K: Nós estamos falando a respeito da visão intuitiva, ou seja, que a visão intuitiva não tem tempo. A visão intuitiva não é o produto do tempo, sendo o tempo a memória, etc. Existe então a visão intuitiva; essa visão intuitiva, por estar livre do tempo, atua sobre a memória, age sobre o pensamento. Ou seja, a visão intuitiva torna o pensamento racional, mas não o pensamento que está baseado na memória. Então, que diabo é esse pensamento?
Não. Espere um minuto. Não creio absolutamente que o pensamento apareça. Dissemos que a visão intuitiva passa a existir quando não existe o tempo. O pensamento — que está baseado na memória, na experiência e no conhecimento — é o movimento do tempo no aspecto da transformação. Estamos nos referindo ao tempo psicológico e não ao tempo cronológico. Estamos dizendo que ficar livre do tempo implica a visão intuitiva. A visão intuitiva, por estar livre do tempo, não possui pensamento.
DB: Dissemos que ela poderá usar o pensamento.
K: Espere, não tenho certeza. Vá devagar. Ela poderá usar o pensamento para dar explicações, mas ela age. Antes, a ação estava baseada no pensamento. Agora, quando existe visão intuitiva, há somente ação. Por que queremos o pensamento? Porque a visão intuitiva é racional, a ação é racional. A ação se torna irracional quando ela está atuando a partir do pensamento. Portanto, a visão intuitiva não usa o pensamento.
DB: Bem, temos que tornar isso claro porque numa certa área a visão intuitiva tem que usar o pensamento... Se, por exemplo, você quisesse construir alguma coisa, usaria o pensamento referente à sua execução que está disponível.
K: Isso, porém, não é visão intuitiva.
DB: Mas mesmo assim, talvez você tenha que ter visão intuitiva nessa área.
K: Uma visão intuitiva parcial. Os cientistas, os pintores, os arquitetos, os médicos, os artistas e outros têm uma visão intuitiva parcial. Estamos falando, porém, de "X" e de "Y", que estão procurando a base; estão se tornando racionais, e estamos dizendo que a visão intuitiva não possui tempo, e portanto não possui pensamentos, e essa visão intuitiva é ação. Como essa visão intuitiva é racional, a ação é racional. Desculpe-me, não estou fazendo de mim um exemplo; estou falando com toda humildade. Aquele menino, aquele rapaz dissolveu em 1929 a Ordem da Estrela. Não houve pensamento. As pessoas disseram: "Faça isso", "Não faça aquilo", "Mantenha-a", "Não a mantenha". Ele teve uma visão intuitiva; dissolveu-a. Acabou! Por que precisamos do pensamento?
DB: Mas depois você usou algum pensamento, quando dissolveu a Ordem, para dizer quando fazê-lo e como fazê-lo.
K: Essa palavra é usada por mera conveniência, para a comunicação com outras pessoas.
DB: Ainda assim, foi necessário algum pensamento.
K: A decisão age.
DB: Não estava me referindo à decisão. A ação original não exigiu o pensamento; somente a que veio depois.
K: Isso não é nada. É como levar uma almofada daqui para ali.
DB: Sim, eu entendo. A fonte original de ação então não envolve o pensamento.
K: Isso é tudo que eu queria dizer.
DB: Mas de certo modo ela se infiltra no ...
K: ... é como uma onda.
I: Todos os pensamentos não passam por uma transformação nesse processo?
K: Sim, naturalmente. Como a visão intuitiva não possui tempo, conseqüentemente o próprio cérebro passou por uma mudança.
DB: Sim, mas poderíamos falar sobre o que você quer dizer com isso?
K: Isso quer dizer que todas as respostas humanas devem ser percebidas pela visão intuitiva ou devem penetrá-la? Eu lhe direi o que quero dizer com isso. Sou ciumento. Existe uma visão intuitiva que cobrirá todo o campo do ciúme e desse modo acabará com ele? Que acabará com a inveja, a ganância, e com tudo que está envolvido no ciúme? Entende? As pessoas irracionais caminham passo a passo — livram-se do ciúme, livram-se do apego, livram-se da raiva, livram-se disso, daquilo, e daquilo outro, o que representa um processo constante de transformação — certo? Mas a visão intuitiva, que é totalmente racional, extermina tudo isso.
DB: Exatamente.
K: Isso é um fato? Um fato, no sentido de que "X" e "Y" nunca mais serão ciumentos; nunca!
DB: Temos de discutir isso, porque não está claro como você poderia garanti-lo.
K: Oh, sim, eu o garantirei com certeza!
DB: Se isso puder alcançar aqueles que são capazes de escutar...
K: O que significa que para encontrarmos a base, a primeira coisa que temos de fazer é escutar.
DB: Entenda, os cientistas nem sempre podem escutar. Até Einstein e Bohr não foram capazes, num certo ponto, de escutarem um ao outro. Cada um estava apegado à sua visão particular.
K: Eles colocaram sua irracionalidade em funcionamento.
8 de abril de 1980, Ojai, Califórnia
Krishnamurti em, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO