Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

Mostrando postagens com marcador educação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador educação. Mostrar todas as postagens

sábado, 7 de abril de 2018

O mecanismo da influência


O mecanismo da influência

PERGUNTA: Tenho um filho que me é muito caro e vejo que ele está sujeito a muitas influências perniciosas, tanto em casa como na escola. Que devo fazer?

KRISHNAMURTI: Todos somos o produto, não de uma dada influência, porém de muitas influências contraditórias, não é verdade? E o interrogante deseja saber como impedir que o filho fique sujeito a influências perniciosas, tanto em casa como na escola. Ora, sem dúvida, o problema é muito mais complexo do que apenas encontrar uma maneira de resistir às más influências. O que nos cabe considerar é o "mecanismo" total da influência, não achais? Afinal de contas, todo estudante está inevitavelmente exposto a numerosas influências, tanto boas como más. Existe não apenas a influência doméstica e a influência da escola, mas, ainda, a influência das coisas que lê, das coisas que ouve, do clima, da espécie de alimento que toma, da religião e da cultura em que está sendo educado. Ele constitui a soma, o total dessas influências, tal como vós e eu, e não podemos rejeitar algumas delas e conservar outras. O que podemos fazer é apenas observar todas estas influências e averiguar se a mente pode viver livre delas. Entretanto, infelizmente, no presente estado de coisas, nossa educação é um mecanismo de impor ao estudante as supostas influências boas. Esta é uma parte da questão. A outra parte é o "mecanismo" de encher a mente do estudante de conhecimentos, para que passe nos exames, acrescente algumas letras ao nome e obtenha um emprego. É só isso que nos interessa, atualmente, na chamada educação.

Mas a educação correta é coisa muito diferente, não achais? Não é apenas questão de proporcionar ao estudante conhecimentos técnicos que o habilitarão a obter emprego, mas é também preciso ajudá-lo a estar apercebido de todas as influências e não se deixar prender por nenhuma delas. Para assim fazer, precisamos de uma mente em bom estado, e uma mente "em bom estado" é aquela que está aprendendo, e não aquela que aprendeu; porque, quando a mente está acumulando, deixou de aprender. A instrução é, então, uma coisa do passado e, assim sendo, está detida a investigação.

Que é pois educação correta? É uma simples definição, colhida num livro, ou um constante processo de compreensão das numerosas influências que assaltam a mente, para que ela seja livre desde o começo e, portanto, capaz de investigação? Certo, a mente que é capaz da verdadeira investigação, está sempre aprendendo; não é um mero depósito de conhecimentos. Qualquer pessoa que saiba ler, pode colher conhecimentos numa enciclopédia. Conquanto seja evidentemente necessário, na educação, transmitir conhecimentos técnicos para que o estudante possa, mais tarde, obter emprego, na atualidade é unicamente isto que interessa à maioria dos pais. Querem que os filhos se preparem para alcançar uma boa posição na atual estrutura social, que o ensinem a ajustar-se a esta sociedade baseada na avidez, na inveja, na ambição. Desejais que vosso filho se adapte a esta estrutura, não desejais que ele seja um revolucionário. E assim sendo, temos esta pretensa educação, que só o ensina a ajustar-se, imitar, seguir. Mas não será possível aos que amam realmente os seus filhos, ajudá-los a compreender as múltiplas influências da sociedade, da civilização em que nasceram, para que, quando cresçam, não se deixem ajustar ao padrão de uma certa cultura mas, sim, criem sua sociedade própria, uma sociedade livre da inveja, da ambição, da avidez? Por certo, só tais pessoas são verdadeiramente religiosas. A revolução tem de ser religiosa, e não puramente econômica. Religião não é aceitação de um certo dogma ou tradição ou de um suposto livro sagrado. Religião é investigação, para descobrir o Desconhecido.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Madanapale
12 de fevereiro de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana


quinta-feira, 5 de abril de 2018

Na rejeição da cultura, o homem religioso


Na rejeição da cultura, o homem religioso

PERGUNTA: É possível educarmos os nossos filhos sem condicioná-los, e, se o é, de que maneira? Se não, existe uma coisa tal, como “condicionamento bom” e “condicionamento mau”? Tende a bondade de responder incondicionalmente (Risos).

KRISHNAMURTI: É possível educar as crianças, sem condicioná-las? Achais possível? Eu não acho. Tende a bondade de escutar; vamos investigar juntos. Antes, porém, liquidemos a última parte da pergunta — se há “bom condicionamento” e “mau condicionamento”. Por certo, há apenas condicionamento, sem que seja “bom” ou “mau”. Podeis achar que é um “bom condicionamento” crer em Deus, mas na Rússia comunista dir-se-á que é um “mau condicionamento”. O que chamais “bom condicionamento” outro poderá chamar mau, o que é um fato muito óbvio. Esta questão, portanto, pode ser liquidada muito facilmente.

Resta a outra questão: Pode-se educar as crianças, sem condicioná-las, sem influenciá-las? Ora, tudo o que as cerca está a influenciá-las. O clima, a alimentação, as palavras, os gestos, as conversas, as reações inconscientes, as outras: crianças, a sociedade, as escolas, os livros, as revistas, os cinemas — tudo está a influenciar a criança. E pode-se acabar com tal influência? Impossível, não achais? Podeis não desejar influenciar, condicionar, o vosso filho; mas, inconscientemente, o estais, influenciando, não estais? Tendes as vossas crenças, vossos dogmas, vossos temores, vossos princípios morais, vossos planos, vossas ideias sobre o que é bom e o que mau, e, assim, consciente ou inconscientemente, estais moldando a criança. E se vós não o fazeis, a escola o fará, com os seus livros de História, que falam dos heróis maravilhosos que nós temos e outros povos não têm, etc. etc. Tudo isso está a influenciar as crianças, e, portanto, precisamos, em primeiro lugar, reconhecer este fato evidente.

O problema, agora, é este: Podemos ajudar a criança a desenvolver-se para investigar inteligentemente todas estas influências? Estais compreendendo? Sabendo-se que a criança está sendo influenciada por tudo o que a cerca, tanto no lar como na escola, pode-se-lhe prestar a necessária assistência, a fim de a capacitarmos a investigar todas as influências e nunca se deixar dominar por nenhuma delas? Se tendes realmente a intenção de ajudar o vosso filho a investigar todas as influências, a vossa tarefa será dificílima, não é verdade? Porque isso exige não só o exame da vossa própria autoridade, mas de todo o problema da autoridade, do nacionalismo, da crença, da guerra, do militarismo — um exame completo da coisa, o que significa: cultivar a inteligência. E quando existe essa inteligência e a mente já não aceita nenhuma autoridade nem se deixa ajustar, por medo, aos padrões vigentes — então, toda influência é devidamente examinada e posta de parte. Por conseguinte, a mente não fica condicionada. Ora, isto é possível, não? E a função da educação não consiste, justamente, em cultivar esta inteligên­cia, que é capaz de examinar objetivamente qualquer influência, de investigar todo o “background” (fundo psicológico), tanto nos níveis imediatos como nos mais profundos, de modo que a mente nunca esteja sujeita a condicionamento algum?

Afinal de contas todos estamos condicionados pelo nosso “background”; nós somos esse “background”, constituído pela nossa tradição cristã, por essa extraordinária vitalidade, energia e progresso da América, pelas nossas influências; climáticas, sociais, religiosas, dietéticas, etc. E não podemos considerar de maneira inteligente a totalidade desse fundo, tirá-lo para fora, “estendê-lo sobre a mesa”, para examiná-lo, em vez de seguirmos o absurdo processo de conservar o que achamos bom e rejeitar o que achamos mau? Por certo, temos de encarar objetivamente toda essa coisa que chamamos “cultura”. As culturas criam religiões, mas não criam o homem religioso.

O homem religioso surge quando a mente rejeita a cultura, que é o “background”, o fundo, ficando livre para descobrir o Verdadeiro. Mas isso requer uma extraordinária vigilância por parte da mente, não é exato? O homem religioso não é americano, nem inglês, nem hindu, e sim um ente humano; não pertence a nenhum grupo, raça ou cultura, e por conseguinte é livre para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus. Cultura alguma pode ajudar o homem a descobrir o Verdadeiro. As culturas só criam organizações para agrilhoar o homem. Importa, por conseguinte, investigar tudo isso, não só o condicionamento consciente, mas também — o que é muito mais importante — o condicionamento inconsciente da mente.

E o condicionamento inconsciente não pode ser examinado superficialmente pela mente consciente. Só quando a mente está de todo quieta, pode ser revelado o condicionamento inconsciente — não num dado momento, mas a qualquer hora: quando damos um passeio a pé, ou viajamos num ônibus, ou conversamos com um amigo. Havendo a intenção de descobrir, ver-se-á que o condicionamento inconsciente sairá aos jorros, e estarão assim abertas as portas para o descobrimento.

Krishnamurti, 20 de agosto de 1955
Realização sem esforço
 __________________________________

quarta-feira, 4 de abril de 2018

A falácia do que temos por educação


A falácia do que temos por educação

PERGUNTA: Para ajudar os meus três filhos, basta-me observar a mim mesmo? E como hei de dar-lhes instrução?

KRISHNAMURTI: A vida, o viver de cada dia, não é um processo de educar os nossos filhos e a nós mesmos, também? Senhores, esta pergunta, com sua resposta, não interessa apenas a mestres e discípulos; interessa-vos a todos, porque sois pais.

Ora, será educação mera transmissão de conhecimentos? Consiste, simplesmente, em ensinar as crianças a ler, a somar, a ter possibilidades de arranjar emprego? Pois é nisso que estamos interessados, não é verdade? E qual é o resultado? O jovem ou vai acabar no exército, para ser destruído, ou destrói a si mesmo num emprego. Que significa, pois, educar-nos a nós mesmos e a nossos filhos? Significa levarmos anos e anos aprendendo uma técnica, para depois nos convertermos em carne para canhão ou numa máquina da estrutura social? (Tende a bondade de prestar atenção a isso; estou-vos pedindo que descubrais por vós mesmo). — Significa rodear-nos de uma porção de aparelhos, de coisas, de crenças, a fim de nos protegermos e não termos medo? Significa cobrir a mente com uma simples capa de ilustração? Pois é isso que chamamos educação, não é verdade? Fazemos enormes despesas com a educação de um rapaz e, depois, ele vai acabar numa guerra na Coréia, na Alemanha, ou na Rússia. Estamos eternamente deflagrando guerras e destruindo-nos uns aos outros, dos tempos mais remotos aos dias de hoje. A educação, portanto, tal como a conhecemos, falhou, sem dúvida nenhuma; já não tem significação alguma. Mas se, para um homem que pensa inteligentemente, a educação não é nada disso, nesse caso, que se entende por educação? Significa ela uma perspectiva “integrada” da vida, que produzirá entes humanos integrados? É óbvio, porém, que ninguém pode ser um ente humano integrado, se é americano, ou russo, ou hinduísta; isso são meras etiquetas sem muita significação. Um ente humano integrado é aquele que já não está na sujeição do temor, não moldado pela sociedade, de acordo com determinado padrão de pensamento, seja católico, seja comunista ou outro qualquer. Cada seita, cada grupo nacional ou religioso quer educar os seus jovens de acordo com certa fórmula; e isso é educação? Resultarão daí entes humanos “integrados”? Para educar os nossos filhos, não devemos começar por libertar-nos do temor, de todas as limitações do pensamento, tais sejam as do cristão, do comunista, ou do idealista?

Certamente, para podermos educar-nos e a outros, precisamos prestar atenção a nós mesmos, aos nossos pensamentos, nossos móveis, nosso orgulho, nossos temores; devemos prestar atenção às palavras que empregamos, e à reação psicológica da mente a palavras como “americano”, “russo”, “alemão”. Para podermos educar a outros, precisamos começar por educar a nós mesmos; e não é essa a função correta da educação? Há verdadeira educação quando o educador está sendo educado ao mesmo tempo que os jovens; e isso implica que deve haver liberdade tanto para a criança como para nós mesmos. A liberdade não se encontra na conclusão de um longo curso de disciplina e coerção. Não há liberdade no fim da compulsão. Se dominais a criança, se a obrigais a ajustar-se a um padrão, por mais idealista que seja esse padrão, será livre a criança depois disso? Se desejamos realizar uma verdadeira revolução na educação, é obviamente necessário haver liberdade exatamente no começo, o que significa que tanto o pai como o mestre devem estar interessados na liberdade, e não em como ajudar a criança a tornar-se isso ou aquilo.

A educação correta subentende também que se esteja livre do espírito de competição, não é verdade? Damos notas, comparamos os jovens, e estimulamos a competição, porque, quando prevalece o espírito de competição, é muito mais fácil disciplinar a criança e, pelo temor, obrigá-la a submeter-se, a estudar mais. Se desejamos, porém, inaugurar a educação correta, estamos interessados em libertar a mente, para que possa considerar a vida com uma visão “integrada”, enfrentar todas as suas complicações, ao surgirem, momento por momento. Isso, por certo, é muito mais importante do que o árduo trabalho de aprender. O saber dos livros pode entrar ou não no programa, mas o que principalmente nos interessa é produzir um novo ente humano, não mais coagido, não mais competidor, não mais desejoso de bom êxito; um ente que compreende o que é e, por conseguinte, se está libertando do que é. Entretanto, isso requer extraordinária paciência, uma compreensão “integrada”, que só pode vir com o autoconhecimento; e esta é a razão por que é tão importante que tanto o educador como o educando, o que ensina e o que é ensinado, estejam plenamente apercebidos do mecanismo da mente e do seu próprio ser.

Creio, devia custar uns vinte e cinco centavos para se matar um soldado romano, ou para um soldado romano matar outro soldado qualquer; hoje, para matar-se um soldado, o custo é de cerca de cem mil dólares. Continuamos a desenvolver a pura técnica, as atividades da memória, do sagaz intelecto, e não há revolta contra tudo isso. E quando nos revoltamos, tornamo-nos pacifistas, idealistas, ou adotamos outro rótulo qualquer. Revolução fundamental só é possível, quando há uma perspectiva “integrada” da vida, quando cada indivíduo é um ser total; e essa totalidade, essa integração do indivíduo, não pode existir enquanto há temor, competição, ambição, o constante impulso de nos preenchermos em alguma atividade — pois tudo isso implica: “eu” contra o todo. O mundo nos pertence, as riquezas da terra são vossas e minhas. Ninguém pode ser próspero enquanto outros morrem de fome. Mas, para se perceber tudo isso requer-se uma perspectiva “integrada”, e não podemos ter tal perspectiva enquanto permanecerdes americano ou hindu. Somos entes humanos, e não podemos compartilhar os bens da terra, se vós competis comigo e eu convosco. Enquanto vós e eu tivermos a ambição de realizar, de vir-a-ser, viveremos necessariamente num conflito constante um com o outro. Se perceberdes tudo isso, não apenas verbalmente, mas interiormente, profundamente, garanto-vos que vos revoltareis; e, então, talvez, possamos criar uma nova civilização, um mundo novo.

Krishnamurti em, Percepção Criadora,
5 de julho de 1953

segunda-feira, 6 de junho de 2016

A limitação do pensamento

O pensamento é um fragmentar da plenitude da mente. O todo contém a parte, mas a parte nunca pode ser aquilo que é completo. O pensamento é a parte mais ativa da nossa vida. O próprio sentir é acompanhado pelo pensamento; na sua essência formam um todo, embora tenhamos tendência a separá-los. E, tendo-os separado, damos então grande relevo à emoção, ao sentimento, às atitudes românticas e à devoção, mas o pensamento, como o fio de um colar, tece-se através deles todos, oculto, cheio de vitalidade, controlando e moldando. Está sempre presente, embora gostemos de pensar que as nossas emoções profundas são essencialmente diferentes dele. É uma ilusão, um engano que é tido em grande estima, mas que leva à insinceridade. 

Como dissemos, o pensamento é a realidade da nossa vida quotidiana. Todos os chamados livros sagrados são produto do pensamento. Podem ser venerados como tendo origem numa revelação, mas são essencialmente pensamento. O pensamento é o criador da turbina e dos grandes templos da terra, dos foguetões, e também da inimizade entre os homens. É responsável pelas guerras, pela linguagem que usamos e pelas imagens criadas pela mão do homem ou pela sua mente. O pensamento domina o relacionamento. Descreve o que é o “amor”, o céu das religiões e o sofrimento da miséria. O homem presta-lhe culto, admira-lhe as subtilezas, as astúcias, a violência, as crueldades de que é capaz em nome de uma causa. O pensamento tem trazido grandes progressos à tecnologia, e com ela uma grande capacidade de destruição. É esta a história do pensamento, repetida através dos séculos.

Por que é que a humanidade dá uma tão extraordinária importância ao pensamento? Será porque ele é a única coisa que “temos”, embora seja pelos sentidos que se torna ativo? Será porque o pensamento tem sido capaz de dominar a natureza, de dominar o meio ambiente, e porque tem trazido alguma segurança física? Será porque é o instrumento mais eficaz de que o homem dispõe para atuar, viver e obter satisfação? Será porque o pensamento cria os deuses, os salvadores, a “superconsciência”, fazendo esquecer a ansiedade, o medo, o sofrimento, a inveja, o mal que se faz? Será porque junta as pessoas em nações, em grupos, em seitas? Será porque promete esperança a uma vida sombria? Será porque dá uma possibilidade de fugir ao tédio da existência quotidiana? Será porque, em face do desconhecimento do futuro, oferece a segurança do passado, uma pretensa superioridade, e uma insistência na experiência já vivida? Será porque no conhecimento há estabilidade, há possibilidade de iludir o medo, na certeza do conhecido? Será porque o pensamento se considera invulnerável e toma posição contra o desconhecido? Será porque o amor não pode ser explicado, nem medido, ao passo que o pensamento é limitado e resiste ao movimento imutável do amor? 

Nunca investigamos a verdadeira natureza do pensamento. Aceitamo-lo como algo inevitável, algo que nunca se pode dispensar, como os olhos e as pernas. Nuncas sondamos a verdadeira profundidade do pensamento: e porque nunca o pomos em causa, ele assume o predomínio. Torna-se o tirano da nossa vida, e os tiranos raramente são contestados. 

Portanto, como educadores, vamos expô-lo à luz viva da observação. Esta luz não só dissipa instantaneamente a ilusão, como também revela, com a sua claridade, os mais pequenos detalhes do que está a ser observado. Como dissemos, não é a partir de um ponto fixo, de uma crença, de um pré-juízo ou de uma conclusão, que se observa. A opinião é algo bastante medíocre, tal como a experiência acumulada. O homem que invoca constantemente a sua experiência é “perigoso”, porque está confinado na prisão do seu próprio conhecimento. 

Podereis então observar com extrema lucidez todo o movimento do pensamento? Esta luz da observação é liberdade: não se pode captá-la nem pô-la ao serviço da conveniência ou vantagem pessoais. Observar o pensamento é observar todo o vosso ser, e esse mesmo ser é dominado pelo pensamento. Tal como o pensamento é finito, limitado, assim é o eu.

Krishnamurti em, Cartas às escolas

Qual é a função de uma educação funcional?


A relação com outro ser humano é das coisas mais importantes da vida. Em geral, não somos muito sérios nas nossas relações, porque estamos preocupados conosco em primeiro lugar, e só depois com o outro, quando nisso temos conveniência, quando nos dá satisfação ou gratifica os sentidos. Tratamos o relacionamento à distância, por assim dizer, e não como uma coisa em que estamos totalmente implicados.

Quase nunca nos abrimos realmente ao outro, pois não estamos atentos a nós mesmos, e assim na nossa relação mostramos possessividade, domínio, ou então subserviência. Há “o outro” e “eu”, duas entidades separadas sustentando uma divisão que dura até à morte. O outro está preocupado consigo próprio, e assim essa divisão mantém-se durante toda a vida. É certo que se demonstra simpatia, afeição, apoio, em várias circunstâncias, mas este processo separativo continua. E daí surgem as incompatibilidades, o conflito dos temperamentos e dos desejos, e tudo isso gera medo e acomodação. No aspecto sexual, poderá haver entendimento, mas essa relação peculiar, quase estática, do você e do eu permanece, com os conflitos, as feridas psicológicas, os ciúmes e todo o seu tormento. É porém o que geralmente se considera uma boa relação.

Poderá a bondade desabrochar no meio de tudo isto? E contudo a relação é vida, e não se pode existir sem alguma espécie de relação. O eremita, o monge, por muito que se afastem do mundo, levam o mundo consigo. Podem recusá-lo, podem reprimir-se, torturar-se, mas ficam ainda numa certa relação com o mundo, porque aquilo que são é resultado de milhares de anos de tradição, de superstição, e de todo o conhecimento que o homem tem acumulado ao longo de milênios. Não é possível, portanto, fugir de tudo isso.  

Vejamos agora a relação entre o educador e o educando. Será que o professor, consciente ou inconscientemente, mantém um sentimento de superioridade, colocando-se num pedestal e fazendo o aluno sentir-se inferior, como alguém que tem de ser ensinado? Neste caso, evidentemente, não há relacionamento. E daí nasce o medo, um sentimento de constrangimento e de tensão por parte do estudante, que assim aprende desde a juventude essa atitude de superioridade; é levado a sentir-se inferior, e portanto ao longo da vida, ou se torna agressivo ou está continuamente a submeter-se e a ser subserviente.

[...] O relacionamento requer muita inteligência. Não é aprendido nos livros, nem pode ser ensinado. Também não é resultado de muita experiência acumulada. 

Conhecimento não é inteligência. A inteligência pode utilizar o conhecimento. Este pode ter um valor utilitário, pode ser brilhante, arguto, mas nada disso é inteligência. A inteligência surge natural e facilmente quando se vê toda a natureza e estrutura do relacionamento. É por isso que é importante ter tempo disponível, para que o homem e a mulher, o professor e o aluno possam conversar tranquila e seriamente acerca da sua relação, para que nela as suas verdadeiras reações, susceptibilidades e barreiras sejam vistas, e não imaginadas, não deformadas para agradar ao outro, ou reprimidas para o satisfazer. 

A função de uma escola é seguramente a de ajudar o estudante a despertar a sua inteligência e a aprender a extrema importância de uma verdadeira relação.

Krishnamurti

domingo, 8 de novembro de 2015

Educação e Diversidade


Entrevista com o mestre em sociologia, teórico da comunicação e professor emérito da UFRJ, Muniz Sodré. Ele fala sobre "Educação e Diversidade".

Reinventando a Educação


Livros: Reinventando a Educação: Diversidade, descolonização e redes - Muniz Sodré

Ederson Granetto conversa com o professor Muniz Sodré, da UFRJ, sobre o livro Reinventando a Educação - Diversidade, descolonização e redes, publicado recentemente pela Editora Vozes. A obra traz um estudo sobre como enfrentar os desafios de educar no século XXI, num mundo globalizado e afogado em novas tecnologias de comunicação e informação.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Os vossos professores são os vossos destruidores

Pergunta: Poderia por favor explicar em maior detalhe o que quer dizer com a sua declaração de que “os vossos professores são os vossos destruidores.” Como pode um sacerdote, desde que seja honesto na sua intenção, ser um destruidor?

Krishnamurti: Senhor, porque é que quer um sacerdote para o manter moralmente correto? É isso? Ou para o conduzir à verdade? Ou para atuar como intérprete entre Deus e o senhor? Ou apenas para efetuar um rito, uma cerimônia de casamento ou de funeral, ou de Domingo de manhã? Porque é que querem sacerdotes? Quando descobrirmos porque é que os necessitamos, então descobriremos que são destruidores.

Se disserem que um sacerdote é necessário para manter a nossa moralidade sã, certamente que então já não são morais, mesmo embora o sacerdote os possa forçar a ser morais; porque para mim moralidade não é compulsão; é uma ação voluntária. A moralidade não nasce do medo, condicionada pelas circunstâncias. A verdadeira moralidade é compreensão voluntária e por isso ação. Por isso para mim não é necessário um sacerdote para manter a vossa integridade. Ou se disserem que ele é necessário para os conduzir à verdade como um mediador, como um intérprete, então eu digo que ambos, vocês e o sacerdote, devem saber o que é a verdade. Para serem conduzidos a algum lado têm que saber para onde vão, e o líder também tem que saber para onde vai; e se sabem onde está a verdade, então não querem um líder. Por favor, não se trata de habilidade. São apenas fatos.

Mas agora o que é que fizemos? Preconcebemos o que é a verdade como contraste, como uma oposição àquilo que somos. Dizemos que a verdade é tranquila, que a verdade é sábia, ilimitada. Porque não somos isso, por esse motivo, transformámo-la num oposto, e queremos alguém que nos ajude a chegar lá. O que significa isso? Alguém que os ajude a fugir deste conflito para algo que vocês supõem que deve ser a verdade. Por consequência, o sacerdote ajuda-os a fugir das realidades, dos fatos.

Estava a falar com um sacerdote no outro dia, e ele disse-me que mantinha a sua igreja porque havia muito desemprego. Ele disse, “Sabe, os desempregados não têm casas, beleza, vida, música, luz, cor, nada – um terror, uma vida hedionda; e se vierem uma vez por semana à igreja, pelo menos há beleza, há alguma tranquilidade, há algum perfume, e vão-se embora pacificados para o resto da semana, e voltam outra vez.” Não é essa certamente a maior forma de exploração? Isto é, este sacerdote específico estava a tentar pacificá-los no seu conflito, a tentar tranquilizá-los, por outras palavras a drogá-los para não tentarem descobrir a causa real do desemprego.

Agora, se dizem que os sacerdotes são necessários para realizar os ritos, as cerimônias da Cristandade, então vamos inquirir sobre se esses ritos e cerimônias são necessários. São necessários? Como não assisto a eles, não posso responder. Não têm valor para mim; mas para vocês que assistem a eles, têm valor? De que maneira tiram proveito deles? Vão lá ao Domingo de manhã, sentem-se muito devotos, elevados de espírito, ou seja lá o que for, e durante o resto da semana ou exploram ou são explorados. Continua a haver crueldade e todo o resto. Portanto onde está o valor, a necessidade de um sacerdote?

Se disserem que é um meio de ganhar dinheiro, então colocaremos a questão numa categoria totalmente diferente. Se tratam o assunto como uma profissão, como a advogacia, a marinha, o exército, ou qualquer outra profissão, então é uma coisa totalmente diferente, e a maior parte das religiões com os seus sacerdotes são isso e nada mais que isso – uma velha profissão.

Portanto se contam para um sacerdote para os orientar como um professor, eu digo que ele é o vosso destruidor ou o vosso explorador. Por favor, não tenho nada contra os sacerdotes Cristãos ou contra os sacerdotes Hindus – para mim eles são todos iguais. Afirmo que não são essenciais para a humanidade. E por favor não aceitem o que estou a dizer como autoridade definitiva para vocês, como uma declaração dogmática. Examinem a questão, ponderam-na. Se aceitarem o que estou a dizer, também eu me tornarei um sacerdote; e por consequência, tornar-me-ei o vosso explorador. Ao passo que, se realmente examinarem o assunto na sua totalidade, não durante um momento passageiro mas completamente, verão que as religiões com todos os seus professores sectários, estão realmente a manter a humanidade separada. Eles aumentam os horrores da guerra, a diferença de classes, as nacionalidades, e por isso todas estas coisas levam à guerra e a maiores explorações nas quais não há afeto verdadeiro, amor verdadeiro, consideração verdadeira.

Jiddu Krishnamurti em Auckland, Nova Zelândia, 1ª palestra nos jardins da Escola de Vasanta 30 de março, 1934.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Vivemos pelo pensamento e não pela Consciência

Os seres humanos, por todo o mundo, têm feito do intelecto um dos fatores de maior importância na nossa vida diária. Observamos que os antigos hindus, os egípcios e os gregos, todos eles consideravam o intelecto como sendo a função mais importante na vida. Mesmo os budistas deram importância a ele. Em cada universidade, faculdade e escola pelo mundo todo, seja em um regime totalitário ou nas chamadas democracias, o intelecto tem um papel dominante. Queremos dizer por intelecto a capacidade de entender, de discernir, de escolher, de pesar, ponderar, e toda a tecnologia da ciência moderna. A essência do intelecto é todo o movimento do pensamento, não é? O movimento domina o mundo tanto na vida exterior como na interior. O pensamento também criou o mundo, todos os rituais, os dogmas, as crenças. O pensamento também criou as catedrais, os templos, as mesquitas com sua maravilhosa arquitetura e os santuários locais. O pensamento tem sido responsável por uma infindável tecnologia em expansão, as guerras, os materiais bélicos, a divisão dos povos em nações, em classes e raças. O pensamento tem sido e provavelmente ainda é o instigador de tortura em nome de Deus, da paz, da ordem. Ele também tem sido responsável pela revolução, pelos terroristas, pelo princípio supremo e os ideais pragmáticos. Vivemos pelo pensamento. Nossas ações são baseadas no pensamento, nossos relacionamentos também estão fundamentados no pensamento, assim o intelecto tem sido adorado em todos os tempos. 

Mas o pensamento não criou a natureza — o firmamento com suas estrelas em expansão, a terra com toda sua beleza, com seus vastos mares e campos verdes. O pensamento não criou a árvore, mas ele a tem usado para construir a casa, para fazer a cadeira. O pensamento usa e destrói. 

O pensamento não pode criar o amor, a afeição e a qualidade de beleza. Ele tece uma rede de ilusões e realidades. Quando vicemos unicamente pelo pensamento, com todas as suas complexidades e sutilezas, com seus propósitos e direções perdemos a grande profundidade da vida, pois o pensamento é superficial. Embora ele tenha a pretensão de mergulhar profundamente, o próprio instrumento é incapaz de penetrar além de suas limitações próprias. Ele pode projetar o futuro, mas esse futuro nasce das raízes do passado. As coisas que o pensamento criou são reais, existem de fato — como a mesa, como a imagem que você adora —, mas a imagem, p símbolo que você adora são formados pelo pensamento, incluindo todas as ilusões — românticas, idealistas, humanitárias. Os seres humanos aceitam e vivem com as coisas do pensamento — dinheiro, posição, status e a luxúria de uma liberdade que o dinheiro traz. Isso é todo o movimento do pensamento e do intelecto — e através dessa janela estreita de nossa vida olhamos para o mundo. 

Existe algum outro movimento que não seja do intelecto e do pensamento? Essa tem sido a investigação de muitas religiões e esforços científicos e filosóficos. Quando usamos a palavra religião, não estamos nos referindo ao absurdo das crenças, dogmas, rituais e a estrutura hierárquica. Ao falar de uma mulher ou de um homem religioso, nos referimos àqueles que se libertaram de séculos de propaganda, do peso morto da tradição, moderna ou antiga. Os filósofos que se contentam com teorias, conceitos e jogos de ideias, não tem possibilidade de explorar além da janela estreita do pensamento, nem o cientista com suas capacidades extraordinárias, com seu pensamento talvez original, com seu imenso conhecimento. O conhecimento é o depósito da memória e deve haver liberdade do conhecido para explorar o que está para além dele. Deve haver liberdade para investigar sem nenhum laço, escravidão, sem qualquer apego à experiência própria, às próprias conclusões, a todas as coisas que o homem impôs a si mesmo. O intelecto deve estar tranquilo, em quietude absoluta, sem nenhum tremor, nenhum movimento do pensamento.

A nossa educação agora está baseada no cultivo do intelecto, do pensamento e do conhecimento — que são necessários no campo da nossa ação diária, mas que não tem lugar no nosso relacionamento psicológico uns com os outros, pois a própria natureza do pensamento divide e destrói. Quando o pensamento domina todas as nossas atividades e todos os nossos relacionamentos, ele produz um mundo de violência, terror, conflito e miséria. 

Jiddu Krishnamurti

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Não seja triste e inconsciente como seus pais

Cada criança nasce com possibilidades tão grandes, com tanto potencial que se tiver permissão e for auxiliada a desenvolver a própria individualidade sem qualquer impedimento vindo dos outros, teremos um mundo lindo, teremos muitos Budas e muitos Sócrates e muitos "Jesuses", teremos uma tremenda variedade de gênios. O gênio acontece muito raramente, não porque gênios nasçam raramente, não; o gênio acontece raramente porque é muito difícil escapar do processo de condicionamento da sociedade. Somente de vez em quando uma criança consegue, de alguma forma, escapar de suas garras.

Se você ama, você não interfere e você diz: “Sim, vá com minhas bênçãos. Procure, busque a sua verdade. Seja tudo aquilo que deseja ser. Eu não vou ficar no seu caminho. E não vou incomodá-lo com minhas experiências. Você não é eu. Você pode ter vindo através de mim, mas você não deve ser uma cópia de mim.

Você não deve me imitar. Eu vivi a minha vida – você viva a sua. Não vou sobrecarregá-lo com minhas experiências não vividas. Eu não vou sobrecarregá-lo com meus desejos não satisfeitos. Eu farei com que permaneça leve. Eu o auxiliarei – seja tudo o que quiser ser, com todas as minhas bênçãos e com toda a minha ajuda.

Os filhos vêm através de vocês, mas eles pertencem à Criação, pertencem à totalidade. Não os possua. Não comece a pensar que esses lhes pertencem. Como podem lhes pertencer? Uma vez que essa visão aflore em você, então não haverá mais crueldade. Agora seja consciente. Busque a felicidade. Descubra como ser feliz. Medite, ore, ame. Viva apaixonada e intensamente! Se você tiver conhecido a felicidade, você não será cruel com ninguém – não poderá ser. Se você tiver saboreado algo na vida, jamais será destrutivo com ninguém. Como pode ser destrutivo com seus próprios filhos? Você não pode ser destrutivo com pessoa alguma.

Assim não posso lhe dar a chave de como evitar – eu posso apenas lhe dar um “insight”.

O “insight” é: seus pais foram infelizes – por favor, você seja feliz. Seus pais foram inconscientes – você, seja consciente. E essas duas coisas – consciência e felicidade – não são realmente duas coisas, mas dois lados da mesma moeda.

Eu gostaria que vocês tivessem respeito pelas crianças. As crianças merecem todo o respeito que você for capaz de dar porque elas são tão frescas, tão inocentes, tão próximas da divindade. Está na hora de respeitá-las, e não de forçá-las a respeitar todos os tipos de corruptos – astutos, trapaceiros – simplesmente porque são velhos. Eu gostaria de inverter a coisa toda: respeito para com as crianças porque elas estão mais próximas da fonte, você está distante. Elas ainda são originais, você já é uma cópia carbono. E você é capaz de entender o que pode ocorrer se você tiver respeito pelas crianças? Através do amor e do respeito você pode protegê-las, evitando que tomem caminhos errados – não por medo, mas a partir do seu amor e respeito.

O S H O 

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Medo é o nome da chave da sua apertada cela

A maioria tem medo de ficar só. Porventura saímos a passeio sozinhos? Raramente. Sempre queremos alguém que vá conosco porque queremos conversar, queremos contar alguma história a alguém, sempre estamos falando, falando, falando; portanto, nunca estamos sós, estamos? Quando se cresce e se pode sair para um passeio sozinho, descobre-se muitas coisas. Descobre-se o próprio jeito de pensar, e então começa-se a observar todas as coisas circundantes — o mendigo, o homem estúpido, o inteligente, o rico e o pobre; toma-se consciência das árvores, dos pássaros, a luz refletida numa folha. Vocês verão tudo isso quando saírem a passear sozinhos. Ficando sós, vocês depressa descobrirão que têm medo. E é porque temos medo que inventamos essa coisa chamada religião. 

Muitos volumes têm sido escritos sobre Deus e sobre o que se deve fazer para abordá-lo; mas a base disso tudo é o medo. Enquanto se tem medo, não se pode encontrar nada de real. Se você tem medo do escuro, não se atreve a sair da cama, cobre a cabeça com o lençol e trata de dormir. Para sair e ver, para descobrir o que é real, é preciso haver liberdade em relação ao medo, não é? Mas, vejam, ficar livre do medo é muito difícil. A maioria dos adultos diz que que vocês só podem ser livres quando forem mais velhos, quando tiverem amealhado conhecimentos e tiverem aprendido a disciplinar a mente. Eles pensam que liberdade é algo muito distante, situado no fim e não no princípio. Mas certamente deve haver liberdade desde a infância, de outro modo vocês jamais serão livres. 

Vejam, tendo eles próprios medo, eles os disciplinaram, dizendo-lhes o que é certo e o que é errado; dizem que vocês precisam fazer aquilo e não isto, que devem pensar no que as pessoas dirão, e assim por diante. Há todo tipo de controle para assustá-los na trilha, no molde, no modelo, e a isso chamam de disciplina. Sendo muito jovens, e por causa de seu próprio medo, vocês se ajustam; mas isso não os ajuda em nada, porque quando vocês apenas se ajustam a algo, não o compreendem. 

Ora, examinem isso de outro modo. Se vocês não fossem disciplinados, se não fossem controlados, reprimidos, fariam o que quisessem? Vocês fariam o que bem entendessem, se não houvesse ninguém para lhes dizer o que fazer? Talvez o fizessem agora, porque estão habituados a ser obrigados, oprimidos, moldados e, como reação, fariam algo contrário a tudo isso. Mas suponham que desde a infância, desde o começo de sua frequência à escola, o professor conversasse com vocês e não lhes dissesse o que deveria fazer — como então reagiriam? Se, desde o começo de sua passagem pela escola, o professor assinalasse que ser livre é a primeira coisa importante, e não a última a ser tratada quando se está para morrer, o que aconteceria? 

O problema é que ser livre requer boa dose de inteligência; e como vocês ainda não sabem o que é ser livre — é função do professor ajudá-los a descobrir os processos da inteligência. É a inteligência que acarreta a liberdade em relação ao medo. Enquanto houver medo, vocês estarão sempre se impondo algum tipo de disciplina: devo fazer isto e não aquilo, devo crer, preciso conformar-me, preciso fazer puja, e assim por diante. Essa autodisciplina é toda nascida do medo, e onde há medo não há inteligência.

Por conseguinte, a educação, a rigor, não é apenas uma questão de ler livros, de passar nos exames e de obter um emprego. É um processo completamente distinto; ela se estende desde o momento em que se nasce até a morte. Vocês podem ler inúmeros livros e ser muito espertos, mas não creio que a mera esperteza seja sinal de educação. Se for simplesmente esperto, você perderá muito na vida. O importante é, primeiro, descobrir de que é que você tem medo, compreender isso e não fugir disso. Quando sua mente está realmente livre de todo tipo de exigências, quando já não é invejosa, cobiçosa, só então poderá descobrir o que é Deus. Deus não é o que o povo diz que ele é. É algo inteiramente diferente — algo que acontece quando você compreende, quando você não tem nenhum medo. 

Assim sendo, a religião é na realidade um processo de educação, não é verdade? A religião não é uma questão daquilo que se deve crer ou não crer, de cumprir rituais ou de apegar-se a algumas superstições; é um processo de auto-educação nos caminhos do entendimento, de modo que nossa vida fique extraordinariamente rica e não mais sejamos seres humanos amedrontados, medíocres. Só então poderemos criar um mundo novo.

Líderes políticos e religiosos dizem que a criação de um novo mundo está nas mãos dos jovens. Nunca ouviram isso? Centenas de vezes, provavelmente. Mas eles não os educam para serem livres; e é haver liberdade para criar um mundo novo. Os adultos os educam nos modelos das próprias ideias deles — e têm feito uma grande confusão. Eles dizem que são vocês, os da nova geração, que devem criar um mundo novo; mas ao mesmo tempo eles os enjaulam, não é verdade? Dizem-lhes que precisam ser indianos, parses, isto ou aquilo — e se vocês lhes seguirem as ideias irão obviamente criar um mundo exatamente igual ao atual. Um novo mundo só pode ser criado quando se cria a liberdade, não com medo, não com superstição, não com base no que certa pessoa disse que um mundo deveria ser.

Vocês, jovens, da nova geração, só poderão criar um mundo totalmente diferente se forem educados para serem livres e não forçados a fazer algo de que não gostem ou que não compreendam. Por isso, é muito importante, enquanto são jovens, serem verdadeiros revolucionários — o que significa não aceitar qualquer coisa, mas inquirir sobre todas as coisas a fim de descobrir a verdade. Só então poderão criar um mundo novo. Caso contrário, ainda que os chamem por um nome diferente, vocês estarão perpetuando o mesmo velho mundo de misérias e destruição que sempre existiu até agora.

Mas, geralmente, o que é que nos acontece quando somos jovens? As moças se casam, têm filhos, e aos poucos desaparecem. Os rapazes, quando crescem, têm de ganhar a vida, então arranjam empregos e lhes é exigido que se conformem, que sigam uma profissão, quer gostem quer não; tendo-se casado e tendo filhos, são arrastados pela vida afora por suas responsabilidades e devem, portanto, fazer aquilo que lhes dizem que façam. Nessas condições, o espírito de revolta, o espírito de inquirição, o espírito da busca interior chega a seu fim; todas as suas ideias revolucionárias de criar um mundo novo são esmagadas, porque a vida é demais para eles. Eles precisam ir para o escritório, têm lá um chefe para o qual precisam fazer isto ou aquilo e, aos poucos, o senso de inquirir, o sentimento de revolta, a ânsia de criar um modo de viver completamente diferente de tudo, é destruída por completo. Por isso, é muito importante ter esse espírito de revolta desde o princípio da vida.

Vejam, a religião, a coisa real, significa uma revolta para encontrar a Deus. ou seja, significa descobrirmos por nós mesmos o que é a verdade. Não é a mera aceitação dos chamados livros sagrados, por mais antigos e venerados que eles sejam.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Liberte-se da horrorosa teia das gerações mais velhas

Vocês sabem que eu venho falando sobre o medo; e é muito importante que tomemos consciência do medo. Você sabe como ele passa a existir?Por todo o mundo podemos ver que as pessoas são transtornadas pelo medo, têm as ideias, os sentimentos e as atividades torcidos pelo medo. Por isso, temos de examinar o problema do medo e de todos os ângulos possíveis, não só do ponto de vista moral e econômico da sociedade, mas também do ponto de vista de nossos conflitos psicológicos interiores. 

Como já disse, o medo pela segurança interior ou exterior desorienta nossa mente e deturpa o pensamento. Espero que vocês tenham refletido um pouco sobre isso, porque quanto maior a clareza com que o considerem e lhe percebem a verdade, tanto mais livres estarão de todo tipo de dependência. As pessoas mais velhas não criaram uma sociedade maravilhosa; os pais, os ministros, os professores, os governantes, os sacerdotes não criaram um mundo bonito. Pelo contrário, criaram um mundo brutal e assustador, em que todos estão sempre lutando contra alguém; em que um grupo está contra outro, uma classe contra outra, uma nação contra outra, uma ideologia ou conjunto de crenças contra outra. O mundo em que vocês estão crescendo é horrível, é infeliz; nele, as pessoas mais idosas procuram sufocá-los com suas ideias, com suas crenças, com sua fealdade; e se vocês se limitarem a seguir o padrão horroroso dos mais idosos, que criaram esta sociedade monstruosa, qual será o sentido de se deixarem educar, qual o sentido até mesmo de viver?

Se olharem em torno de vocês, vocês verão que por todo o mundo há espantosa destruição e miséria humana. Vocês podem ler sobre guerras na história, mas não têm a experiência real delas, de como as cidades são completamente destruídas, de como a bomba de hidrogênio, ao ser lançada numa ilha, faz a ilha toda desaparecer. Navios são bombardeados e vão pelos ares. Há uma terrível destruição de vido ao assim chamado progresso, e é num mundo assim que vocês estão crescendo. Vocês podem viver uma época feliz enquanto são jovens, uma fase divertida; mas quando ficarem mais velhos, a não ser que permaneçam bem alertas, observando seus próprios pensamentos e sentimentos, vocês perpetuarão este mundo de batalhas, de ambições desmedidas, mundo em que cada qual compete com o próximo, em que há miséria, fome, superpopulação e doenças. 

Por isso, enquanto vocês são jovens, não será acaso importantíssimo que sejam ajudados, pelo tipo certo de professor, a refletir sobre todas essas coisas, em lugar de serem apenas preparados para passar por alguns exames tediosos? A vida é sofrimento, morte, amor, ódio, crueldade, doença, inanição, e vocês precisam começar a considerar todas estas coisas. Aí está por que me parece bom que examinemos juntos esses problemas, para que a inteligência de vocês desperte e vocês passem a ter algum sentimento real sobre todas essas coisas. Então não crescerão apenas para se casar e tornar-se funcionários alienados ou máquinas de procriar, perdendo-se nesse horrível modelo de vida como água e areia?

Uma das causas do medo é a ambição, não é? E porventura não são todos vocês ambiciosos? Qual é a sua ambição? Passar em algum exame? Tornar-se governador? Ou, se forem muito jovens, talvez só desejem ser maquinistas de trem, para guiar trens por cima de pontes. Mas por que motivo vocês são ambiciosos? O que quer dizer isso? Já pensaram nisso? Já observaram como os mais idosos são ambiciosos? Em sua própria família, já não ouviram seu pai ou tio falar sobre obter um maior salário ou ocupar alguma posição proeminente? Em nossa sociedade, todo mundo está fazendo isso, tentando alcançar o topo. Todos querem ser alguém, não é verdade? O funcionário quer tornar-se gerente, o gerente quer ser algo maior, e assim por diante indefinidamente — é a contínua faina do vir-a-ser. Se sou professor, quero tornar-me diretor; se sou diretor, quero tornar-me secretário da educação. Se você é feio, deseja ficar bonito. Ou quer ter mais dinheiro, mais roupas, mais mobília, mais casas, mais propriedades — mais e mais e mais. Não só exteriormente, mas interiormente também, no chamado sentido espiritual, você quer se tornar alguém, embora cubra essa ambição com um dilúvio de palavras. Não perceberam isso? E vocês acham que tudo está perfeitamente certo, não é? Vocês acham que isso tudo é perfeitamente normal, justificável, certo.

Agora, o que tem feito a ambição no mundo? Pouquíssimos de nós têm sequer pensado nisso. Ao ver um homem lutando para ganhar, para adquirir, para passar à frente de alguém, já se perguntaram o que está no coração dele? Se vocês olharem para o próprio coração, quando vocês mesmos são ambiciosos, quando estão lutando para se tornarem alguém, em sentido espiritual ou terreno, vocês encontrarão ali o verme do medo. O homem ambicioso é o mais medroso dos homens, porque tem medo de ser o que é. Ele diz: "Se continuar sendo o que sou, não serei nada; portanto devo ser alguém, devo tornar-me magistrado, juiz, ministro." Se examinarem atentamente esse processo, se penetrarem a cortina das palavras e das ideias, se ultrapassarem as paredes do status e do sucesso, descobrirão que o que existe é medo; porque o homem ambicioso tem medo de ser o que é. Ele acha que aquilo que ele é, em si mesmo, é insignificante, pobre, feio; sente-se só, totalmente vazio, por isso diz: "Preciso realizar alguma coisa". Então, ou vai em busca do que chama Deus, que é apenas uma outra forma de ambição, ou procurar tornar-se alguém no mundo. Desse modo, sua solidão, sua sensação de vazio interior — que o amedronta verdadeiramente — é coberta. Ele foge disso, e a ambição torna-se o meio pelo qual pode escapar.

Então, o que está acontecendo no mundo? Todos estão lutando contra alguém. Um homem se sente inferior a outro e luta para alcançar o topo. Não há amor, não há consideração, não há pensamento profundo. Nossa sociedade é uma constante batalha de homens contra homens. Essa luta é fruto da ambição de vir a ser alguém, e as pessoas mais velhas o encorajam a ser ambiciosos. Eles querem que você se torne alguém, que se casem com um homem rico ou uma mulher rica, ou tenham amigos influentes. Sendo medrosos, feios em seus corações, eles procuram fazê-los semelhantes a eles; e vocês, de seu lado, querem ser iguais a eles, porque vêem o encanto disso tudo. Quando o governador aparece, todos se curvam para recebê-lo, dão-lhe grinaldas, fazem discursos. Ele gosta disso, e vocês também. Você se sentem honrados se lhe conhecem o tio ou o criado, e se deleitam ao sol da ambição dele, de suas realizações. Desse modo vocês são facilmente presos na teia horrorosa das gerações mais velhas, no padrão desta sociedade monstruosa. Só se estiverem muito alertas, mantendo-se constantemente vigilantes, só se não tiverem medo e não aceitarem tudo irrefletidamente, mas questionarem sempre as coisas — só, então, vocês escaparão de ser presos irão além e criarão um mundo diferente.

Eis porque é importante que vocês encontrem sua verdadeira vocação. Sabem o que quer dizer "vocação"? Algo que gostam de fazer, que lhes seja natural. Afinal de contas, é esta a função da educação — ajudá-los a se desenvolverem independentemente, de modo a ficarem livres da ambição e a poderem encontrar sua verdadeira vocação. O homem ambicioso nunca encontrou sua verdadeira vocação; se a tivesse encontrado não seria ambicioso.

Portanto, é responsabilidade dos professores e do diretor ajudá-los a ser inteligentes, livres do medo, para que possam encontrar a sua verdadeira vocação, o seu próprio modo de vida, o modo por que queiram realmente viver e ganhar a vida. Isto implica uma revolução no pensamento; porque, em nossa atual sociedade, acredita-se que o homem que sabe falar, o homem que sabe escrever, o que sabe governar, o que possui um grande carro está numa posição maravilhosa; e o homem que trabalha sem descanso no jardim, que cozinha, que ergue uma casa, esse é desprezado.

Você tem consciência de seus próprios sentimentos quando vê um pedreiro, quando vê um consertador de ruas, ou um motorista de táxi, ou alguém puxando uma carroça? Já observou como lhe tem um desprezo absoluto? Para você ele mal chega a existir. Você o desconsidera; mas quando alguém tem algum título, ou é um banqueiro, comerciante, guru, ou ministro, você imediatamente o respeita. Mas se você encontrar sua verdadeira vocação, ajudará a romper completamente este sistema podre; porque então, seja você jardineiro, pintor ou maquinista, estará fazendo algo que gosta de fazer com todo o seu ser; e isso não é ambição. Fazer algo maravilhosamente bem, fazê-lo completamente, verdadeiramente, de acordo com o que você pensa e sente profundamente — isso não é ambição e aí não há medo.

Ajudá-los a descobrir sua verdadeira vocação é muito difícil, porquanto significa que o professor tem de prestar muita atenção a cada aluno para descobrir do que o mesmo é capaz. Ele precisa ajudá-lo a não ter medo, mas a contestar, a questionar, a investigar. Você pode ser um escritor em potencial, ou poeta, ou pintor. Seja o que for, se você realmente gosta de fazê-lo, não será ambicioso; porque no amor não há ambição.

Por isso, não será importante, enquanto vocês são jovens, que os outros os ajudem a despertar sua própria inteligência e desse modo a encontrar a verdadeira vocação? Então vocês amarão o que fizerem, por toda a vida, o que quer dizer que não haverá ambição, nem competição, nem luta contra outros por causa de posições, por causa de prestígio; e então talvez sejam capaz de criar um novo mundo. Nesse mundo novo, todas as coisas horríveis das gerações mais velhas cessarão de existir — suas guerras, seus malfeitos, seus deuses desunidores, seus rituais que não significam absolutamente nada, seus governos soberanos, sua violência. Eis porque a responsabilidade dos professores, e dos estudantes, é muito grande.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A mente verdadeiramente religiosa é livre de todos os gurus

Enquanto somos bem jovens, a maioria de nós talvez não seja grandemente afetada pelos conflitos da vida, pelas preocupações, pelas alegrias passageiras, pelos desastres físicos, pelo medo da morte e as distorções mentais que pesam sobre a geração mais velha. Felizmente, enquanto somos jovens, a maioria de nós ainda não se encontra no campo da batalha da vida. Mas, à medida que envelhecemos, os problemas, as angústias, as dúvidas, as lutas econômicas e interiores, tudo isso começa a acumular-se em nós, e então desejamos encontrar o sentido da vida, queremos saber o que ela significa. Ficamos perplexos com os conflitos, com as dores, com a pobreza, com os desastres. Queremos saber porque algumas pessoas estão bem colocadas e outras não; porque um ser humano tem saúde, é inteligente, bem-dotado, capaz, ao passo que o outro não o é. E se somos pouco exigentes, ficamos logo presos a uma hipótese, a alguma teoria ou crença; encontramos uma resposta, mas não é nunca a verdadeira resposta. Verificamos que a vida é feia, dolorosa, triste, e começamos a inquirir; mas não tendo suficiente confiança própria, vigor, inteligência, inocência, para continuar inquirindo, somos logo colhidos nas malhas de alguma teoria ou crença, especulação ou doutrina que explique satisfatoriamente tudo isso. Aos poucos nossas crenças e dogmas se tornam profundamente enraizados e inabaláveis, porque por detrás deles está um constante medo do desconhecido. Nunca examinamos o medo; desviamo-nos dele e nos refugiamos nas crenças — a cristão, a budista, a hindu — verificamos que elas dividem as pessoas. Cada conjunto de dogmas e crenças possui uma série de rituais, uma série de compulsões que amarram a mente e separam um homem do outro. 

Então começamos a inquirir para tentar descobrir a verdade, o significado de toda essa miséria, dessa luta, dessa dor, e acabamos com um conjunto de crenças, rituais, teorias. Não temos a necessária confiança própria, nem vigor, nem inocência, para afastar a crença para um lado e inquirir; desse modo, a crença passa a atuar como um fator de deterioração em nossa vida. 

A crença é corruptora porque atrás dela e dos ideais de moralidade aninha-se o "eu", o ego — o ego que está cada vez maior e mais poderoso. Achamos que crer em Deus é religião. Consideramos que crer é ser religioso. Se vocês não creem, serão considerados ateus e condenados pela sociedade. Uma sociedade condena os que não creem em Deus, e outra condena os que nele creem. Ambas são uma só e a mesma coisa. 

Nessas condições, a religião se torna uma questão de crer, e o crer atua como uma limitação sobre a mente; então a mente nunca é livre. Mas é só em liberdade que vocês podem encontrar a verdade, Deus; não através de uma crença; porque a crença projeta o que vocês pensam que deveria ser Deus, o que vocês acreditam que deva  ser a verdade. Se vocês creem que Deus é amor, que Deus é bom, que Deus é isto ou aquilo, sua própria crença lhes impede de compreender o que seja Deus, o que seja a verdade. Mas o caso é que vocês desejam esquecer-se numa crença; querem sacrificar-se; desejam emular outrem, abandonar essa luta constante que prossegue dentro de vocês e buscar a virtude. 

Sua vida é uma luta constante em que há tristeza, sofrimento, ambição, prazeres transitórios, felicidade que vem e vai; então a mente quer algo grandioso em que se apegar, algo além de si mesma com que possa identificar-se. A isso ela chama Deus, verdade, e identifica-se com tal coisa através da crença, da convicção, da racionalização, de várias formas de disciplina e moralidade idealista. Mas essa coisa grandiosa, que cria especulação, ainda faz parte do "eu", é coisa projetada pela mente em seu desejo de escapar às tormentas da vida. 

Identificamo-nos com uma pátria — a Índia, a Inglaterra, a Alemanha, a Rússia, os Estados Unidos. Vocês pensam em si mesmos como sendo hindus. Por que? Por que se identificam com a Índia? Já examinaram isso, já foram além das palavras que lhes captaram a mente? Vivendo numa cidade ou num pequeno vilarejo, levando uma vida miserável com suas lutas e conflitos familiares, estando insatisfeitos, descontentes, infelizes, vocês se identificam com uma pátria, chamada Índia. Isto lhe dá uma sensação de grandeza, de importância, uma satisfação psicológica, então dizem: "Sou indiano"; e por isso estão dispostos a matar, a morrer ou aleijar-se. 

Da mesma forma, porque vocês são realmente insignificantes e estão em constante batalha consigo mesmos e com os outros, porque estão confusos, angustiados, incertos, porque sabem que há morte, vocês se identificam com algo mais além, algo vasto, importante, cheio de significado, a quem chamam de Deus. Essa identificação com aquilo a que chamam de Deus dá-lhes uma sensação de enorme importância, e vocês se sentem felizes. Portanto, a identificação de vocês com algo maior é um processo de auto-expansão; é, ainda, a luta do "eu", do ego. 

A religião, como geralmente a conhecemos, consiste numa série de crenças, dogmas, rituais, superstições; é a adoração de ídolos, de amuletos e de gurus, e achamos que tudo isso nos levará a alguma meta fundamental. A meta fundamental é a nossa própria projeção; é aquilo que desejamos, o que pensamos que nos tornará felizes, uma garantia de imortalidade. Presa a esse desejo de certeza, a mente cria uma religião de dogmas, de hierarquia clerical, de superstições e de adoração de ídolos; e aí ela se estagna. Será isso religião? Religião é uma questão de crença, uma questão de aceitação ou de tomada de conhecimento das experiências e afirmações de outras pessoas? É religião a mera prática da moralidade? É comparativamente fácil levar uma vida digna — fazer isto e não fazer aquilo. Vocês podem simplesmente imitar um sistema moral. Mas por trás dessa moralidade aninha-se o ego agressivo, crescendo, expandindo-se, dominando. Será isso religião? 

Vocês precisam descobrir o que é a verdade, porque isto é o que realmente importa — não o fato de vocês serem ricos ou pobres, se estão satisfatoriamente casados e têm filhos, pois todas essas coisas têm fim; e sempre há morte. Por isso, sem qualquer forma de crença, vocês precisam ter o vigor, a confiança própria, iniciativa de descobrir por si mesmos o que seja a verdade, o que é Deus. Crenças não libertarão suas mentes; a crença só corrompe, aprisiona, escurece. A mente só pode ser livre através de seu próprio vigor e confiança. 

Certamente, uma das funções da educação é criar indivíduos que não sejam prisioneiros de nenhuma força de crença, de nenhum modelo de moral ou de respeitabilidade. É o "eu" que meramente procura tornar-se moral, respeitável. O indivíduo verdadeiramente religioso é aquele que descobre, que diretamente experimenta o que é Deus, o que é a verdade. Essa experiência direta nunca é possível mediante qualquer forma de crença, ritual, seguimento ou adoração de outro. A mente verdadeiramente religiosa é livre de todos os gurus. Vocês, como indivíduos, à medida que crescem e vivem suas vidas, podem descobrir a verdade a cada momento, e portanto são capazes de ser livres. 

(...) O indivíduo precisa despertar a própria inteligência, não através de alguma forma de disciplina, resistência, compulsão, coerção, mas sim através da liberdade. É só pela inteligência nascida da liberdade que o indivíduo pode descobrir o que está por trás da mente. Essa imensidão — o inominável, o ilimitado, aquilo que não é mensurável por meio de palavras e em que há o amor que não procede da mente — precisa ser experimentado diretamente. A mente não pode concebê-lo; portanto, ela precisa estar muito quieta, extraordinariamente tranquila, sem nenhum exigência nem desejo. Só então será possível existir aquilo que pode ser chamado Deus ou de realidade. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O que é a nossa mente?

Sua mente é o resultado de numerosas influências, tanto coletivas como individuais, não é exato? Sua mente é produto da educação, da alimentação, do clima, de muitos séculos de tradição; ela é constituída de suas crenças, desejos, lembranças, das coisas que você leu, etc. Isso é a mente, não é, senhor? A mente consciente que funciona todo dia, e a mente que se acha num nível profundo, oculto — todas duas são resultado do passado. Até onde é possível enxergar, todo o território da mente é resultado do passado. Você pode acreditar ou não em Deus, pode pensar que existe um "eu superior" e um "eu inferior", etc.; mas tudo isso é resultado de sua educação, seu condicionamento, o que significa que sua mente é resultado do passado, não acha? E essa mente quer encontrar algo que seja novo. Diz ela: "Tenho de saber o que é Deus, o que é a Verdade". Não é isto que estamos fazendo? Eu digo que isso é impossível, é uma contradição. 

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A real função da educação

Quis penetrar num mundo completamente diferente, que transcendesse este mundo, -- que estivesse para além de toda a infelicidade e aflição. E esperava encontrar esse mundo transcendente através da busca. Devemos investigar este assunto de haver, ou não, uma Realidade -- não importa o nome que se lhe possa dar -- que seja uma dimensão inteiramente diferente. Para penetrarmos na sua profundidade, temos naturalmente de perceber que não chega só uma simples compreensão ao nível verbal -- porque a descrição nunca é o descrito, a palavra nunca é a coisa. Poderemos nós entrar no mistério -- se é que é um mistério isso a que o homem tem tentado chegar, invocando-o, agarrando-se a isso, adorando-o, devotando-se a ele?

Sendo a vida aquilo que é -- muito superficial, vazia, tortuosa, sem grande sentido -- tenta-se inventar um significado, dar-lhe um sentido. Se se tem uma certa habilidade mental, o significado e o sentido dessa invenção tornam-se bastante complicados. E ao não encontrarmos a beleza, o amor, ou o sentido da imensidade, isso pode tornar-nos cépticos, descrentes de tudo. É claro que é absurdo e ilusório, sem significado, inventar uma ideologia, uma fórmula, afirmar que há Deus ou que não há, quando a vida não tem qualquer significado -- o que é verdade, vivendo nós como vivemos. Assim, não vamos nós agora inventar-lhe um sentido.

Era bom que pudéssemos fazer esta pesquisa juntos e descobrirmos, por nós próprios, se há, ou não, uma Realidade que não seja uma mera invenção intelectual ou emocional, uma fuga. O ser humano, através da História, tem afirmado que há uma Realidade para a qual temos que nos preparar, pela qual temos de fazer certas coisas (disciplinarmo-nos, resistir a qualquer forma de tentação, autocontrolar-nos, controlar o sexo, ajustarmo-nos a determinado padrão estabelecido pela autoridade religiosa, pelos santos, etc.); ou devemos rejeitar o mundo, afastando-nos para um mosteiro ou para alguma gruta onde possamos meditar, isolando-nos, para estarmos sozinhos e não termos, assim, tentações.

Vê-se, naturalmente, o absurdo de uma tal luta, e que não temos possibilidade de fugir do mundo, daquilo que é, do sofrimento, da loucura, e de tudo o que o homem tem descoberto no campo científico.

Obviamente que temos de pôr de lado todas as teologias e crenças. Se assim procedermos, então deixa de haver qualquer forma de medo.

Sabendo que a moralidade social não é moral mas imoral, percebemos que temos de ser extraordinariamente morais porque, afinal, moralidade é apenas criar ordem, tanto dentro como fora de cada um de nós; mas esta moralidade deve estar na ação, não sendo uma moralidade meramente baseada em ideias ou conceitos, mas termos uma conduta verdadeiramente moral.

Será possível disciplinarmo-nos sem repressão, sem controle, sem fugas? A raiz da palavra "disciplina" é "aprender", e não conformarmo-nos nem tornarmo-nos discípulos de alguém; não é imitar ou reprimir, mas aprender. O próprio ato de aprender exige disciplina -- uma disciplina que não é imposta nem é acomodação a qualquer ideologia, nem é a dura austeridade do monge. Contudo, sem uma profunda austeridade, a nossa conduta na vida diária apenas leva à desordem.

Podemos ver como é essencial ter completa ordem dentro de nós, tal como a ordem matemática, que não é relativa, que não é comparativa, nem resulta da influência do meio.

Tem de se estabelecer uma conduta correta, para que a mente esteja em completa ordem. Uma mente torturada, frustrada, moldada pelo que a rodeia, que se conforma à moral social estabelecida é, em si própria, confusa; e uma mente confusa não pode descobrir o que é a Verdade. Para a mente descobrir esse estranho mistério -- se tal coisa existe - - ela precisa de construir as bases de uma conduta moral, o que não tem nada a ver com a moralidade social, uma conduta sem medos e, portanto, livre. Só então -- depois de lançada esta base profunda -- a mente poderá prosseguir no sentido de descobrir o que é meditação, essa qualidade de silêncio, de observação, no qual o "observador" não existe. Se esta base de conduta correta não está presente na existência de cada um, na sua ação, então a meditação tem muito pouco significado.

No Oriente há muitas escolas, muitos sistemas e métodos de meditação - - incluindo o Zen e o Yoga -- e que foram trazidos para o Ocidente. Temos de compreender muito claramente esta idéa de que através de um método, de um sistema, ou do ajustamento a certo padrão ou tradição, a mente é capaz de descobrir essa Realidade. Podemos ver como isso é absurdo, seja importado do Oriente ou inventado aqui no Ocidente. Método implica conformismo, repetição; sugere que alguém alcançou uma certa "iluminação", que manda: "Faz isto, não faças aquilo". E nós, que estamos ansiosos por atingir essa Realidade, seguimos, conformamo-nos, obedecemos, praticamos aquilo que nos disseram, dia após dia, como se fôssemos máquinas. Uma mente embotada e insensível, que não é muito inteligente, é capaz de praticar um método tempo sem fim; vai-se tornando cada vez mais insensível, estupidificada. Terá a sua própria "experiência" dentro dos limites do seu próprio condicionamento.

Alguns de vós talvez tenham estado no Oriente e alí estudado meditação. Existe toda uma tradição por detrás disso. Na Índia, e por todo a Ásia, essa tradição "explodiu" nos tempos mais antigos. Ainda hoje, ela prende a atenção. Livros sem fim têm sido escritos sobre ela. Mas qualquer forma de tradição -- trazida do passado --, que é utilizada para se saber se existe uma Grande Realidade, é obviamente um esforço perdido. A mente tem de estar liberta de toda a espécie de tradição e preceitos espirituais; caso contrário, ficamos completamente privados de verdadeira inteligência.

Então, o que é meditação, se ela não é uma meditação tradicional? -- e ela não pode ser tradicional, ninguém no-la pode ensinar; não podemos seguir um determinado caminho e dizer: "Ao longo deste caminho, ficarei a saber o que é meditação". Todo o sentido da meditação reside na mente que se torna completamente quieta; quieta, não apenas no nível consciente, mas também nos níveis mais profundos, secretos e escondidos da consciência; tão completamente quieta que o pensamento fica silencioso e não anda a vaguear por todo o lado. Um dos ensinamentos da tradição relativa à meditação, a abordagem tradicional de que estamos a falar, diz que o pensamento deve ser controlado; mas isso tem que ser totalmente posto de lado, observando tudo isso de muito perto, objectivamente e de modo não emocional. A tradição diz que temos de ter um guru, um instrutor, para nos ajudar a meditar, que nos diga o que temos de fazer. O Ocidente tem a sua própria forma de tradição, -- prece, contemplação e confissão. Mas em todo o princípio de que alguém sabe e nós não sabemos, e que esse que sabe nos vai ensinar, nos vai dar a iluminação, nisso está implícita a autoridade, o mestre, o guru, o salvador, o Filho de Deus, etc..

Eles sabem, e nós não; dizem: "Segue este método, este sistema, pratica-o todos os dias, e eventualmente chegarás "lá" -- se tivermos sorte. Isto quer dizer, que estamos em luta conosco próprios durante todo o dia, tentando conformarmo-nos a um padrão, a um sistema, tentando reprimir os nossos desejos, apetites, invejas, ciúmes, ambições. E assim surge o conflito entre aquilo que somos e o que "deveríamos ser" de acordo com o sistema; isto significa que há esforço; e a mente que está fazendo esforços nunca poderá estar quieta; através do esforço a mente nunca pode tornar-se completamente tranquila.

A tradição também diz que devemos concentrar-nos, para controlarmos o pensamento. Concentrar-se é meramente resistir, é construir um muro à volta de si mesmo, para proteger uma focagem sobre uma ideia, um princípio, uma imagem, ou o que quer que seja, excluindo tudo o mais.

A tradição afirma que temos de passar por isso, para encontrarmos aquilo que desejamos. Ela também diz que não se deve ter relações sexuais, que não devemos olhar para este mundo, tal como todos os santos, mais ou menos neuróticos, sempre aconselharam. E quando compreendemos (não meramente ao nível verbal e intelectual, mas de fato) o que está envolvido em tudo isso -- e só podemos compreendê-lo se não estivermos apegados a isso, e pudermos olhá-lo objetivamente -- então, abandonamo-lo completamente. E precisamos de fazê-lo porque, então, a mente, no próprio ato de abandonar, se torna livre e, portanto, inteligente, atenta, não susceptível de se deixar prender em ilusões.

Para meditar, no sentido mais profundo da palavra, temos de ser íntegros, morais. Não se trata da moralidade de um padrão, de uma prática, ou da ordem social, mas sim da moralidade que brota naturalmente, inevitavelmente, suavemente, quando começamos a compreender-nos a nós próprios, quando estamos atentos aos nossos pensamentos e sentimentos, às nossas atividades, desejos, ambições, etc. -- atentos sem qualquer escolha, observando apenas.

Dessa observação nasce a ação recta, que não tem nada a ver com conformismo ou com uma ação de acordo com um ideal. Então, quando isso existe profundamente em nós, com a sua beleza e austeridade na qual não há nenhuma rigidez -- rigidez só existe quando há esforço -- quando tivermos observado todos os sistemas, todos os métodos, todas as promessas e olhado para eles objectivamente, sem gostar ou não-gostar, então podemos recusar tudo isso completamente, para que a mente fique liberta do passado; então podemos prosseguir na descoberta do que é meditação.

Se não tivermos construído, de fato, os alicerces, podemos entreter-nos com a meditação, mas isso não tem qualquer significado -- é como aquelas pessoas que vão para o Oriente à procura de um instrutor que lhes diga como devem sentar-se, como respirar, o que fazer, etc., e que regressam e escrevem um livro, o que é tudo uma pura insensatez.

Cada um tem de ser mestre e discípulo de si próprio -- não há nenhuma autoridade, há apenas compreensão. A compreensão só é possível quando há observação sem um centro, o observador. Já alguma vez observastes, olhastes bem, procurando descobrir o que é compreender? Compreender não é um processo intelectual, não é uma intuição ou um sentir. Só se pode dizer "compreendo muito claramente" quando há uma observação nascida
de um silêncio total -- só então há verdadeira compreensão. Quando afirmamos: "Compreendo isto ou aquilo", queremos dizer que a mente escuta, em silêncio, sem concordar ou discordar; nesse estado escuta-se de uma forma completa -- e só então há compreensão, e essa compreensão é ação interior. Não há compreender primeiro e só depois ação; é algo simultâneo, é um só movimento. Assim, meditação -- esta palavra está pesadamente carregada de tradição -- é levar, sem esforço, sem qualquer forma de compulsão, a mente, incluindo o cérebro, à sua mais alta capacidade, que é inteligência, que é ser extremamente sensível. O cérebro fica silencioso; esse repositório do passado, que evoluiu durante milhares de anos e que está incessantemente ativo -- esse cérebro fica tranquilo.

Será mesmo possível para o cérebro, que está continuamente em reação, respondendo ao mais pequeno estímulo, de acordo com o seu condicionamento, ficar tranquilo? Os tradicionalistas dizem que ele pode ser aquietado, através de uma respiração adequada e praticando "vigilância". Mas, de novo, isto levanta a questão: "Quem é a entidade que controla, que pratica, que molda o cérebro?" Não será o pensamento, que diz, "Eu sou o observador e vou controlar o cérebro, parar o pensamento"? O pensamento cria o pensador.

Será possível o cérebro estar completamente quieto? Faz parte da meditação descobrir isso, em vez de sermos ensinados; ninguém nos pode dizer como fazê-lo. O nosso cérebro -- que está tão pesadamente condicionado pela cultura, por toda a espécie de experiências, que é resultado de uma longa evolução -- poderá ele estar tranquilo? -- porque sem isso, seja o que for que ele veja ou experiencie será distorcido, será traduzido de acordo com o seu condicionamento.

Que parte tem o sono na meditação, na vida? É uma questão muito interessante; se investigarmos nós próprios, faremos grandes descobertas. Como dissemos no outro dia, os sonhos são desnecessários. A mente, o cérebro, precisam de estar completamente despertos durante o dia -- atentos ao que se está a passar tanto dentro como fora de nós, sensíveis às reacções interiores, ao que se passa no exterior, com as suas tensões que provocam reacções, atentos aos sinais do inconsciente -- e, no fim do dia, o cérebro precisa de considerar tudo isso. Se assim fizermos quando estivermos a dormir, estaremos a aprender numa dimensão totalmente diferente; e isso faz parte da meditação.Se assim não procedermos no fim do dia, o cérebro terá de trabalhar durante a noite, quando estivermos a dormir, para trazer ordem a si próprio -- o que é óbvio.

Há a construção das bases da conduta, cuja acção é amor. Há o abandonar de todas as tradições, para que a mente fique inteiramente livre e o cérebro completamente quieto. Se fizermos isso, veremos que o cérebro é capaz de aquietar-se, não através de qualquer truque ou droga, mas sim por meio dessa ativa e também passiva atenção que tivermos durante o dia. E se, no fim do dia, examinarmos cuidadosamente o que aconteceu e assim criarmos ordem, então, durante o sono, o cérebro está em silêncio, aprendendo, com um movimento diferente.

Assim, todo o corpo, o cérebro, a mente estão calmos, sem qualquer forma de distorção. E se há, de fato, uma Realidade, só então a mente é capaz de a receber. Essa Imensidade, esse Inominável, esse Transcendente -- se é que existe -- não pode ser convidado. E só uma mente assim poderá ver a falsidade ou a verdade dessa Realidade.

Podemos perguntar: "Que tem tudo isto a ver com a nossa vida? Tenho de viver todos os dias, ir para o escritório, lavar pratos, viajar num autocarro barulhento e a abarrotar de pessoas -- o que tem a meditação a ver com tudo isto?" Mas, meditação e´, afinal, compreender a vida, a vida de todos os dias, com toda a sua complexidade, aflição, sofrimento, solidão, desespero, medo, inveja, vontade de se ser famoso, de ter sucesso -- compreender tudo isto é meditação.

Sem essa compreensão, a mera tentativa de um encontro com o mistério é totalmente infrutífero, sem valor. É como uma vida e uma mente em desordem, a tentar chegar à ordem matemática. A meditação tem tudo a ver com a vida; não é um mergulho num qualquer estado emocional e "extático". Há um êxtase que não é prazer e que acontece apenas quando em nós próprios há essa ordem matemática, que é total. A meditação é uma maneira de viver, todos os dias -- só então aquilo que é imperecível, que não tem tempo, poderá surgir.

Interlocutor: Quem é esse observador que está consciente das suas próprias reacções? Que energia é usada?

Krishnamurti: Será que já olhámos para alguma coisa sem reacção? Será que já olhámos uma árvore, um rosto de mulher, uma montanha, uma nuvem, ou a luz sobre a água, só observando, sem traduzir isso em "gosto" ou "não gosto", em prazer ou dor -- observando apenas?

Numa tal observação, quando se está mesmo atento, há algum observador? Fazei isso, não me pergunteis -- se o fizerdes, descobrireis. Observai as reações, sem as julgar, sem as avaliar ou distorcer, estando completamente atentos a todas as reações. Nessa atenção, vereis que não há nenhum observador, nem pensador, nem experienciador.

Agora a segunda questão: para mudarmos alguma coisa em nós, para provocarmos uma transformação, uma revolução na psique, que energia é precisa? Como se tem essa energia? Habitualmente, temos energia mas em tensão, em contradição, em conflito; há energia no confronto entre dois desejos, entre o que tenho de fazer e o que "deveria" fazer -- tudo isto consome muita energia. Mas se não houver contradição de qualquer espécie, então teremos energia em abundância.

Olhemos a nossa própria vida, olhemos, de fato, para ela: ela é contraditória; queremos ser pacíficos, mas odiamos alguém; queremos amar, mas somos ambiciosos. Esta contradição cria conflito, luta; esta luta é um desperdício de energia. Se não há qualquer contradição, temos imensa energia para nos transformarmos.

Perguntamos: "Será possível não haver contradição entre "observador" e "observado", entre o "experienciador" e a "experiência", entre amor e ódio? Será possível viver sem estas dualidades?" É possível quando há apenas o fato, e nada mais -- o fato de que se odeia, de que se é violento, e não o seu oposto, como ideia. Quando temos medo, desenvolvemos o oposto, a coragem, que é resistência, contradição, esforço e tensão. Mas quando percebemos completamente o que é o medo e não fugimos para o oposto, quando damos a nossa completa atenção ao medo, então não há apenas a sua cessação, psicologicamente, mas também temos a energia que é precisa para o enfrentar.

Os tradicionalistas dizem: "Devemos ter esta energia, portanto, não tenhamos atividade sexual, não sejamos mundanos, concentremo-nos, pensemos em Deus, fujamos do mundo, não nos deixemos tentar" -- tudo para se ter esta energia. Mas cada um de nós continua a ser uma criatura humana, com apetites, ardendo com desejos sexuais, tendo necessidades biológicas, querendo passar por isso, controlando, forçando, e tudo o mais -- portanto, dissipando energia. Mas se convivermos com o fato e nada mais; se somos coléricos, compreendamos isso e não pensemos em "como não sermos coléricos", investiguemos o fato, estejamos com ele, convivamos com ele, dando-lhe total atenção -- veremos, então, que temos energia em grande quantidade. É esta energia que mantém a mente lúcida e o coração aberto, havendo, assim, abundância de amor -- em vez de ideias ou de sentimentalismo.

Interlocutor.: O que quer dizer com êxtase, pode descrevê-lo? Disse que êxtase não é prazer; amor não é prazer?

Krishnamurti.: Que é êxtase? Quando olhamos uma nuvem, a luz que a ilumina, há beleza. Beleza é paixão. Para se reparar na beleza de uma nuvem ou na beleza da luz numa árvore, tem de haver paixão, intensidade. Nesta intensidade, nesta paixão, não há qualquer sentimento de gostar ou não gostar. O êxtase não é pessoal; não é teu nem meu, assim como o amor. Quando há prazer, ou é teu ou é meu. A mente meditativa tem o seu próprio êxtase -- que não pode ser descrito, nem ser posto em palavras.

Interlocutor.: Está a dizer que não há bom nem mau, que todas as reações são boas -- é isso?

Krishnamurti.: Eu não disse isso. Disse: "Observemos as nossas reações, não lhes chamemos boas ou más". Quando dizemos que são boas ou más, estamos a criar contradição. Cada um de vós já alguma vez olhou realmente a sua mulher -- desculpai a minha insistência -- sem a imagem que dela tem, a imagem que foi construindo durante trinta ou mais anos? Cada um tem uma imagem um do outro; são estas imagens que estão em relação, e não as pessoas. Estas imagens formam-se quando não se está atento ao relacionamento -- é a desatenção que cria imagens. Poderá cada um de vós olhar a sua mulher sem condenar, sem julgar, sem dizer que ela está certa ou errada, somente observar, sem a intromissão de preconceitos? Então, vereis que há uma ação de natureza completamente diferente, que nasce dessa observação.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill