[...]Quando jovens, somos muito zelosos, temos tantas ideias entusiásticas, revolucionárias, mas geralmente acabamos enredados numa dada atividade e, lentamente, nos esgotamos. Vemos isso acontecer ao nosso redor e dentro de nós mesmos; e é possível deter esse processo de deterioração, que constitui sem dúvida um dos nossos principais problemas? Se é ao capitalismo ou ao socialismo, à esquerda ou à direita, que cabe organizar o bem-estar mundial — agora, que a produção é imensa — não me parece ser esse o problema. Penso que o problema é muito mais profundo, e o problema é este: pode-se libertar a mente, de maneira que ela permaneça livre para sempre e, por conseguinte, não mais sujeita à deterioração?
Não sei se já pensaram neste problema, ou se já observaram como pouco a pouco se esgota a vitalidade, o vigor, a vivacidade da nossa mente e ela se torna, gradualmente, um instrumento de hábitos e de crenças mecânicos, um complexo de rotina e repetição. Se realmente temos pensado a este respeito, devemos ver que isso é um problema, para a maioria de nós. Quando vamos envelhecendo, o peso do passado, a carga das coisas lembradas, das esperanças, das frustrações, dos temores, tudo parece cercar e fechar a mente e dela nunca nos vêm coisas novas, mas só repetições, um sentimento de ansiedade, uma perpétua fuga de si mesmo e, por fim, o desejo de encontrar alívio de alguma espécie, um pouco de paz, um Deus que nos satisfaça completamente.
[...] Pode a mente ser libertada de todo esse processo de deterioração e ultrapassar a si mesma, não de maneira misteriosa ou miraculosa, não amanhã ou noutra data futura, mas imediatamente, instantaneamente? Esse descobrimento pode ser função da meditação. Por que é, pois, que nossa mente se deteriora? Por que é que nada existe de original em nós, que tudo o que sabemos é mera repetição, que nunca há constância de criação? estes são os fatos, não é verdade? Que é que causa essa deterioração, e pode a mente detê-la?
[...] A mim é bem óbvio que existirá necessariamente deterioração, enquanto houver esforço. E pode-se observar que nossa vida está toda baseada no esforço — esforço para aprender, adquirir, reter, ser alguma coisa ou renunciar ao que somos e virmos a ser outra coisa. Haverá sempre esta luta de ser ou vir a ser, consciente ou inconscientemente, voluntariamente ou sob o impulso de desejos ocultos; e esta luta não é a causa principal da deterioração da mente?
[...] Por que existe este processo de deterioração, esta incapacidade de descobrir o novo, não no terreno científico, mas dentro de nós mesmos, mas dentro de nós mesmos? Por que razão não somos criadores?
Se observarem o que está acontecendo, seja aqui na Europa ou na América, devem perceber que quase todos estamos imitando, nos conformando, obedecendo ao passado, à tradição, e como indivíduos jamais descobrimos, profundamente, fundamentalmente, coisa alguma por nós mesmos. Vivemos como máquinas, de onde nos advém um certo sentimento de infortúnio, não é verdade? Não sei se realmente investigaram isto, mas parece-me que uma das causas principais desse conformismo é o desejo de nos sentirmos interiormente seguros. Para se estar em segurança, psicologicamente, tem de haver separação, e para se estar separado necessita-se de esforço, esforço para ser algo; e esse pode ser um dos fatores que está impedindo o descobrimento de qualquer coisa nova, por parte de cada um de nós.
[...] Vê-se que a meditação é necessária, uma vez que, por meio da meditação, pode-se descobrir muitas coisas. A meditação abre-nos a porta à experiências extraordinárias, tanto fantasiosas como reais; e estamos sempre indagando como se medita, não é verdade? A maioria de nós lê livros que prescrevem um sistema de meditação, ou recorremos a um certo instrutor para que nos ensine a meditar. Mas nós, aqui, queremos saber, não como meditar mas o que é meditação; e a própria investigação para saber o que é meditação, é meditação. Entretanto, nossa mente deseja saber como meditar e, desse modo, facilita-se a deterioração.
Se o pensamento é capaz de investigar com muita profundidade e de desnudar-se diante de si mesmo, sem procurar corrigir, mas sempre vigilante a fim de descobrir; sem condenar, mas sempre examinando as coisas muito atentamente, então, esse estado mental pode chamar-se meditação. E essa mente, sendo livre, é capaz de descobrimentos. Para ela não existe deterioração, porque nunca há acumulação. Mas a mente que diz: "Ensina-me como tornar-me tranquila, como chegar lá, e me esforçarei para seguir o método que me indicar" — essa mente, é bem óbvio, é imitativa, sem audácia e, por conseguinte, está provocando a própria deterioração.
Para a maioria de nós só interessa o como, que é um meio de certeza, segurança. O como — por mais nobre, por mais exigente, por mais disciplinador que seja — só pode nos levar ao conformismo. A mente que quer ajustar-se pelos seus próprios esforços torna-se escrava de um método, perdendo, por conseguinte, a extraordinária capacidade de descobrimento. E se não houver o descobrimento, em si mesmos, de algo original, novo, não contaminado, ainda que tenham a mais perfeita organização para produzir e distribuir os meios de satisfazer as necessidades físicas, continuarão a ser igual a uma máquina. Por conseguinte, este problema lhes concerne, não? Pode a mente, tão mecanizada que está, tão dominada pelo hábito, pelo passado, libertar-se do passado e descobrir o novo, chamem-no de Deus ou como o quiserem?
[...] Vocês são bem versados no Upanishads, no Gita, na Bíblia, estão familiarizados com a filosofia do hinduísmo, do cristianismo, do comunismo, etc. Estas filosofias, estas religiões, muito evidentemente não resolveram o problema humano.[...] seguir qualquer autoridade, por mais nobre ou tirânica que ela seja, torna a mente mecanizada, sem originalidade, tal qual um disco de gramofone, que só é capaz de repetir e repetir e repetir; e em tal estado não se pode ser feliz.
Agora, conhecedores deste fato, de que maneira se lançarão ao descobrimento do Real, por si mesmos? Compreendem, senhores, Deus, a Verdade, ou o que quer que seja, tem de ser uma coisa totalmente nova, uma coisa fora do tempo, fora da memória, não acham? Não pode ser uma coisa lembrada, do passado, uma coisa que foi dita ou conjecturada, criada pela mente. E como irão descobrir essa coisa? Certamente, ela só pode ser descoberta quando a mente está livre do passado, quando a mente deixa de criar imagens, símbolos. Quando a mente formula imagens, símbolos, não é isso um autêntico fator de deterioração? É bem provável seja isso o que está acontecendo na Índia, bem como no resto do mundo.
Está claro o problema? Ou isso não é problema para vocês?
Jiddu Krishnamurti em, Da solidão à plenitude humana