O que é justo e o que é injusto?
PERGUNTA: Como podemos saber o que é justo e o que é
injusto, sem mandamentos ou livros?
K R IS H N A M U R T I: Porque desejais saber o que
é justo e o que é injusto? Pode alguém vo-lo dizer? Pode algum livro, algum
instrutor, transmitir-vos o conhecimento do que é justo e do que é injusto? Se
seguirdes a autoridade de um livro ou de um instrutor, estareis apenas copiando
um padrão de pensamento, não é verdade? E pode-se descobrir alguma coisa pelo
copiar e pelo ajustar-se? Seguimos um padrão quando queremos um certo
resultado; e desse processo não está baseado no temor? Podemos descobrir o que
é justo, sob a influência do temor, ou só podemos descobri-lo pela experiência
direta? Enquanto a mente estiver encerrada no processo dual do justo e
do injusto, há de haver, obviamente, conflito incessante. Não é possível,
porém, descobrir-se o que é verdadeiro, a todas as horas, sem estarmos
envolvidos no conflito do justo e do injusto? Tal é o nosso problema, não é
verdade? O que é justo e o que é injusto hão de variar sempre em conformidade
com o condicionamento e a experiência de cada pessoa, e têm, por conseguinte,
importância muito reduzida; mas saber-se a todas as horas o que é verdadeiro —
isso, sem dúvida, é de grande relevância.
Tende a bondade de escutar com toda a atenção.
Enquanto estivermos envolvidos no conflito da dualidade — que significa escolha
entre o que é justo e o que é injusto — nunca haveremos de conhecer o que é
sempre verdadeiro. O que é justo e o que é injusto podem constituir simples
opinião, um princípio em que se baseou a nossa educação desde a infância, o
cunho de certa civilização, de determinada sociedade; e enquanto estivermos
empenhados no imitar, no ajustar-nos a algum padrão, por mais nobre que seja,
há de haver essa escolha contínua entre o justo e o injusto, haverá sempre o
desejo de fazer o que é correto e, consequentemente, o receio de errar — daí
resultando, apenas, respeitabilidade. Saber, porém, a todas as horas o que é
verdadeiro, conhecê-lo inteiramente, profundamente, isso não é nenhuma opinião,
nem raciocínio, nem dogma. O que é verdadeiro não depende de crença alguma.
Descobrir o que é verdadeiro é compreender o que é, momento por momento — e
isso exige muita vigilância, isenta de julgamento ou comparação; exige uma
mente aberta, para observar e para sentir. O que é verdadeiro jamais cria
conflito; mas, quando a mente está escolhendo entre o verdadeiro e o falso,
essa própria escolha produz conflito. Em geral, fomos educados para pensar
corretamente e nos abstermos de certas coisas tidas por falsas e, por isso, a
nossa mente está sempre a buscar uma coisa e a evitar outra; e esse processo de
pensar é, em si, um conflito, não achais? O “correto’’ pode ser o que diz o
sacerdote, o que dizem os vossos vizinhos, os nossos líderes políticos, e,
assim, cria-se o padrão a que temos de subordinar-nos; e a mente que se
subordina a um padrão nunca pode achar-se em estado de revolta, jamais
descobrindo, por conseguinte, aquilo que é eternamente criador.
Nessas condições, pode-se descobrir a todas as horas
o que é verdadeiro? Ora, não há possibilidade de descobrimento, enquanto houver
o conflito da escolha. Para descobrir, a mente tem de estar basicamente tranquila,
sem medo de errar. Entretanto, nós queremos bom êxito, não é verdade?
Educam-nos, desde crianças, para ambicionar o bom êxito, e todo livro, toda
revista nos dá exemplos disto: o menino pobre que chega a Presidente, etc. Buscando
a própria segurança no bom êxito, é a mente obrigada a observar o que é
correto, e começa assim a batalha entre o que é correto e o que é errado,
começa o eterno conflito da dualidade. Nesse conflito nunca se pode descobrir o
que é verdadeiro. O verdadeiro é o que é e a libertação que resulta
da compreensão do que é. Tende a bondade de ouvir corretamente o que estou
dizendo e de refletir a seu respeito; e se compreenderdes o que está realmente
acontecendo, momento por momento, vereis como vos libertareis do conflito do
justo e do injusto. Não pode manifestar-se essa compreensão, se estais a julgar
ou a condenar o que é, ou a compará-lo com a passada experiência; e quando
não há compreensão do que é, não há libertação . Para
compreender o que é, deve a mente estar livre
de toda condenação e julgamento; mas isso requer paciência infinita e pode
produzir-vos uma extraordinária revolução
na vida, coisa de que a mente tem medo. Por
essa razão, nunca examinais o que é e vos limitais a dar
opiniões a seu respeito. Enquanto a mente estiver toda ocupada com a escolha
entre o que é correto e o que é errado, permanecerá imatura; e este é um dos
nossos obstáculos, não achais? Nossas mentes são imaturas; ensinaram-nos o que
é correto e o que é errado e, consequentemente, a isso queremos ajustar-nos. O
ajustamento á a própria natureza da mente imatura, ao passo que a compreensão
do que
é constitui o fator revolucionário, na criação.
Krishnamurti em, Percepção
Criadora,
20 de junho de 1953
20 de junho de 1953
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