A falácia do que temos
por educação
PERGUNTA: Para
ajudar os meus três filhos, basta-me observar a mim mesmo? E como hei de dar-lhes
instrução?
KRISHNAMURTI: A vida, o viver de cada dia, não é um
processo de educar os nossos filhos e a nós mesmos, também? Senhores, esta
pergunta, com sua resposta, não interessa apenas a mestres e discípulos;
interessa-vos a todos, porque sois pais.
Ora, será educação mera transmissão de conhecimentos?
Consiste, simplesmente, em ensinar as crianças a ler, a somar, a ter
possibilidades de arranjar emprego? Pois é nisso que estamos interessados, não
é verdade? E qual é o resultado? O jovem ou vai acabar no exército, para ser
destruído, ou destrói a si mesmo num emprego. Que significa, pois, educar-nos a
nós mesmos e a nossos filhos? Significa levarmos anos e anos aprendendo uma
técnica, para depois nos convertermos em carne para canhão ou numa máquina da
estrutura social? (Tende a bondade de prestar atenção a isso; estou-vos pedindo
que descubrais por vós mesmo). — Significa rodear-nos de uma porção de
aparelhos, de coisas, de crenças, a fim de nos protegermos e não termos medo?
Significa cobrir a mente com uma simples capa de ilustração? Pois é isso que
chamamos educação, não é verdade? Fazemos enormes despesas com a educação de um
rapaz e, depois, ele vai acabar numa guerra na Coréia, na Alemanha, ou na
Rússia. Estamos eternamente deflagrando guerras e destruindo-nos uns aos
outros, dos tempos mais remotos aos dias de hoje. A educação, portanto, tal
como a conhecemos, falhou, sem dúvida nenhuma; já não tem significação alguma.
Mas se, para um homem que pensa inteligentemente, a educação não é nada disso,
nesse caso, que se entende por educação? Significa ela uma perspectiva
“integrada” da vida, que produzirá entes humanos integrados? É óbvio, porém,
que ninguém pode ser um ente humano integrado, se é americano, ou russo, ou hinduísta;
isso são meras etiquetas sem muita significação. Um ente humano integrado é aquele
que já não está na sujeição do temor, não moldado pela sociedade, de acordo com
determinado padrão de pensamento, seja católico, seja comunista ou outro
qualquer. Cada seita, cada grupo nacional ou religioso quer educar os seus jovens
de acordo com certa fórmula; e isso é educação? Resultarão daí
entes humanos “integrados”? Para educar os nossos filhos, não devemos começar
por libertar-nos do temor, de todas as limitações do pensamento, tais sejam as
do cristão, do comunista, ou do idealista?
Certamente, para podermos educar-nos e a outros,
precisamos prestar atenção a nós mesmos, aos nossos pensamentos, nossos móveis,
nosso orgulho, nossos temores; devemos prestar atenção às palavras que empregamos,
e à reação psicológica da mente a palavras como “americano”, “russo”, “alemão”.
Para podermos educar a outros, precisamos começar por educar a nós mesmos; e
não é essa a função correta da educação? Há verdadeira educação quando o
educador está sendo educado ao mesmo tempo que os jovens; e isso implica que
deve haver liberdade tanto para a criança como para nós mesmos. A liberdade não
se encontra na conclusão de um longo curso de disciplina e coerção. Não há
liberdade no fim da compulsão. Se dominais a criança, se a obrigais a
ajustar-se a um padrão, por mais idealista que seja esse padrão, será livre a
criança depois disso? Se desejamos realizar uma verdadeira revolução na
educação, é obviamente necessário haver liberdade exatamente no começo, o que
significa que tanto o pai como o mestre devem estar interessados na liberdade,
e não em como ajudar a criança a tornar-se isso ou aquilo.
A educação correta subentende também que se esteja
livre do espírito de competição, não é verdade? Damos notas, comparamos os
jovens, e estimulamos a competição, porque, quando prevalece o espírito de
competição, é muito mais fácil disciplinar a criança e, pelo temor, obrigá-la a
submeter-se, a estudar mais. Se desejamos, porém, inaugurar a educação correta,
estamos interessados em libertar a mente, para que possa considerar a vida com
uma visão “integrada”, enfrentar todas as suas complicações, ao surgirem,
momento por momento. Isso, por certo, é muito mais importante do que o árduo
trabalho de aprender. O saber dos livros pode entrar ou não no programa, mas o
que principalmente nos interessa é produzir um novo ente humano, não mais
coagido, não mais competidor, não mais desejoso de bom êxito; um ente que
compreende o que é e, por conseguinte, se está libertando do que é.
Entretanto, isso requer extraordinária paciência, uma compreensão
“integrada”, que só pode vir com o autoconhecimento; e esta é a razão
por que é tão importante que tanto o educador como o educando, o que ensina e o
que é ensinado, estejam plenamente apercebidos do mecanismo da mente e do seu
próprio ser.
Creio, devia custar uns vinte e cinco centavos para
se matar um soldado romano, ou para um soldado romano matar outro soldado
qualquer; hoje, para matar-se um soldado, o custo é de cerca de cem mil dólares.
Continuamos a desenvolver a pura técnica, as atividades da memória, do sagaz
intelecto, e não há revolta contra tudo isso. E quando nos revoltamos,
tornamo-nos pacifistas, idealistas, ou adotamos outro rótulo qualquer.
Revolução fundamental só é possível, quando há uma perspectiva “integrada” da
vida, quando cada indivíduo é um ser total; e essa totalidade, essa integração
do indivíduo, não pode existir enquanto há temor, competição, ambição, o
constante impulso de nos preenchermos em alguma atividade — pois tudo isso
implica: “eu” contra o todo. O mundo nos pertence, as riquezas da terra são
vossas e minhas. Ninguém pode ser próspero enquanto outros morrem de fome. Mas,
para se perceber tudo isso requer-se uma perspectiva “integrada”, e não
podemos ter tal perspectiva enquanto permanecerdes americano ou hindu. Somos
entes humanos, e não podemos compartilhar os bens da terra, se vós competis
comigo e eu convosco. Enquanto vós e eu tivermos a ambição de realizar, de
vir-a-ser, viveremos necessariamente num conflito constante um com o outro. Se
perceberdes tudo isso, não apenas verbalmente, mas interiormente,
profundamente, garanto-vos que vos revoltareis; e, então, talvez, possamos
criar uma nova civilização, um mundo novo.
Krishnamurti em,
Percepção Criadora,
5 de julho de 1953