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sexta-feira, 6 de abril de 2018

Só a mente de toda atenta, pode amar


Só a mente de toda atenta, pode amar

PERGUNTA: Gandhiji recorria ao jejum, como meio de modificar o coração dos outros. Seu exemplo tem sido seguido por muitos líderes, na Índia, que consideram o jejum como meio de purificar a si mesmos e à sociedade ambiente. Pode o sofrimento espontâneo ser purificador, e há purificação "vicária"?

KRISHNAMURTI: Sem nada aceitar nem rejeitar, investiguemos esta questão. Dizem que o sofrimento é necessário como meio de purificar a mente. Filosofias inteiras e religiões estão baseadas nesta ideia de que alguém, sofrendo por vós, vos purifica. Isso é possível? E que entendemos por sofrimento? Há o sofrimento causado pela fome, pelo debilitamento, pela doença, pela deterioração física. Uma sociedade baseada na aquisição e na inveja, há de criar inevitavelmente sofrimentos físicos — os que têm e os que nada têm. Isto é bem óbvio. E há o sofrimento psicológico: se eu vos amo e vós não me amais, sofro. Se sou ambicioso e desejo preencher-me numa posição preeminente, e algo acontece que me impede de alcançá-la, vejo-me frustrado e sofro. Dizemos que o sofrimento é um processo inevitável, e como tal o aceitamos; nunca pomos isso em dúvida, nunca perguntamos se é necessário sofrer psicologicamente.

E posso sofrer para o bem de outro? Posso transformar a sociedade pelo meu exemplo? Quando há exemplo, que acontece? Estabelece-se a autoridade; o seguir a autoridade gera temor; e o temor gera a mediocridade da mente superficial. Somos criados com base nessa ideia de que o exemplo, o herói, o santo, o guia, o guru, é necessário; e tornamo-nos, assim, seguidores, sem iniciativa própria, discos de gramofone, a repetir o mesmo velho padrão. Quando nos limitamos a seguir, perdemos todo o sentimento de individualidade, a plenitude da compreensão individual, e isso, muito evidentemente, não resolve os nossos problemas.

E também, se é preciso jejuar, porque jejuar publicamente? Porque tanto espalhafato, barulho, publicidade, tanto toque de caixa? Porque desejais produzir impressão no povo, e o povo é facilmente impressionável. E depois, que se segue? As pessoas se transformaram? Vossa intenção, quando jejuais é de impressionar outras pessoas ou de descobrir o vosso próprio estado mental? Se quereis impressionar outras pessoas, isto é de muito pouca significação, já que é um mero expediente político, visando à exploração.

Mas se é vossa intenção realizar a purificação própria, a compreensão, é necessário o jejum? O que é necessário é penetração, clareza mental, não em dados períodos do ano, mas a todos os momentos, o que significa: estar plenamente vigilante, nas relações. É esta vigilância que vos revela o que sois. Não há dúvida de que um estômago repleto torna a mente embotada; mas embotada se torna também a mente que pratica um sistema, para se esclarecer. A mente, de toda evidência, se embota pela prática de uma virtude. E, no entanto, pensamos que sofrer, jejuar, oferecer exemplos, são coisas necessárias para se promover a transformação da sociedade. Positivamente, o exemplo gera a autoridade — não importa saber se ela é nobre, ou estúpida, ou histórica. E quando submetidos à tirania do exemplo, nossa mente está apenas a ajustar-se a um padrão. O padrão pode ser amplo ou estreito, mas é sempre padrão, molde, e a mente que segue um padrão é, sem dúvida, muito superficial.

O ajustamento, evidentemente, é uma maldição. Mediante ajustamento, pode a mente ser livre? A mente precisa escravizar-se para se tornar livre ou a liberdade deve existir desde o começo? A liberdade não é uma coisa que se vai ganhar, como recompensa, no fim da vida; não é a finalidade da vida, porque a mente que é incapaz de ser livre agora, nunca descobrirá o que é verdadeiro.

A sociedade não pode ser transformada pelo exemplo. A sociedade poderá reformar-se, operar certas mudanças pela revolução política ou econômica, mas só o homem religioso pode operar uma transformação fundamental na sociedade; e o homem religioso não é aquele que se submete à fome como um exemplo para transformar a sociedade. O homem religioso não está interessado, em absoluto, na sociedade, porque a sociedade está baseada na aquisição, na inveja, na ganância, na ambição, no medo. Isto é, uma mera reforma do padrão da sociedade só pode alterar a superfície, produzir uma forma mais respeitável de ambição. Mas o homem verdadeiramente religioso está totalmente fora da sociedade, porque não é ambicioso, não tem inveja, não está seguindo nenhum ritual, dogma ou crença; só esse homem pode transformar fundamentalmente a sociedade, e não o reformador. O homem que quer arvorar-se em exemplo cria conflitos, torna mais forte o medo e faz nascer várias formas de tirania.

É muito estranha esta nossa adoração dos exemplos, modelos, dos ídolos. Não queremos o que é puro, verdadeiro em si mesmo; queremos intérpretes, exemplos, mestres, gurus, para, por seu intermédio, alcançarmos alguma coisa — e tudo isso é puro absurdo, um meio de explorar a outros. Se cada um de nós fosse capaz de pensar claramente desde o começo, ou de reeducar-se para pensar claramente, todos esses exemplos, mestres, gurus, sistemas, se tornariam completamente desnecessários, como realmente são.

Vede, senhores, o mundo, infelizmente, é exigente demais para a maioria de nós; as circunstâncias são-nos pesadas demais, nossas famílias, nossa nação, nossos guias, nossos empregos prendem-nos firmemente, mantêm-nos escravizados — e vagamente esperamos, de alguma maneira, encontrar a felicidade. Mas esta felicidade não vem vagamente, não vem se estais escravizados pela sociedade, se sois escravo do ambiente. Ela só vem, quando a mente está em liberdade — e isso não significa liberdade de pensamento. O pensamento nunca é livre. Mas a mente pode ser livre, e essa liberdade vem, não quando penetramos as múltiplas camadas do inconsciente, analisando a memória dos incidentes e experiências, mas só quando há atenção completa. No processo da auto-análise tem de haver sempre o analista; mas o analista faz parte da coisa analisada, assim como o pensador faz parte do pensamento, e se não compreendeis o problema central, só havereis de aumentar os problemas e criar mais sofrimentos.

A mente não pode ser tornada esclarecida, pura, "inocente", por nenhum método, nenhuma disciplina, nem pela prática de qualquer virtude. A virtude é essencial, mas a virtude cultivada não é virtude. O sofrimento, naturalmente, tem de ser compreendido. Enquanto existir o "eu", o "ego", tem, de haver sofrimento. O homem evita esse sofrimento, mas nesse próprio evitar do sofrimento, ele fortalece o "ego", e todas as suas atividades sociais, suas reformas, só podem criar mais malefícios, mais aflições. Isto também se vos tornará óbvio, se refletirdes um pouco.

Assim, há necessidade de ação completamente dissociada da sociedade, uma maneira de pensar não contaminada pela sociedade, porque só então se tornará possível a verdadeira revolução — que não é revolução superficial, num nível único, econômico, social ou de outra ordem. A revolução total tem de realizar-se no próprio homem e só então a mente pode resolver os crescentes problemas da sociedade.

Agora, tendes escutado tudo isso, concordando ou discordando; mas, como já disse, não há nada com que concordar ou de que discordar. Tudo isso são fatos e, conhecedores desses fatos, que ides fazer? Por certo, é muito importante averiguar isso. Retornareis à sociedade de que sois prisioneiros, ou escutastes com atenção completa? Se escutastes com toda a atenção, esta atenção produzirá sua ação própria e nada tereis que fazer. Isso é como o amor. Amai, e agireis. Mas, sem amor, não importa o que façais — praticando, disciplinando, reformando — o coração nunca se esclarecerá. E é isto que está acontecendo no mundo. Temos exemplos, disciplinas, técnicas maravilhosas e, no entanto, os nossos corações estão vazios, porque repletos das coisas da mente. E quando vazios os nossos corações, as nossas soluções para tantos problemas são também vazias. Só a mente capaz de atenção completa sabe amar, porque esta atenção é ausência do "eu".

Krishnamurti, Segunda Conferência em Madrasta, 15 de janeiro de 1956
Da Solidão à Plenitude Humana

terça-feira, 3 de abril de 2018

O que é justo e o que é injusto?


O que é justo e o que é injusto?


PERGUNTA: Como podemos saber o que é justo e o que é injusto, sem mandamentos ou livros?

K R IS H N A M U R T I: Porque desejais saber o que é justo e o que é injusto? Pode alguém vo-lo dizer? Pode algum livro, algum instrutor, transmitir-vos o conhecimento do que é justo e do que é injusto? Se seguirdes a autoridade de um livro ou de um instrutor, estareis apenas copiando um padrão de pensamento, não é verdade? E pode-se descobrir alguma coisa pelo copiar e pelo ajustar-se? Seguimos um padrão quando queremos um certo resultado; e desse processo não está baseado no temor? Podemos descobrir o que é justo, sob a influência do temor, ou só podemos descobri-lo pela experiência direta? Enquanto a mente estiver encerrada no processo dual do justo e do injusto, há de haver, obviamente, conflito incessante. Não é possível, porém, descobrir-se o que é verdadeiro, a todas as horas, sem estarmos envolvidos no conflito do justo e do injusto? Tal é o nosso problema, não é verdade? O que é justo e o que é injusto hão de variar sempre em conformidade com o condicionamento e a experiência de cada pessoa, e têm, por conseguinte, importância muito reduzida; mas saber-se a todas as horas o que é verdadeiro — isso, sem dúvida, é de grande relevância.

Tende a bondade de escutar com toda a atenção. Enquanto estivermos envolvidos no conflito da dualidade — que significa escolha entre o que é justo e o que é injusto — nunca haveremos de conhecer o que é sempre verdadeiro. O que é justo e o que é injusto podem constituir simples opinião, um princípio em que se baseou a nossa educação desde a infância, o cunho de certa civilização, de determinada sociedade; e enquanto estivermos empenhados no imitar, no ajustar-nos a algum padrão, por mais nobre que seja, há de haver essa escolha contínua entre o justo e o injusto, haverá sempre o desejo de fazer o que é correto e, consequentemente, o receio de errar — daí resultando, apenas, respeitabilidade. Saber, porém, a todas as horas o que é verdadeiro, conhecê-lo inteiramente, profundamente, isso não é nenhuma opinião, nem raciocínio, nem dogma. O que é verdadeiro não depende de crença alguma. Descobrir o que é verdadeiro é compreender o que é, momento por momento — e isso exige muita vigilância, isenta de julgamento ou comparação; exige uma mente aberta, para observar e para sentir. O que é verdadeiro jamais cria conflito; mas, quando a mente está escolhendo entre o verdadeiro e o falso, essa própria escolha produz conflito. Em geral, fomos educados para pensar corretamente e nos abstermos de certas coisas tidas por falsas e, por isso, a nossa mente está sempre a buscar uma coisa e a evitar outra; e esse processo de pensar é, em si, um conflito, não achais? O “correto’’ pode ser o que diz o sacerdote, o que dizem os vossos vizinhos, os nossos líderes políticos, e, assim, cria-se o padrão a que temos de subordinar-nos; e a mente que se subordina a um padrão nunca pode achar-se em estado de revolta, jamais descobrindo, por conseguinte, aquilo que é eternamente criador.

Nessas condições, pode-se descobrir a todas as horas o que é verdadeiro? Ora, não há possibilidade de descobrimento, enquanto houver o conflito da escolha. Para descobrir, a mente tem de estar basicamente tranquila, sem medo de errar. Entretanto, nós queremos bom êxito, não é verdade? Educam-nos, desde crianças, para ambicionar o bom êxito, e todo livro, toda revista nos dá exemplos disto: o menino pobre que chega a Presidente, etc. Buscando a própria segurança no bom êxito, é a mente obrigada a observar o que é correto, e começa assim a batalha entre o que é correto e o que é errado, começa o eterno conflito da dualidade. Nesse conflito nunca se pode descobrir o que é verdadeiro. O verdadeiro é o que é e a libertação que resulta da compreensão do que é. Tende a bondade de ouvir corretamente o que estou dizendo e de refletir a seu respeito; e se compreenderdes o que está realmente acontecendo, momento por momento, vereis como vos libertareis do conflito do justo e do injusto. Não pode manifestar-se essa compreensão, se estais a julgar ou a condenar o que é, ou a compará-lo com a passada experiência; e quando não há compreensão do que é, não há libertação . Para compreender o que é, deve a mente estar livre de toda condenação e julgamento; mas isso requer paciência infinita e pode produzir-vos uma extraordinária revolução na vida, coisa de que a mente tem medo. Por essa razão, nunca examinais o que é e vos limitais a dar opiniões a seu respeito. Enquanto a mente estiver toda ocupada com a escolha entre o que é correto e o que é errado, permanecerá imatura; e este é um dos nossos obstáculos, não achais? Nossas mentes são imaturas; ensinaram-nos o que é correto e o que é errado e, consequentemente, a isso queremos ajustar-nos. O ajustamento á a própria natureza da mente imatura, ao passo que a compreensão do que é constitui o fator revolucionário, na criação.

Krishnamurti em, Percepção Criadora,
20 de junho de 1953
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quarta-feira, 2 de abril de 2014

O que acontecerá se eu não me ajustar à sociedade?

Não é uma grande tragédia que muitos de nós estejamos somente preocupados de maneira nos ajustarmos à sociedade ou em como reformá-la? Já notaram que a maioria das perguntas que fizeram reflete essa atitude? Vocês, na verdade, querem dizer: "Como posso me ajustar à sociedade? O que dirão meus pais, e o que acontecerá comigo se eu não me ajustar?" Essa atitude destrói qualquer confiança, qualquer iniciativa que tenham. E vocês deixam a escola, a faculdade, como autômatos, talvez altamente eficientes, porém sem qualquer chama criativa.  Por isso é tão importante compreender a sociedade, o ambiente no qual se vive e, nesse próprio processo de compreensão, romper com ela.

Vejam, trata-se de um problema que ocorre no mundo inteiro. O homem está buscando uma resposta nova, um novo acesso à vida, porque as atitudes antigas estão decadentes, seja na Europa, na Rússia ou aqui. A vida é um desafio contínuo, e simplesmente tentar realizar uma ordem econômica melhor, não é a resposta completa a esse desafio, que é sempre novo; e quando culturas, povos, civilizações são incapazes de responder totalmente ao desafio do novo, são destruídos. 

A menos que sejam adequadamente educados, a menos que tenham a extraordinária confiança da inocência, vocês estarão no caminho inevitável de serem absorvidos pelo coletivo e se perderem na mediocridade. Acrescentarão títulos após o nome, se casarão, terão filhos, e será o fim de vocês. 

Vejam, muitos de nós temos medo. Os pais, os educadores, os governos e as religiões temem o fato de vocês se tornarem indivíduos integrais, porque todos desejam que permaneçam seguramente dentro da prisão das influências ambientais e culturais. Mas são somente os indivíduos que rompem com o padrão social, quando compreendem — e que não estão, portanto, limitados pelo condicionamento das próprias mentes —, que podem realizar uma nova civilização, não aqueles que apenas se conformam ou que resistem a um padrão particular porque são moldado por outro. A busca por Deus ou pela Verdade não está dentro da prisão, mas na compreensão da prisão e no rompimento de suas paredes — e o próprio movimento à liberdade cria uma nova cultura, um mundo diferente. 

Jiddu Krishnamurti

sábado, 16 de novembro de 2013

Onde há temor não pode haver inteligência

Quero agora falar a respeito do medo, que necessariamente cria compulsão e influência.

Nós dividimos a mente em pensamento, razão e intelecto; mas, para mim, a mente inteligência criadora de si mesma, porém anuviada pela memória; a mente que é inteligência, estando anuviada pela memória, confunde-se com esse "eu" consciência, que é o resultado do ambiente. Assim, a mente torna-se escravizada pelo ambiente que ela própria criou através de desejo, e, portanto, há temor continuamente. A mente criou o ambiente e, enquanto não compreendermos este ambiente, deve haver medo. Não damos todo o nosso entendimento ao ambiente e não estamos plenamente conscientes dele e, assim, a mente torna-se escrava desse ambiente e por causa disso há medo; e a compulsão é o instrumento desse medo. Logo, naturalmente, a falta de entendimento do ambiente é produzida por essa falta de inteligência, e, por essa forma, criado, necessitando de influência, seja externa ou interna.

E como é criada esta contínua compulsão, a qual se tornou o instrumento, o penetrante instrumento do temor? A memória anuvia a mente, e a mente anuviada, é o resultado da falta de entendimento do ambiente, que cria conflito, e a memória torna-se consciência de si própria. Esta mente, anuviada, limitada e confinada pela memória, busca a perpetuação  do resultado do ambiente, que é o "eu"; assim, na perpetuação do "eu", a mente busca o ajustamento, a alteração ou a modificação do ambiente, seu crescimento e expansão. Como sabeis, a mente está continuamente buscando o ajustamento ao ambiente; porém, este ajustamento não produz entendimento, nem podemos verificar o significado desse ambiente pela mera modificação do estado da mente ou pela tentativa de modificar ou expandir esse ambiente. Porque a mente busca, continuamente, sua proteção, ela, anuviada pela memória, tornou-se confusa, identificada com a própria consciência — essa consciência que deseja perpetuar-se; por conseguinte, ela se esforça por alterar ajustar, modificar o ambiente ou, por outras palavras, a mente procura tornar, como julga ser possível, o "eu" imortal, universal e cósmico.

Não é assim?

Portanto, a mente que busca a imortalidade, deseja realmente a continuação desse "eu"-consciência, a perpetuação do ambiente; isto é, enquanto a mente se apegar à ideia do "eu"-consciência, que é apenas a falta de compreensão do ambiente e, portanto, a causa do conflito, ela continuará a procurar nessa limitação sua própria perpetuação, que denominamos imortalidade, ou aquela consciência cósmica em que o particular ainda persiste. Enquanto a mente, que é inteligência, estiver enredada no cativeiro da memória, que é o "eu"-consciência, haverá a busca do falso pelo falso. Este "eu", como expliquei, é a falsa reação ao ambiente; há uma causa falsa e ela está sempre buscando uma falsa solução, um falso efeito, um falso resultado. Assim, quando a mente anuviada pela memória busca perpetuar-se como própria consciência, está procurando falsa imortalidade, falsa expansão cósmica ou o que quer que lhe queirais chamar.

Nesse processo de perpetuação do "eu", dessa memória que é conservadora de si própria, na perpetuação desse "eu", nasce o temor — não o temor superficial, porém o temor fundamental, de que tratarei logo em seguida. Eliminai esse temor, que tem como sua expressão exterior a nacionalidade, o crescimento, a expansão, o êxito — eliminai esse temor fundamental e, então, a ansiedade pela perpetuação desse "eu" e todos os temores cessam. Portanto, o medo existirá, enquanto houver o desejo da perpetuação dessa coisa que é falsa: este "eu" é falso, portanto, deveis ter uma falsa reação, a qual é o próprio medo. E onde houver medo, deve haver disciplina, compulsão, influência, domínio e a busca do poder que a mente glorifica como virtude e divino. Se realmente refletirdes sobre isto, verificareis que onde houver inteligência não pode haver caça ao poder.

Toda a vida está moldada pelo temor e pelo conflito e, portanto, pela compulsão, pela imposição de decretos e grilhões que uns julgam virtuosos e dignos e outros consideram venenosos e maus. Não é assim? São estas as restrições que estabelecestes em vossa busca de perpetuação, livre de medo; nessa busca criastes disciplinas, códigos e autoridades, a vossa vida está modelada, controlada e conformada pela compulsão de várias formas e graduações. Alguns denominam esta compulsão virtuosa, outros a consideram perniciosa.

Temos em primeiro lugar, a compulsão exterior, que é a repressão do ambiente sobre o indivíduo. A pessoa vulgar, que denominais não evoluída, não espiritual, é controlada pelo ambiente, o ambiente exterior, isto é, pela religião, códigos de conduta, padrões de moral, autoridade política e social; é uma escrava de tudo isto, porque isto tudo está radicado nas necessidades econômicas do indivíduo. Não é assim? Eliminai integralmente as necessidades econômicas de que o indivíduo depende e então os códigos de conduta, padrões de moral e valores políticos, econômicos e sociais desaparecem. Portanto, nestas restrições do ambiente externo, que criam conflito entre o indivíduo e o ambiente, no qual o indivíduo é oprimido, vergado, torcido, ele torna-se progressivamente sem inteligência. O indivíduos que está meramente condicionado, a todo instante, pelo ambiente exterior, amoldado por certas regras, leis, reações, editos e padrões de moral — quanto mais o oprimirdes, menos inteligente ele se torna. A inteligência, porém, é a compreensão do ambiente, percebendo seu significado sutil, liberto de compulsão.

Estas restrições impostas ao indivíduo, às quais ele chama ambiente externo, têm como seus expoentes os charlatões e exploradores na religião, na moralidade popular, e na vida política e econômica do homem. Explorador é o indivíduo que se utiliza de vós, consciente ou inconscientemente, e vós vos submeteis consciente ou inconscientemente, porque não compreendeis; tornai-vos econômica, social, política e religiosamente, o explorado, e ele se torna vosso explorador. Assim, por esta maneira, a vida torna-se uma escola, um molde, um molde de aço em que o indivíduo é batido para tomar forma, em que ele se torna apenas um autômato — o indivíduo torna-se mero dente de engrenagem em uma máquina, irrefletido e rigidamente limitado. A vida torna-se uma luta, uma batalha contínua, e assim ele estabeleceu essa falsa ideia de que a vida é uma série de lições a serem aprendidas, a serem adquiridas, de modo que ele possa, previamente, ser advertido para defrontar a vida amanhã, novamente, porém, com suas ideias preconcebidas. A vida torna-se meramente uma escola, não uma coisa a ser vivida, a ser gozada, a ser vivida com êxtase, plenamente, sem temor.

O ambiente externo domina o indivíduo, forçando-o a entrar numa estrutura de aço, de padrões, de moralidades, ideias religiosas, de editos de moral, e como o indivíduo é esmagado pelo exterior, busca escapar e foge para um mundo que ele chama interno. Naturalmente, quando a mente é torcida, conformada, pervertida pelo ambiente exterior e há um constante conflito exterior, luta, constantes falsos ajustamentos, a mente espera por tranquilidade, por felicidade, por um mundo diferente; assim o indivíduo edifica um céu romântico de fuga, onde procura compensação para as perdas e o sofrimento no mundo externo.

Por favor, como disse, estais aqui para descobrir, para criticar, não para vos opordes. Podeis opor-vos, depois que tiverdes refletido mui cuidadosamente sobre o que vos digo. Podeis erigir barreiras, se assim o desejardes, mas, primeiro, averiguai plenamente o que eu vos quero transmitir, e, para o fazerdes, necessitais de ser super-críticos, apercebidos, inteligentes.

Como vos disse, o indivíduo, esmagado pelas circunstâncias externas que criam sofrimento e esforçando-se para escapar a essas circunstâncias, cria um mundo interno, começa a desenvolver uma lei interna e cria suas próprias restrições individuais a que denomina disciplina ou cooperação com aquilo a que aprendeu a chamar se "eu" superior.

A maioria dessas pessoas — as pessoas pretensamente espirituais — rejeitaram a força externa do ambiente e a sua influência, porém, desenvolveram uma lei interna, um interno padrão, uma disciplina interna, a que chamam trazer o eu superior para o eu inferior; isto, por outras palavras, é mera substituição. Existe, assim, a própria disciplina. Há, depois, aquilo que denominam voz interna, cujo poder e controle é, sem dúvida, muito maior do que o ambiente externo. Qual é, porém, finalmente, a diferença entre um e outro?, entre o externo e o interno? Ambos controlam, pervertem a mente, que é a inteligência, pelo desejo de perpetuação de si mesma. E tendes também aquilo que chamais intuição, que é apenas a saturação, sem peias, de vossas próprias esperanças e desejos secretos. Assim, completastes o mundo interno, aquilo que chamais mundo interior, com tudo isto — disciplina de si próprio, voz interna e intuição. Tudo isto, se refletirdes, são formas sutis desse mesmo conflito, levadas para um mundo diferente em que não há entendimento, mas apenas uma padronização, um ajustamento a um ambiente mais sutil a que denominais mais espiritual.

Como sabeis, algumas pessoas buscaram e encontraram, no mundo exterior, distinções sociais e, igualmente, as pessoas denominadas espirituais, buscam apenas nesse mundo interno, e geralmente encontram, seus pares e superiores espirituais; e, assim, como há conflito entre os indivíduos no exterior, também é criado um conflito espiritual no mundo interno, entre os ideais, as expansões e suas próprias ansiedades. Vede, pois, o que foi criado.

No mundo externo não há expressão para a mente anuviada pela memória, para esse "eu"-consciência não há expressão, porque o ambiente é demais forte, poderoso e esmagador; nele, ou vos adaptais ao molde ou, se não o fizerdes, sereis esmagados. Assim, desenvolveis uma forma interna, ou mais sutil, de ambiente, em que tem lugar exatamente o mesmo processo. Este ambiente por vós criado é uma fuga do ambiente externo, e nele também tendes padrões, leis de moral, instituições, o eu superior, a voz interna, e a isso vos ajustais constantemente. Isto é um fato.

Em essência, estas restrições, denominadas internas e externas, nascem do desejo e, por isso, existe o medo; do medo surge a repressão, a compulsão, a influência, e o desejo de poder, que são apenas expressões exteriores do medo. Onde há temor não pode haver inteligência, e enquanto não compreendermos isto, deve haver essa divisão na vida em externa e interna e, portanto, as nossas ações têm de ser sempre influenciadas ou compelidas pelo externo, e, portanto pelo falso, ou pelo interno, que é igualmente falso, porque também no interno estais procurando apenas ajustar-vos a determinados padrões.

O medo é criado, quando o falso busca a perpetuação de si próprio no falso ambiente. E, assim, o que acontece à nossa ação, que é a nossa conduta diária, ao nosso pensamento e emoção, o que acontece a tudo isto?

A mente e o coração amoldam-se ao ambiente, ao ambiente externo, porém, quando verificam que não o podem, por tornar-se a compulsão forte demais, então voltam-se para um estado interno, em que a mente e o coração buscam perfeita tranquilidade e satisfação. Ou, então, saciaram-se completamente pelas conquistas sociais, econômicas, políticas e religiosas e depois voltam-se para o interno e ali também desejam ter sucesso, bom êxito, triunfo, e, para o atingir, devem sempre ter em vista uma culminância, um objetivo que se torna apenas um estado, ao qual a mente e o coração estão continuamente se ajustando.

Assim, neste ínterim, que é que acontece aos nossos sentimentos, às nossas emoções, aos nossos pensamentos, ao nosso amor, à nossa razão? Que sucede, quando estais meramente vos ajustando, quando simplesmente vos estais modificando, alterando? Que acontece a qualquer coisa, por exemplo a uma casa cujas paredes decorais, embora seus alicerces estejam deteriorados? De modo idêntico, nossos pensamentos e emoções estão meramente tomando forma, alterando-se, modificando-se segundo um padrão, seja ele externo ou interno; ou de acordo com uma compulsão externa ou uma direção interna. Assim, pois, as nossas ações estão sendo grandemente limitadas pela influência, em que todo o raciocínio se torna apenas a imitação de um modelo, um ajustamento a ama certa condição, e o amor torna-se apenas outra forma de temor. Toda a nossa vida — afinal a nossa vida são os nossos pensamentos, as nossas emoções, as nossas alegrias e dores — toda a nossa vida permanece incompleta, todo o nosso processo de pensar ou de expressão desta vida, é meramente um ajustamento, uma modificação, jamais um preenchimento, uma plenitude. E daí surge problema após problema, o ajuste ao ambiente que deve estar, constantemente, mudando, e a conformidade com padrões, que também devem variar. Assim, prosseguis nesta batalha a que chamais evolução, no crescimento do eu, na expansão dessa consciência que é apenas memória. Inventastes palavras para apaziguar vossa mente, porém, continuais nessa luta.

Ora, se ponderardes, realmente, sobre isto, se reconhecerdes tudo isto, e sem o desejo de alterar, sem o desejo de modificar, vos tornardes apercebidos deste ambiente exterior, destas circunstâncias, destas condições, e também do mundo interno em que existem as mesmas condições, os mesmos ambientes que apenas denominastes por nomes mais sutis e mais bonitos; se realmente vos aperceberdes de tudo isto, então começareis a compreender o verdadeiro significado do externo e do interno; então surgirá uma percepção imediata, a libertação da vida, a mente torna-se, depois, inteligência e pode funcionar com naturalidade e de modo criador, sem esta constante luta. Então, a mente — a inteligência — reconhece os obstáculos, e porque os compreende, ela penetra-os; não mais há ajustamento, não há modificação, há somente entendimento. Por esta razão, a inteligência não depende do externo ou do interno, e nesse apercebimento não há desejo, não há ansiedade, mas a percepção do que é verdadeiro. Para perceber o que é verdadeiro não pode haver desejo.

Sabeis que, quando há um desejo ardente, a vossa mente já está anuviada, pervertida, porque a mente identifica-se com uma coisa e rejeita outra — onde há desejo ardente, não há entendimento; porém, quando a mente não se identifica com o "eu", mas se torna apercebida tanto do externo como do interno, das divisões sutis, das várias emoções, das delicadas nuanças da mente, que se divide em memória e inteligência — então, nesse apercebimento, verificareis o pleno significado do ambiente que criamos através dos séculos, desse ambiente que denominamos externo e também  de interno, ambos os quais estão continuamente mudando, ajustando-se um ao outro.

Tudo o que vos preocupa agora é a modificação, a alteração, o ajustamento, e, portanto, deve haver medo. O medo tem seu instrumento na compulsão, e esta só existe, quando não há entendimento, quando a inteligência não está funcionando normalmente.


Jiddu Krishnamurti — O medo — 1946


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Sobre o sofrimento do mundo


Todo sofrimento do mundo pode ser explicado de forma simples: todos foram recortados, moldados, reorganizados pelos outros sem que eles mesmos sequer tentassem descobrir o que supostamente deveriam ser por sua própria natureza. Eles não deram uma chance à existência.

Desde o momento em que uma criança nasce, começam a estragá-la, sempre com boas intenções, é claro. Os pais não fazem isso de forma consciente, mas eles mesmos foram condicionados assim. Depois repetem o processo com seus filhos, pois não sabem fazer de outra forma.

Uma criança desobediente é continuamente condenada. Por outro lado, uma criança obediente é sempre recompensada. Contudo, alguém já ouviu falar de alguma criança obediente mundialmente famosa em qualquer uma das dimensões da criatividade? Já ouviram falar de uma criança obediente que tenha recebido um prêmio Nobel em qualquer área: literatura, paz, ciência?

As crianças obedientes se tornam parte do rebanho. Tudo que é trazido de novo à existência é ocasionado pelos que desobedecem.


Osho, em "Osho de A a Z: Um Dicionário Espiritual do Aqui e Agora"

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Como é o seu relacionamento com o outro?

Por que sua mente se amolda? Vocês já se fizeram essa pergunta? Vocês acaso se dão conta de que se amoldam a um padrão? Pouco importa qual seja o padrão, se vocês mesmos o estabeleceram para si ou ele foi estabelecido para vocês. Por que estamos sempre nos amoldando? Onde há o amoldar-se não pode haver liberdade, e isto é óbvio. No entanto, a mente está sempre em busca de liberdade — quanto mais inteligente, quanto mais alerta, quanto mais consciente ela é, tanto maior sua exigência de liberdade. A mente se amolda, imita, porque há mais segurança em agir assim, em seguir um padrão. Esse fato é evidente. Vocês sabem tudo o que fazem, socialmente, porque é melhor amoldar-se. Vocês podem ser educados no exterior, ser grandes cientistas, ou políticos, mas têm um temor secreto de que, se não forem ao templo ou não fizerem as coisas usuais que lhes foram ensinadas, algo de ruim possa sobrevir; por isso, vocês se amoldam. O que acontece à mente que se amolda? Queiram por gentileza, examinar essa interrogação. O que acontece com a sua mente quando vocês se amoldam? Antes de tudo, há uma total negação da liberdade, uma total negação do exame independente. Quando vocês se amoldam, há medo. Certo? Desde a infância a mente é treinada para imitar, para amoldar-se ao padrão que a sociedade estabeleceu — ser aprovado em exames, formar-se, se tiver sorte conseguir um emprego, casar-se, e ponto final. Vocês aceitam esse padrão e tremem de medo de não segui-lo. 

Em consequência, vocês negam interiormente a liberdade, vivem interiormente temerosos, têm a sensação interior de não ser livres para descobrir, indagar, pesquisar, questionar. E isso produz desordem nos nossos relacionamentos. Vocês e eu estamos tentando mergulhar profundamente nessa questão, ter dela uma real introvisão, perceber-lhe a verdade. E é a percepção da verdade que liberta a mente; não alguma prática, nem a atividade da indagação, mas a efetiva percepção daquilo "que é". 

Causamos a desordem nos relacionamentos, tanto interior como exteriormente, mediante o medo, o amoldar-se, a avaliação, que é comparação. O nosso relacionamento se acha em desordem, não apenas o relacionamento uns com os outros, por mais íntimo que seja, como também o relacionamento exterior. Se vemos essa desordem com clareza, não lá fora mas aqui dentro, no mais profundo do nosso ser, se vemos todas as implicações disso, a partir dessa percepção vem a ordem. Então não teremos de viver segundo uma ordem imposta. A ordem não tem padrão, ela não é um esquema dado; ela vem da compreensão do que é a desordem. Quanto mais vocês entendem a desordem no relacionamento, tanto maior é a ordem. Logo, temos de descobrir o que é o nosso relacionamento uns com os outros. 

Como é o seu relacionamento com o outro? Você tem algum relacionamento ou seu relacionamento é com o passado? O passado, com suas imagens, sua experiência, seu conhecimento, dá origem ao que vocês denominam relacionamento. Mas o conhecimento no relacionamento gera desordem. Estou em relação com vocês. Sou o seu filho, o seu pai, a sua mulher, o seu marido. Temos vivido juntos; vocês têm me magoado e eu a vocês. Vocês têm me perseguido, têm me importunado, têm me tiranizado, têm dito coisas duras pelas minhas costas e na minha frente. Eu tenho vivido com vocês há dez anos ou há dois dias, e essas lembranças permanecem, lembranças das ofensas, das irritações, do prazer sexual, dos aborrecimentos, das palavras brutais e assim por diante. Tudo isso está registrado nas células do cérebro que contêm a memória. Assim, meu relacionamento com vocês se baseia no passado. O passado é a minha vida. Se atentarem para isso, vocês hão de perceber como a mente, a vida, a atividade de vocês está arraigada no passado. O relacionamento arraigado no passado inevitavelmente gera desordem. Quer dizer, o conhecimento no relacionamento traz desordem. Se vocês me magoaram, eu me lembro disso; vocês me magoaram ontem ou há uma semana e isso permanece na minha mente; é o conhecimento que tenho de vocês. Esse conhecimento impede o relacionamento; esse conhecimento gera desordem. Portanto, a questão é: quando vocês me magoam, me lisonjeiam, quando me escandalizam, pode a mente varrer isso de si no mesmo momento sem registrá-lo? Vocês tentam fazer isso?

(...) Digamos que ontem alguém tenha me tratado com aspereza, fazendo-me acusações inverídicas. Aquilo que foi dito fica registrado, e a mente identifica a pessoa com esse registro, agindo de acordo com ele. Quando a mente está agindo no relacionamento com o conhecimento desses insultos, das palavras ríspidas, das falsas acusações, esse conhecimento no relacionamento traz a desordem. Ficou claro? Ora, como a mente faz para não registrar no momento do insulto, no momento da bajulação? Porque, para mim, o que há de mais importante na vida é o relacionamento. Sem relacionamento, só pode haver desordem. A mente que vive em ordem, numa ordem total, que é a forma mais elevada de ordem matemática, não pode permitir nem por um momento que a sombra da desordem desça sobre ela. E essa desordem vem à existência quando a mente age com base em seu prévio conhecimento no relacionamento. Portanto, como procede a mente para não registrar o insulto, mas saber que o insulto, bem como a bajulação, ocorreram? Pode ela saber que eles ocorreram e ainda assim não registrá-los, de maneira a ser sempre límpida, saudável, íntegra no relacionamento? 

Esse assunto lhes interessa? Veja bem, se isso de fato lhes interessa, trata-se do maior problema da vida: como levar uma vida em relacionamento na qual a mente jamais tenha sido magoada, jamais tenha sido distorcida. Ora, será isso possível? Fizemos uma pergunta impossível. Trata-se de uma pergunta impossível, e temos de descobrira resposta impossível. Porque o possível é medíocre, já está pronto; mas se faz uma pergunta impossível, a mente tem de encontrar a resposta. A mente têm condições de fazê-lo? Isso é amor. A mente que não registra insultos nem bajulações sabe o que é o amor. 

Pode a mente nunca, jamais, absolutamente nunca registrar o insulto ou a bajulação? Isso é possível? Se a mente puder encontrar a resposta para essa pergunta, teremos resolvido o problema do relacionamento. Vivemos em relacionamento. O relacionamento não é uma abstração, mas um fato diário, cotidiano. Quer você vá para o escritório, volte e durma com sua mulher, quer brigue com ela, você está sempre em relacionamento. E se não há ordem nesse relacionamento entre você e outra pessoa, ou entre você e muitas pessoas ou uma única pessoa, você cria uma cultura que vai gerar, em última análise, desordem, como se faz hoje. Portanto, a ordem é absolutamente essencial. Para descobri-lo, pode a mente, embora tenha sido insultada, magoada, pisada, embora tenha ouvido palavras brutais dirigidas a si, nunca, nem mesmo por um segundo, reter essas coisas? Porque assim que essas coisas são retidas, já há o registro, e elas já deixaram uma marca nas células cerebrais. Percebam a dificuldade da questão. Pode a mente fazer isso, de modo a permanecer inteiramente inocente? A mente inocente é a mente que não pode ser magoada. Como não pode ser magoada, ela não vai magoar a outra. Ou, isso é possível? Toda forma de influência, toda forma de incidente, toda forma de dano, de desconfiança, é lançada sobre a mente. Pode a mente nunca registrar e, assim, manter-se muito inocente, muito límpida? Vamos descobri-lo juntos. 

Chegaremos a isso perguntando o que é o amor. Será o amor produto do pensamento? O amor se acha no campo do tempo? O amor é prazer? O amor é algo que se pode ser cultivado, praticado, construído pelo pensamento? Ao averiguar isso, temos de nos aprofundar na pergunta: o amor é prazer — sexual ou de alguma outra espécie? A nossa mente procura o prazer o tempo inteiro: ontem fiz uma boa refeição, o prazer da refeição é registrado e desejo mais, uma refeição ainda melhor ou o mesmo tipo de refeição amanhã. Encantei-me muito com o pôr-do-sol, com a observação da lua por entre as folhas ou com a visão de uma onda lá longe no mar. Essa beleza gera um enorme deleite, e isso é um prazer imenso. A mente o registra e deseja vê-lo repetir-se. O pensamento pensa sobre o sexo, pensa, detém-se longamente nele, deseja vê-lo repetir-se; e a isso vocês dão o nome de amor. Estou certo? Não se embaracem quando falamos de sexo; ele é parte de sua vida. Vocês o tornaram repulsivo porque negaram todos os tipos de liberdade exceto esta.

Então o amor é prazer? Será o amor produto do pensamento, assim como ocorre com o prazer? O amor é inveja? Pode amar aquele que é invejoso, ganancioso, ambicioso, violento, amoldável, submisso, totalmente em desordem? Então, o que é o amor? Ele não é, evidentemente, nada disso. Ele não é prazer. Entendam, por favor, a importância do prazer. O prazer é mantido pelo pensamento; em consequência, o pensamento não é amor. O pensamento não pode cultivar o amor. Ele pode cultivar, e cultiva, a busca do prazer, assim como cultiva o medo, mas não pode criar amor, nem fabricá-lo. Vejam a  verdade. vejam-na e vocês haverão de expulsar de si mesmos, de uma vez por todas, a ambição e a cobiça. Portanto, mediante a negação, vocês chegam à coisa sobremodo extraordinária chamada amor, que é coisa positiva. 

A desordem no relacionamento significa que não há amor, e essa desordem existe quando há o amoldar-se. Assim, a mente que se amolda a um padrão de prazer ou ao que pensa ser o amor jamais pode saber o que é o amor. A mente que compreendeu todo o processo de amadurecimento da desordem alcança uma nova ordem que é virtude e que é, por conseguinte, amor. É a vida de vocês, e não a minha. Se não viverem dessa maneira, você serão muito infelizes, ver-se-ão tomados pela desordem social e levados sempre de roldão por essa correnteza. Só o homem que escapa dessa correnteza sabe o que é o amor, o que é ordem.

Jiddu Krishnamurti — Madras 16/12/1972

 
           

sexta-feira, 26 de julho de 2013

É possível eliminar por completo o ajustamento?

Hoje desejo falar sobre o processo de ajustamento; isto é, desejo averiguar se existe alguma coisa de original, alguma coisa completamente isenta de ajustamento e que não seja uma mera abstração, uma simples ideia, porém um fato tão real como qualquer fato da vida diária. Assim, a pergunta fundamental que fazemos a nós mesmos é esta: até onde é possível eliminar o ajustamento? É possível eliminar inteira­mente o ajustamento e, desse modo, permitir a existência do original? Penso que esta é uma pergunta importante, porque a maioria de nós está perenemente a ajustar-se. Moldamo-nos em conformidade com determinado padrão, de acordo com um certo molde ideológico, fixo, quer imposto pela sociedade, pelas pressões econômicas, sociais e ambientes, quer por nossa expe­riência pessoal. Estamos sempre a moldar-nos de uma ou de outra maneira; acho que este é um fato bem óbvio. E pode esse processo de ajustamento — já tão profundamente arrai­gado e que tanto é consciente como inconsciente — terminar?
Por certo, só livres do ajustamento poderemos descobrir o que é original, essencial, verdadeiro; e, a menos que nós próprios o descubramos, viveremos sempre uma vida “falsificada”, uma vida de “segunda mão”, de imitação. Por conseguinte, parece-me que se trata de uma pergunta válida, fundamental, que devemos formular, ou seja, se o ajustamento pode terminar. Por “ajustamento” entendo o processo no qual o “pensamento” e o “pensador” estão sempre a moldar-se por um padrão, sempre a imitar, a repetir, sempre a ajustar-se a uma ideia, a um conceito, uma crença, um dogma, sempre a sujeitar-se a um determinado padrão ou ideal, em suas relações. Esse ajustar-se é a norma de nossa vida, o padrão diário de nossa existência; e estamos agora a interrogar-nos se esse ajustamento pode terminar. E devemos também perguntar-nos se a terminação do ajustamento causa desordem e por essa razão somos obrigados a ajustar-nos; ou se, terminado o ajustamento, ocorre o descobrimento de algo original, não "falsificado" ou de "segunda mão".
Em geral, nossa vida é sem originalidade. Não sabemos o que é original, nem mesmo se existe algo que se possa cha­mar "original". A meu ver, a palavra "original" é de ordi­nário mal empregada. Falamos de "literatura original", um "quadro original", uma maneira "original" de pensar ou de expressar-se; dizemos que certo escritor escreveu um livro "ori­ginal". Em tais casos, não me parece adequado o emprego da palavra "original". Há uma certa coisa original que as re­ligiões de todo o mundo — mesmo aquelas que se tornaram mais bem organizadas, mais cheias de repetições, mais estupidamente ritualistas — sempre andaram buscando. Mas, inde­pendentemente da religião organizada, com seu dogmatismo e sua complexa teologia, seus absurdos cerimoniais, etc. — independentemente de tudo isso, podemos, vocês e eu, como seres humanos que vivem neste mundo, rodeados de todas as complexidades da moderna existência, descobrir por nós mesmos algo que seja verdadeiramente original? Do contrário, a vida se torna terrivelmente monótona, uma tediosa rotina, muito pouco significativa.
Nesta manhã, desejo examinar esta questão do ajustamento, que significa imitação, moldagem do pensamento por um certo padrão, quer imposto pela sociedade, quer formado pela experiência pessoal do indivíduo, de modo que nunca podemos aproximar-nos do original. Quando emprego o termo ajus­tamento”, entendo tudo isto: o "processo" de adulteração, o desejo de ajustar-nos a determinado padrão, de imitar, de acei­tar, de obedecer.
Agora, antes de tudo, estamos totalmente cônscios desse processo de ajustamento que se verifica em cada um de nós, quer estejamos nos ajustando ao passado, quer a um conceito atual, quer a um certo ideal ou futura utopia? E se o perce­bemos, não devemos investigar se é possível acabar com esse ajustamento? Por certo, para nos livrarmos totalmente do “pro­cesso” de conflito e esforço, cumpre primeiramente compre­ender o ajustamento e dele libertar-nos; e, visto que todo es­forço supõe ajustamento, devemos verificar se é possível vi­vermos neste mundo livres de ajustamento e, por conseguinte, sem esforço. Evidentemente, quanto mais esforços fazemos, tanto maiores se tornam o conflito e a confusão e, desse modo, tanto maior se torna nossa aflição e dor. Cabe-nos, pois, ave­riguar se é possível vivermos sem esforço, isto é, vivermos originalmente, ou seja, livres de todo ajustamento.
Ora, para se alcançar esse ponto, devemos primeiramente estar conscientes — e isso me parece óbvio! — da natureza da mente que se ajusta. Por que nos ajustamos? Peço-lhes que tenham em mente que, ao empregar a palavra “ajustar-se”, dou-lhe o significado de “imitar, obedecer à autoridade, su­jeitar-se a um certo padrão”; é tudo isso que se deve suben­tender. Ora, por que nos ajustamos? Todo ajustamento im­plica esforço, não? E quando há esforço, em qualquer estado de relação, não há verdadeiras relações. Se me esforço para ser bondoso, afetuoso, ou cortês, isso nada significa. A bondade, a delicadeza, a afeição emanam de um estado de espí­rito em que não existe esforço algum; e, para compreender esse estado, impende compreender fundamentalmente a ques­tão do ajustamento.
Em relação a certas coisas externas, superficiais, há uma natural necessidade de ajustamento, mas não é desses casos que estamos tratando. Aqui, eu me “ajusto”, vestindo esta espécie de traje; na Índia “me ajusto” de outra maneira, ves­tindo trajes diferentes. Quando dirijo um carro, me “ajusto”, aqui conservando a direita da estrada, e na Inglaterra conser­vando a esquerda.
De certa maneira, estou a ajustar-me quando ponho uma carta no correio, etc. Mas, tenho necessidade de “ajustar-me” ao veneno do nacionalismo? Necessito ajustar-me a um dado padrão de existência, uma certa maneira de pensar que a so­ciedade procura impor-me e, em virtude da qual minha mente é moldada pela religião organizada, pelas influências econômi­cas e sociais? Assim, se desejo viver uma vida em que exis­tam, assentadas em sólidas bases, as relações corretas a con­duta correta, o correto comportamento, tenho de verificar se é possível viver sem esforço; porque, onde existe esforço, tudo isso é negado.
Onde há esforço, tem de haver, consciente ou inconscien­temente, ajustamento. Isso eu percebo. Posso percebê-lo verbalmente, intelectualmente, mas isso é fácil demais e pouco significa. Tenho de estar ciente do fato em mim mesmo. Estou cônscio, em minhas atividades, nas relações diárias com minha família, meus amigos, de até que ponto estou me “ajus­tando”? Isso significa saber que de fato estou me ajustando, não apenas superficialmente, porém profundamente, porque é da própria natureza do inconsciente o “ajustar-se”, Nesta nossa palestra matinal, o orador pode perceber esse ajusta­mento, mas isso se torna inútil se igual percepção não houver da parte de vocês. Devem se tornar cônscios, não só de seus ajustamentos às coisas superficiais, mas também do ajusta­mento de profundas raízes.
Como vimos, todo ajustamento implica esforço, e onde há esforço não existem relações verdadeiras, sob nenhum as­pecto, porém apenas imitação e uma espécie de “vida de se­gunda mão”. Percebo esse fato evidente. Então, me inter­rogo se é possível ficar totalmente livre da causa profunda do ajustamento. Compreendem? Superficialmente, temos de ajustar­-nos, em relação a certas coisas. Vocês têm de estar sentados lá e eu aqui, infelizmente. Temos de usar determinada peça de vestuário, etc. Muito à superfície, é necessário ajustar-nos. Mas, para investigar a questão do ajustamento, em seu pro­fundo sentido psicológico, e descobrir a resposta correta, cabe-nos investigar a questão do medo. Nós tememos, e por essa razão nos ajustamos. Se não tivéssemos medo de nenhuma espécie, nos ajustaríamos?
Estamos vendo, pois, a razão por que nos ajustamos, imi­tamos, nos adaptamos. Superficialmente poderá ser neces­sário um certo ajustamento. Mas, interior e profundamente, “da pele para dentro”, por assim dizer, nós nos ajustamos porque temos medo de não fazer o que é correto, medo de nos transviarmos, de não vivermos uma vida completa, de não encontrarmos a Realidade, Deus, etc. Assim, em todos nós está enraizado o medo, e considero da máxima importância compreender esse fato, antes de tentarmos responder à pergunta sobre se é possível pormos fim a toda e qualquer espécie de ajustamento.
Não sei se alguma vez “experimentaram” realmente o medo. Independente do medo instintivo, que se manifesta ao nos depararmos com algum perigo físico, já perceberam alguma vez, realmente, o que é ter medo? Em geral, o que lhes causa medo é uma ideia, não? Ou melhor, é a ideia que cria o medo. Com­preendem? Temo, digamos, o que possam pensar a meu res­peito. Este é um exemplo da ideia a gerar medo; e, quando uma ideia cria o medo, não me acho em relação com o fato — o próprio medo. Estão-me seguindo? Está tudo claro?
Uma ideia pode causar medo; e, no tocante à maioria de nós, é a ideia que causa medo. O conceito relativo ao que nos reserva o amanhã causa-nos medo, e o resultado é que o conceito se torna muito mais importante do que o fato real, que é o medo. Por conseguinte, tentamos modificar o conceito, a ideia, a causa, e nunca entramos diretamente em relação com o próprio temor. Ou a pessoa é atemorizada por uma ideia, um conceito; ou se vê em contato direto com o medo — direto, e não através de uma ideia. Mas existe medo sem ideia?
Por favor, não se limitem a escutar-me; não aceitem nem rejeitem o que estou dizendo, porém acompanhem-me verdadei­ramente. Quase todos temos nossos temores peculiares, e é uma ideia que os está criando. Pode ser que tenham medo de perder seu marido, sua esposa, seu emprego; medo do que acontecerá amanhã, medo de uma recaída, se estiveram doente. Tudo isso são ideias. Devemos, pois, verificar se é sempre uma ideia o que causa medo, ou se existe o medo in­dependente de qualquer ideia. Existe medo independente da ideia? Enquanto eu não houver descoberto isso, não poderei, de modo nenhum, compreender esta questão do ajustamento.
Estão entendendo? Não se trata, com efeito, de nada muito complicado, porém de algo que exige atenção e penetração.
Percebo que não há medo sem ideia. Percebo que o pensamento cria o medo e que o medo, em si, não existe; devo, pois, descobrir por que o pensamento, a ideia, gera medo. Está claro?
O pensamento cria o medo? Ou o que acontece é que o pensamento, depois de criar o pensador, cria o medo? Decerto, o pensamento, em si, não cria temor. Ele se manifesta quando há um pensador separado do pensamento, um pensador a ajustar-se, por conseguinte, a criar o temor.
Consideremos isso diferentemente. Existe o censor, o observador, separado da “coisa censurada”, da “coisa obser­vada”; existe o “experimentador” separado da “experiência”, o “pensador” separado do “pensamento”. E foi o pensamento que criou o pensador, pois, se não houvesse pensamento, não haveria pensador.
Notem que não exponho nenhuma teoria fantástica ou fi­losofia mística; não se trata de nada disso. Estamos simples­mente a observar a nossa vida de cada dia. O pensador é a ideia, a lembrança de dores e prazeres, o feixe de recordações, o qual, ao apresentar-se um “desafio”, “responde” (reage) em termos de pensamento e ação. Vejo, pois, como vocês também devem ver, que o pensador é o centro de ideias baseadas na busca do prazer e no evitar a dor. É ele que origina todo es­forço de ajustamento, esforço esse que se baseia no medo. Enquanto há medo, há o impulso a ajustar-se e, por conse­guinte e necessariamente, esforço. O esforço, portanto, é sem­pre uma luta no sentido de imitar, de “vir a ser”, de moldar, de ajustar-se a um padrão, e todo esforço desta natureza está, obviamente, baseado no medo. Assim, se simplesmente cuida­mos de cultivar a coragem — e isso faz parte de nosso esforço para “virmos a ser” alguma coisa — tal esforço pouco signi­fica. Mas, quando compreendemos toda a estrutura do medo, vemo-nos então frente-a-frente com um problema bem diverso.
Enquanto existir um pensador separado do pensamento, haverá, não só medo, mas também o esforço baseado no im­pulso a ajustar-nos; e, uma vez conscientes disso, será possí­vel pensarmos sem criar o “pensador”? Entendem? Isso sig­nifica alguma coisa ou é apenas um amontoado de palavras? Vejo-lhes algo perplexos, senhores; assim, voltemos ao começo.
Percebe-se que toda a nossa vida é uma rotina, um ajus­tar, um repetir e, por conseguinte, algo tedioso. Vemos esse fato. A seguir, interrogamo-nos: Pode-se eliminar esse esforço de ajustamento — não no fim de tudo, na hora da morte, mas enquanto estamos vivos? Para o investigarmos, temos de descobrir a natureza do ajustamento e porque a mente está sempre a ajustar-se, seja à experiência passada, seja a um atual padrão de ação ou a um certo ideal do futuro. Ajustamento, como já vimos, implica imitação, repetição, adap­tação, etc. Percebo que onde há ajustamento há necessaria­mente esforço e que, quando existe esforço de ajustamento nas relações, estas cessam completamente. Minha vida é uma constante repetição, um interminável esforço de ajustamento e, por isso, nunca existe um estado de relação. Cabe-me, pois, averiguar se me é possível pôr fim ao esforço de ajustamento e, por conseguinte, achar-me num estado de relação. Mas, para descobrir o que subentende a cessação desse esforço, devo primeiramente verificar se o medo — do qual podemos estar conscientes ou não — pode terminar totalmente, e não apenas parcialmente. Significa isso que cumpre investigar as profun­dezas do inconsciente.
Ora, é capaz a mente consciente de investigar uma coisa que ela nunca atingiu? Como sabem, há especialistas — Freud, Jung e muitos outros — que têm descrito o inconsciente, atribuindo-lhe várias características; mas, se o indivíduo está verdadeiramente cônscio de suas próprias atividades interiores, nenhuma necessidade tem de recorrer aos especialistas. É óbvio que o inconsciente é o resíduo do passado; e o passado inclui tanto as “memórias” herdadas como as adquiridas. Há as memórias remotas, as memórias raciais, as memórias coletivas. A total existência do homem, de dois ou mais milhões de anos, está, toda ela, contida no inconsciente. E esse incons­ciente faz parte do nosso medo. Conscientemente, posso não temer coisa alguma, porém, profundamente, ter medo de muitas coisas. Posso ter racionalizado a morte, pela maneira mais bela, mas, bem no fundo, existe ainda esse medo extraordiná­rio ao findar. Assim, no inconsciente, há medo; e, para o compreenderem, dele devem se abeirar, não consciente nem deliberadamente, mas com sensibilidade, com vigor, ardor, in­tensidade. Por outras palavras, dele devem se aproximar com afeição, com amor, pois é essa a única maneira de se com­preender o que quer que seja.
Assim, é possível eliminar o medo em todos os seus as­pectos? A pessoa pode ter medo do escuro, ou de topar subitamente com uma serpente ou fera, ou de cair num preci­pício. É natural e indício de sanidade mental sairmos do ca­minho de um ônibus que se aproxima, por exemplo, mas existem muitas outras formas de medo. Eis por que é necessário examinar esta questão sobre se a ideia imposta mais do que o fato — o que é. Se se considera o que é — o fato — e não a ideia, percebe-se que é só a ideia, o conceito relativo ao fu­turo, ao amanhã, que cria medo. Não é o fato que gera o medo.
Superficialmente, o ajustamento, a adaptação, são neces­sários; porém, interiormente, profundamente, o ajustamento acarreta esforço e, por conseguinte, imitação. Enquanto está a imitar, a esforçar-se por ajustar-se, a mente isola-se; assim, não há para ela relações, e o que faz é apenas aumentar o medo.
Bem. Acabo de analisar mais ou menos suficientemente esta questão. Poderíamos examiná-la com mais profundeza, com outras minúcias, mas já tocamos nos fatos mais importantes. Entretanto, a descrição não é o fato. A palavra não é a coisa. Quando sentem fome, posso descrever-lhes um prato de comida, mas, obviamente, minhas palavras não são alimento. De modo idêntico, devemos estar diretamente em contato com esta ques­tão, em seu todo, não apenas verbalmente, porém de maneira real, porque então é que se começa a descobrir a liberdade que não é ajustamento. Começa-se a descobrir, cada um por si, que, enquanto existir pensador separado do pensamento, exis­tirá medo, esforço, ajustamento. Pois esforço é ajustamento. E é possível — prestem atenção! — é possível só pensar sem criar “pensador”? É possível pensar intensamente, racional, sã e logicamente sem haver o “pensador”, cujos valores, ideias e conceitos se baseiam todos no prazer, de onde, por conse­guinte, se origina todo o processo de esforço e imitação? É possível pensar só quando necessário, e não de outra maneira? Isto é, pode uma pessoa pensar só quando se lhe faz uma per­gunta, e permanecer o resto do tempo num completo estado de negação — que é um estado sumamente positivo?
Está claro? Por favor, não concordem. Este é um as­sunto dificílimo de investigar, de penetrar. Não se pode dizer, simplesmente, “Concordo” — pois isso nada significa.
É o centro, como pensador, como censor, que gera o tempo e, por conseguinte, o centro é a fonte da desordem. Não é o pensamento que cria a desordem, porém o centro, o censor, o pensador, constituído através do tempo. E enquanto existir esse censor, esse centro, esse “fabricante” de esforço, por mais que tentem o medo não terá fim.
Assim, para a mente que leva essa carga constituída pelo medo, pelo ajustamento, pelo pensador, não é possível a compreensão daquilo que se pode chamar o original. E a mente deseja saber o que é “o original”. Tem-se dito que é Deus — mas esta é também uma palavra inventada pelos entes humanos em seu medo, seu sofrimento, seu desejo de fugir à vida. Quando a mente humana está livre de todo o temor, não está então — em seu desejo de saber o que é o original — em busca de prazer para si própria, nem de nenhuma via de fuga, e, por conseguinte, em sua investigação já não existe autori­dade alguma. Compreendem? A autoridade deste orador, a autoridade da igreja, a autoridade da opinião, do conhecimento, da experiência, do que “dizem” — tudo isso cessa completa­mente, e não há obediência. Só então a mente tem a possi­bilidade de descobrir, por si própria, o que é o original — descobri-lo, não como mente individual, porém como ser humano total. Não existe mente “individual”, absolutamente. Somos totalmente relacionados. Compreendam isso. A mente não é uma coisa separada; é uma totalidade. Todos vivemos a ajustar-nos, todos temos medo, todos estamos a fugir. E, para compreendermos, cada um de nós, não como indivíduo, porém, como ente humano total, o que é o original, precisa­mos compreender a totalidade do sofrimento humano, todos os conceitos e fórmulas que o homem inventou no decurso dos séculos. Só quando se está libertado de tudo isso, pode-se descobrir se existe alguma coisa de original. Do contrário, somos entes humanos “de segunda mão”; e porque somos imi­tações, entes humanos falsificados, o sofrimento nunca tem fim. Assim, o findar do sofrimento é, em essência, o começo do original. Mas, a compreensão que põe fim ao sofrimento não é a mera compreensão de sofrimento particular de vocês, ou de meu sofrimento particular, porque o seu sofrimento e o meu sofrimento estão relacionados com a totalidade do sofri­mento humano. Compreendem? Isso não é mero sentimen­talismo ou emocianalismo; é um fato real, um fato brutal. Ao compreendermos a total estrutura do sofrimento, extinguindo-o portanto, teremos então a possibilidade de encontrar — não num “tubo de ensaios” como a descobre o cientista — aquela coisa extraordinária que é a origem de toda a vida, aquela fantástica energia, que está sempre a “explodir”. Essa energia não é um movimento em direção alguma e por con­seguinte, “explode”.
Senhores, como não parecem inclinados a fazer perguntas, posso perguntar-lhes uma coisa? Já experimentaram alguma vez reunir toda a energia de vocês — física, emocional, mental, visual, todas as formas de energia — e “com ela ficar”, com­pletamente, tranquilamente? Compreendem? Se a energia tem algum movimento em qualquer direção que seja, está sendo dissipada. Mas, quando toda a nossa energia fica completa­mente imóvel, inicia-se um movimento que é original e, por consequência, “explosivo”. Estão entendendo? Experimentem, numa ocasião, e vejam se são capazes disso. Mas, para tanto, requer-se uma grande soma de inteligência, extraordinária vigi­lância; não é nada de relacionado com a dor e o prazer. Se pu­derem reunir toda a sua energia, sem esforço, sua mente estará então transbordante de energia, sem atrito de espécie alguma. Verifica-se, então, uma “explosão” — e, dessa explo­são, surge o original.

Krishnamurti — 22 de julho de 1965.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Por que razão a mente se deteriora?

Numa destas manhãs, vi quando um morto era levado para ser cremado. Envolto em vistoso pano cor de vermelho purpúreo, o corpo oscilava ao ritmo dos quatro mortais que o transportavam. Que espécie de impressão lhe causa um corpo morto? Você não desejaria saber por que há deterioração? Você compra um motor novo em folha e, passados poucos anos, está completamente gasto. O corpo também se gasta; mas, você não desejaria investigar um pouco mais além, para descobrir porque razão a mente se deteriora? Mais cedo ou mais tarde ocorrerá a morte do corpo, mas a maioria de nós já tem a mente morta, já se verificou a deterioração; por que a mente se deteriora? O corpo se deteriora porque o mantemos em uso constante, e o organismo se gasta. Doença, acidente, velhice, má alimentação, deficiências hereditárias — tais são os fatores responsáveis pela deterioração e morte do corpo. Mas, por que deve a mente deteriorar-se, envelhecer, tornar-se pesada, embotada?

Ao ver um corpo morto, isso não lhe dá o que pensar? Embora nosso corpo deva morrer, por que deve a mente deteriorar-se? Nunca lhe ocorreu esta pergunta? Pois a mente, com efeito, se deteriora; vemos isso acontecer não só com as pessoas idosas, mas também com as pessoas jovens. Vemos como, nos jovens, a mente já está se tornando embotada, pesada, insensível; e, se pudermos descobrir por que razão a mente deteriora, então talvez descubramos algo verdadeiramente indestrutível. Talvez compreendamos, então, o que é a vida eterna, a vida que não tem fim, que não está no tempo, a vida que é incorruptível, que não degenera como o corpo que se transporta para o cais à beira do rio, onde é cremado e suas cinzas lançadas ao rio.

Mas, por que a mente se deteriora? Você já refletiu a esse respeito? Como você ainda é muito jovem — e se a sociedade, ou seus pais, ou as circunstâncias ainda não lhe tornaram embotado — você possui uma mente nova, ardorosa, curiosa. Você deseja saber por que existem as estrelas, por que morrem os pássaros, por que caem as folhas, como voa o avião a jato; muitas coisas você deseja saber. Mas, esse impulso vital para investigar, descobrir, é depressa sufocado, não é verdade? Sufocado pelo medo, pelo peso da tradição, por sua própria incapacidade para enfrentar essa coisa extraordinária que se chama a vida. Você já não notou quão rapidamente é destruído o seu ardor, através de uma palavra áspera, um gesto depreciativo, pelo medo de um exame, a ameaça de um pai — significando isso que a sua sensibilidade já está sendo destruída e sua mente se tornando embotada?

Outro caso de embotamento é a imitação. Pela tradição, você é obrigado a imitar. O peso do passado lhe força a se ajustar, a estabelecer uma linha de conduta e, com esse ajustamento, a mente se sente protegida, em segurança; você se instala numa rotina bem “lubrificada”, para que possa deslizar suavemente, livre de perturbações, sem o mais ligeiro estremecimento de dúvida. Observe os adultos que lhe rodeiam e verá que a mente deles não quer ser perturbada. Eles querem paz, ainda que seja a paz da morte; mas a verdadeira paz é coisa muito diferente.

Você já notou que, quando a mente se fixa numa rotina, num padrão, sempre o faz inspirada pelo desejo de segurança? É por esta razão que ela segue um ideal, um guru. Quer segurança, ausência de perturbação e, por isso, adormece. Quando lê, em seus livros de história, a respeito dos grandes líderes, santos, guerreiros, você não se surpreende desejando igualá-los? Isto não significa que não haja grandes homens no mundo; mas o instinto é imitar os grandes homens, procurar tornar-se igual a eles — e este é um dos fatores de deterioração, porque, então, a mente se coloca num molde. Igualmente, a sociedade não deseja indivíduos alertados, ardorosos, revolucionários, porque tais indivíduos não se ajustarão ao padrão social estabelecido e há sempre o perigo de que quebrem esse padrão. É por isso que a sociedade se empenha em prender sua mente em seu padrão, e é por isso que a chamada educação lhe estimula a imitar, a seguir, a se ajustar.

Ora, pode a mente deixar de imitar? Isto é, pode deixar de formar hábitos? E pode a mente que já se acha enredada no hábito, dele ficar livre?

A mente é o resultado do hábito, não? Ela é o resultado da tradição, do tempo — sendo “tempo” a repetição, a continuidade do passado. E pode a mente, a sua mente, deixar de pensar em termos daquilo que foi — e daquilo que será, que é, na verdade, uma projeção do que foi? Pode sua mente se libertar dos hábitos e deixar de criar hábitos? Se você penetrar bem profundamente neste problema, verá que pode. E quando a mente se renova sem formar novos padrões, novos hábitos, sem tornar a cair na rotina da imitação, permanece, então, fresca, jovem, “inocente”, sendo, portanto, capaz de infinita compreensão.

Para essa mente, não há morte, uma vez que já não existe processo de acumulação. É o processo de acumulação que cria o hábito, a imitação, e, para a mente que acumula, há deterioração, morte. Mas, para a mente que não está cumulando, juntando, que está morrendo a cada dia, a cada minuto — para essa mente não há morte. Ela se acha num estado de “espaço infinito”.

Assim, pois, deve a mente morrer para tudo o que acumulou, todos os hábitos e virtudes imitadas, para todas as coisas de que se acostumou a depender, para ter o sentimento de segurança. A mente então já não está aprisionada na rede de seu próprio pensar. No morrer para o passado, a cada instante, a mente se torna fresca, nova, nunca se deteriorará nem colocará em movimento a “onda da escuridão”. 

Krishnamurti - A cultura e o problema humano

domingo, 2 de junho de 2013

Queremos filhos adaptados; não revolucionários

Pergunta: tenho um filho que me é muito caro e vejo que ele está sujeito a muitas influências perniciosas, tanto em casa como na escola. Que devo fazer?

Krishnamurti: Todos somos o produto, não de uma dada influência, porém de muitas influências contraditórias, não é verdade? E o interrogante deseja saber como impedir que o filho fique sujeito a influências perniciosas, tanto em casa como na escola. Ora, sem dúvida, o problema é muito mais complexo do que apenas encontrar uma maneira de resistir às mas influências. O que nos cabe considerar é o "processo" total da influência, não achais? Afinal de contas, todo estudante está invariavelmente exposto a numerosas influências, tanto boas como más. Existe não apenas a influência doméstica e a influência da escola, mas, ainda, a influência das coisas que lê, das coisas que ouve, do clima, da espécie de alimento que toma, da religião e da cultura em que está sendo educado. Ele constitui a soma, o total dessas influências, tal como vós e eu, e não podemos rejeitar algumas delas e conservar outras. O que podemos fazer é apenas observar todas estas influências e averiguar se a mente pode viver livre delas. Entretanto, infelizmente, no presente estado de coisas, nossa educação é um processo de impor ao estudante as supostas influências boas. Esta é uma parte da questão. A outra parte é o "processo" de encher a mente do estudante de conhecimentos, para que passe nos exames, acrescente algumas letras ao nome e obtenha um emprego. É só isso que nos interessa, atualmente, na chamada educação. 

Mas, a educação correta é cosia muito diferente, não achais? Não é apenas questão de proporcionar ao estudante conhecimentos técnicos que o habilitarão a obter emprego, mas é também preciso ajudá-lo a estar cônscio de todas as influências e não se deixar prender por nenhuma delas. Para assim fazer, precisamos de uma mente em bom estado, e uma mente "em bom estado" é aquela que está aprendendo, e não aquela que aprendeu; porque, quando a mente está acumulando, deixou de aprender. A instrução é, então, uma coisa do passado e, assim sendo, está detida a investigação. 

Que é pois a educação correta? É uma simples definição, colhida num livro, ou um constante processo de compreensão das numerosas influências que assaltam a mente, para que ela seja livre desde o começo e, portanto, capaz de investigação? Certo, a mente que é capaz de verdadeira investigação, está sempre aprendendo; não é um mero depósito de conhecimentos. Qualquer pessoa que saiba ler, pode colher conhecimentos numa enciclopédia. Conquanto seja evidentemente necessário, na educação, transmitir conhecimentos técnicos para que o estudante possa, mais tarde, obter um emprego, na atualidade é unicamente isto o que interessa à maioria dos pais. Querem que os filhos se preparem para alcançar uma boa posição na atual estrutura social, que o ensinem a ajustar-se a esta sociedade baseada na avidez, na inveja, na ambição. Desejais que vosso filho se adapte a esta estrutura, não desejais que ele seja um revolucionário. E assim sendo, temos esta pretensa educação, que só o ensina a ajustar-se, imitar, seguir. Mas não será possível aos que amam realmente os seus filhos, ajudá-los a compreender as múltiplas influências da sociedade, da civilização em que nasceram, para que, quando cresçam, não se deixem ajustar ao padrão de uma certa cultura mas, sim, criem sua sociedade própria, uma sociedade livre da inveja, da ambição, da avidez? Por certo, só tais pessoas são verdadeiramente religiosas. A revolução tem de ser religiosa, e não puramente econômica. Religião não é aceitação de um certo dogma ou tradição ou de um suposto livro sagrado. Religião é investigação, para descobrir o Desconhecido. 

Krishnamurti — Da solidão à plenitude humana - ICK

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill