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quinta-feira, 19 de abril de 2018

É possível o cérebro tornar-se silencioso?

É possível o cérebro tornar-se silencioso?

[...] PERGUNTA: A deterioração mental que se está processando em cada um de nós não resulta de distração?

KRISHNAMURTI: Ora, senhor, por que razão somos distraídos? E porque não devemos ser distraídos? Enquanto vos falo, é distração escutar aquela corrente, escutar os pássaros, ver as folhas reluzindo ao sol? Isso, por certo, só se torna distração, se desejais afastar tudo mais para o lado, a fim de vos concentrardes no que estou dizendo. Distração denota conflito, não achais? Desejais prestar atenção ao que estou dizendo, mas a mente se desvia para o pássaro, o rio, o trem, a folha. Resistis a essas fugas da mente, desejais detê-las, obrigar a mente a voltar e, daí, por conseguinte, resulta distração, conflito. Mas, se, ao contrário, puderdes escutar ao mesmo tempo a corrente e o que se está dizendo, não há distração, não há contradição. Porque estais atento, não estais lutando contra a distração. No momento em que se luta contra a distração, há conflito e, por conseguinte, deterioração.

Assim, para a mente que está atenta não há distração. Experimentai o que estou dizendo. Escutai a corrente, ficai apercebido do pássaro que canta, notai aquela folha — se a estais vendo como eu a vejo, daqui — reluzindo ao sol, vede todas estas pessoas aqui presentes, vestidas de diferentes cores, olhando em direções várias, escutando em diferentes posturas, e não vos irriteis com a importunação destas moscas. Vereis então que não haverá distração alguma, e a mente estará, por conseguinte, sobremaneira vigilante. Mas a mente que está sempre a lutar contra a distração, porque deseja concentrar-se numa dada coisa, acha-se em conflito e, por conseguinte, num estado de deterioração.

PERGUNTA: É possível o cérebro ficar quieto, alguma vez?

KRISHNAMURTI: Este é com efeito um problema tremendo, uma vez que o cérebro é produto do tempo; ele vem à existência pela associação, por meio de reações nervosas, e acumulou durante séculos um cabedal de memória ou conhecimento instintivo, mediante o qual reage. Isto é um fato, e não uma explicação pessoal de cunho especulativo. O cérebro humano desenvolveu-se, do macaco ao homem primitivo e deste ao homem civilizado. Aprendeu, acumulou vastíssima experiência. Sabe quando há perigo, busca o prazer e procura evitar a dor. Tem inumeráveis desejos, ambições, impulsos, exigências, todos a solicitá-lo em diferentes direções.

Ora bem, em vista de tudo isso, a questão é se é possível ao cérebro — que acumulou tão extraordinária soma de experiência, na forma de memória, e que, neurologicamente é sensível, está sempre à escuta, observando, sentindo, interpretando — se é possível ao cérebro, em tais condições, ficar completamente quieto. Pode ele manter-se ativo, sensível, e ao mesmo tempo completamente tranquilo? Digo que pode, não teoricamente, porém de fato; e é só então que a mente, o cérebro, é capaz de meditação. O ato da meditação é uma coisa maravilhosa — mas não tratarei disto nesta manhã.

O interrogante, pois, deseja saber se é possível ao cérebro tornar-se quieto — esse cérebro tão altamente desenvolvido, com seu enorme cabedal de memória, mediante o qual está constantemente reagindo. Sendo produto de associação, experiência, de memória, resultado do tempo, pode, em algum tempo, o cérebro ficar quieto? A maioria das pessoas se acha em conflito, dividida por inumeráveis desejos: desejo de preencher-se, pintando, escrevendo, fazendo isto ou aquilo. Desejam tornar-se conhecidas, tornar-se alguém, neste mundo monstruoso e estúpido. E, nessas condições, pode o cérebro — que tanto é o consciente como o inconsciente — ficar totalmente silencioso? Se pode, de que maneira poderá saltar de um estado para o outro? Iremos examinando esse problema enquanto formos prosseguindo.

Krishnamurti, Saanen, 7 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho

domingo, 8 de abril de 2018

O mecanismo de deterioração mental


O mecanismo de deterioração mental

PERGUNTA: Observa-se na Índia, hoje em dia, uma total ausência de beleza e a destruição das coisas belas, em todos os setores — político, social, psicológico e cultural. A que atribuís esse fato e de que maneira obviar essa desintegração total?

KRISHNAMURTI: Porque há desintegração, não só nesta terra infeliz, superpovoada, miserável e faminta, mas também no mundo inteiro? Porque existe esta desintegração? Não procureis uma resposta; esperai. Não apresenteis razões imediatas, porque as vossas razões serão de acordo com o vosso fundo, vosso condicionamento comunista, hinduísta, capitalista, cristão, ou qual seja ele. Prestai atenção: quando vos fazem uma pergunta — “Porque há desintegração?” — a vossa resposta é ditada pelo vosso fundo, vossos conhecimentos, vossa experiência, não é verdade? Esta reação não é a causa da desintegração? Examinemos esta questão vagarosamente, para acharmos a verdade respectiva. Porque há desintegração? Porque se tornou a mente medíocre, inferior? Porque estamos interessados só em nossas insignificantes pessoas? Porque nos identificamos com um “eu maior” — que, contudo, é ainda medíocre? Porque sou pequeno, identifico-me com algo que é maior; porém, minha mente continua pequena, inferior. Posso identificar-me com Deus, com a Verdade, ou com a Nação; mas minha mente continua medíocre. Por mais que a mente se identifique com algo maior, esse próprio processo de identificação é sempre de ordem inferior.

Senhores, porque nos vemos presos nesta rede de inferioridade, de deterioração? Sabeis que a vossa mente está a deteriorar-se? Ou dizeis: “Minha mente não se está deteriorando; está funcionando maravilhosamente, sem esforço algum, como um mecanismo impecável, sem resistências, sem temores, sem pensar no amanhã”? É óbvio, só muito poucos de nós podemos dizer tal coisa. Se puderdes compreender porque a mente se deteriora, compreendereis então porque se está desintegrando a cultura e porque se desintegram os valores sociais e as várias formas e expressões da beleza.

Porque se está deteriorando a mente? Este é que é o problema, e não: “porque há, na Índia, desintegração em todos os setores?”. Porque se desintegra a vossa mente? Se um ou dois de nós pudermos compreender isto verdadeiramente, um ou dois de nós poderemos transformar o mundo. Já que, em geral, não estamos interessados em tal coisa, não nos achamos capacitados para efetuar uma revolução completa. Nessas condições, só aqueles poucos que puderem compreendê-la verdadeiramente serão capazes de produzir no mundo uma revolução de extraordinária magnitude.

Porque se está deteriorando a vossa mente? Dizeis que, culturalmente, nos estamos desintegrando. Que é “cultura”? É simples expressão, imitação de uma forma, concebida pelo espírito humano? Atualmente, na Índia, a mente está completamente tolhida, agrilhoada pela chamada cultura, pela tradição, pela ausência de alegria, pelo medo de uma existência não futurosa, pela falta de segurança ou pelo desemprego. É esta a razão pela qual a mente, tão condicionada que está, tão completamente tolhida, se vê privada da iniciativa, do impulso criador? É porque a mente tem a tendência de imitar e copiar, é por isso que ela se está desintegrando e não pode estar intensamente ativa, criando?

Como pode ser criadora a mente quando existe temor? O problema, portanto, não é o seguinte: “Pode a minha mente, a vossa mente, a mente comum, a mente que está agitada, por causa das responsabilidades de família, dos seus deleites, da rotina num escritório, debaixo de um chefe tirânico, a mente prisioneira da tradição, da riqueza — pode a mente em tais condições ser criadora?” Se se liberta do seu condicionamento, é claro que a mente é então criadora. Se percebe a verdade de que qualquer modalidade de imitação lhe é perniciosa, é claro que a mente abandonará a imitação. Mas nós não enxergamos essa verdade. Por essa razão prossegue, sem diminuição, o lento processo da desintegração.

Pode uma mente estar livre do medo? Aí está o âmago do problema, pois o medo é desintegração Quando intimidamos uma criança, ela cede; mas com a imitação, a compulsão, destrói-se o espírito. Pode ele estar livre do medo? O medo não existe só sob uma determinada forma — medo de ser punido, medo de perder o emprego, medo ao insucesso — porque a mente teme em todas as suas relações. Pode ela estar livre do medo, onde quer que ele se encontre, no escritório ou no lar, em qualquer parte onde atue? Não digais “não”. Se sei que tenho medo, nas minhas relações e a vários respeitos, esse próprio conhecimento, esse percebimento mesmo da existência do temor, produzirá uma transformação. Mas a transformação é impossível se se quer transformar o medo noutra coisa, por exemplo, em amor; porque, nesse caso, o amor será uma outra forma do temor. Vede bem isso, senhores. Se reconheço que tenho medo de alguém e não desejo transformar esse medo noutra coisa, se sei, simplesmente, que tenho medo, o medo, então, começa a transformar-se em algo totalmente diverso daquilo que a mente deseja.

Enunciemos o problema de outro modo. O problema existe por causa da resistência, e se não há resistência, não há problema. Mas, para se compreender a resistência requer-se extraordinário discernimento e penetração, e não mera determinação ou ação da vontade, dizendo-se: “Não sustentarei resistência alguma”. A própria declaração: “Não sustentarei resistência”, é uma forma de resistência. Entretanto, se compreenderdes a profundidade, a qualidade, as várias modalidades de resistência, existentes na mente — as quais são dificílimas de descobrir — vereis então que o problema do medo nem chega a nascer. A mente está então morrendo todos os dias, não está mais a acumular. E esse morrer para cada dia significa morrer para tudo o que se sabe, morrer para a experiência, morrer para todas as coisas que se têm acumulado, estimado, acalentado. Só então existe a possibilidade do nascimento de uma mente nova, uma mente criadora.

Enquanto se for hinduísta, comunista, budista ou o que quer que seja, não se pode ter um espírito novo. Enquanto a mente está na sujeição do temor e, por essa razão, observando determinada rotina ou ritual, ela não é uma mente nova. Enquanto se pratica puja e se observam mandamentos — atos esses que são “projeções” do medo — a mente não pode ser nova. Se, ouvindo estas palavras, dizeis: “quero ter uma mente nova”, não a tereis. A mente nova não nasce por obra do desejo e da compulsão. Ela só pode nascer espontaneamente, uma vez compreendida pela mente a sua própria capacidade, suas atividades, suas profundezas.

É importante compreender a verdade a respeito da transformação. A mente não pode repudiar o temor, porque ela própria é temor, e é só isso o que se conhece da mente: o medo — medo ao que digam de nós, medo da morte, medo de perder o que se tem, medo à punição, medo de não alcançar o que se deseja, medo de “não preenchimento”. A mente, pois, nas suas condições atuais, é toda temor. E quando essa mente deseja transformar-se, continua, não obstante, no campo do temor; este é um óbvio fato psicológico. Inventa, assim, a mente um “eu superior”, o Atman, para operar a transformação; mas este, também, está na esfera do temor, já que é uma invenção mental. Não importa o que disse Buda, Sankara ou outro qualquer. Tudo continua na esfera do pensamento, e quando a mente aspira à transformação dentro da esfera do pensamento, da esfera do tempo, não há transformação, mas a continuação do medo sob nova forma.

O homem que cultiva um ideal nunca conhecerá uma mente nova; e esta é a praga que infesta o nosso país. Somos todos idealistas, que desejamos adaptar-nos à não-violência, a isto ou àquilo. Todos somos imitadores. Eis porque jamais temos a mente fresca, a mente completa e totalmente nova, e só nossa, não de Sankara, de Marx ou de outro qualquer. Essa total “novidade”, esse estado completo da mente, só pode realizar-se quando não existe experimentador nem experiência; só existe esse estado quando se pode morrer totalmente para cada dia e para tudo o que se tem acumulado psicologicamente. Só então há a possibilidade de uma regeneração completa. Isto não é coisa irrealizável, não é simples retórica. É uma coisa possível, desde que seja meditada e compreendida a fundo; eis porque é importante conhecer, pesquisar o que é verdadeiro. Mas não se pode escrutar o verdadeiro quando a mente não está silenciosa. Se a mente está sempre a pedir, a exigir, a rogar, a desejar isto ou aquilo, a largar uma coisa para pegar outra, não é: uma mente serena. Sede serenos, tranquilos. Vede as árvores, os pássaros, o céu, a beleza, as riquezas da existência humana. Observai, silenciosa e vigilantemente. Nesse silêncio se manifesta aquela coisa indefinível, imensurável, atemporal.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
7 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Há uma mente não contaminada pelo passado?


Há uma mente não
contaminada pelo passado?

SERIA interessante e proveitoso examinarmos nesta tarde a questão relativa ao fator de deterioração da mente. Quando jovens, somos muito zelosos, temos tantas ideias entusiásticas, revolucionárias, mas em geral acabamos enredados numa dada atividade e, lentamente, nos esgotamos. Vemos isso acontecer ao redor de nós e dentro de nós mesmos; e é possível deter esse mecanismo de deterioração, que constitui sem dúvida um dos nossos problemas principais? Se é ao capitalismo ou ao socialismo, à esquerda ou à direita, que cabe organizar o bem-estar mundial — agora, que a produção é imensa — não me parece ser esse o problema. Penso que o problema é muito mais profundo, e o problema é este: pode-se libertar a mente, de maneira que ela permaneça livre para sempre e, por conseguinte, não mais sujeita à deterioração?

Não sei se já pensastes neste problema, ou se já tendes observado como a pouco e pouco se esgota a vitalidade, o vigor, a vivacidade da nossa mente e ela se torna, gradualmente, um instrumento de hábitos e crenças mecânicos, um complexo de rotina e repetição. Se realmente temos pensado a este respeito, devemos ver que isso é um problema, para a maioria de nós. Quando vamos envelhecendo, o peso do passado, a carga das coisas lembradas, das esperanças, das frustrações, dos temores, tudo parece cercar e fechar a mente e dela nunca nos vêm coisas novas, mas só repetições, um sentimento de ansiedade, uma perpétua fuga de si mesmo e, por fim, o desejo de encontrar alívio de alguma espécie, um pouco de paz, um Deus que nos satisfaça completamente. Ora, se pudéssemos examinar bem esta questão, acho que seria muito proveitoso. Pode a mente ser libertada de todo esse mecanismo de deterioração e ultrapassar a si mesma, não de maneira misteriosa ou miraculosa, não amanhã ou noutra data futura, mas imediatamente, instantaneamente? Esse descobrimento pode ser função da meditação. Porque é, pois, que nossa mente se deteriora? Porque é que nada existe de original em nós, que tudo o que sabemos é mera repetição, que nunca há constância de criação? Estes são os fatos, não é verdade? Que é que causa essa deterioração, e pode a mente detê-la? Iremos debater a este respeito, dentro em pouco, e espero tomeis parte na discussão.

A mim é bem óbvio que existirá necessariamente deterioração, enquanto houver esforço. E pode-se observar que nossa vida está toda baseada no esforço — esforço para aprender, adquirir, reter, ser alguma coisa ou renunciar ao que somos e virmos a ser outra coisa. Haverá sempre esta luta de ser ou vir a ser, consciente ou inconscientemente, voluntariamente ou sob o impulso de desejos ocultos; e esta luta não é a causa principal da deterioração da mente?

