Hoje desejo falar sobre o processo de ajustamento; isto é, desejo averiguar se existe alguma coisa de original, alguma coisa completamente isenta de ajustamento e que não seja uma mera abstração, uma simples ideia, porém um fato tão real como qualquer fato da vida diária. Assim, a pergunta fundamental que fazemos a nós mesmos é esta: até onde é possível eliminar o ajustamento? É possível eliminar inteiramente o ajustamento e, desse modo, permitir a existência do original? Penso que esta é uma pergunta importante, porque a maioria de nós está perenemente a ajustar-se. Moldamo-nos em conformidade com determinado padrão, de acordo com um certo molde ideológico, fixo, quer imposto pela sociedade, pelas pressões econômicas, sociais e ambientes, quer por nossa experiência pessoal. Estamos sempre a moldar-nos de uma ou de outra maneira; acho que este é um fato bem óbvio. E pode esse processo de ajustamento — já tão profundamente arraigado e que tanto é consciente como inconsciente — terminar?
Por certo, só livres do ajustamento poderemos descobrir o que é original, essencial, verdadeiro; e, a menos que nós próprios o descubramos, viveremos sempre uma vida “falsificada”, uma vida de “segunda mão”, de imitação. Por conseguinte, parece-me que se trata de uma pergunta válida, fundamental, que devemos formular, ou seja, se o ajustamento pode terminar. Por “ajustamento” entendo o processo no qual o “pensamento” e o “pensador” estão sempre a moldar-se por um padrão, sempre a imitar, a repetir, sempre a ajustar-se a uma ideia, a um conceito, uma crença, um dogma, sempre a sujeitar-se a um determinado padrão ou ideal, em suas relações. Esse ajustar-se é a norma de nossa vida, o padrão diário de nossa existência; e estamos agora a interrogar-nos se esse ajustamento pode terminar. E devemos também perguntar-nos se a terminação do ajustamento causa desordem e por essa razão somos obrigados a ajustar-nos; ou se, terminado o ajustamento, ocorre o descobrimento de algo original, não "falsificado" ou de "segunda mão".
Em geral, nossa vida é sem originalidade. Não sabemos o que é original, nem mesmo se existe algo que se possa chamar "original". A meu ver, a palavra "original" é de ordinário mal empregada. Falamos de "literatura original", um "quadro original", uma maneira "original" de pensar ou de expressar-se; dizemos que certo escritor escreveu um livro "original". Em tais casos, não me parece adequado o emprego da palavra "original". Há uma certa coisa original que as religiões de todo o mundo — mesmo aquelas que se tornaram mais bem organizadas, mais cheias de repetições, mais estupidamente ritualistas — sempre andaram buscando. Mas, independentemente da religião organizada, com seu dogmatismo e sua complexa teologia, seus absurdos cerimoniais, etc. — independentemente de tudo isso, podemos, vocês e eu, como seres humanos que vivem neste mundo, rodeados de todas as complexidades da moderna existência, descobrir por nós mesmos algo que seja verdadeiramente original? Do contrário, a vida se torna terrivelmente monótona, uma tediosa rotina, muito pouco significativa.
Nesta manhã, desejo examinar esta questão do ajustamento, que significa imitação, moldagem do pensamento por um certo padrão, quer imposto pela sociedade, quer formado pela experiência pessoal do indivíduo, de modo que nunca podemos aproximar-nos do original. Quando emprego o termo ajustamento”, entendo tudo isto: o "processo" de adulteração, o desejo de ajustar-nos a determinado padrão, de imitar, de aceitar, de obedecer.
Agora, antes de tudo, estamos totalmente cônscios desse processo de ajustamento que se verifica em cada um de nós, quer estejamos nos ajustando ao passado, quer a um conceito atual, quer a um certo ideal ou futura utopia? E se o percebemos, não devemos investigar se é possível acabar com esse ajustamento? Por certo, para nos livrarmos totalmente do “processo” de conflito e esforço, cumpre primeiramente compreender o ajustamento e dele libertar-nos; e, visto que todo esforço supõe ajustamento, devemos verificar se é possível vivermos neste mundo livres de ajustamento e, por conseguinte, sem esforço. Evidentemente, quanto mais esforços fazemos, tanto maiores se tornam o conflito e a confusão e, desse modo, tanto maior se torna nossa aflição e dor. Cabe-nos, pois, averiguar se é possível vivermos sem esforço, isto é, vivermos originalmente, ou seja, livres de todo ajustamento.
