[...] Existe o pensador, a entidade separada do pensamento, separada dos pensamentos maus e incontroláveis? Tenha a bondade de observar a sua própria mente. Dizemos "há o 'eu', que deseja permanecer separados dos pensamentos maus, dos pensamentos instáveis, erradios". Isto é: há o "eu" que diz: "este é um pensamento extravagante", "esta é uma má ação"", "isto é bom", "isto é mau", "preciso controlar este pensamento", "preciso reter este pensamento". É isso o que sabemos. A pessoa, o "eu", o pensador, o juiz, a entidade julgadora, o censor, é diferente de tudo isso? O "eu" é diferenciado do pensamento, da inveja, do que é mau? O "eu" que se diz distinto de uma coisa má está sempre lutando para sobrepujá-la, dominá-la, lutando para tornar-se alguma coisa. Vocês têm, pois, esta luta, este esforço de banir pensamentos e de "não ser extravagante".
No próprio "processo" do pensar criou este problema do esforço. Compreendem? É então que nasce a disciplina, o controle, por parte do "eu", do pensamento mau; o esforço do "eu" para tornar-se não invejoso, não violento, para ser isto ou aquilo. Criaram, pois, deveras, o processo do esforço, no qual afiguram o "eu" e a coisa que ele está controlando. este é o fato real de nossa existência de cada dia.
Ora bem, o "eu" que está observando, o observador, o pensador, o agente é diferente da ação, do pensamento, da coisa que observa? Temos dito, até agora, que o "eu" é diferente do pensamento. Consideremos, pois, esta coisa: "o pensante é diferente do pensamento?" Diz o pensante: "meus pensamentos são erradios, maus; por conseguinte, devo controlá-los, moldá-los, discipliná-los". Nesse processo criou-se o problema do esforço e a fórmula negativa "não-ser". Tenha a bondade de "escutar" o que estou dizendo, sem interpretá-lo; se escutarem com muita atenção, verão surgir algo extraordinário. Como disse, criamos o esforço sob várias formas distintas — de negação e afirmação; tal é a nossa vida de cada dia.
Mas, existe alguma diferença entre pensador e o pensamento? Investiguem isso. Há diferença? Isto é, se não pensassem, existiria um "eu"? Se não houvesse pensamento, ideia, memória, experiência, existira o "eu"? Vocês dizem ser, o "eu", a entidade superior, a coisa que está acima dos pensamentos a lhes guiar e a lhes governar. Pois bem, se dizem isso, tornem a considerá-lo; não o adotem. Se dizem tal coisa, então essa mesma entidade que pensa a respeito do Atman, continua compreendida na esfera do pensamento. Toda coisa suscetível de ser pensada está na esfera do pensamento. isto é, quando penso a respeito de vocês, no nome próprio que sei, quando os reconheço, já se acham na esfera do meu pensamento, não é verdade? Meu pensamento, está, por conseguinte, em relação com a pessoa de vocês. Assim, pois, o Atman, ou o "eu superior", ou qualquer palavra que preferirem, está sempre na esfera do meu pensamento, não é verdade? Meu pensamento, está, por conseguinte, em relação entre o pensador e o pensamento; eles não constituem dois estados separados, mas um processo unitário.
Há, pois, tão-somente, pensamento, o qual se divide, a si mesmo, em duas partes — pensador e pensamento, atribuindo ao pensador a preeminência. Esse pensamento cria o "eu", que se torna permanente, porque, na verdade, é este o estado a que ele aspira: a segurança, a permanência, a certeza, — nas relações, com minha esposa, com meu filho, minha sociedade; sempre o desejo de inalterável certeza. O pensamento é desejo; por conseguinte, o pensamento, o desejo, buscando a certeza, cria o "eu". E o "eu", então, se fecha, na permanência e começa a dizer: "preciso controlar os meus pensamentos, preciso banir tal pensamento e adotar tal pensamento." — como se esse "eu" tivesse existência separada. Se observarem, verão não ser, o "eu" separado do pensamento. Aí se faz sentir a importância de se experimentar realmente essa coisa, de que o pensador é o pensamento. Esta é a meditação verdadeira: o descobrir como a mente está sempre produzindo a separação do pensador e do pensamento.
Nessas condições, ao reconhecerem esse fato, ao apresentar-se essa percepção, esta compreensão, que acontece aos pensamentos erradios, instáveis, a saltitarem para todos os lados, como borboletas ou macaquinhos? Quando já não existe o censor, quando já não há nenhuma entidade que diz "preciso controlar o pensamento" — que acontece? Sigam bem isso, senhores. Existe então "pensamento errático?" Entendem? Não há nenhuma entidade operando, julgando; por conseguinte, cada pensamento é um pensamento, de per si, e não deve ser comparado e declarado bom ou mau. Por conseguinte, não há divagação ou instabilidade.
Só há pensamentos erráticos, quando o pensamento diz: "estou divagando; não devo fazer aquilo; devo fazer isto". Quando não há o pensador, a entidade que quer controlar o pensamento, então o que nos interessa é só o pensamento, tal qual é, e não como deveria ser. E descobrirão então quanto é belo o observar, na sua realidade, cada pensamento e a respectiva significação; porque, então, não há mais pensamento errático. Eliminem definitivamente o problema do esforço, pois não se pode alcançar a Realidade por meio de esforço; o esforço tem de cessar, para que a Realidade possa apresentar-se. Devem ser receptivos. Não se trata de recompensa ou castigo. Não se trata de uma recompensa às suas boas ações. À sociedade interessa a respeitabilidade de vocês; a Verdade, porém, não.
Para que a Verdade possa existir, o pensamento deve estar em silêncio. Não deve estar o pensamento estar em busca de recompensa ou punição, e nem ter apreensões. Só nesse estado de espírito em que não há busca, é possível manifestar-se a Verdade. A Verdade resultante de busca não é Verdade nenhuma; não é senão uma voz projetada do "eu", traduzindo-lhe a ambição de preenchimento. Assim, pois, ao perceberem tudo isso, ao perceberem na sua inteireza o quandro em que se mostra como a mente opera, não há então pensamento para controlar nem disciplinar; todo pensamento tem então sua importância; há a observação do pensamento, com o pensamento no papel de observador que observa o pensamento, coisa essa dificílima de experimentar-se, uma vez que requer uma extraordinária lucidez e tranquilidade de espírito. Todo pensamento é resultado da memória — da memória que não é mais do que um nome. Porque, em verdade, nós pensamos com palavras; o pensamento de vocês é produto ou "projeção" da memória; a memória se constituí de imagens, símbolos, palavras. Portanto, enquanto houver aquela, haverá pensamento. Um homem interessado em compreender o pensamento deve, por conseguinte, compreender todo o processo da sua produção: dar nome, lembrar-se, reconhecer. Só então há a possibilidade de tornar-se, a mente, absolutamente tranquila. Essa tranquilidade vem com a compreensão. Pode então a Verdade dispensar ao indivíduo as suas bençãos, chegar-se a ele, libertá-lo de todos os seus problemas; somente aí surge o ente criador — que não é o homem que pinta quadros, escreve um poema ou trabalha dez horas por dia.
Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria
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