Como disse, nós vamos debater esta questão, depois de eu dizer mais umas palavras, e peço-vos portanto não fiqueis apenas a ouvir palavras. Estamos tentando descobrir juntos por que razão a onda de deterioração está sempre a perseguir-nos. Sei que existe o problema imediato da alimentação, do vestir e morar, mas acho que temos de considerar este problema de um ângulo diferente, se queremos resolvê-lo; e mesmo àqueles de nós que têm o suficiente para comer e vestir e têm onde morar, apresenta-se outro problema que é muito mais profundo. Observa-se no mundo tanto a existência da extrema tirania como de uma liberdade relativa e se só nos interessasse a distribuição universal dos alimentos e outros produtos, então talvez a tirania absoluta pudesse ser útil. Mas nesse processo se destruiria a possibilidade de desenvolvimento criador do homem; e, se o que nos interessa é o homem total e não unicamente o problema social e econômico, neste caso acho que tem de surgir inevitavelmente uma questão muito mais fundamental. Porque existe este processo de deterioração, esta incapacidade de descobrir o novo, não no terreno científico, mas dentro de nós mesmos? Por que razão não somos criadores?

Se observardes o que está sucedendo, seja aqui, seja na Europa ou América, devereis perceber que quase todos estamos imitando, conformando-nos, obedecendo ao passado, à tradição, e como indivíduos jamais descobrimos, profundamente, fundamentalmente, coisa alguma por nós mesmos. Vivemos como máquinas, de onde nos advém um certo sentimento de desdita, não é verdade? Não sei se realmente investigastes isto, mas parece-me que uma das causas principais desse conformismo é o desejo de nos sentirmos interiormente seguros. Para se estar em segurança, psicologicamente, tem de haver separação, e para se estar separado necessita-se de esforço, esforço para ser algo; e esse pode ser um dos fatores que está impedindo o descobrimento de qualquer coisa nova, por parte de cada um de nós. Podemos discutir este ponto? (Pausa)

Muito bem, senhores, vamos expressar o problema de maneira diferente. Vê-se que a meditação é necessária, uma vez que, por meio da meditação, se podem descobrir muitas coisas. A meditação abre-nos a porta a experiências extraordinárias, tanto fantasiosas como reais; e estamos sempre a indagar como se medita, não é verdade? Os mais de nós lemos livros que prescrevem um sistema de meditação, ou recorremos a um certo instrutor para que nos ensine a meditar. Mas nós, aqui, queremos saber, não como meditar mas o que é meditação; e a própria investigação para saber o que é meditação, é meditação. Entretanto, nossa mente deseja saber como meditar e, desse modo, facilita-se a deterioração.

Se o pensamento é capaz de investigar com muita profundeza e de desnudar-se diante de si mesmo, sem procurar corrigir, mas sempre vigilante a fim de descobrir sem condenar, mas sempre examinando as coisas muito atentamente, então, esse estado mental pode chamar-se meditação. E essa mente, sendo livre, é capaz de descobrimentos. Para ela não existe deterioração, porque nunca há acumulação. Mas a mente que diz: "Ensina-me como tornar-me tranquila, como chegar lá, e me esforçarei para seguir o método que indicardes" — essa mente, é bem óbvio, é imitativa, sem audácia e, por conseguinte, está provocando a própria deterioração.

Aos mais de nós só interessa o coma, que é um meio de certeza, segurança. O como — por mais nobre, por mais exigente, por mais disciplinador que seja — só nos pode levar ao conformismo. A mente que quer ajustar-se pelos seus próprios esforços torna-se escrava de um método, perdendo, por conseguinte, a extraordinária capacidade de descobrimento. E se não houver o descobrimento, em vós mesmo, de algo original, novo, não contaminado, ainda que tenhais a mais perfeita organização para produzir e distribuir os meios de satisfazer as necessidades físicas, continuareis a ser igual a uma máquina. Por conseguinte, este problema vos concerne, não? Pode a mente, tão mecanizada que está, tão dominada pelo hábito, pelo passado, libertar-se do passado e descobrir o novo, chamai-o Deus ou como quiserdes? Podemos discutir sobre isto? (Pausa)

Senhores, este problema é novo para vós, ou acaso nunca pensastes nestas coisas por esta maneira? Mais uma vez vou expressar o problema de modo diferente.

Sois bem versados no Upanishads, no Gita, na Bíblia, estais bem familiarizados com a filosofia do hinduísmo, do cristianismo, do comunismo, etc.. Estas filosofias, estas religiões, muito evidentemente não resolveram o problema humano. Se dizeis: "O problema humano não foi resolvido, porque não temos seguido estritamente os preceitos do Gita" — a resposta óbvia que se pode dar é que, seguir qualquer autoridade, por mais nobre ou tirânica que ela seja, torna a mente mecanizada, sem originalidade, tal qual um disco de gramofone, que só é capaz de repetir e repetir e repetir; e em tal estado não se pode ser feliz.

Agora, conhecedores deste fato, de que maneira vos lançaríeis ao descobrimento do Real, por vós mesmos? Compreendeis, senhores Deus, a Verdade, ou o que quer que seja, tem de ser uma coisa totalmente nova, uma coisa fora do tempo, fora da memória, não achais Não pode ser uma coisa lembrada, do passado, uma coisa que foi dita ou conjeturada, criada pela mente. E como ireis descobrir essa coisa? Certamente, ela só pode ser descoberta quando a mente está livre do passado, quando a mente deixa de criar imagens, símbolos. Quando a mente formula imagens, símbolos, não é isso um autêntico fator de deterioração? É provável seja isso o que está acontecendo na Índia, bem como no resto do mundo.

Está claro o problema? Ou isso não é problema para vós?

INTERPELANTE: A mente não pode transcender suas próprias e passadas experiências.

INTERPELANTE: Quando a mente está condicionada...

KRISHNAMURTI: Perdão, aquele senhor fez uma pergunta.

INTERPELANTE: Foi uma pergunta ou uma declaração?

KRISHNAMURTI: Provavelmente a intenção era interrogativa. Infelizmente, em geral, tanto nos ocupamos com a formulação de uma pergunta ou com nossa própria maneira de considerar as coisas, que nunca escutamos realmente uns aos outros. Disse este cavalheiro que não é possível a mente libertar-se do passado. Este problema não nos concerne tanto que a ele?

INTERPELANTE: Se ele deseja saber como separar-se do passado, isto é uma pergunta e não uma declaração.

KRISHNAMURTI: Perdão, senhor, não estamos aqui para dar uma exibição um "show" de retórica, nem para provar quem tem razão e quem não tem razão. Estamos, verdadeiramente, tentando descobrir por que motivo a mente nunca descobre nada novo. Não nos estamos referindo, por ora, aos especialistas, tais como cientistas, físicos, etc., porém a nós mesmos, como entes humanos.

INTERPELANTE: A propósito da questão suscitada por aquele senhor, sobre se a mente pode rejeitar o passado, desejo perguntar o que se entende por "passado".

KRISHNAMURTI: O passado é experiência, memória, conhecimento, a influência da tradição, a impressão produzida pelo insulto e pela lisonja, pelos livros que temos lido, pelos risos, e pelo espetáculo da morte. Tudo isso é o passado — tempo.

INTERPELANTE: Dizeis que a mente está condicionada pelo passado. Mas, acha-se ela tão rigidamente condicionada pelo passado, que é incapaz de investigar mais além?

KRISHNAMURTI: Que é a mente, senhor? Não respondais teoricamente ou de acordo com o que lestes nos livros. Podemos vós e eu descobrir, aqui, nesta tarde, o que é a mente?

INTERPELANTE: A mente é produto do passado?

KRISHNAMURTI: Vossa mente é produto do passado? Que entendeis por "passado"?

INTERPELANTE: Tudo o que existe na minha mente, no presente, vem do passado.

KRISHNAMURTI: Pode a mente separar-se do passado? Examinemos a mente — não uma mente teórica, mas a mente de cada um de nós. Vossa mente é o resultado de numerosas influências, tanto coletivas como individuais, não é exato? Vossa mente é produto da educação, da alimentação, do clima, de muitos séculos de tradição; ela é constituída de vossas crenças, desejos, lembranças, das coisas que lestes, etc. Isso é a mente, pois não, senhor? A mente consciente que opera todos os dias, e a mente que se acha num nível profundo, oculto — todas duas são resultados do passado. Até onde é possível enxergar, todo o território da mente é resultado do passado. Podeis crer que há Deus ou que não há Deus, podeis pensar que existe um "eu superior" e um "eu inferior", etc.; mas tudo isso é resultado de vossa educação, vosso condicionamento, a que significa que vossa mente é resultado do passado, não achais? E essa mesma mente quer encontrar algo que seja novo. Diz ela: "Tenho de saber o que é Deus, o que é a Verdade". Não é isto que estamos fazendo, senhoras e senhores? E eu digo que isso é impossível, uma contradição.

INTERPELANTE: Parece-me que a maioria das pessoas, pouco se está importando com Deus. Todos estamos interessados nos problemas da vida.

KRISHNAMURTI: E daí resulta que existe antagonismo, animosidade, frustração, ânsia de poder, posição, prestígio; porque outro possui o que cobiçais, vos sentis invejoso, etc. Estes são problemas da vida, não? Desejar ser amado, desejar mais dinheiro, desejar melhorar as condições de vida em nossa aldeia, por este ou aquele sistema, ter uma crença ou um ideal, em contradição com a existência de cada dia — sendo preciso lançar uma ponte entre o fato e o ideal — tudo isso é a vida.

INTERPELANTE: Mas a vida é também algo mais. Se sou professor, desejo ensinar melhor.

KRISHNAMURTI: E isso redunda na mesma coisa. Tudo isso são problemas da vida, e quando tentamos resolver qualquer um deles, esbarramos na questão principal. Dizeis que desejais ensinar melhor, pensar melhor, viver uma vida mais plena, etc. Que entendeis por "pensar melhor"? É um processo de aquisição de mais conhecimentos? Como podeis saber o que é "melhor"?

INTERPELANTE: Pensando profundamente.

KRISHNAMURTI: Que significa "pensar profundamente”? E que significa "pensar"? Se não sabeis o que é pensar, não podeis pensar profundamente. Que é pensar? Fazei-me o favor de dizer o que é pensar.

INTERPELANTE: Pensar é o processo de suscitar associações sucessivas.

KRISHNAMURTI: Pergunto-vos o que é "pensar", e se observardes a vossa mente, vereis como estais "reagindo" a esta pergunta; e isso é que é pensar, não é? Entendeis o que estou dizendo?

INTERPELANTE: Está técnico demais.

KRISHNAMURTI: Observai-vos, e vereis. Faço-vos uma pergunta: "O que é pensar?"

INTERPELANTE: Perguntar o que e a mente e perguntar o que é pensar, é a mesma coisa.

KRISHNAMURTI: Eu quero saber o que é pensar. Ora, qual é o processo que entra em funcionamento, dentro em vós, em virtude desta pergunta?

INTERPELANTE: Quando queremos observar o pensar, a mente se imobiliza. Não se tem resposta alguma.

INTERPELANTE: O pensamento é uma coisa tão espontânea, que não sabemos o que é.

KRISHNAMURTI: Estou perguntando uma coisa: "Que é pensar?" Ora, que faz a vossa mente, quando se vos apresenta esta pergunta? Não desejais saber como opera a vossa mente? Que acontece quando a mente se vê em presença de uma pergunta desta natureza? Por um instante, a mente hesita, porque provavelmente nunca pensou nisso, anteriormente; depois, dá uma busca pelo depósito da memória, e diz "Vejamos: o Upanishads diz isto, a Bíblia diz aquilo. Bertrand Russell diz aquiloutro, e eu — que penso?" Assim sendo, procurais uma resposta no passado, não é verdade?

INTERPELANTE: Não estamos pensando em Bertrand Russell.

KRISHNAMURTI: É provável que não; mas esta é que é a verdadeira operação da vossa mente, quanto se vos faz uma pergunta. Se se vos pergunta sobre uma questão com que vossa mente está bem familiarizada, a resposta é imediata. Se alguém vos pergunta onde morais, respondeis imediatamente, porque isso vos é familiar, é uma associação constante. Mas se se vos faz uma pergunta estranha, vossa mente hesita, e esta hesitação indica que estais a procurar a resposta, não? E onde procurais a resposta? Na memória, é óbvio. Vosso pensar, portanto, é reação da memória. Não é?

INTERPELANTE: Significa isso que uma pessoa que perdeu a memória, é incapaz de pensar?

KRISHNAMURTI: O esquecimento completo chama-se amnésia, e uma pessoa que se acha nesse estado tem de aprender tudo de novo.

INTERPELANTE: A memória é coisa boa ou má!

KRISHNAMURTI: Se não soubésseis onde é vossa residência, que faríeis? Se ignorásseis o nome da rua que conduz à vossa casa, isso seria bom ou mau?

Estamos averiguando, senhor, o que é pensar. Para nós, em geral, pensar é reação da memória, não? Porque sei onde moro, respondo prontamente quando mo perguntam; e quando se me faz uma pergunta mais sutil, procuro na minha memória uma resposta. Mas a memória é experiência de séculos e, por isso, a minha resposta, inevitavelmente, tem de ser condicionada. Isto, certamente, é bastante óbvio.

Senhor, se sois hinduísta e eu vos perguntar se há reencarnação, vossa reação instintiva é de dizer que há, e esta reação se baseia na influência de vossos pais, vossos livros sagrados e o meio que vos circunda. Respondeis de acordo com o que vos ensinaram; vosso pensar é resultado de influência e, portanto, está evidentemente condicionado. Agora, perguntamos a nós mesmos, pode a mente dissociar-se do passado e descobrir o que é verdadeiro?

INTERPELANTE: Pareceis descrever a mente como uma coleção de experiências passadas, e acho que todos concordamos com isso; mas agora perguntais se a mente pode dissociar-se delas. Que significa isto?

KRISHNAMURTI: Estais perguntando a mim ou a vós mesmo?

INTERPELANTE: Pergunto-o a mim mesmo e a vós também.

KRISHNAMURTI: Antes assim. Estais perguntando a vós mesmo e não a mim. A mente é resultado do tempo, e pode essa mente, em algum tempo, descobrir qualquer coisa nova, que deve ser necessariamente atemporal? Compreendeis minha pergunta, senhor? Percebo que minha mente é constituída do passado; entretanto, ela é o único instrumento capaz de observar e descobrir. Que deve ela então fazer? Não há nenhum outro instrumento de descobrimento; mas o instrumento que temos — a mente — é resultado do passado; isto é um fato e não há negação nem discussão que possa influir nesse fato. E pode essa mente, em algum tempo, descobrir qualquer coisa nova? Ou o conhecido, que é o passado — embora eu possa estar inconsciente dele — continuará sempre, de modo que só pode haver uma continuidade do conhecido, sob formas diferentes? Se a mente em tempo algum pode experimentar o desconhecido, — o que quer que ele seja — tratemos então de modificar o conhecido, embelezá-lo, poli-lo, acumular mais conhecimentos, porém mantendo-nos sempre dentro do território da mente, do conhecido. Estais seguindo, senhor? Esta suposição de que a mente se acha numa situação irremediável, de que nunca pode sair de seu próprio território, porque ela é resultado do conhecido, essa suposição bem pode ser o verdadeiro fator de deterioração. Entendeis o que quero dizer? Se admitis isso, então é óbvio que precisais estar sempre polindo a mente, arrumando-a, disciplinando-a, enchendo-a de conhecimentos, etc. Não tendes então problema algum, porque estais vivendo na esfera do conhecido. Mas, no instante em que começais a investigar o desconhecido, surge-vos o problema, não é verdade, senhor?

INTERPELANTE: Começastes perguntando o que é pensar. A mim me parece que o pensar está sempre em relação com alguma coisa, não havendo "pensar puro".

KRISHNAMURTI: Pensar é reação a desafio, não é? Não há pensar isolado. É só quando há um desafio, é que reagis. Mesmo se estais a pensar, recolhido em vosso quarto de dormir, aonde não vos vem nenhum desafio do exterior, o pensar é ainda reação a um desafio procedente de dentro de vós mesmo. Existe esta constante relação de desafio e reação, e visto que reagis de acordo com vossas crenças, vossa educação ou criação, etc., vossa resposta ou reação é sempre limitada, pouco significativa. Estamos agora investigando onde é que o pensamento cessa e surge uma coisa nova, que não é pensar.

INTERPELANTE: Estais perguntando onde o pensamento acaba e a meditação começa.

KRISHNAMURTI: Exatamente, senhor. Onde acaba o pensamento? Um momento. Eu estou indagando o que é pensar, e digo que essa própria indagação é meditação. Isto não quer dizer que primeiro o pensar se acaba e depois começa a meditação. Acompanhai-me, senhoras e senhores, passo a passo. Se eu puder descobrir o que é pensar, nesse caso nunca terei de perguntar como se medita, porque no próprio processo de indagar, investigar o que é pensar, está a meditação. Mas isto significa que tenho de dispensar toda a atenção ao problema, e não meramente concentrar-me nele, o que é uma forma de distração. Não sei se me estou explicando bem.

Quando procuro descobrir o que é pensar, tenho de prestar toda a atenção, atenção em que não pode haver esforço nem atrito, porque no esforço, no atrito, há distração. Se estou realmente interessado em descobrir o que é pensar, este próprio investigar produz uma atenção, sem desvio, sem conflito, sem o sentimento de que devo prestar atenção.

Que é, pois, pensar? Pensar é — vejo-o — reação da memória, não importa em que nível — consciente ou inconsciente; ele é sempre reação procedente daquela esfera da mente constituída pelo conhecido; passado. A mente percebe isso como um fato. Depois, pergunta a si mesma se todo pensar é meramente verbal, simbólico, reação do passado; ou existe pensamento sem palavras, sem o passado?

Ora, é possível averiguar se há alguma atividade da mente, não contaminada pelo passado? Estais compreendendo, senhores? Estou investigando, não estou supondo nada. A mente percebe que ela própria é resultado do passado e pergunta a si mesma se lhe é possível libertar-se do passado. Se a mente responde desta ou daquela maneira, se diz que é possível ou que não é possível, tal suposição, nesse caso, é resultado do passado, não é? Por favor, acompanhai-me, passo a passo, e vereis. A mente está apercebida de ser resultado do passado; está perguntando se pode libertar-se do passado; e percebe que qualquer suposição de que pode ou de que não pode libertar-se, é produto do passado. Qual é pois o estado da mente dissociada do passado, da mente que nada supõe?

INTERPELANTE: Já não é a mente — a mente limitada que conhecemos.

KRISHNAMURTI: Não chegamos ainda aí. Precisamos ir de vagar.

INTERPELANTE: A questão é: Quem é que pensa?

KRISHNAMURTI: Nós sabemos quem pensa, senhor. A mente se dividiu em pensador e pensamento — mas continua a ser "a mente", é claro. Todo esse processo de separação de pensador e pensamento continua no território da mente que é resultado do tempo, do passado. E a mente pergunta agora a si mesma se se pode libertar do passado.

INTERPELANTE: Se nós, que vos escutamos, duvidamos da verdade do que estais dizendo, nosso antigo condicionamento continuará a existir. Se, por outro lado, temos fé no que estais dizendo, nossa mente estará de novo condicionada por isso, pelo que dizeis.

KRISHNAMURTI: Não vos estou pedindo que tenhais fé. Estou apenas observando o funcionamento de minha mente e espero estejais fazendo a mesma coisa. Estamos a observar o funcionamento da mente e a descobrir os seus mecanismos. É isso o que todos estamos fazendo, — o que não significa que devemos ou não devemos ter fé. Estamos procurando descobrir como nossa mente opera — e isto é meditação.

INTERPELANTE: Como é que o cientista descobre algo novo?

KRISHNAMURTI: Se vós e eu fôssemos cientistas, poderíamos conversar a este respeito; mas não somos cientistas, somos indivíduos comuns e estamos tentando investigar se a mente é capaz de descobrir alguma coisa nova. Qual o processo respectivo?

São horas de pararmos. Posso investigar a questão mais um bocadinho?

Estou observando o funcionamento da minha mente. Só isso. Há desafio e reação. A reação é invariavelmente de acordo com o meio cultural, os valores, a tradição em que a mente foi criada e que, por ora, chamaremos condicionamento. A mente, percebendo isso, pergunta a si mesma: "Toda reação é produto desse condicionamento, ou é possível reação fora dele? Eu não digo que é nem que não é possível. A mente só está perguntando, de si para si. Qualquer suposição, de sua parte, de que isso é possível ou impossível, é ainda reação do "fundo". Isto está claro, não? Portanto, a mente só pode dizer "Não sei". Esta é a única resposta adequada à pergunta sobre se a mente pode libertar-se do passado.

Agora, quando dizeis "não sei", em que nível, em que profundidade o dizeis? Trata-se, apenas, de uma declaração verbal ou é a totalidade do vosso ser que está dizendo "Não sei"? Se todo o vosso ser diz, genuinamente: "Não sei" — isso significa que já não estais recorrendo à memória para encontrar a resposta. Não está então a mente livre do passado? E tal processo de investigação não é meditação? A meditação não é um processo de aprender a meditar; ela é a própria investigação sobre "o que é meditação". Para investigar o que é meditação, a mente tem de libertar-se de tudo o que aprendeu sobre a meditação; e a libertação da mente, das coisas que aprendeu, é o começo da meditação.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Benares, 25 de dezembro de 1955
Da Solidão à Plenitude Humana



terça-feira, 3 de abril de 2018

Pode a mente renovar-se?


Pode a mente renovar-se?

PERGUNTA: Porque é que as pessoas, tendo uma renda certa e podendo retirar-se do trabalho de responsabilidade, tantas vezes se deterioram e desintegram psicologicamente?

KRISHAMURTI: A deterioração é mera resultante da renda certa? A renda certa talvez apenas exagere a deterioração já existente. Não, meus senhores, não vos riais disso, como se nada fosse. Interessa-nos saber porque a mente se deteriora numa determinada fase, ou por que razão ela se deteriora? Um homem que está trabalhando, ganhando dinheiro, frequentando regularmente um escritório, não se está deteriorando, aparentemente, pois está em atividade; ao cessar, porém, essa atividade, torna-se perceptível a deterioração. A mente sujeita a uma rotina, seja a rotina de um escritório, de um rito, ou a rotina de um certo dogma, já se está deteriorando, não é verdade? Por certo, vale muito mais a pena descobrir as causas determinantes da deterioração da mente, do que inquirir por que razão o vosso vizinho se desintegra, quando se retira das atividades. Se pudermos realmente compreender só esta questão, talvez venhamos a conhecer a eternidade da mente.

Porque se deteriora a mente — não apenas a vossa, mas a mente do homem? Pode-se ver que o fator da deterioração surge quando a mente se transforma em máquina de hábito, quando a sua educação é mero exercício de memória, e quando se acha numa luta incessante, procurando ajustar-se a um padrão imposto de fora ou criado por ela própria. Há medo, deterioração, destruição da mente, quando ela está constantemente a buscar segurança, ou quando onerada do desejo de preencher-se. E tal é o nosso estado, não é verdade ? Ou estamos na sujeição do hábito, da rotina, fazendo a mesma coisa sempre e sempre, exercitando-nos na virtude, ajustando-nos ao padrão de uma disciplina, para chegarmos a um certo resultado, para encontrarmos segurança psicológica ou material; ou, ainda, estamos a competir, a fazer esforços inauditos, na nossa ambição de sucesso mundano. Certo, é isso o que cada um de nós está fazendo, e, por conseguinte, já pusemos em funcionamento o mecanismo da deterioração. Se qualquer dessas reações existe em nós, em qualquer nível que seja, estamo-nos deteriorando.

Pois bem. Pode a mente renovar-se com frequência? Pode a mente ser criadora momento por momento? Não me refiro à criação compreendida como mera atividade de planejar e expressar, compreendida como capacidade ou aplicação de uma técnica. Não me estou referindo à criação sob nenhum desses aspectos. Mas pode a mente experimentar o desconhecido? Sem dúvida, só no estado de não-cognoscibilidade não há deterioração. Qualquer outro estado acarretará, por força, o envelhecer da mente. Como qualquer mecanismo posto a funcionar seguidamente durante dias, semanas, meses e anos, a mente, sempre em atividade, se deteriora, inevitavelmente. Enquanto fizerdes uso da vossa mente como se fosse máquina, para realizar, produzir, ganhar, tendes em vós as sementes da deterioração, da velhice e da decrepitude. E quer se trate de um menino de dezesseis anos ou de um velho de sessenta, o “mecanismo” é o mesmo. Nós, porém, em geral, não estamos apercebidos desse mecanismo de deterioração. Estamos cônscios, apenas, de nos acharmos entre as rodagens da máquina de prazeres e dores e sofrimentos, e da nossa luta para sairmos dela. A mente, pois, nunca está quieta, despreocupada; sempre se acha envolvida com alguma coisa: com Deus, com o comunismo, com o capitalismo, com o enriquecer, com a opinião dos outros ou... com a cozinha. Com quantas coisas anda ela ocupada! Como está constantemente ocupada, nunca é livre, jamais, tranquila. Só a mente que está tranquila — não por estar insensibilizada, mas por encontrar-se naquele estado de silêncio que é criador — só essa mente pode sustar a deterioração. A imunidade à deterioração não é possível à mente que se preenche pelo exercício de capacidades. À medida que nos tornamos mais idosos, a capacidade se embota. Podeis ser um pianista exímio; com o envelhecer, porém, vem o reumatismo, vêm os achaques, vem a cegueira, ou podeis ser vitimado por um acidente. A mente que anda à procura de preenchimento, em qualquer sentido, em qualquer nível, já contém em si a semente da destruição. É o “eu” que quer preencher-se, quer tornar-se alguma coisa; vendo-se vazio, frustrado, busca o “eu” preenchimento em minha família, meu filho, minha propriedade, minha idéia, minha experiência. Quando reconhecemos tudo isso e percebemos-lhe os perigos, só então a mente pode estar vazia momento por momento, dia por dia, não afetada pela carga do passado ou pelo temor do futuro. O viver naquele momento não é nenhuma coisa fantástica, só concedida a uns poucos. Afinal de contas, como disse, cada um de nós vive num mundo de sofrimento, luta, dor, efêmera alegria, e cada um de nós deve encontrar aquela coisa desconhecida; ela não foi reservada só para um e negada aos demais. É juntos que podemos criar um mundo novo; mas este mundo novo não pode nascer da revolução exterior, que produz decomposição.

A mente se deteriora quando busca um fim, quando se submete à autoridade, nascida do temor. Há um definhar-se da mente, quando não há autoconhecimento, e o autoconhecimento não é uma coisa que se possa aprender de um livro. Ele tem de ser descoberto a cada momento, o que requer uma mente vigilante em extremo; e a mente não está vigilante quando achou um fim. Assim, o fator que acarreta a deterioração se encontra em nossas próprias mãos. A mente, presa à experiência, vivendo da experiência, nunca encontrará o incognoscível. O incognoscível só pode manifestar-se quando o passado já não existe; e só não existe passado, quando a mente está tranquila.

Krishnamurti em, Percepção Criadora,
 28 de junho de 1953

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Por que nossa mente deteriora e não é criativa?

[...]Quando jovens, somos muito zelosos, temos tantas ideias entusiásticas, revolucionárias, mas geralmente acabamos enredados numa dada atividade e, lentamente, nos esgotamos. Vemos isso acontecer ao nosso redor e dentro de nós mesmos; e é possível deter esse processo de deterioração, que constitui sem dúvida um dos nossos principais problemas? Se é ao capitalismo ou ao socialismo, à esquerda ou à direita, que cabe organizar o bem-estar mundial — agora, que a produção é imensa — não me parece ser esse o problema. Penso que o problema é muito mais profundo, e o problema é este: pode-se libertar a mente, de maneira que ela permaneça livre para sempre e, por conseguinte, não mais sujeita à deterioração? 

Não sei se já pensaram neste problema, ou se já observaram como pouco a pouco se esgota a vitalidade, o vigor, a vivacidade da nossa mente e ela se torna, gradualmente, um instrumento de hábitos e de crenças mecânicos, um complexo de rotina e repetição. Se realmente temos pensado a este respeito, devemos ver que isso é um problema, para a maioria de nós. Quando vamos envelhecendo, o peso do passado, a carga das coisas lembradas, das esperanças, das frustrações, dos temores, tudo parece cercar e fechar a mente e dela nunca nos vêm coisas novas, mas só repetições, um sentimento de ansiedade, uma perpétua fuga de si mesmo e, por fim, o desejo de encontrar alívio de alguma espécie, um pouco de paz, um Deus que nos satisfaça completamente. 

[...] Pode a mente ser libertada de todo esse processo de deterioração e ultrapassar a si mesma, não de maneira misteriosa ou miraculosa, não amanhã ou noutra data futura, mas imediatamente, instantaneamente? Esse descobrimento pode ser função da meditação. Por que é, pois, que nossa mente se deteriora? Por que é que nada existe de original em nós, que tudo o que sabemos é mera repetição, que nunca há constância de criação? estes são os fatos, não é verdade? Que é que causa essa deterioração, e pode a mente detê-la? 

[...] A mim é bem óbvio que existirá necessariamente deterioração, enquanto houver esforço. E pode-se observar que nossa vida está toda baseada no esforço — esforço para aprender, adquirir, reter, ser alguma coisa ou renunciar ao que somos e virmos a ser outra coisa. Haverá sempre esta luta de ser ou vir a ser, consciente ou inconscientemente, voluntariamente ou sob o impulso de desejos ocultos; e esta luta não é a causa principal da deterioração da mente? 

[...] Por que existe este processo de deterioração, esta incapacidade de descobrir o novo, não no terreno científico, mas dentro de nós mesmos, mas dentro de nós mesmos? Por que razão não somos criadores? 

Se observarem o que está acontecendo, seja aqui na Europa ou na América, devem perceber que quase todos estamos imitando, nos conformando, obedecendo ao passado, à tradição, e como indivíduos jamais descobrimos, profundamente, fundamentalmente, coisa alguma por nós mesmos. Vivemos como máquinas, de onde nos advém um certo sentimento de infortúnio, não é verdade? Não sei se realmente investigaram isto, mas parece-me que uma das causas principais desse conformismo é o desejo de nos sentirmos interiormente seguros. Para se estar em segurança, psicologicamente, tem de haver separação, e para se estar separado necessita-se de esforço, esforço para ser algo; e esse pode ser um dos fatores que está impedindo o descobrimento de qualquer coisa nova, por parte de cada um de nós. 

[...] Vê-se que a meditação é necessária, uma vez que, por meio da meditação, pode-se descobrir muitas coisas. A meditação abre-nos a porta à experiências extraordinárias, tanto fantasiosas como reais; e estamos sempre indagando como se medita, não é verdade? A maioria de nós lê livros que prescrevem um sistema de meditação, ou recorremos a um certo instrutor para que nos ensine a meditar. Mas nós, aqui, queremos saber, não como meditar mas o que é meditação; e a própria investigação para saber o que é meditação, é meditação. Entretanto, nossa mente deseja saber como meditar e, desse modo, facilita-se a deterioração. 

Se o pensamento é capaz de investigar com muita profundidade e de desnudar-se diante de si mesmo, sem procurar corrigir, mas sempre vigilante a fim de descobrir; sem condenar, mas sempre examinando as coisas muito atentamente, então, esse estado mental pode chamar-se meditação. E essa mente, sendo livre, é capaz de descobrimentos. Para ela não existe deterioração, porque nunca há acumulação. Mas a mente que diz: "Ensina-me como tornar-me tranquila, como chegar , e me esforçarei para seguir o método que me indicar" — essa mente, é bem óbvio, é imitativa, sem audácia e, por conseguinte, está provocando a própria deterioração. 

Para a maioria de nós só interessa o como, que é um meio de certeza, segurança. O como — por mais nobre, por mais exigente, por mais disciplinador que seja — só pode nos levar ao conformismo. A mente que quer ajustar-se pelos seus próprios esforços torna-se escrava de um método, perdendo, por conseguinte, a extraordinária capacidade de descobrimento. E se não houver o descobrimento, em si mesmos, de algo original, novo, não contaminado, ainda que tenham a mais perfeita organização para produzir e distribuir os meios de satisfazer as necessidades físicas, continuarão a ser igual a uma máquina. Por conseguinte, este problema lhes concerne, não? Pode a mente, tão mecanizada que está, tão dominada pelo hábito, pelo passado, libertar-se do passado e descobrir o novo, chamem-no de Deus ou como o quiserem? 

[...] Vocês são bem versados no Upanishads, no Gita, na Bíblia, estão familiarizados com a filosofia do hinduísmo, do cristianismo, do comunismo, etc. Estas filosofias, estas religiões, muito evidentemente não resolveram o problema humano.[...] seguir qualquer autoridade, por mais nobre ou tirânica que ela seja, torna a mente mecanizada, sem originalidade, tal qual um disco de gramofone, que só é capaz de repetir e repetir e repetir; e em tal estado não se pode ser feliz. 

Agora, conhecedores deste fato, de que maneira se lançarão ao descobrimento do Real, por si mesmos? Compreendem, senhores, Deus, a Verdade, ou o que quer que seja, tem de ser uma coisa totalmente nova, uma coisa fora do tempo, fora da memória, não acham? Não pode ser uma coisa lembrada, do passado, uma coisa que foi dita ou conjecturada, criada pela mente. E como irão descobrir essa coisa? Certamente, ela só pode ser descoberta quando a mente está livre do passado, quando a mente deixa de criar imagens, símbolos. Quando a mente formula imagens, símbolos, não é isso um autêntico fator de deterioração? É bem provável seja isso o que está acontecendo na Índia, bem como no resto do mundo.

Está claro o problema? Ou isso não é problema para vocês? 

Jiddu Krishnamurti em, Da solidão à plenitude humana

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Pode a mente experimentar o desconhecido?

Por que é que as pessoas, tendo uma certa renda e podendo retirar-se do trabalho de responsabilidade, tanta vezes se deterioram e se desintegram psicologicamente?

Krishnamurti: A deterioração é mera resultante da renda certa? A renda certa talvez apenas exagere a deterioração já existente. Não, meus senhores, não foi riam disso, como se nada fosse. Interessa-nos saber por que a mente se deteriora numa determinada fase, ou por que razão ela se deteriora

Um homem que está trabalhando, ganhando dinheiro, frequentando regularmente um escritório, não está se deteriorando, aparentemente, pois está em atividade; ao cessar, porém, essa atividade, torna-se perceptível a deterioração. 

A mente sujeita a uma rotina, seja a rotina de um escritório, de um rito, ou a rotina de um certo dogma, já está se deteriorando, não é verdade?

Por certo, vale muito mais a pena descobrir as causas determinantes da deterioração da mente, do que inquirir por que razão o seu vizinho se desintegra, quando se retira das atividades. Se pudermos realmente compreender só esta questão, talvez venhamos a conhecer a eternidade da mente.

Por que se deteriora a mente — não apenas a sua mente, mas a mente do homem? Pode-se ver que o fator da deterioração surge quando a mente se transforma em máquina de hábito, quando a sua educação é mero exercício de memória, e quando se acha numa luta incessante, procurando ajustar-se a um padrão imposto de fora ou criado por ela própria. 

Há medo, deterioração, destruição da mente, quando ela está constantemente em busca de segurança, ou quando sujeita do desejo de preenchimento.  

E tal é o nosso estado, não é verdade? Ou estamos na sujeição do hábito, da rotina, fazendo a mesma coisa sempre e sempre, exercitando-nos na virtude, ajustando-nos ao padrão de uma disciplina, para chegarmos a um certo resultado, para encontrarmos segurança psicológica ou material; ou, ainda, estamos a competir, a fazer esforços inauditos, na nossa ambição de sucesso mundano. 

Certo, é isso que cada um de nós está fazendo, e, por conseguinte, já pusemos em funcionamento o mecanismo da deterioração. Se qualquer dessas reações existe em nós, em qualquer nível que seja, estamos nos deteriorando. 

Pois bem. Pode a mente renovar-se com frequência? Pode a mente ser criadora momento por momento? 

Não me refiro à criação compreendida como mera atividade de planejar e expressar, compreendida como capacidade ou aplicação de uma técnica. Não estou me referindo à criação sob nenhum desses aspectos. Mas pode a mente experimentar o desconhecido? Sem dúvida, só no estado de não-conhecimento não há deterioração.

Qualquer outro estado acarretará, por força, o envelhecer da mente. Como qualquer mecanismo posto a funcionar seguidamente durante dias, semanas, meses e anos, a mente, sempre em atividade, se deteriora, inevitavelmente. 

Enquanto você fizer uso da sua mente como se fosse máquina, para realizar, produzir, ganhar, tem em si as sementes da deterioração, da velhice e da decrepitude. E quer se trate de um menino de dezesseis anos ou de um velho de sessenta, o "processo" é o mesmo. 

Nós, porém, em geral, não estamos cônscios desse processo de deterioração. Estamos cônscios, apenas, de nos acharmos entre as rodagens da máquina de prazeres e dores e sofrimentos, e da nossa luta para sairmos dela. 

A mente, pois, nunca está quieta, despreocupada; sempre se acha envolvida com alguma coisa: com Deus, com o comunismo, com o capitalismo, com o enriquecer, com a opinião dos outros ou... com a cozinha. Com quantas coisas ela anda preocupada! Como está constantemente ocupada, nunca é livre, jamais tranquila. 

Só a mente que está tranquila — não por estar insensibilizada, mas por encontrar-se naquele estado de silêncio que é criador — só essa mente pode sustar a deterioração. 

A imunidade à deterioração não é possível à mente que se preenche pelo exercício de capacidades. À medida que nos tornamos mais idosos, a capacidade se embota. Você pode ser um exímio pianista; como o envelhecer, porém, vem o reumatismo, vêm os achaques, vem a cegueira, ou você pode ser vitima de um acidente. 

A mente que anda à procura de preenchimento, em qualquer sentido, em qualquer nível, já contém em si a semente da destruição. É o "eu" que quer preencher-se, quer tornar-se alguma coisa; vendo-se vazio, frustrado, busca o "eu" preenchimento em minha família, meu filho, minha propriedade, minha ideia, minha experiência. 

Quando reconhecemos tudo isso e lhe percebemos os perigos, só então a mente pode estar vazia momento por momento, dia por dia, não embargada pela carga do passado ou pelo temor do futuro. 

O viver naquele momento não é nenhuma coisa fantástica, só concedida a uns poucos.

Afinal de contas, como disse, cada um de nós vive num mundo de sofrimento, luta, dor, efêmera alegria, e cada um de nós deve encontrar aquela coisa desconhecida; ela não foi reservada só para um e negada aos demais. É justo que podemos criar um mundo novo; mas este mundo novo não pode nascer da revolução exterior, que produz decomposição. 

A mente se deteriora quando busca um fim, quando se submete à autoridade, nascida do temor. Há um definhar-se da mente, quando não há autoconhecimento, e o autoconhecimento não é uma coisa que se possa aprender de um livro. Ele tem de ser descoberto a cada momento, o que requer uma mente vigilante ao extremo; e a mente não está vigilante quando achou um fim. 

Assim, o fator que acarreta a deterioração se encontra em nossas próprias mãos. A mente, presa à experiência, vivendo da experiência, nunca encontrará o incognoscível. O incognoscível só pode manifestar-se quando o passado já não existe; e só não há passado, quando a mente está tranquila.

Krishnamurti em, Percepção Criadora

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Por que razão a mente se deteriora?

Numa destas manhãs, vi quando um morto era levado para ser cremado. Envolto em vistoso pano cor de vermelho purpúreo, o corpo oscilava ao ritmo dos quatro mortais que o transportavam. Que espécie de impressão lhe causa um corpo morto? Você não desejaria saber por que há deterioração? Você compra um motor novo em folha e, passados poucos anos, está completamente gasto. O corpo também se gasta; mas, você não desejaria investigar um pouco mais além, para descobrir porque razão a mente se deteriora? Mais cedo ou mais tarde ocorrerá a morte do corpo, mas a maioria de nós já tem a mente morta, já se verificou a deterioração; por que a mente se deteriora? O corpo se deteriora porque o mantemos em uso constante, e o organismo se gasta. Doença, acidente, velhice, má alimentação, deficiências hereditárias — tais são os fatores responsáveis pela deterioração e morte do corpo. Mas, por que deve a mente deteriorar-se, envelhecer, tornar-se pesada, embotada?

Ao ver um corpo morto, isso não lhe dá o que pensar? Embora nosso corpo deva morrer, por que deve a mente deteriorar-se? Nunca lhe ocorreu esta pergunta? Pois a mente, com efeito, se deteriora; vemos isso acontecer não só com as pessoas idosas, mas também com as pessoas jovens. Vemos como, nos jovens, a mente já está se tornando embotada, pesada, insensível; e, se pudermos descobrir por que razão a mente deteriora, então talvez descubramos algo verdadeiramente indestrutível. Talvez compreendamos, então, o que é a vida eterna, a vida que não tem fim, que não está no tempo, a vida que é incorruptível, que não degenera como o corpo que se transporta para o cais à beira do rio, onde é cremado e suas cinzas lançadas ao rio.

Mas, por que a mente se deteriora? Você já refletiu a esse respeito? Como você ainda é muito jovem — e se a sociedade, ou seus pais, ou as circunstâncias ainda não lhe tornaram embotado — você possui uma mente nova, ardorosa, curiosa. Você deseja saber por que existem as estrelas, por que morrem os pássaros, por que caem as folhas, como voa o avião a jato; muitas coisas você deseja saber. Mas, esse impulso vital para investigar, descobrir, é depressa sufocado, não é verdade? Sufocado pelo medo, pelo peso da tradição, por sua própria incapacidade para enfrentar essa coisa extraordinária que se chama a vida. Você já não notou quão rapidamente é destruído o seu ardor, através de uma palavra áspera, um gesto depreciativo, pelo medo de um exame, a ameaça de um pai — significando isso que a sua sensibilidade já está sendo destruída e sua mente se tornando embotada?

Outro caso de embotamento é a imitação. Pela tradição, você é obrigado a imitar. O peso do passado lhe força a se ajustar, a estabelecer uma linha de conduta e, com esse ajustamento, a mente se sente protegida, em segurança; você se instala numa rotina bem “lubrificada”, para que possa deslizar suavemente, livre de perturbações, sem o mais ligeiro estremecimento de dúvida. Observe os adultos que lhe rodeiam e verá que a mente deles não quer ser perturbada. Eles querem paz, ainda que seja a paz da morte; mas a verdadeira paz é coisa muito diferente.

Você já notou que, quando a mente se fixa numa rotina, num padrão, sempre o faz inspirada pelo desejo de segurança? É por esta razão que ela segue um ideal, um guru. Quer segurança, ausência de perturbação e, por isso, adormece. Quando lê, em seus livros de história, a respeito dos grandes líderes, santos, guerreiros, você não se surpreende desejando igualá-los? Isto não significa que não haja grandes homens no mundo; mas o instinto é imitar os grandes homens, procurar tornar-se igual a eles — e este é um dos fatores de deterioração, porque, então, a mente se coloca num molde. Igualmente, a sociedade não deseja indivíduos alertados, ardorosos, revolucionários, porque tais indivíduos não se ajustarão ao padrão social estabelecido e há sempre o perigo de que quebrem esse padrão. É por isso que a sociedade se empenha em prender sua mente em seu padrão, e é por isso que a chamada educação lhe estimula a imitar, a seguir, a se ajustar.

Ora, pode a mente deixar de imitar? Isto é, pode deixar de formar hábitos? E pode a mente que já se acha enredada no hábito, dele ficar livre?

A mente é o resultado do hábito, não? Ela é o resultado da tradição, do tempo — sendo “tempo” a repetição, a continuidade do passado. E pode a mente, a sua mente, deixar de pensar em termos daquilo que foi — e daquilo que será, que é, na verdade, uma projeção do que foi? Pode sua mente se libertar dos hábitos e deixar de criar hábitos? Se você penetrar bem profundamente neste problema, verá que pode. E quando a mente se renova sem formar novos padrões, novos hábitos, sem tornar a cair na rotina da imitação, permanece, então, fresca, jovem, “inocente”, sendo, portanto, capaz de infinita compreensão.

Para essa mente, não há morte, uma vez que já não existe processo de acumulação. É o processo de acumulação que cria o hábito, a imitação, e, para a mente que acumula, há deterioração, morte. Mas, para a mente que não está cumulando, juntando, que está morrendo a cada dia, a cada minuto — para essa mente não há morte. Ela se acha num estado de “espaço infinito”.

Assim, pois, deve a mente morrer para tudo o que acumulou, todos os hábitos e virtudes imitadas, para todas as coisas de que se acostumou a depender, para ter o sentimento de segurança. A mente então já não está aprisionada na rede de seu próprio pensar. No morrer para o passado, a cada instante, a mente se torna fresca, nova, nunca se deteriorará nem colocará em movimento a “onda da escuridão”. 

Krishnamurti - A cultura e o problema humano

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill