O pensamento é um fragmentar da plenitude da mente. O todo contém a parte, mas a parte nunca pode ser aquilo que é completo. O pensamento é a parte mais ativa da nossa vida. O próprio sentir é acompanhado pelo pensamento; na sua essência formam um todo, embora tenhamos tendência a separá-los. E, tendo-os separado, damos então grande relevo à emoção, ao sentimento, às atitudes românticas e à devoção, mas o pensamento, como o fio de um colar, tece-se através deles todos, oculto, cheio de vitalidade, controlando e moldando. Está sempre presente, embora gostemos de pensar que as nossas emoções profundas são essencialmente diferentes dele. É uma ilusão, um engano que é tido em grande estima, mas que leva à insinceridade.
Como dissemos, o pensamento é a realidade da nossa vida quotidiana. Todos os chamados livros sagrados são produto do pensamento. Podem ser venerados como tendo origem numa revelação, mas são essencialmente pensamento. O pensamento é o criador da turbina e dos grandes templos da terra, dos foguetões, e também da inimizade entre os homens. É responsável pelas guerras, pela linguagem que usamos e pelas imagens criadas pela mão do homem ou pela sua mente. O pensamento domina o relacionamento. Descreve o que é o “amor”, o céu das religiões e o sofrimento da miséria. O homem presta-lhe culto, admira-lhe as subtilezas, as astúcias, a violência, as crueldades de que é capaz em nome de uma causa. O pensamento tem trazido grandes progressos à tecnologia, e com ela uma grande capacidade de destruição. É esta a história do pensamento, repetida através dos séculos.
Por que é que a humanidade dá uma tão extraordinária importância ao pensamento? Será porque ele é a única coisa que “temos”, embora seja pelos sentidos que se torna ativo? Será porque o pensamento tem sido capaz de dominar a natureza, de dominar o meio ambiente, e porque tem trazido alguma segurança física? Será porque é o instrumento mais eficaz de que o homem dispõe para atuar, viver e obter satisfação? Será porque o pensamento cria os deuses, os salvadores, a “superconsciência”, fazendo esquecer a ansiedade, o medo, o sofrimento, a inveja, o mal que se faz? Será porque junta as pessoas em nações, em grupos, em seitas? Será porque promete esperança a uma vida sombria? Será porque dá uma possibilidade de fugir ao tédio da existência quotidiana? Será porque, em face do desconhecimento do futuro, oferece a segurança do passado, uma pretensa superioridade, e uma insistência na experiência já vivida? Será porque no conhecimento há estabilidade, há possibilidade de iludir o medo, na certeza do conhecido? Será porque o pensamento se considera invulnerável e toma posição contra o desconhecido? Será porque o amor não pode ser explicado, nem medido, ao passo que o pensamento é limitado e resiste ao movimento imutável do amor?
Nunca investigamos a verdadeira natureza do pensamento. Aceitamo-lo como algo inevitável, algo que nunca se pode dispensar, como os olhos e as pernas. Nuncas sondamos a verdadeira profundidade do pensamento: e porque nunca o pomos em causa, ele assume o predomínio. Torna-se o tirano da nossa vida, e os tiranos raramente são contestados.
Portanto, como educadores, vamos expô-lo à luz viva da observação. Esta luz não só dissipa instantaneamente a ilusão, como também revela, com a sua claridade, os mais pequenos detalhes do que está a ser observado. Como dissemos, não é a partir de um ponto fixo, de uma crença, de um pré-juízo ou de uma conclusão, que se observa. A opinião é algo bastante medíocre, tal como a experiência acumulada. O homem que invoca constantemente a sua experiência é “perigoso”, porque está confinado na prisão do seu próprio conhecimento.
Podereis então observar com extrema lucidez todo o movimento do pensamento? Esta luz da observação é liberdade: não se pode captá-la nem pô-la ao serviço da conveniência ou vantagem pessoais. Observar o pensamento é observar todo o vosso ser, e esse mesmo ser é dominado pelo pensamento. Tal como o pensamento é finito, limitado, assim é o eu.
Krishnamurti em, Cartas às escolas