Ora, para se alcançar esse ponto, devemos primeiramente estar conscientes — e isso me parece óbvio! — da natureza da mente que se ajusta. Por que nos ajustamos? Peço-lhes que tenham em mente que, ao empregar a palavra “ajustar-se”, dou-lhe o significado de “imitar, obedecer à autoridade, sujeitar-se a um certo padrão”; é tudo isso que se deve subentender. Ora, por que nos ajustamos? Todo ajustamento implica esforço, não? E quando há esforço, em qualquer estado de relação, não há verdadeiras relações. Se me esforço para ser bondoso, afetuoso, ou cortês, isso nada significa. A bondade, a delicadeza, a afeição emanam de um estado de espírito em que não existe esforço algum; e, para compreender esse estado, impende compreender fundamentalmente a questão do ajustamento.
Em relação a certas coisas externas, superficiais, há uma natural necessidade de ajustamento, mas não é desses casos que estamos tratando. Aqui, eu me “ajusto”, vestindo esta espécie de traje; na Índia “me ajusto” de outra maneira, vestindo trajes diferentes. Quando dirijo um carro, me “ajusto”, aqui conservando a direita da estrada, e na Inglaterra conservando a esquerda.
De certa maneira, estou a ajustar-me quando ponho uma carta no correio, etc. Mas, tenho necessidade de “ajustar-me” ao veneno do nacionalismo? Necessito ajustar-me a um dado padrão de existência, uma certa maneira de pensar que a sociedade procura impor-me e, em virtude da qual minha mente é moldada pela religião organizada, pelas influências econômicas e sociais? Assim, se desejo viver uma vida em que existam, assentadas em sólidas bases, as relações corretas a conduta correta, o correto comportamento, tenho de verificar se é possível viver sem esforço; porque, onde existe esforço, tudo isso é negado.
Onde há esforço, tem de haver, consciente ou inconscientemente, ajustamento. Isso eu percebo. Posso percebê-lo verbalmente, intelectualmente, mas isso é fácil demais e pouco significa. Tenho de estar ciente do fato em mim mesmo. Estou cônscio, em minhas atividades, nas relações diárias com minha família, meus amigos, de até que ponto estou me “ajustando”? Isso significa saber que de fato estou me ajustando, não apenas superficialmente, porém profundamente, porque é da própria natureza do inconsciente o “ajustar-se”, Nesta nossa palestra matinal, o orador pode perceber esse ajustamento, mas isso se torna inútil se igual percepção não houver da parte de vocês. Devem se tornar cônscios, não só de seus ajustamentos às coisas superficiais, mas também do ajustamento de profundas raízes.
Como vimos, todo ajustamento implica esforço, e onde há esforço não existem relações verdadeiras, sob nenhum aspecto, porém apenas imitação e uma espécie de “vida de segunda mão”. Percebo esse fato evidente. Então, me interrogo se é possível ficar totalmente livre da causa profunda do ajustamento. Compreendem? Superficialmente, temos de ajustar-nos, em relação a certas coisas. Vocês têm de estar sentados lá e eu aqui, infelizmente. Temos de usar determinada peça de vestuário, etc. Muito à superfície, é necessário ajustar-nos. Mas, para investigar a questão do ajustamento, em seu profundo sentido psicológico, e descobrir a resposta correta, cabe-nos investigar a questão do medo. Nós tememos, e por essa razão nos ajustamos. Se não tivéssemos medo de nenhuma espécie, nos ajustaríamos?
Estamos vendo, pois, a razão por que nos ajustamos, imitamos, nos adaptamos. Superficialmente poderá ser necessário um certo ajustamento. Mas, interior e profundamente, “da pele para dentro”, por assim dizer, nós nos ajustamos porque temos medo de não fazer o que é correto, medo de nos transviarmos, de não vivermos uma vida completa, de não encontrarmos a Realidade, Deus, etc. Assim, em todos nós está enraizado o medo, e considero da máxima importância compreender esse fato, antes de tentarmos responder à pergunta sobre se é possível pormos fim a toda e qualquer espécie de ajustamento.
Não sei se alguma vez “experimentaram” realmente o medo. Independente do medo instintivo, que se manifesta ao nos depararmos com algum perigo físico, já perceberam alguma vez, realmente, o que é ter medo? Em geral, o que lhes causa medo é uma ideia, não? Ou melhor, é a ideia que cria o medo. Compreendem? Temo, digamos, o que possam pensar a meu respeito. Este é um exemplo da ideia a gerar medo; e, quando uma ideia cria o medo, não me acho em relação com o fato — o próprio medo. Estão-me seguindo? Está tudo claro?
Uma ideia pode causar medo; e, no tocante à maioria de nós, é a ideia que causa medo. O conceito relativo ao que nos reserva o amanhã causa-nos medo, e o resultado é que o conceito se torna muito mais importante do que o fato real, que é o medo. Por conseguinte, tentamos modificar o conceito, a ideia, a causa, e nunca entramos diretamente em relação com o próprio temor. Ou a pessoa é atemorizada por uma ideia, um conceito; ou se vê em contato direto com o medo — direto, e não através de uma ideia. Mas existe medo sem ideia?
Por favor, não se limitem a escutar-me; não aceitem nem rejeitem o que estou dizendo, porém acompanhem-me verdadeiramente. Quase todos temos nossos temores peculiares, e é uma ideia que os está criando. Pode ser que tenham medo de perder seu marido, sua esposa, seu emprego; medo do que acontecerá amanhã, medo de uma recaída, se estiveram doente. Tudo isso são ideias. Devemos, pois, verificar se é sempre uma ideia o que causa medo, ou se existe o medo independente de qualquer ideia. Existe medo independente da ideia? Enquanto eu não houver descoberto isso, não poderei, de modo nenhum, compreender esta questão do ajustamento.
Estão entendendo? Não se trata, com efeito, de nada muito complicado, porém de algo que exige atenção e penetração.
Percebo que não há medo sem ideia. Percebo que o pensamento cria o medo e que o medo, em si, não existe; devo, pois, descobrir por que o pensamento, a ideia, gera medo. Está claro?
O pensamento cria o medo? Ou o que acontece é que o pensamento, depois de criar o pensador, cria o medo? Decerto, o pensamento, em si, não cria temor. Ele se manifesta quando há um pensador separado do pensamento, um pensador a ajustar-se, por conseguinte, a criar o temor.
Consideremos isso diferentemente. Existe o censor, o observador, separado da “coisa censurada”, da “coisa observada”; existe o “experimentador” separado da “experiência”, o “pensador” separado do “pensamento”. E foi o pensamento que criou o pensador, pois, se não houvesse pensamento, não haveria pensador.
Notem que não exponho nenhuma teoria fantástica ou filosofia mística; não se trata de nada disso. Estamos simplesmente a observar a nossa vida de cada dia. O pensador é a ideia, a lembrança de dores e prazeres, o feixe de recordações, o qual, ao apresentar-se um “desafio”, “responde” (reage) em termos de pensamento e ação. Vejo, pois, como vocês também devem ver, que o pensador é o centro de ideias baseadas na busca do prazer e no evitar a dor. É ele que origina todo esforço de ajustamento, esforço esse que se baseia no medo. Enquanto há medo, há o impulso a ajustar-se e, por conseguinte e necessariamente, esforço. O esforço, portanto, é sempre uma luta no sentido de imitar, de “vir a ser”, de moldar, de ajustar-se a um padrão, e todo esforço desta natureza está, obviamente, baseado no medo. Assim, se simplesmente cuidamos de cultivar a coragem — e isso faz parte de nosso esforço para “virmos a ser” alguma coisa — tal esforço pouco significa. Mas, quando compreendemos toda a estrutura do medo, vemo-nos então frente-a-frente com um problema bem diverso.
Enquanto existir um pensador separado do pensamento, haverá, não só medo, mas também o esforço baseado no impulso a ajustar-nos; e, uma vez conscientes disso, será possível pensarmos sem criar o “pensador”? Entendem? Isso significa alguma coisa ou é apenas um amontoado de palavras? Vejo-lhes algo perplexos, senhores; assim, voltemos ao começo.
Percebe-se que toda a nossa vida é uma rotina, um ajustar, um repetir e, por conseguinte, algo tedioso. Vemos esse fato. A seguir, interrogamo-nos: Pode-se eliminar esse esforço de ajustamento — não no fim de tudo, na hora da morte, mas enquanto estamos vivos? Para o investigarmos, temos de descobrir a natureza do ajustamento e porque a mente está sempre a ajustar-se, seja à experiência passada, seja a um atual padrão de ação ou a um certo ideal do futuro. Ajustamento, como já vimos, implica imitação, repetição, adaptação, etc. Percebo que onde há ajustamento há necessariamente esforço e que, quando existe esforço de ajustamento nas relações, estas cessam completamente. Minha vida é uma constante repetição, um interminável esforço de ajustamento e, por isso, nunca existe um estado de relação. Cabe-me, pois, averiguar se me é possível pôr fim ao esforço de ajustamento e, por conseguinte, achar-me num estado de relação. Mas, para descobrir o que subentende a cessação desse esforço, devo primeiramente verificar se o medo — do qual podemos estar conscientes ou não — pode terminar totalmente, e não apenas parcialmente. Significa isso que cumpre investigar as profundezas do inconsciente.
Ora, é capaz a mente consciente de investigar uma coisa que ela nunca atingiu? Como sabem, há especialistas — Freud, Jung e muitos outros — que têm descrito o inconsciente, atribuindo-lhe várias características; mas, se o indivíduo está verdadeiramente cônscio de suas próprias atividades interiores, nenhuma necessidade tem de recorrer aos especialistas. É óbvio que o inconsciente é o resíduo do passado; e o passado inclui tanto as “memórias” herdadas como as adquiridas. Há as memórias remotas, as memórias raciais, as memórias coletivas. A total existência do homem, de dois ou mais milhões de anos, está, toda ela, contida no inconsciente. E esse inconsciente faz parte do nosso medo. Conscientemente, posso não temer coisa alguma, porém, profundamente, ter medo de muitas coisas. Posso ter racionalizado a morte, pela maneira mais bela, mas, bem no fundo, existe ainda esse medo extraordinário ao findar. Assim, no inconsciente, há medo; e, para o compreenderem, dele devem se abeirar, não consciente nem deliberadamente, mas com sensibilidade, com vigor, ardor, intensidade. Por outras palavras, dele devem se aproximar com afeição, com amor, pois é essa a única maneira de se compreender o que quer que seja.
Assim, é possível eliminar o medo em todos os seus aspectos? A pessoa pode ter medo do escuro, ou de topar subitamente com uma serpente ou fera, ou de cair num precipício. É natural e indício de sanidade mental sairmos do caminho de um ônibus que se aproxima, por exemplo, mas existem muitas outras formas de medo. Eis por que é necessário examinar esta questão sobre se a ideia imposta mais do que o fato — o que é. Se se considera o que é — o fato — e não a ideia, percebe-se que é só a ideia, o conceito relativo ao futuro, ao amanhã, que cria medo. Não é o fato que gera o medo.
Superficialmente, o ajustamento, a adaptação, são necessários; porém, interiormente, profundamente, o ajustamento acarreta esforço e, por conseguinte, imitação. Enquanto está a imitar, a esforçar-se por ajustar-se, a mente isola-se; assim, não há para ela relações, e o que faz é apenas aumentar o medo.
Bem. Acabo de analisar mais ou menos suficientemente esta questão. Poderíamos examiná-la com mais profundeza, com outras minúcias, mas já tocamos nos fatos mais importantes. Entretanto, a descrição não é o fato. A palavra não é a coisa. Quando sentem fome, posso descrever-lhes um prato de comida, mas, obviamente, minhas palavras não são alimento. De modo idêntico, devemos estar diretamente em contato com esta questão, em seu todo, não apenas verbalmente, porém de maneira real, porque então é que se começa a descobrir a liberdade que não é ajustamento. Começa-se a descobrir, cada um por si, que, enquanto existir pensador separado do pensamento, existirá medo, esforço, ajustamento. Pois esforço é ajustamento. E é possível — prestem atenção! — é possível só pensar sem criar “pensador”? É possível pensar intensamente, racional, sã e logicamente sem haver o “pensador”, cujos valores, ideias e conceitos se baseiam todos no prazer, de onde, por conseguinte, se origina todo o processo de esforço e imitação? É possível pensar só quando necessário, e não de outra maneira? Isto é, pode uma pessoa pensar só quando se lhe faz uma pergunta, e permanecer o resto do tempo num completo estado de negação — que é um estado sumamente positivo?
Está claro? Por favor, não concordem. Este é um assunto dificílimo de investigar, de penetrar. Não se pode dizer, simplesmente, “Concordo” — pois isso nada significa.
É o centro, como pensador, como censor, que gera o tempo e, por conseguinte, o centro é a fonte da desordem. Não é o pensamento que cria a desordem, porém o centro, o censor, o pensador, constituído através do tempo. E enquanto existir esse censor, esse centro, esse “fabricante” de esforço, por mais que tentem o medo não terá fim.
Assim, para a mente que leva essa carga constituída pelo medo, pelo ajustamento, pelo pensador, não é possível a compreensão daquilo que se pode chamar o original. E a mente deseja saber o que é “o original”. Tem-se dito que é Deus — mas esta é também uma palavra inventada pelos entes humanos em seu medo, seu sofrimento, seu desejo de fugir à vida. Quando a mente humana está livre de todo o temor, não está então — em seu desejo de saber o que é o original — em busca de prazer para si própria, nem de nenhuma via de fuga, e, por conseguinte, em sua investigação já não existe autoridade alguma. Compreendem? A autoridade deste orador, a autoridade da igreja, a autoridade da opinião, do conhecimento, da experiência, do que “dizem” — tudo isso cessa completamente, e não há obediência. Só então a mente tem a possibilidade de descobrir, por si própria, o que é o original — descobri-lo, não como mente individual, porém como ser humano total. Não existe mente “individual”, absolutamente. Somos totalmente relacionados. Compreendam isso. A mente não é uma coisa separada; é uma totalidade. Todos vivemos a ajustar-nos, todos temos medo, todos estamos a fugir. E, para compreendermos, cada um de nós, não como indivíduo, porém, como ente humano total, o que é o original, precisamos compreender a totalidade do sofrimento humano, todos os conceitos e fórmulas que o homem inventou no decurso dos séculos. Só quando se está libertado de tudo isso, pode-se descobrir se existe alguma coisa de original. Do contrário, somos entes humanos “de segunda mão”; e porque somos imitações, entes humanos falsificados, o sofrimento nunca tem fim. Assim, o findar do sofrimento é, em essência, o começo do original. Mas, a compreensão que põe fim ao sofrimento não é a mera compreensão de sofrimento particular de vocês, ou de meu sofrimento particular, porque o seu sofrimento e o meu sofrimento estão relacionados com a totalidade do sofrimento humano. Compreendem? Isso não é mero sentimentalismo ou emocianalismo; é um fato real, um fato brutal. Ao compreendermos a total estrutura do sofrimento, extinguindo-o portanto, teremos então a possibilidade de encontrar — não num “tubo de ensaios” como a descobre o cientista — aquela coisa extraordinária que é a origem de toda a vida, aquela fantástica energia, que está sempre a “explodir”. Essa energia não é um movimento em direção alguma e por conseguinte, “explode”.
Senhores, como não parecem inclinados a fazer perguntas, posso perguntar-lhes uma coisa? Já experimentaram alguma vez reunir toda a energia de vocês — física, emocional, mental, visual, todas as formas de energia — e “com ela ficar”, completamente, tranquilamente? Compreendem? Se a energia tem algum movimento em qualquer direção que seja, está sendo dissipada. Mas, quando toda a nossa energia fica completamente imóvel, inicia-se um movimento que é original e, por consequência, “explosivo”. Estão entendendo? Experimentem, numa ocasião, e vejam se são capazes disso. Mas, para tanto, requer-se uma grande soma de inteligência, extraordinária vigilância; não é nada de relacionado com a dor e o prazer. Se puderem reunir toda a sua energia, sem esforço, sua mente estará então transbordante de energia, sem atrito de espécie alguma. Verifica-se, então, uma “explosão” — e, dessa explosão, surge o original.
Krishnamurti — 22 de julho de 1965.