê confuso, no meio de tanta agitação; aparece um líder político; o homem vota nele, por causa da confusão em que se acha; e criou, dessa maneira, um político também confuso, que se torna seu líder, seu guia. Assim também o guru, ou o mentor, ou o guia que escolhem; o escolhem por causa da confusão de vocês, por causa de seus desejos de satisfação e segurança; consequentemente, "projetam" o desejo de vocês, e o guru, portanto, é criação de vocês. Ele vai lhes dar satisfação e por isso aceitam o que ele oferece — o que denota que nunca enfrentam o que é, o que existe em si mesmos, o que realmente são. É só quando a mente de vocês não está fugindo, evitando o que é, perseguindo um ideal — quando a mente não diz "não deve ser assim", dever "ser assim", etc., é só então que se pode descobrir a maneira de agir com relação ao que é. Então, o problema será resolvido. Só resolverão o problema quando, na realidade, descobrirem o que é o "eu". Se sabem que são frívolos, que possuem uma mente superficial, que odeiam seus semelhantes; se percebem bem esse fato, sabem então agir com relação a ele. Podemos examinar a questão de como agir em relação ao fato. Se afirmam, porém, "não devo odiar, devo amar", nesse caso estão penetrando num mundo ideológico — o que representa a maneira mais estúpida de fugir ao que é

Esta pergunta denuncia a falta de interesse em compreender a verdade relativa aos nossos problemas. Só a Verdade pode nos libertar. A compreensão apenas pode vir quando não estamos seguindo alguém, quando não existe autoridade de espécie alguma — se a autoridade da tradição, seja a autoridade dos livros, do guru, da nossa própria existência. Nossa experiência é resultado de nosso condicionamento, e tal experiência não pode nos ajudar a descobrir o que é a Verdade.

Nessas condições, os que se sentem seriamente interessados, os que desejam de fato descobrir a Verdade relativa aos seus problemas, devem, naturalmente, colocar à margem, tudo quanto é autoridade. Isto é dificílimo, porque quase todos nós estamos cheios de temor. Precisamos de alguém para nos escorar, para nos dar coragem; precisamos do "irmão mais forte" — aquele que mora na Rússia, ou na Inglaterra, ou na América, ou do outro lado do Himalaia, ou "ali na esquina". Todos precisamos de alguém para nos ajudar. Enquanto estivermos encostados em alguém, nunca chegaremos a compreender o "processo" do nosso pensar; negaremos assim, a nós mesmos, o descobrimento da Verdade.

Escutem o que estou dizendo; não o rejeitem, pois ainda não resolveram o problema de vocês e ainda são tão infelizes como antes. Enquanto estiverem seguindo um guru ou seus líderes políticos, estarão confusos. Há uma única maneira de resolver este problema, que é pela compreensão de si mesmos, nas suas relações, de momento em momento, de dia em dia: os antagonismos, os ódios, as paixões, o amor efêmero etc. estão embaraçados no problema, e só o resolverão quando o aceitarem, quando o virem tal qual é. Só depois de o resolverem, terão a possibilidade de libertar do condicionamento a mente de vocês, deixando assim a Verdade reinar. 

Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada


O autoconhecimento é o começo da sabedoria. O autoconhecimento não se consegue de acordo com algum psicólogo, livro ou filósofo; ele consiste em conhecermos a nós mesmos tais como somos, de momento a momento. Compreendem isso? Conhecer a si mesmo é cada um observar o que pensa, o que sente, não apenas superficialmente, pois devemos estar profundamente cônscios do que é, sem condenação, sem julgamento, sem avaliação ou comparação. Experimentai-o, e verão como é difícil a uma mente que foi exercitada durante séculos para condenar, julgar e avaliar deter esse processo e ficar simplesmente a observar o que é. Entretanto, se não se fizer esta observação, não apenas no nível superficial, mas em todo o conteúdo da consciência, nunca será possível penetrarmos as profundezas da mente. 

vejam, por favor, se aqui estão realmente com o fim de compreender o que se está dizendo, que é isto que deve ser de nosso interesse, e nada mais. O problema de vocês não é o de saber a que sociedade pertencer, a que gênero de atividade se entregar, que livros ler, e outras superficialidades dessa ordem, mas, sim, de saber como libertar a mente do condicionamento. A mente não é apenas a consciência desperta, ocupada com as atividades diárias, mas é também as camadas profundas do inconsciente, onde se encontra todo o resíduo do passado, da tradição, dos instintos raciais. Tudo isso é a mente, e a menos que essa consciência total seja livre, de ponta a ponta, a nossa busca, nossa investigação, nosso descobrimento, será limitado, estreito, insignificante. 

A mente está toda condicionada. Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada. Nosso problema, portanto, é este: Pode a mente, assim condicionada, libertar-se? E quem é a entidade que poderá libertá-la? Compreendem o problema? A mente é a consciência total, com todas as suas camadas de conhecimentos, aquisições, tradições, instintos raciais, memórias. Esta mente pode se libertar? Ou só pode se libertar ao perceber que está condicionada e que todo movimento que faça para sair de seu condicionamento é outra forma de condicionamento? Espero que estejam compreendendo. Se não, continuaremos a examinar este ponto nos próximos dias. 

A mente está toda condicionada, o que é um fato evidente, se refletirmos a tal respeito. Isso não é invenção minha, é um fato. Pertencemos a uma dada sociedade, fomos educados de acordo com determinada ideologia, certos dogmas, tradições, e a vasta influência da civilização, da sociedade, nos condiciona incessantemente o espírito. Como pode esse espírito ser livre, se todo o movimento para se libertar resulta de seu condicionamento e, por conseguinte, produzirá, forçosamente, mais condicionamento? Só há uma resposta: A mente só pode ser livre quando está completamente tranquila. Embora tenha problemas e inúmeros impulsos, conflitos, ambições, se — a mercê do autoconhecimento, da auto-vigilância sem aceitação ou condenação — ela estiver cônscia, imparcialmente, do seu próprio processo, então, desse percebimento há de resultar um silêncio extraordinário, uma tranquilidade de espírito em que não se observa movimento de espécie alguma. É só então que a mente é livre, porquanto nada mais deseja, nada mais busca, não visa a nenhum objetivo ou ideal — que são as projeções de toda mente condicionada. E se lograrem alcançar essa compreensão em que não há auto-mistificação, encontrarão a possibilidade de ver surgir aquela coisa extraordinária que se chama criação. Só então está a mente apta a compreender aquela imensidade que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserem — a palavra tem pouquíssima importância. Vocês podem ser prósperos, socialmente, possuir muitos bens — automóveis, casas, geladeiras — ter paz superficial, mas, sem o surgimento daquilo que é imensurável,  encontrarão sempre aflições. A libertação da mente de seu condicionamento é o fim do sofrimento.

Krishnamurti em, Realização Sem Esforço

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill