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segunda-feira, 6 de junho de 2016

A limitação do pensamento

O pensamento é um fragmentar da plenitude da mente. O todo contém a parte, mas a parte nunca pode ser aquilo que é completo. O pensamento é a parte mais ativa da nossa vida. O próprio sentir é acompanhado pelo pensamento; na sua essência formam um todo, embora tenhamos tendência a separá-los. E, tendo-os separado, damos então grande relevo à emoção, ao sentimento, às atitudes românticas e à devoção, mas o pensamento, como o fio de um colar, tece-se através deles todos, oculto, cheio de vitalidade, controlando e moldando. Está sempre presente, embora gostemos de pensar que as nossas emoções profundas são essencialmente diferentes dele. É uma ilusão, um engano que é tido em grande estima, mas que leva à insinceridade. 

Como dissemos, o pensamento é a realidade da nossa vida quotidiana. Todos os chamados livros sagrados são produto do pensamento. Podem ser venerados como tendo origem numa revelação, mas são essencialmente pensamento. O pensamento é o criador da turbina e dos grandes templos da terra, dos foguetões, e também da inimizade entre os homens. É responsável pelas guerras, pela linguagem que usamos e pelas imagens criadas pela mão do homem ou pela sua mente. O pensamento domina o relacionamento. Descreve o que é o “amor”, o céu das religiões e o sofrimento da miséria. O homem presta-lhe culto, admira-lhe as subtilezas, as astúcias, a violência, as crueldades de que é capaz em nome de uma causa. O pensamento tem trazido grandes progressos à tecnologia, e com ela uma grande capacidade de destruição. É esta a história do pensamento, repetida através dos séculos.

Por que é que a humanidade dá uma tão extraordinária importância ao pensamento? Será porque ele é a única coisa que “temos”, embora seja pelos sentidos que se torna ativo? Será porque o pensamento tem sido capaz de dominar a natureza, de dominar o meio ambiente, e porque tem trazido alguma segurança física? Será porque é o instrumento mais eficaz de que o homem dispõe para atuar, viver e obter satisfação? Será porque o pensamento cria os deuses, os salvadores, a “superconsciência”, fazendo esquecer a ansiedade, o medo, o sofrimento, a inveja, o mal que se faz? Será porque junta as pessoas em nações, em grupos, em seitas? Será porque promete esperança a uma vida sombria? Será porque dá uma possibilidade de fugir ao tédio da existência quotidiana? Será porque, em face do desconhecimento do futuro, oferece a segurança do passado, uma pretensa superioridade, e uma insistência na experiência já vivida? Será porque no conhecimento há estabilidade, há possibilidade de iludir o medo, na certeza do conhecido? Será porque o pensamento se considera invulnerável e toma posição contra o desconhecido? Será porque o amor não pode ser explicado, nem medido, ao passo que o pensamento é limitado e resiste ao movimento imutável do amor? 

Nunca investigamos a verdadeira natureza do pensamento. Aceitamo-lo como algo inevitável, algo que nunca se pode dispensar, como os olhos e as pernas. Nuncas sondamos a verdadeira profundidade do pensamento: e porque nunca o pomos em causa, ele assume o predomínio. Torna-se o tirano da nossa vida, e os tiranos raramente são contestados. 

Portanto, como educadores, vamos expô-lo à luz viva da observação. Esta luz não só dissipa instantaneamente a ilusão, como também revela, com a sua claridade, os mais pequenos detalhes do que está a ser observado. Como dissemos, não é a partir de um ponto fixo, de uma crença, de um pré-juízo ou de uma conclusão, que se observa. A opinião é algo bastante medíocre, tal como a experiência acumulada. O homem que invoca constantemente a sua experiência é “perigoso”, porque está confinado na prisão do seu próprio conhecimento. 

Podereis então observar com extrema lucidez todo o movimento do pensamento? Esta luz da observação é liberdade: não se pode captá-la nem pô-la ao serviço da conveniência ou vantagem pessoais. Observar o pensamento é observar todo o vosso ser, e esse mesmo ser é dominado pelo pensamento. Tal como o pensamento é finito, limitado, assim é o eu.

Krishnamurti em, Cartas às escolas

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Existe alguma diferença entre pensador e o pensamento?

[...] Existe o pensador, a entidade separada do pensamento, separada dos pensamentos maus e incontroláveis? Tenha a bondade de observar a sua própria mente. Dizemos "há o 'eu', que deseja permanecer separados dos pensamentos maus, dos pensamentos instáveis, erradios". Isto é: há o "eu" que diz: "este é um pensamento extravagante", "esta é uma má ação"", "isto é bom", "isto é mau", "preciso controlar este pensamento", "preciso reter este pensamento". É isso o que sabemos. A pessoa, o "eu", o pensador, o juiz, a entidade julgadora, o censor, é diferente de tudo isso? O "eu" é diferenciado do pensamento, da inveja, do que é mau? O "eu" que se diz distinto de uma coisa má está sempre lutando para sobrepujá-la, dominá-la, lutando para tornar-se alguma coisa. Vocês têm, pois, esta luta, este esforço de banir pensamentos e de "não ser extravagante". 

No próprio "processo" do pensar criou este problema do esforço. Compreendem? É então que nasce a disciplina, o controle, por parte do "eu", do pensamento mau; o esforço do "eu" para tornar-se não invejoso, não violento, para ser isto ou aquilo. Criaram, pois, deveras, o processo do esforço, no qual afiguram o "eu" e a coisa que ele está controlando. este é o fato real de nossa existência de cada dia. 

Ora bem, o "eu" que está observando, o observador, o pensador, o agente é diferente da ação, do pensamento, da coisa que observa? Temos dito, até agora, que o "eu" é diferente do pensamento. Consideremos, pois, esta coisa: "o pensante é diferente do pensamento?" Diz o pensante: "meus pensamentos são erradios, maus; por conseguinte, devo controlá-los, moldá-los, discipliná-los". Nesse processo criou-se o problema do esforço e a fórmula negativa "não-ser". Tenha a bondade de "escutar" o que estou dizendo, sem interpretá-lo; se escutarem com muita atenção, verão surgir algo extraordinário. Como disse, criamos o esforço sob várias formas distintas — de negação e afirmação; tal é a nossa vida de cada dia. 

Mas, existe alguma diferença entre pensador e o pensamento? Investiguem isso. Há diferença? Isto é, se não pensassem, existiria um "eu"? Se não houvesse pensamento, ideia, memória, experiência, existira o "eu"? Vocês dizem ser, o "eu", a entidade superior, a coisa que está acima dos pensamentos a lhes guiar e a lhes governar. Pois bem, se dizem isso, tornem a considerá-lo; não o adotem. Se dizem tal coisa, então essa mesma entidade que pensa a respeito do Atman, continua compreendida na esfera do pensamento. Toda coisa suscetível de ser pensada está na esfera do pensamento. isto é, quando penso a respeito de vocês, no nome próprio que sei, quando os reconheço, já se acham na esfera do meu pensamento, não é verdade? Meu pensamento, está, por conseguinte, em relação com a pessoa de vocês. Assim, pois, o Atman, ou o "eu superior", ou qualquer palavra que preferirem, está sempre na esfera do meu pensamento, não é verdade? Meu pensamento, está, por conseguinte, em relação entre o pensador e o pensamento; eles não constituem dois estados separados, mas um processo unitário. 

Há, pois, tão-somente, pensamento, o qual se divide, a si mesmo, em duas partes — pensador e pensamento, atribuindo ao pensador a preeminência. Esse pensamento cria o "eu", que se torna permanente, porque, na verdade, é este o estado a que ele aspira: a segurança, a permanência, a certeza, — nas relações, com minha esposa, com meu filho, minha sociedade; sempre o desejo de inalterável certeza. O pensamento é desejo; por conseguinte, o pensamento, o desejo, buscando a certeza, cria o "eu". E o "eu", então, se fecha, na permanência e começa a dizer: "preciso controlar os meus pensamentos, preciso banir tal pensamento e adotar tal pensamento." — como se esse "eu" tivesse existência separada. Se observarem, verão não ser, o "eu" separado do pensamento. Aí se faz sentir a importância de se experimentar realmente essa coisa, de que o pensador é o pensamento. Esta é a meditação verdadeira: o descobrir como a mente está sempre produzindo a separação do pensador e do pensamento

Nessas condições, ao reconhecerem esse fato, ao apresentar-se essa percepção, esta compreensão, que acontece aos pensamentos erradios, instáveis, a saltitarem para todos os lados, como borboletas ou macaquinhos? Quando já não existe o censor, quando já não há nenhuma entidade que diz "preciso controlar o pensamento" — que acontece? Sigam bem isso, senhores. Existe então "pensamento errático?" Entendem? Não há nenhuma entidade operando, julgando; por conseguinte, cada pensamento é um pensamento, de per si, e não deve ser comparado e declarado bom ou mau. Por conseguinte, não há divagação ou instabilidade.

Só há pensamentos erráticos, quando o pensamento diz: "estou divagando; não devo fazer aquilo; devo fazer isto". Quando não há o pensador, a entidade que quer controlar o pensamento, então o que nos interessa é só o pensamento, tal qual é, e não como deveria ser. E descobrirão então quanto é belo o observar, na sua realidade, cada pensamento e a respectiva significação; porque, então, não há mais pensamento errático. Eliminem definitivamente o problema do esforço, pois não se pode alcançar a Realidade por meio de esforço; o esforço tem de cessar, para que a Realidade possa apresentar-se. Devem ser receptivos. Não se trata de recompensa ou castigo. Não se trata de uma recompensa às suas boas ações. À sociedade interessa a respeitabilidade de vocês; a Verdade, porém, não. 

Para que a Verdade possa existir, o pensamento deve estar em silêncio. Não deve estar o pensamento estar em busca de recompensa ou punição, e nem ter apreensões. Só nesse estado de espírito em que não há busca, é possível manifestar-se a Verdade. A Verdade resultante de busca não é Verdade nenhuma; não é senão uma voz projetada do "eu", traduzindo-lhe a ambição de preenchimento. Assim, pois, ao perceberem tudo isso, ao perceberem na sua inteireza o quandro em que se mostra como a mente opera, não há então pensamento para controlar nem disciplinar; todo pensamento tem então sua importância; há a observação do pensamento, com o pensamento no papel de observador que observa o pensamento,  coisa essa dificílima de experimentar-se, uma vez que requer uma extraordinária lucidez e tranquilidade de espírito. Todo pensamento é resultado da memória — da memória que não é mais do que um nome. Porque, em verdade, nós pensamos com palavras; o pensamento de vocês é produto ou "projeção" da memória; a memória se constituí de imagens, símbolos, palavras. Portanto, enquanto houver aquela, haverá pensamento. Um homem interessado em compreender o pensamento deve, por conseguinte, compreender todo o processo da sua produção: dar nome, lembrar-se, reconhecer. Só então há a possibilidade de tornar-se, a mente, absolutamente tranquila. Essa tranquilidade vem com a compreensão. Pode então a Verdade dispensar ao indivíduo as suas bençãos, chegar-se a ele, libertá-lo de todos os seus problemas; somente aí surge o ente criador — que não é o homem que pinta quadros, escreve um poema ou trabalha dez horas por dia.

Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Vivemos pelo pensamento e não pela Consciência

Os seres humanos, por todo o mundo, têm feito do intelecto um dos fatores de maior importância na nossa vida diária. Observamos que os antigos hindus, os egípcios e os gregos, todos eles consideravam o intelecto como sendo a função mais importante na vida. Mesmo os budistas deram importância a ele. Em cada universidade, faculdade e escola pelo mundo todo, seja em um regime totalitário ou nas chamadas democracias, o intelecto tem um papel dominante. Queremos dizer por intelecto a capacidade de entender, de discernir, de escolher, de pesar, ponderar, e toda a tecnologia da ciência moderna. A essência do intelecto é todo o movimento do pensamento, não é? O movimento domina o mundo tanto na vida exterior como na interior. O pensamento também criou o mundo, todos os rituais, os dogmas, as crenças. O pensamento também criou as catedrais, os templos, as mesquitas com sua maravilhosa arquitetura e os santuários locais. O pensamento tem sido responsável por uma infindável tecnologia em expansão, as guerras, os materiais bélicos, a divisão dos povos em nações, em classes e raças. O pensamento tem sido e provavelmente ainda é o instigador de tortura em nome de Deus, da paz, da ordem. Ele também tem sido responsável pela revolução, pelos terroristas, pelo princípio supremo e os ideais pragmáticos. Vivemos pelo pensamento. Nossas ações são baseadas no pensamento, nossos relacionamentos também estão fundamentados no pensamento, assim o intelecto tem sido adorado em todos os tempos. 

Mas o pensamento não criou a natureza — o firmamento com suas estrelas em expansão, a terra com toda sua beleza, com seus vastos mares e campos verdes. O pensamento não criou a árvore, mas ele a tem usado para construir a casa, para fazer a cadeira. O pensamento usa e destrói. 

O pensamento não pode criar o amor, a afeição e a qualidade de beleza. Ele tece uma rede de ilusões e realidades. Quando vicemos unicamente pelo pensamento, com todas as suas complexidades e sutilezas, com seus propósitos e direções perdemos a grande profundidade da vida, pois o pensamento é superficial. Embora ele tenha a pretensão de mergulhar profundamente, o próprio instrumento é incapaz de penetrar além de suas limitações próprias. Ele pode projetar o futuro, mas esse futuro nasce das raízes do passado. As coisas que o pensamento criou são reais, existem de fato — como a mesa, como a imagem que você adora —, mas a imagem, p símbolo que você adora são formados pelo pensamento, incluindo todas as ilusões — românticas, idealistas, humanitárias. Os seres humanos aceitam e vivem com as coisas do pensamento — dinheiro, posição, status e a luxúria de uma liberdade que o dinheiro traz. Isso é todo o movimento do pensamento e do intelecto — e através dessa janela estreita de nossa vida olhamos para o mundo. 

Existe algum outro movimento que não seja do intelecto e do pensamento? Essa tem sido a investigação de muitas religiões e esforços científicos e filosóficos. Quando usamos a palavra religião, não estamos nos referindo ao absurdo das crenças, dogmas, rituais e a estrutura hierárquica. Ao falar de uma mulher ou de um homem religioso, nos referimos àqueles que se libertaram de séculos de propaganda, do peso morto da tradição, moderna ou antiga. Os filósofos que se contentam com teorias, conceitos e jogos de ideias, não tem possibilidade de explorar além da janela estreita do pensamento, nem o cientista com suas capacidades extraordinárias, com seu pensamento talvez original, com seu imenso conhecimento. O conhecimento é o depósito da memória e deve haver liberdade do conhecido para explorar o que está para além dele. Deve haver liberdade para investigar sem nenhum laço, escravidão, sem qualquer apego à experiência própria, às próprias conclusões, a todas as coisas que o homem impôs a si mesmo. O intelecto deve estar tranquilo, em quietude absoluta, sem nenhum tremor, nenhum movimento do pensamento.

A nossa educação agora está baseada no cultivo do intelecto, do pensamento e do conhecimento — que são necessários no campo da nossa ação diária, mas que não tem lugar no nosso relacionamento psicológico uns com os outros, pois a própria natureza do pensamento divide e destrói. Quando o pensamento domina todas as nossas atividades e todos os nossos relacionamentos, ele produz um mundo de violência, terror, conflito e miséria. 

Jiddu Krishnamurti

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Da impotência à potência perante o fluxo dos pensamentos

A mente é apenas um processo. Na verdade, ela nem existe — só os pensamentos existem, pensamentos passando tão rapidamente que você pensa e sente que existe alguma coisa contínua ali. Um pensamento vem, outro vai, chega mais um e assim sucessivamente... a lacuna é tão pequena que você não consegue perceber o intervalo entre um pensamento e outro. Assim, dois pensamentos se agrupam, formam uma continuidade e por causa dela você acha que a mente existe. 

(...) Os pensamentos existem — a mente não existe; ela é só aparência. E, quando você olha a mente mais de perto, ela desaparece. Ficam os pensamentos, mas, quando a "mente" desaparece e só restam os pensamentos individuais, muitas coisas se dissolvem imediatamente. Logo de início você percebe que os pensamentos são como nuvens eles vêm e vão, e você é o céu. Quando não existe mente, surge imediatamente a percepção de que você deixou de se envolver com seus pensamentos — os pensamentos estão ali, passando por você como nuvens passando no céu, ou o vento passando entre as árvores. Os pensamentos estão passando por você e podem continuar passando, porque você é um IMENSO VAZIO. Não há nenhum obstáculo, nenhum impedimento. Não há muros para barrá-los; você não é um fenômeno fortificado. Seu céu é uma imensidão infinita para onde passam os pensamentos. E, depois que você começa a sentir que os pensamentos vêm e vão, e que você é um mero observador, uma testemunha, o domínio da mente é conquistado.

A mente não pode ser controlada, no sentido comum do termo. Em primeiro lugar, porque ela não existe, como você poderia controlá-la? Em segundo lugar, quem iria controlar a mente? Porque não existe ninguém por trás da mente — e, quando eu digo que não existe ninguém, quero dizer que não há ninguém por trás dela, só um vazio. Quem a controlará? Se alguém está controlando a mente, então se trata apenas de uma parte, um fragmento da mente, controlando outro fragmento dela. É isso o que o ego é. 

A mente não pode ser controlada dessa forma. Ela não existe e não há ninguém para controlá-la. O vazio interior pode ver, mas não controlar. Ele pode olhar, mas não controlar — mas o próprio olhar é que é o controle, o próprio fenômeno da observação, do testemunho, torna-se o domínio, pois a mente desaparece. 

(...) A mente nada mais é do que a falta da sua presença. Quando você se senta em silêncio, quando olha bem dentro da mente, ela simplesmente desaparece. Os pensamentos continuarão, eles existem, mas a mente não estará mais ali. 

Porém, quando a mente desaparece, você nota que os pensamentos não são seus. É claro que eles surgem, e às vezes ficam um tempinho em você, mas depois vão embora. Você talvez seja uma área de descanso, mas não é a origem dos pensamentos. Você já reparou que nem um único pensamento parte de você? Não brota de você nem um único pensamento; eles sempre vêm de fora. Não pertencem a você — sem casa, sem raízes, eles rondam por aí. Às vezes, eles descansam em você, isso é tudo; como uma nuvem que paira sobre uma montanha. Depois eles se vão por conta própria; você não precisa fazer nada. Se você simplesmente observar, você assume o controle. 

A palavra controle não é muito boa, pois as palavras nunca são muito boas. As palavras pertencem à mente, ao mundo dos pensamentos. Elas nunca são muito perspicazes, pois lhe falta profundidade. A palavra controle não é boa porque não existe ninguém para controlar, nem ninguém para ser controlado. Mas, de uma certa forma, ela ajuda a entender uma certa coisa que acontece: Quando você olha bem fundo dentro da mente, ela é controlada — de repente você passa a ser quem manda. Os pensamentos não vão embora, mas eles deixam de dominar você. Eles não podem fazer nada com você, simplesmente vêm e vão embora; você continua intacto como uma flor de lótus em meio a um aguaceiro. Gotas de chuva caem nas pétalas, mas acabam escorrendo sem afetá-las. O lótus continua intacto(...) Seja como o lótus, só isso. Permaneça intacto e você estará no controle. Continue intacto e você será o senhor de si mesmo.

(...) Centrar-se na consciência é dominar a mente. Por isso, não tente "controlar a mente" — a linguagem pode enganar você. Ninguém pode controlar, e esses que tentam controlar ficarão loucos; eles simplesmente ficarão neuróticos, pois tentar controlar a mente nada mais é que uma parte da mente tentando controlar outra.

(...) Só os fracos se preocupam com os pensamentos. Só os fracos se preocupam com a mente. As pessoas mais fortes simplesmente absorvem o todo e se enriquecem com ele. Os mais fortes simplesmente não rejeitam nada.

O S H O 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O pensamento como servidor de confiança sem poder de mando

K: (...)Pensamento acarreta irracionalidade.

DB: Sim, mas o que é pensamento? Como sabemos que estamos pensando? O que você quer dizer quando se refere a pensamento?

K: Pensamento é o movimento da memória, que é experiência e conhecimento armazenados no cérebro.

DB: Suponha que queiramos ter a racionalidade que inclui o pensamento racional. Pensamento racional é somente memória?

K: Espere um minuto. Sejamos cuidadosos. Se formos completamente racionais, existirá uma visão intuitiva total. Essa visão intuitiva usa o pensamento, e portanto ela é racional.

DB: Pensamento, então, não é apenas memória?

K: Não, não.

DB: Bem, eu quero dizer que, como ele está sendo usado pela visão intuitiva...

K: Não, a visão intuitiva é que usa o pensamento.

DB: Sim, mas o que o pensamento faz não é apenas devido à memória.

K: Espere um instante.

DB: Externamente, o pensamento corre sozinho, ele corre autonomamente como uma máquina, e não é racional.

K: Exatamente.

DB: Porém, quando o pensamento é o instrumento da visão intuitiva...

K: Então pensamento não é memória.

DB: Não está baseado na memória.

K: Não, não está baseado na memória.

DB: A memória é usada, mas ele não está baseado na memória.

K: Então o quê? O pensamento, por ser limitado, divisível, incompleto, nunca poderá ser racional...

DB: Sem a visão intuitiva.

K: Exatamente. Contudo, como vamos ter a visão intuitiva que é totalmente racional? Não estou me referindo à racionalidade do pensamento.

DB: Eu a chamaria de racionalidade da percepção.

K: Sim, a racionalidade da percepção.

DB: O pensamento torna-se então o instrumento disso, de modo que ele tem a mesma ordem.

K: Como, porém, posso ter essa visão intuitiva? Essa é a próxima pergunta, não é? O que devo fazer, ou não fazer, para ter essa visão intuitiva instantânea, que não pertence ao tempo, que não pertence à memória, que não possui nenhuma causa, que não está baseada na recompensa ou no castigo? Ela é livre com relação a isso tudo. Portanto, como a mente tem essa visão intuitiva? Quando eu digo, eu possuo a visão intuitiva, isso está errado. Obviamente. Então como é possível que uma mente, que tenha sido irracional, e que tenha se tornado um pouco racional, tenha essa visão intuitiva? Essa visão intuitiva toma-se possível se a sua mente estiver liberta do tempo.

Krishnamurti em, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO

O pensamento e não o sentimento é a fonte de conflito

K: O cientista, através do exame da matéria, espera alcançar a base. Nós e "X" e "Y" dizemos: vamos nos tornar racionais em nossas vidas; isso quer dizer que você e eu, e "X" e "Y", estamos dispostos a nos ouvir mutuamente. Isso é tudo. O próprio ato de ouvir representa o início da racionalidade. Algumas pessoas não ouvirão nem a nós nem a ninguém. Podemos, então, nós que estamos ouvindo, ser um pouco racionais, e começar. É aí que eu quero chegar. Isso significa ser terrivelmente lógico, não é? Podemos então prosseguir daí?

Por que o homem criou essa irracionalidade na sua vida? Alguns de nós podemos, aparentemente, jogar fora uma parte da irracionalidade, nos tornar um tanto racionais e dizer, agora, vamos começar. Vamos começar a descobrir porque o homem vive dessa maneira. Qual é, contudo, o fator comum dominante em todas as nossas vidas? Evidentemente é o pensamento.

DB: Sim, de fato. Naturalmente muitas pessoas poderão negá-lo, dizer que o principal fator é o sentimento ou outra coisa qualquer.

K: Muitas pessoas poderão dizer isso, mas o pensamento faz parte do sentimento.

DB: Sim, mas isso não é normalmente compreendido.

K: Nós explicaremos isso. Se não houvesse pensamento por trás do sentimento, seríamos capazes de reconhecê-lo?

DB: Sim, acho que essa é uma das principais dificuldades na comunicação com algumas pessoas.

K: Começamos então. Pode ser que haja pessoas que não vejam isso, mas quero que "X" e "Y", que são livres, vejam-no, porque eles se tornaram um pouco racionais, e portanto estão escutando um ao outro. Eles podem dizer que o pensamento é a principal fonte dessa corrente.

Krishnamurti em, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Seja simplesmente uma testemunha

Quando eu digo que meditação não é nada além de ausência de pensamentos, você pode me entender erroneamente. Você não tem de fazer nada para ficar sem pensamentos, porque o que quer que você faça será novamente um pensamento.Você tem que aprender a ver a procissão de pensamentos, ficando do lado da estrada, como se não fosse do seu interesse o que está passando por ali. Simplesmente o tráfego ordinário - se você puder tomar seus pensamentos de um modo que eles não sejam de muito interesse, então, facilmente, lentamente, a caravana de pensamentos que tem existido continuamente por milhares de anos desaparece.

Você tem que compreender uma coisa simples: que dar atenção é dar nutrição. Se você não der nenhuma atenção e permanecer indiferente, os pensamentos começam a morrer por conta própria. Eles não têm nenhum outro modo para conseguir energia, nenhuma outra fonte de vida. Você é a energia que eles têm. E como você continua lhes dando atenção, seriamente, você pensa que é muito difícil se livrar dos pensamentos. É a coisa mais fácil do mundo, mas tem de ser feito da maneira certa.

A maneira certa é ficar do lado. O tráfego vai passando - deixe-o passar. Não faça nenhum julgamento de bom e mau; não aprecie, não condene. Está tudo certo.

Sem forçar... e isso é algo que tem de ser lembrado, porque nossa tendência natural é forçar - se é para ficarmos sem pensamentos, por que não forçar os pensamentos? Por que não joga-los fora? Mas através do simples ato de forçá-los, você está lhes dando energia, está lhes dando nutrição, está lhes dando atenção e os está tornando importantes - tão importantes que sem jogá-los para fora, você não pode meditar.

Tente jogar fora um pensamento, e você verá como fica difícil. Quanto mais você o empurra para fora, mais ele volta com força! Ele adorará o jogo e você será derrotado no final. Você tomou a rota errada.

(...)

Você não pode reprimir nenhum pensamento. O próprio processo repressivo dá energia, vida, força a ele. E o enfraquece, porque você se torna o parceiro derrotado no jogo. A coisa mais fácil é não forçar, mas ser simplesmente uma testemunha.

(...)

Nunca force nenhum pensamento a ir embora, senão ele voltará com uma energia muito maior. E a energia é sua! Você está numa trilha de auto-fracasso. Quanto mais você o empurra para fora, com mais força ele volta.

(…)

Apenas permaneça em silêncio observando todos os tipos de coisas e deixe-as passar. Logo você encontrará a estrada vazia. E quando você encontrar a estrada vazia, você encontrou a mente vazia - naturalmente.

(...)

Quando você está no estado de não-mente, que equivale a ausência de pensamentos ... quando não há nenhuma nuvem de pensamento passando em sua mente, você atinge à claridade do estado de não-mente.

A mente é simplesmente uma combinação de todos os pensamentos, de todas as nuvens. A mente não tem nenhuma natureza independente própria. Quando todos os pensamentos forem embora e o céu estiver limpo e claro, você verá que tudo aquilo para o qual você deu tanta atenção não é nada mais do que vazio. Seus pensamentos eram todos vazios. Eles não continham nada, eles eram vazios.

Tudo o que você pensava que eles tinham era sua própria energia. Você retirou sua energia - o casco vazio do pensamento desaparece. Você retirou a identidade que você tinha com ele e, imediatamente, o pensamento não está mais vivo. Era a sua identificação que estava dando força de vida a ele.

E estranhamente você pensava que seus pensamentos eram muito fortes e era muito difícil livrar-se deles! Você os estava lhes dando força, estava cultivando-os.

(...)

Você pode simplesmente sentar-se ou se deitar e deixar os pensamentos passarem. Eles não deixarão nenhum rastro. Simplesmente não fique interessado... nem fique desinteressado tampouco. Simplesmente fique neutro. E ficar neutro é trazer de volta a própria força de vida que você tem dado a seus pensamentos.

OSHO, The Buddha: The Emptiness of the Heart, # 1

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O pensar e o sentir são uma só coisa: uma só unidade

Interrogante: Por que razão dividiu o homem a sua existência em compartimentos diferentes — o intelecto e as emoções?(...)

Krishnamurti: (...) Esta é uma situação verdadeiramente complexa: o interior a dividir-se em compartimentos e, além disso, a separar-se do ambiente. E, mais ainda, a dividir o ambiente, a que chama "sociedade", em classes, raças e grupos econômicos, nacionais, geográficos. É isto, de fato, o que se observa no mundo; e chamamos isso "viver". Não tendo possibilidade de resolver este problema, inventamos uma superentidade, uma força atuante que, assim esperamos, criará harmonia, a coesão, dentro em nós e entre nós. Esse fator de coesão, a que chamamos religião, cria, por sua vez, mais um fator de divisão. Por conseguinte, a questão se torna esta: o que poderá criar uma harmonia completa no viver, na qual não haja divisões, mas, sim, um estado em que o intelecto e o coração sejam, juntos, a expressão de uma entidade total? Essa entidade não é um fragmento. 

Interrogante: Concordo com você, mas como realizar isso? Essa é a harmonia a que o homem sempre aspirou e que sempre buscou em todas as religiões e todas as utopias políticas e sociais. 

Krishnamurti: Você está perguntado "como"? O "como" é o grande erro. É o fator segregador. Existe o meu "como", o seu "como", e o "como" de outros. Assim, se nunca empregássemos essa palavra, estaríamos investigando verdadeiramente e não a buscar por um método para alcançarmos determinado resultado. Você pode, pois, afastar de todo essa ideia de "receita" e de resultado? Se você pode definir um resultado, já o conhece e, por conseguinte, ele é condicionado e não livre. Se jogarmos fora a "receita", seremos então capazes de investigar se há alguma possibilidade de estabelecer-se um todo harmônico, sem inventarmos nenhum agente exterior, porque todos os agentes exteriores, existentes no ambiente ou acima do ambiente, só servem para aumentar o problema.

Em primeiro lugar, é a mente que se divide em sentimento, intelecto e ambiente; é a mente que inventa o agente exterior; é a mente que cria o problema.

Interrogante: Essa divisão não se encontra apenas na mente. Ela é mais forte ainda nos sentimentos. Os muçulmanos e os hinduístas não se creem separados: sentem-se separados — e é esse sentimento que, com efeito, os separa e os faz destruir-se uns aos outros.

Krishnamurti: Exatamente: o pensar e o sentir são uma só coisa; sempre, desde o começo, foram uma só coisa, e é isso, precisamente, o que estou dizendo. Nosso problema, por conseguinte, não é a integração dos diferentes fragmentos, mas, sim, a compreensão da mente e deste coração que são uma só coisa. Nosso problema não é o de como acabarmos com as classes, ou como construir melhores utopias, ou formar melhores líderes políticos ou novos instrutores religiosos. Nosso problema é a mente. Chegar a este ponto, não teoricamente, porém vê-lo realmente, é a maior forma de inteligência. Porque, então, você não pertence a nenhuma classe ou grupo religioso; não é então muçulmano, hinduísta, judeu ou cristão. Temos, portanto, agora, um só problema: Porque a mente divide? Ela não só divide suas próprias funções em sentimentos e pensamentos, mas também separa a si própria como "eu", do "você", e separa o "nós" do "eles". A mente e o coração são uma só unidade. Não o esqueçamos.  Lembre-se disso, sempre que usar a palavra "mente". Nosso problema é: "Por que a mente divide?"

Interrogante: Sim, é este.

Krishnamurti: A mente é pensamento. Toda atividade do pensamento é de separação, fragmentação. O pensamento é reação da memória, que é o cérebro. O cérebro tem de "reagir" quando percebe um perigo. Isso é inteligência; mas esse mesmo cérebro foi, de alguma maneira, condicionado para não perceber o perigo da divisão. Suas ações são válidas e necessárias no domínio dos fatos. Do mesmo modo, ele atuará quando perceber o fato de que a divisão e a fragmentação lhe são perigosas. isto não é uma ideia, ideologia, princípio ou conceito — coisas absurdas e "separativas": é um fato. Para ver o perigo, o cérebro deve ser muito desperto e vigilante — todo ele, e não apenas um segmento dele.

Interrogante: Como manter desperto o cérebro inteiro?

Krishnamurti: Já dissemos que não há "como", porém, tão só, ver o perigo; é este o ponto que precisa ser compreendido. O ver não é um resultado do condicionamento ou de propaganda; o ver se verifica com o cérebro inteiro. Quando o cérebro está completamente desperto, a mente se torna silenciosa. Se o cérebro está completamente desperto, não há fragmentação, nem separação, nem dualidade. A natureza desse silêncio e sobremodo importante. Pode-se silenciar a mente por meio de drogas e artifícios de toda espécie, mas tais artifícios geram várias outras formas de ilusão e de contradição. Esse silêncio é a mais alta forma de inteligência, que não é pessoal, nem interpessoal, nem sua, nem minha. Anônimo, é ele integral, imaculado. Não pode ser descrito porque não tem nenhuma qualidade. Ele é percebimento, ele é atenção, ele é amor, ele é o Supremo. O cérebro deve estar de todo desperto; só isso. Assim, como um homem perdido na floresta deve conserva-se alertado a fim de sobreviver, assim também o homem que se vê perdido na floresta do mundo deve manter-se sumamente vigilante, para viver completamente.

Jiddu Krishnamurti em, A Luz Que Não Se Apaga

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

As atividades do pensamento nunca resultam em paz

Jiddu Krishnamurti: Pode a humanidade viver sem conflito?... Podemos ter paz nesta terra? As atividades do pensamento nunca resultam em paz.

David Bohm: Do que foi dito, parece claro que a atividade do pensamento não pode produzir a paz: gerar o conflito é algo que lhe é inerente.

JK: Sim, se nós realmente percebêssemos isso, toda a nossa atividade seria totalmente diferente.

DB: Mas o senhor está dizendo então que há uma atividade que não é o pensamento? Que está além do pensamento?

JK: Sim.

DB: E que não só está além do pensamento mas que também não requer a cooperação do pensamento? Que é possível que essa atividade continue quando o pensamento está ausente?

JK: Este é o ponto fundamental. Já discutimos isso muitas vezes: se há alguma coisa além do pensamento. Não alguma coisa santa, sagrada — não estamos falando disso. estamos querendo saber é, existe uma atividade que não seja influenciada pelo pensamento. E DIZEMOS QUE ELA EXISTE. E que essa atividade é a forma SUPREMA DA INTELIGÊNCIA.

DB: Sim; introduzimos agora a inteligência.

JK: Eu sei, eu a introduzi de propósito! A inteligência não é a atividade do PENSAMENTO ASTUTO.

DB: Bem, a inteligência pode utilizar o pensamento, como o senhor já disse muitas vezes. Ou seja, o pensamento pode ser a ação da inteligência — poderíamos nos expressar assim?

JK: Sem dúvida.

DB: Ou poderia ser a ação da memória?

JK: Aí é que está. Também pode ser a ação nascida da memória, e como a memória é limitada, o pensamento é limitado e tem sua própria atividade, a qual então produz o conflito...

DB: Acho que isso se relaciona com o que as pessoas estão dizendo a respeito dos computadores. Cada computador deve, em última instância, estar subordinado a alguma espécie de memória, programada, que é introduzida neles. E deve, por força, ser limitada.

JK: Naturalmente.

DB: Portanto, quando operamos a partir da memória, não somos muito diferentes de um computador; talvez seja o contrário, o computador é que não é muito diferente de nós.

JK: Eu diria que um hindu tem sido programado, durante os últimos cinco mil anos, para ser um hindu; ou, neste país, vocês têm sido programados como um inglês, como um católico ou protestante. Assim, todos somos, até certo ponto, programados.

DB: Sim, mas o senhor está introduzindo a noção de uma inteligência que está livre de programação, que é criativa, talvez...

JK: Sim. Essa inteligência não tem nada a ver com a memória, com o conhecimento.

DB: Ela pode atuar na memória e no conhecimento mas não tem nada a ver com isso...

JK: Isso mesmo. Eu quero dizer: como o senhor descobre se essa inteligência tem alguma realidade e não apenas imaginação ou uma ficção romântica? Para se chegar a isso, é necessário examinar toda a questão do sofrimento, se há um fim para o sofrimento. E enquanto o sofrimento, o medo e a busca do prazer existirem, não pode haver amor.

DB: Temos aqui muitas questões. Sofrimento, prazer, medo, raiva, violência e ganância — tudo isso são respostas da memória.

JK: Sem dúvida.

DB: Não têm nada a ver com a inteligência.

JK: Todos são parte do pensamento e da memória.

DB: E enquanto isso continuar, parece que a inteligência não pode operar no pensamento, ou através do pensamento.

JK: Isso mesmo. Precisamos, portanto, nos libertar do sofrimento.(...) O que é o sofrimento? O significado da palavra é ter dor, aflição, sentir-se completamente perdido, só.

DB: parece-me que não é apenas dor, mas uma espécie de dor muito penetrante, total...

JK: Mas o sofrimento é a perda de alguém.

DB: Ou a perda de alguma coisa importante.

JK: Sim, naturalmente. A perda da minha esposa, de meu filho, de meu irmão, ou do que quer que seja, e a desesperadora sensação de solidão.

DB: Ou simplesmente o fato de que o mundo todo está caminhando para essa situação.

JK: Naturalmente... Todas as guerras.

DB: Isso faz com que todas as coisas percam o sentido.(...) Mas algumas pessoas acham que através do sofrimento elas se tornam...

JK: ... Inteligentes?

DB: Purificadas, como se tivessem passado por um crisol.

JK: Eu sei. Que através do sofrimento você aprende. Que através do sofrimento o seu ego desaparece, se dissolve.

DB: Sim, se dissolve, aprimora-se.

JK: Não é verdade. As pessoas sofreram muito, quantas guerras, quantas lágrimas, sem falar da natureza destruidora dos governos. E o desemprego, a ignorância...

DB: ...Ignorância da doença, da dor, de tudo. Mas o que é realmente o sofrimento? Por que  ele destrói o inteligência, ou a impede? O que acontece?

JK: O sofrimento é um choque;eu sofro, tenho uma dor — eis a essência do "eu".

DB: A dificuldade em relação ao sofrimento é que o eu é que está ali, que está sofrendo.

JK: Sim.

DB: E, de algum modo, esse eu está sentindo realmente pena de si mesmo.

JK: O meu sofrimento é diferente do seu.

DB: Sim, ele se isola. Cria um tipo de ilusão.

JK: Não percebemos que o sofrimento é compartilhado por toda a humanidade.

DB: Sim, mas e se chegássemos a perceber que ele é compartilhado por toda humanidade?

JK: Então começo a questionar o que é o sofrimento. Ele não é o meu sofrimento.

DB: Isso é importante. Para compreender a natureza do sofrimento, preciso me desfazer dessa ideia de que ele é o MEU sofrimento porque, enquanto acreditar que ele é meu, terei uma noção ilusória do problema como um todo.

JK: E nunca poderei acabar com ele.

DB: Se você está lidando com uma ilusão, nada pode ser feito a respeito dela.(...)

JK: O sofrimento é comum a toda a humanidade.

DB: Mas o fato de ser comum não é suficiente para torná-lo o mesmo para todos.

JK: Ele é real.

DB: O senhor está dizendo que o sofrimento humano é único, inseparável?

JK: Sim, é o que eu venho dizendo.

DB: Assim como a consciência humana?

JK: Sim, isso mesmo.(...) A questão é a seguinte: temos sofrido desde o princípio e nunca encontramos uma solução para isso. Não acabamos com o sofrimento.

DB: Mas eu acho que o senhor disse que a razão pela qual não encontramos uma solução é porque o consideramos como algo pessoal, ou pertencente a um pequeno grupo... e isso é uma ilusão.

JK: Sim.

DB: E qualquer tentativa de se lidar com uma ilusão não pode resolver coisa alguma.

JK: O pensamento não pode resolver nada psicologicamente.

DB: Porque o senhor pode dizer que o próprio pensamento divide. O pensamento é limitado e incapaz de perceber que esse é único. Desse modo, ele o divide em meu e seu.

JK: Isso mesmo.

DB: E isso cria a ilusão, que só pode multiplicar o sofrimento. Parece-me então que a afirmação de que o sofrimento humano é único, não pode ser separado da afirmação de que a consciência humana é única.

JK: O mundo sou eu: eu sou o mundo. Mas nós o dividimos em mundo inglês, mundo francês, e todos os demais!

DB: O que o senhor quer dizer com mundo? O mundo físico ou o mundo da sociedade?

JK: O mundo da sociedade, principalmente o mundo psicológico.

DB: Dizemos então que o mundo da sociedade, dos seres humanos, é um só, e o que significa quando digo que eu sou esse mundo?

JK: Que o mundo não é diferente de mim.

DB: O mundo e eu somos um. Somos inseparáveis.

JK: Sim. E essa é a verdadeira meditação; você precisa sentir isso, não apenas como uma afirmação verbal; trata-se de uma realidade. Eu sou o guarda do meu irmão.

DB: Muitas religiões disseram isso.

JK: Trata-se apenas de uma declaração verbal; elas não a assumem, não a praticam em seus corações.

O FUTURO DA HUMANIDADE
Dois diálogos entre J. Krishnamurti/David Bohm

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Por que você se envolve com os pensamentos?

Cesse toda atividade, abandone todos os desejos,
deixe que os pensamentos subam e desçam,
coisas que eles farão como as ondas do oceano.
Como fazê-lo? Se você for até o oceano, sente-se, simplesmente, na praia e fique a olhar. As ondas sobem e descem, vem a maré, há um fluxo e um refluxo, o oceano passa por muitos aspectos. E o que você faz? Simplesmente está sentado e observa. O mesmo se dá em relação à mente. Ela também se parece a um oceano: as ondas sobem e descem, às vezes há um fluxo e muita turbulência, outras vezes há um refluxo e você se sente um tanto silencioso.

E este é o caso, realmente: a consciência integral é como um oceano. E sua mente não é apenas sua: sua mente é parte da mente coletiva. Em torno de você há um oceano de consciência. Tal como os peixes no oceano, somos peixes na consciência — dentro e fora, deste lado e daquele, acima e abaixo, ali está o oceano, ali estão as ondas do oceano. Que é você para perturbar isso? Quem é você para fazer com que isso se torne quieto e silencioso? Como pode fazê-lo? 

Assim, sempre que uma pessoa se torna interessada demais e ansiosa para acalmar a mente, cria muitas perturbações para si própria. Pois isso não é possível! E quando você tenta algo impossível fica frustrado. Você pensa, então, em mil e uma causas que impedem de acontecer o que você deseja. O simples fato é que não pode acontecer! O Tantra diz: observe! Não é da sua conta que os pensamentos subam e desçam. Eles vêm por sua própria iniciativa e vão por sua própria iniciativa. Por que você se envolve com eles? Quem é você para acalmá-los? Eles não lhe pertencem, pertencem ao vasto oceano que lhe rodeia. Você não está ali, eles é que estão. Um dia você não mais existirá, mas eles permanecerão. 

Agora a Ciência concorda com isso: cada pensamento é uma onda. É por isso que um rádio emite pensamentos. Eles passam através das paredes, das colinas, dos nossos corpos, nada os impede de passar. Você ouvi aqui algo que é emitido em Nova Iorque. Atualmente, os cientistas investigam a possibilidade de podermos captar pensamentos do passado, já que os pensamentos nunca morrem. 

(...) Os pensamentos são um oceano em torno de nós; existem independente de nós — sejamos apenas testemunhas. Por isso, o Tantra diz:
Aceite-os!
A maré alta vem, é bela;
a maré baixa vem, é bela.
Grandes e fortes ondas tentam alcançar o céu;
tremenda energia — observe!
Então vem um oceano calmo, tranquilo,
e a lua nele se reflete, bela — observe.
E, para observar, você terá de permanecer inteiramente silencioso.
Os pensamentos podem continuar a vir à praia,
batendo-se contra as rochas,
mas você permanecerá calmo e quieto,
eles não lhe afetarão. 
Assim, o verdadeiro problema não está nos pensamentos, mas em ser afetado por eles. Não lute contra os pensamentos, torne-se simplesmente uma testemunha e você não será afetado. Esse é um silêncio mais rico; lembre-se que o Tantra prefere sempre as mais ricas experiências. É possível criar um silêncio mortal, o silêncio que você encontra num cemitério. Você pode forçar tanto a sua mente que todo o seu sistema nervoso se torna paralisado. Então não haverá pensamentos, porque um sistema nervoso muito delicado é necessário para recebê-los. O oceano estará ali, mas você não será receptivo, sua receptividade se perdeu.

(...) Procure o silêncio tântrico. Observe as ondas: quanto mais você observar mais poderá apreciar-lhes a beleza. Enquanto as observa, as mais sutis nuances do pensamento lhe serão reveladas. Isso é belo — mas você permanece como testemunha, você permanece na praia. Você está apenas sentado na praia, ou deitado ao sol, deixando que o oceano fala seu próprio trabalho — você não interfere nele. 

Se você não interferir, o oceano, pouco a pouco, não interferirá com você. Ele continuará bramindo em toda a volta, mas não lhe penetrará. É belo em si mesmo, mas está separado; uma distância existe. Essa distância é a verdadeira meditação, o verdadeiro silêncio. 

O mundo caminha e caminha, você não é afetado, você permanece no mundo, mas não está no mundo. Você permanece no mundo, mas o mundo não está em você. Você passa através do mundo, intocado, sem medo. Permanece virgem. Faça o que fizer, aconteça o que acontecer, isso não fará diferença: 
sua virgindade conserva-se perfeita,
sua inocência conserva-se absoluta,
sua pureza não é destruída. 
O S H O — Tantra: a Suprema Compreensão

Seja um observador passivo

Esvazie sua mente e não pense em nada.

Como você fará para esvaziar a mente? Quando os pensamentos vierem, observe. A observação tem de ser feita com uma precaução: deve ser passiva, e não ativa. Há mecanismos sutis que você deve compreender, senão poderá falhar em algum ponto. E, se você falhar numa pequena coisa, tudo mudará de qualidade. Observe: observe passivamente, não ativamente. 

(...) Se você estiver demasiado inquieto e demasiado ativo, você não chegará... ao meu silêncio. Seja passivo como quando você se senta à margem de um rio, enquanto ele flui; simplesmente observe. Não há aflição, não há urgência, não há emergência. Ninguém está lhe forçando. Mesmo que você deixe passar, nada estará perdido. Você, simplesmente, observa, apenas olha. Mesmo a palavra observa não é boa, porque traz, em si, um elemento de atividade. Você, simplesmente, olha e nada tem a fazer. Sente-se, simplesmente, à margem do rio, olhe enquanto o rio flui. Ou olhe para o céu enquanto as nuvens flutuam; olhe passivamente. 

É muito, mas muito essencial que essa passividade seja compreendida, porque a sua obsessão pela atividade pode tornar-se inquietação, pode fazer-se uma espera ativa e, então, pode colocar tudo a perder. A atividade pode tornar a entrar pela porta dos fundos. Seja um observador passivo. 

Esvazie sua mente e não pense em nada.

A passividade esvaziará automaticamente sua mente. Ondulações de atividade, ondulações de energia mental se aquietarão, aos poucos, e toda a superfície da sua consciência ficará sem ondas, sem qualquer ondulação. Tornar-se-á um espelho silencioso. 

Como um bambu oco, repousa bem seu corpo. 

(...) Um bambu é completamente oco por dentro. Quando você repousa, procure sentir-se como um bambu: completamente oco e vazio por dentro. E é realmente assim: seu corpo é tal e qual um bambu, oco por dentro. Sua pele, seus ossos, seu sangue, fazem parte do bambu mas dentro há espaço, esvaziamento. 

Quando você está sentado, a boca inteiramente silenciosa, inativa, a língua tocando o palato e silente, sem fremir com pensamentos, a mente observando passivamente, sem esperar por coisa alguma em particular, sente-se como um bambu oco — e, subitamente, infinita energia começa a derramar-se dentro de você; você fica repleto do Desconhecido, do misterioso, do Divino. 

Um bambu oco torna-se uma flauta e o Divino começa a tocar com ela.

Desde que você esteja vazio não haverá barreiras para o Divino entrar em você.

Tente isso: é uma das mais belas meditações — a meditação de se tornar um bambu oco. Você não precisa fazer nada. Você simplesmente se transforma — e tudo o mais acontece. Subitamente, você sente que algo desce para o seu espaço vazio. Você é como um útero e nova vida está entrando em você; uma semente está caindo. E chega o momento em que o bambu desaparece completamente. 

O S H O — Tantra: a Suprema Compreensão

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Os pensamentos são obstinados, irredutíveis

As nuvens que vagueiam pelo céu não têm raízes nem lar... E o mesmo é verdadeiro em relação a seus pensamentos, e o mesmo é verdadeiro em relação a seu céu interior: seus pensamentos não têm raízes, não têm lar; tal como as nuvens, eles vagueiam. Assim você não precisa combatê-los, nem sequer precisa tentar detê-los. 

Isso deve tornar-se um profundo conhecimento em você, porque sempre que uma pessoa se torna interessada em meditação, começa por tentar deter o pensamento. E, se você tentar deter o pensamento, ele jamais se deterá, porque o próprio esforço para detê-lo é um pensamento, o próprio esforço para meditar é um pensamento, o próprio esforço para atingir o estado de Buda é um pensamento. E como você pode um pensamento com outro pensamento? Como pode deter a mente criando outra mente? Você estará se agarrando à outra. E isso continuará e continuará, até à náusea, e não terá fim. 

Não lute, porque quem lutará? Quem é você? Apenas um pensamento; portanto, não se faça campo de batalha de uma luta de pensamentos. Seja, antes, uma testemunha, observe apenas a flutuação dos pensamentos. Eles cessarão, mas não porque você os tenha detido. Cessarão porque você se tornou mais receptivo, e não por qualquer esforço de sua parte; não, dessa forma eles jamais cessam, eles resistem. Tente, e descobrirá: tente deter um pensamento e o pensamento persistirá. Os pensamentos são obstinados, irredutíveis. São hatha yogis, persistem. Você os repele e eles retornam um milhão de vezes. Você se cansará, eles não. 

(...) Se você tenta deter um pensamento, não o pode deter. Ao contrário, o próprio esforço para detê-lo dá-lhe energia, o próprio esforço para evitá-lo torna-se atenção. Assim, sempre que você quer evitar algo dá demasiada atenção a esse algo. Se você não quiser pensar um pensamento, já estará pensando nele. 

(...) Não há necessidade de deter a mente. os pensamentos não têm raízes, são vagabundos sem lar; você não precisa se preocupar com eles. Observe, simplesmente observe, sem olhar para eles; simplesmente observe. 

Se os pensamentos vêm, não se sinta mal por isso; se você tiver a mais leve impressão de que eles não são bons, já começará a combater. É certo e natural: assim como as folhas chegam para as árvores, os pensamentos chegam para a mente. Isso está certo, é exatamente o que deveria ser. Se eles não surgem, é belo. Conserve-se , simplesmente, dentro de si mesmo, e olhe, olhe sem olhar. 

E, quanto mais você olhar, menos encontrará; quanto mais profundamente você olhar, maior número de pensamentos desaparecerão, dispersar-se-ão. Desde que você saiba disso, tem a chave em sua mão. E essa chave revela o mistério mais secreto: o mistério do estado de Buda. 
As nuvens que vagueiam pelo espaço
Não têm raízes nem lar;
também assim são os pensamentos distintivos
vagando através da mente.
Desde que a mente-eu é vista,
cessa a discriminação.
 E, desde que você possa ver que os pensamentos são flutuantes, que você não é os pensamentos, mas o espaço nos quais eles flutuam, você terá atingido sua mente-eu, terá compreendido o fenômeno da sua percepção. Então, a discriminação cessará: então, nada será bom, nada será mau, nada a ser desejado, nada a ser evitado. 

Você aceita e se torna desprendido e natural. Você, simplesmente, começa a flutuar com a existência, sem ir a parte alguma, porque não há meta; você não se move em direção de alvo algum, porque não há alvo. Você começa a gozar cada momento, seja o que for que ele traga — seja o que for, lembre-se. E você pode gozá-lo, porque agora não tem desejos nem expectativas. Você nada pede; portanto é grato ao que quer que receba. Só o estar sentado e respirar é tão belo, só estar em algum lugar é tão maravilhoso, que cada momento da vida torna-se uma coisa mágica, um milagre em si mesmo.

O S H O — Tantra: a Suprema Compreensão

O que entendemos por iluminação?

Há uma qualidade totalmente diferente de ser, que vem com o não-pensamento: nem bom, nem mau, simplesmente um estado de não-pensamento. Você simplesmente observa, você simplesmente permanece consciente, mas não pensa. E, se algum pensamento surgir... SURGIRÁ, porque os pensamentos NÃO SÃO SEUS, estão flutuando no ar. Em derredor, há uma esfera-de-percepção, uma esfera-de-pensamento. Como existe o ar, existe o pensamento em torno de você, e ele vai penetrando por sua própria vontade. Só deixará de fazer isso, assim que você se tornar mais receptivo. Se você se tornar mais e mais receptivo, o pensamento simplesmente desaparece, desfaz-se, porque a percepção é uma energia maior que o pensamento. 

A percepção é como fogo para o pensamento. É algo como quando uma lâmpada é acesa, em sua casa, e a escuridão não pode entrar. Você apaga a luz e, num momento, a escuridão penetra — vem de toda parte, sem a menor demora. Se há uma luz acesa na casa, a escuridão não pode entrar. Os pensamentos são como a escuridão: só entram, se não houver luz lá dentro. A percepção é o fogo: você se torna mais receptivo e os pensamentos entrarão cada vez menos. 

Se você se tornar REALMENTE INTEGRADO com a sua percepção, os pensamentos não penetrarão absolutamente em você: você se tornará uma fortaleza inexpugnável, nada é capaz de penetrá-la. NÃO porque você a tenha fechado, lembre-se, você está inteiramente aberto. Apenas a própria energia da percepção é que tornou-se sua fortaleza. E, se os pensamentos não podem entrar, virão e passarão ao seu lado. Você verá que eles surgem, mas, simplesmente, no momento em que se aproximarem de você, se desviarão. Então você pode ir a qualquer lugar, então você pode ir para o próprio inferno — nada poderá lhe afetar. Isso é o que entendemos por iluminação. 

O S H O — Tantra: a Suprema Compreensão

sexta-feira, 18 de julho de 2014

O valor está no que você aprende, e não no que memoriza.

O comportamento humano, com todas as suas contradições, com suas fragmentações, é o resultado do pensamento. E se pretendemos uma mudança radical no comportamento humano — não na superfície, nos limites externos da nossa existência, mas no verdadeiro âmago do nosso ser — precisamo então examinar a questão do pensamento. VOCÊ precisa ver isso, não eu. Você precisa ver a verdade disto: o pensamento precisa ser compreendido; é preciso saber tudo a respeito dele. Isso precisa ser de enorme importância para você, e não apenas porque o orador o afirma. O orador não tem valor nenhum. O valor está no que você aprende, e não no que memoriza. Limitando-se a repetir o que o orador diz, seja aceitando ou negando, você não está penetrando a fundo no problema. Porém, se você quer mesmo resolver o problema humano de como viver em paz, com amor, sem medo, sem violência, precisa compreender isto profundamente.

Mas como se pode aprender o que é libertação? Não a libertação da opressão, a libertação do medo, a libertação de todas as pequeninas coisas que nos preocupam, mas a libertação da verdadeira causa do medo, da verdadeira causa do antagonismo, da verdadeira raiz do nosso ser, na qual existe uma aterradora contradição, uma assustadora busca do prazer, e todos os deuses que criamos, com todas as igrejas e sacerdotes — você conhece toda a história. Assim, acredito, é preciso que cada um pergunte a si mesmo se quer se libertar na superfície ou no verdadeiro âmago do seu ser. E se você quer aprender o que é libertação na verdadeira fonte de toda a existência, você então precisa estudar o pensamento. Se a questão ficou esclarecida — não em termos de explicação verbal, não a ideia que você forma a partir da explicação — mas se você sente a verdadeira necessidade, então poderemos caminhar juntos. Porque, se pudermos compreender isso, teremos respondido a todas as nossas perguntas.

É preciso, portanto, descobrir o que vem a ser aprender. Em primeiro lugar, quero aprender se é possível me libertar do pensamento — e não como utilizar o pensamento. Essa é a próxima pergunta. Mas poderá a mente chegar a ser livre do pensamento? E o que significa essa liberdade? Só conhecemos a liberdade de alguma coisa — estar livre do medo, disto ou daquilo, da ansiedade, de uma dúzia de coisas. E existirá uma liberdade que não seja de alguma coisa, mas a liberdade de PER SE, em si mesma? Mas, ao fazer esta pergunta, não dependerá a resposta do pensamento? Ou será a liberdade a não-existência do pensamento? E aprender significa percepção instantânea e, portanto, não requer tempo. Não sei se vocês percebem isso. Por favor, isso é de uma importância fascinante!

Krishnamurti 1 Brockwood Park, 9 de setembro de 1972

quinta-feira, 17 de julho de 2014

A compreensão não surge através do isolamento

É muito importante compreender todo o processo do nosso pensamento, e essa compreensão não surge através do isolamento. Não existe uma vida isolada. A compreensão do processo do nosso pensamento surge quando nos observamos nos nossos relacionamentos diários, nas nossas atitudes, nas nossas crenças, a maneira como falamos, a maneira como olhamos as pessoas, a maneira como tratamos nossos maridos ou nossas esposas e nossos filhos. O relacionamento é o espelho no qual se refletem os processos do nosso pensamento. Nos fatos do relacionamento se encontra a verdade, não fora do relacionamento. Não existe, é claro, a vida isolada. Podemos, cuidadosamente, eliminar diversas formas de relacionamento físico, mas, ainda assim, a mente permanecerá relacionada. A própria existência da mente implica relacionamento, e o autoconhecimento advém de se enxergarem os fatos do relacionamento tais como eles são, sem inventar, condenar ou justificar. No relacionamento, a mente faz certas avaliações, julgamentos e comparações; ela reage ao desafio de acordo com as várias formas de recordação, e essa reação é chamada de pensamento. Você descobrirá que, se a mente puder ao menos estar ciente de todo o processo, o pensamento se imobiliza. A mente então fica bastante quieta, bastante silenciosa, sem incentivo, sem movimento em qualquer direção, e, nessa quietude, a realidade adquire existência.

Krishnamurti, Rajghat, 6 de fevereiro de 1955

terça-feira, 1 de abril de 2014

A morte do pensamento

Morrer para o pensamento não é necessariamente morrer primeiramente corporalmente; e quem sabe se depois da morte do corpo, haverá tal oportunidade? Afinal de contas, nós sofremos agora, e por isso é importante investigar se podemos morrer para o pensamento hoje, e não amanhã.

Embora quase todos os escritores religiosos considerem o corpo com desprezo e como um estorvo, não pode ser talvez sua função principal dar-nos oportunidade de achar a libertação não do corpo, como se supõe que aconteça na morte física, mas da mente que é real causadora de problemas? O ponto ao qual eu quero chegar é o seguinte: não se resolve nenhum problema neste mundo, evitando-o. do mesmo modo, o ego só pode ser transformado, tornando-se profundamente consciente de si mesmo, de todo o seu complicado mecanismo e do impasse no qual ele se encontra. Isso exige um ego firmemente cristalizado de modo que as forças poderosas que o mantêm intato possam ser utilizadas para sua destruição explosiva. O corpo é, agora, como explicamos outra parta, a agência necessária através da qual se dá esta cristalização.

O paradoxo neste caso é que o centro da consciência individual deve estar primeiro totalmente adulto para poder desintegrar-se. Ela não pode desintegrar-se a meio caminho de sua formação, porque nesta fase ainda não se alcançou uma compreensão plena. Isto se reflete na história da vida do indivíduo em que a personalidade da criança deve primeiro ser desenvolvida e os vários impulsos externos e desejos devem ter seu controle, para que toda esta energia seja dirigida para dentro, no confronto do centro como o que é. A lei da Natureza é tal que os jovens se sentem atraídos pelo mundo, porque até então toda a energia psíquica está fluindo para fora. Só depois que este movimento para fora se completou, a torrente se voltará e começará a auto-revelação. Ou assim deverá ser. Mas o trágico é que a maior parte de nós permanece presa no movimento para fora durante toda a vida, procurando o tesouro desconhecido na direção errada.

Robert Powell – A luta interior

segunda-feira, 24 de março de 2014

Deixe um pouco sua cabeça e vá até o coração

Como é possível que a mente esteja constantemente produzindo pensamentos, e como posso parar o que não comecei? 

Você não pode parar o que não começou. E nem tente, porque será um desperdício de tempo, de energia, de vida. Você não pode para a mente porque não foi você que a iniciou. Pode apenas observar, e dessa observação ela para. Mas não é você que a está parando, é apenas uma consequência da observação, é uma função da observação. 

Não é você que faz isso, não há como fazer parar a mente. Se tentar, ela acelerará ainda mais, lutará, criará milhões de problemas para que você nunca mais tente. 

A verdade é esta: se não foi você quem começou, como poderá fazê-la parar? Ela é uma consequência da sua inconsciência e só poderá desaparecer pela consciência. Nada se pode fazer para cessá-la, a não ser estar cada vez mais alerta. 

A própria ideia de querer parar a mente é uma barreira, porque se você diz, "Agora ficarei atento para fazê-la parar", acaba perdendo o ponto principal. Nem mesmo sua atenção vai resolver porque essa ideia estará presente: como parar a mente. Depois de alguns dias de esforços inúteis — porque se a ideia está lá, nada acontece — você vem me procurar dizendo, "Tenho estado atento mas a mente não para". 

Você não a pode parar, não existe método nenhum para isso. Mas ela para! E não é você que faz isso, para por si mesma. Você simplesmente observa. Na observação você retira a energia que ela necessita para funcionar. A energia é canalizada para a observação e automaticamente os pensamentos vão se tornando debilitados, enfraquecidos. Continuarão presentes, mas cada vez mais impotentes, porque não há energia disponível. Ficarão circulando à sua volta, mas aos poucos a energia vai sendo absorvida pela consciência. 

De repente, um dia, esse energia não é mais movida para os pensamentos e eles desaparecem. Não podem existir sem energia. Por favor, esqueça isso de querer para-los, não é da sua conta. 

A segunda questão: "Como é possível que a mente esteja constantemente produzindo pensamentos?" É apenas um processo natural. Assim como o coração bate sem interrupção, a mente está sempre pensando. Assim como o corpo não para de respirar, assim como o sangue está sempre circulando, o estômago digerindo, a mente está pensando. Não há nenhum problema nisso; é uma coisa muito simples. Mas você não está identificado com sua circulação sanguínea, não SE sente circulando dentro das veias. Na verdade, nem tem consciência de que seu sangue está circulando — e mesmo assim ele não para. 

Todo problema existe com a mente porque você acha que é VOCÊ quem está pensando. A mente tornou-se um foco de identificação. E é apenas isso que tem que ser rompido. Se você acha que se a mente parar você jamais terá pensamentos, está enganado. Você só pensará quando for necessário. Os pensamentos estarão sempre presentes mas agora será tudo muito natural: será apenas uma resposta, uma atividade espontânea, e não mais uma obsessão. 

Por exemplo, ou você come quando sente fome, ou isso pode se tornar uma obsessão e você come o dia inteiro. Então você enlouquecerá, estará cometendo um suicídio. Você anda quando quer andar. Quando quer ir a algum lugar movimenta as pernas. Mas se ficar dando passos enquanto estiver sentado numa cadeira, poderão pensar que você ficou louco. E então, se você perguntar o que fazer para que suas pernas parem de mexer e alguém aconselhar: "Force-as, prenda-as com os braços!", terá ainda mais problemas. Além das pernas que não param, agora também os braços estão envolvidos. Sua energia luta contra ela mesma. 

É só isso: você está identificado com a mente. Isso é natural: ela está muito próxima e você a utiliza muito. Geralmente as pessoas passam todo o tempo dentro de suas cabeças. É como alguém que dirige o mesmo carro há anos e nunca sai de dentro dele. Chega até a se esquecer de que ode sair se quiser, que é ele quem está dirigindo. Esqueceu-se tão completamente que chega a pensar que é o próprio carro. Não pode sair porque quem irá sair? Não sabe mais como abrir a porta e ela já funciona por não estar sendo usada há tantos anos. Enferrujou, já não abre como antes. O motorista acabou se tornando o próprio carro — é só o que aconteceu. Surge então outra confusão: como fazer o carro parar? Quem irá fazer isso?

Você é o motorista da mente. Ela é um mecanismo em volta de você, que vai sendo utilizado pela sua consciência. Mas você nunca sai de dentro dela. É por isso que insisto: deixe um pouco sua cabeça e vá para até o coração. De lá, terá outra perspectiva e poderá ver que o carro está separado de você. 

tente sair de seu corpo, isso também é possível. Fora do corpo, terá saído do carro completamente. Verá que nem o corpo, nem a mente, nem o coração, são você; você está separado. 

Por ora, lembre-se apenas de uma coisa: você está separado de tudo que o circunda. O conhecedor não é o conhecido. Sinta isso cada vez mais a ponto de se tornar substancialmente cristalizado em seu ser que o conhecedor não é o conhecido. Se você conhece o pensamento, se o pensamento, como pode ser ele? Se conhece a mente, como pode ser ela? Afaste-se, é preciso que haja uma pequena distância. Um dia, quando estiver realmente distanciado, o pensamento cessará. Se o motorista sai, o carro não anda — não há mais ninguém para dirigir. Então você poderá dar boas risadas ao ver que tudo não passou de um mal-entendido. E então, sempre que for necessário, pense. 

Você faz uma pergunta e eu respondo. A mente entrou em funcionamento. É através dela que eu lhe falo, não pode ser de outra maneira. Mas quando estou só, a mente para de funcionar.

Ela não perdeu sua capacidade. Na verdade, aprendeu a funcionar corretamente. Por não estar funcionando descontroladamente, pode reter energia, tornar-se mais clara. Por isso, para a mente, não significa que você não será mais capaz de pensar. Na verdade, pela primeira vez, estará pensando. Envolver-se com pensamentos irrelevantes não é pensar, simplesmente loucura. Ser claro, limpo, inocente, é estar no caminho certo para pensar. 

Quando surgir um problema, você não estará mais confuso, não verá através dos preconceitos. Olha diretamente e assim o problema começa a dissolver. Se for realmente um problema, acabará se dissolvendo e sumindo. Se não for problema e sim um mistério, vai se dissolver e se aprofundar. Então você saberá o que é um problema. 

O problema é tudo o que pode ser solucionado pela mente: o mistério não pode. O mistério tem que ser vivido e o problema resolvido. Mas quando você está muito no pensamento, não saberá quando é um ou outro. Às vezes você toma um mistério como problema. Você ficará lutando toda a sua vida e jamais encontrará a solução. Outras vezes pensa que um problema é um mistério e fica esperando tolamente: já poderia ter sido solucionado. 

É preciso que haja clareza, perspectiva. Quando estiver pensando, — essa tagarelice, essa discussão interior que está sempre acontecendo — pare! Você estará alerta e consciente. Poderá ver as coisas como são, encontrará as soluções. Saberá também quando é um mistério. E se for mistério, você sentirá um profundo temor, um grande respeito. 

Esta é a qualidade religiosa do ser. Sentir respeito é ser religioso, sentir admiração é ser religioso. Sentir-se profundamente maravilhado de ser criança novamente, é entrar no Reino de Deus. 

O S H O     

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill