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quinta-feira, 12 de abril de 2018

O problema supremo de nossa existência


O problema supremo de nossa existência

Para se compreender o que vamos considerar nesta tarde e nas subsequentes, necessita-se de uma mente esclarecida, mente capaz de percebimento direto. A compreensão não é nada de misterioso; porém requer, penso eu, que a mente seja capaz de olhar as coisas diretamente, sem preconceitos, sem tendências pessoais, sem opiniões. Infelizmente, quase todos nós estamos tão profundamente condicionados que nos parece dificílimo compreender diretamente, perceber imediatamente o verdadeiro. Desejo falar a respeito de algo que não é fácil de explicar. Mas somos obrigados a empregar palavras, e as palavras acarretam dificuldade, uma vez que podem ser torcidas de diferentes maneiras; e, também, a palavra não é a coisa. A palavra não é a coisa em si, porém, apenas, um meio. Ela é, ou deveria ser, como uma porta aberta, pela qual temos de olhar. Mas, se nos restringimos às palavras, não é possível irmos mais longe, principalmente em assuntos não técnicos. É relativamente fácil explicar uma determinada técnica, empregando-se o correspondente vocabulário técnico; mas aqui necessita-se de uma mente que esteja livre para ver as coisas como são, mente capaz de examinar tudo sem lhe dar o colorido de seu próprio condicionamento.

O que desejo dizer nesta tarde alude à revolução interior, à destruição da estrutura psicológica da sociedade, a qual somos nós mesmos. A sociedade, com suas ambições, sua inveja, sua ânsia de sucesso, não é uma mera exterioridade. A sociedade é muito mais intima, pois está radicada profundamente em cada um de nós. Essa estrutura psicológica e social nos aprisiona, molda-nos a mente, os pensamentos, os sentimentos, e se em nós não a destruirmos completamente, não poderemos ser livres para descobrir o que é verdadeiro. Mas a destruição dessa estrutura psicológica da sociedade — que somos nós mesmos — não se realiza por meio de esforço; e isso se nos afigura uma das coisas mais difíceis de compreender.

Não estou dando à palavra “compreender” nenhum sentido místico ou misterioso. Deveis saber que quando escutamos uma coisa tranquilamente, sem tensão, e lhe aplicamos nossa mente de maneira total, a compreendemos fácil e rapidamente. Mas, tão acostumados estais ao esforço, que, quando vos falo em viver sem esforço, achais muito difícil compreendê-lo.

A estrutura psicológica da sociedade é o que nós somos, o que pensamos, o que sentimos — a inveja, a ambição, a perene luta da contradição, consciente e inconsciente — e nessa estrutura nos vemos aprisionados. Para nos libertarmos dela, pensamos ser necessário fazer-se um grande esforço. Mas o esforço sempre implica conflito, contradição, não é verdade? Quando não há contradição, não há esforço: viveis. Mas existe a contradição criada pela estrutura da sociedade em que vivemos; existe um conflito, uma batalha que se trava, a todas as horas, consciente ou inconscientemente, dentro de cada um de nós; e acho que, enquanto toda essa estrutura psicológica não for perfeitamente compreendida e rompida, nenhuma possibilidade teremos de viver uma vida plena ou de compreender o que se acha além da mente.

Vede, o mundo se está tornando cada vez mais superficial. Observa-se crescente prosperidade em todo o mundo. Há interesse por parte do Estado no bem-estar social e notável progresso se está realizando em muitas direções; mas, interiormente, permanecemos mais ou menos estáticos, cultivando os mesmos e velhos padrões, as mesmas crenças. Podemos alterar ocasionalmente os nossos dogmas, acomodando-os às circunstâncias, mas estamos vivendo superficialmente as nossas vidas. Estamos sempre a arranhar a superfície, sem nunca descermos abaixo dela. E, por mais sagazes que perfuntoriamente sejamos, por mais conhecimentos e informações que tenhamos a respeito de tantas coisas, enquanto não alterarmos completamente, profundamente, toda a estrutura psicológica de nosso ser, não vejo como poderemos ser livres e, por conseguinte, criadores.

Assim, desejo considerar junto convosco, nesta tarde, como poderemos realizar uma revolução, uma revolução psicológica, sem esforço. Estou empregando a palavra “esforço” no sentido de lutar, tentar alcançar ou vir a ser algo; emprego-a em referência à mente que, vendo-se envolvida em contradição, luta para superar, disciplinar, adaptar, ajustar, produzir uma modificação em si própria, — estou empregando a palavra “esforço” em relação a tudo isso.

Ora, é possível efetuar uma revolução total sem esforço, não apenas na mente consciente, mas também nas camadas profundas, no inconsciente? Porque, quando forcejamos para promover em nós mesmos uma revolução psicológica, isso denota pressão, influência, motivo, direção, sendo tudo resultado de nosso condicionamento.

Ora, pode-se ouvir de diferentes maneiras. Podemos ouvir, procurando interpretar o que outro está dizendo, ou comparando esses dizeres com o que já sabemos. Podeis ouvir com todas as reações de vossa memória ativa. Mas só há uma única maneira de escutar realmente, que é escutar sem a “tagarelice” de nosso próprio pensamento.

Não sei se já experimentastes escutar simplesmente uma coisa, agradável ou desagradável, sem “projetardes” o vosso próprio mecanismo de pensar. Isso é difícil, uma verdadeira arte, porquanto estamos sempre comparando, julgando, avaliando, condenando; nunca escutamos simplesmente. Nunca vemos realmente uma coisa, porquanto dizemos logo que ela é bela ou feia, isto ou aquilo. Assim, talvez possais, nesta tarde, apenas escutar, sem concordar nem discordar do que se diz, sem “projetar” vossas próprias ideias ou interpretações — mas sem que com isso estejais sendo hipnotizados. Pelo contrário, o escutar exige atenção completa. Mas atenção não é concentração. Concentrar-se é enfocar, excluir, e essa exclusão cria uma barreira ao escutar. Não estou dizendo nada de extraordinário. Podeis experimentar e verificar isso diretamente e com muita rapidez. Ao escutardes com naturalidade e calma, sem exclusão, estais escutando tudo, não só as palavras, e também vos mantendes apercebidos de vossas próprias e interiores reações. As palavras são então o meio de abrir a porta através da qual podeis olhar-vos.

Assim, se durante estas palestras puderdes escutar dessa maneira, penso que então o próprio ato de escutar produzirá uma revolução profunda, fundamental; porque, nesse estado de atenção completa, já vos tereis libertado de vosso condicionamento.

Nosso condicionamento, consciente e inconsciente, é muito profundo e poderoso, não é verdade? Somos cristãos, hinduístas, ingleses, franceses, alemães, indianos, russos; pertencemos a esta ou aquela igreja, com todos os seus dogmas, a esta ou aquela raça, com toda a sua carga histórica. Superficialmente nossa mente é educada. A mente consciente é educada de acordo com a cultura em que vivemos, e desta talvez seja possível nos desembaraçarmos com relativa facilidade. Não é muito difícil deixarmos de ser inglês, indiano, russo ou o que por acaso sejamos, ou abandonar determinada igreja ou religião. Mas bem mais difícil é “descondicionar” o inconsciente, que desempenha um papel muito mais importante em nossa vida do que a mente consciente. A educação da mente consciente é útil e necessária para termos um meio de ganhar o sustento ou desempenharmos uma dada função — e é isso o que principalmente interessa aos nossos educadores. Somos educados para fazer certas coisas, funcionar mais ou menos mecanicamente, de uma certa maneira. Essa a nossa educação superficial. Porém, interiormente, inconscientemente, profundamente, somos o resultado de milhares de anos de esforço humano; a soma total das lutas, esperanças e desesperos do homem, de sua eterna busca de algo transcendente, e esse acumular de experiência prossegue ainda dentro em nós mesmos. Estar apercebido desse condicionamento, e dele libertar-se exige grande dose de atenção.

Isso não é questão de análise, porquanto não se pode analisar o inconsciente. Há especialistas, bem sei, que tentam fazê-lo, mas não o creio possível. O inconsciente não pode ser examinado pelo consciente. Já vos digo porquê. Através de sonhos, sugestões, de símbolos, de mensagens diversas, tenta o inconsciente comunicar-se com a mente consciente. Essas sugestões e mensagens requerem interpretação, e a mente consciente as interpreta conforme seu próprio condicionamento, suas idiossincrasias. Nessas condições, não há completo contato entre as duas, nem perfeita compreensão do inconsciente. Ele é algo que em sua inteireza não conhecemos bem. Entretanto, se não compreendermos e nos libertarmos do inconsciente, com sua carga “histórica” — a longa história do passado — haverá sempre contradição, conflito, uma furiosa batalha interior.

Assim, como disse, a análise não é o meio de compreender o inconsciente. A análise implica um observador, um analista separado da coisa analisada. Há uma divisão; e onde há divisão, aí não existe compreensão. Ora, esta é uma de nossas dificuldades, talvez a principal dificuldade: o ficar livre de todo o conteúdo do inconsciente. É possível tal coisa? Não sei se já tentastes analisar a vós mesmos — analisar o que pensais, o que sentis, e também os motivos, as intenções que dão origem a vossos pensamentos e sentimentos. Se já o fizestes, estou certo de que descobristes que a análise não pode penetrar bem profundamente. Depois de atingir uma certa profundidade, se detém. Para se penetrar profundamente, é necessário pôr fim a esse processo que é “o analista analisando continuamente”, e, em troca, começar a ouvir, a ver, a observar cada pensamento, sem dizer “Isto é correto e aquilo é errado” — sem condenação ou justificação. Quando se observa dessa maneira, descobre-se que não há contradição e, por conseguinte, nenhum esforço; consequentemente, há compreensão imediata.

Mas, para nos investigarmos com profundeza devemos, obviamente, estar livres da ambição, da competição, da inveja, da avidez. E isso é difícil de conseguir, porquanto a inveja, a cupidez e a ambição são a própria substância da estrutura psicológico-social de que fazemos parte. Vivendo, como vivemos, num mundo feito de cobiça, desejos imoderados, competição, torna-se um problema real o livrarmo-nos inteiramente dessas coisas, sem ao mesmo tempo sermos destruídos pelo mundo.

Se nos pomos a observar, percebemos com que rapidez a ciência e a tecnologia progridem em toda parte. Em breve o homem será capaz de voar até a Lua. Os computadores estão assumindo várias funções do homem, e os próprios homens se estão tornando cada vez mais semelhantes a máquinas, cada vez mais automáticos. Muitos de nós vamos para o emprego, dia após dia, e nos sentimos totalmente entediados do trabalho que desempenhamos e, por conseguinte, procuramos uma maneira de fugir a esse tédio. E a religião oferece uma fuga maravilhosa; ou, também, recorremos a várias formas de excitação dos sentidos, a drogas a fim de sentirmos mais, de vermos mais. Isso está acontecendo em todo o mundo. Vemo-nos em perpétuo conflito, não só dentro em nós, mas ainda com os nossos semelhantes. Todas as nossas relações se baseiam no conflito, no possuir, no adquirir, na força. E quando nossa mente está empenhada em tal conflito, tal desespero e ansiedade, não vejo como possamos ir muito longe. Mas nós temos de ir longe. Temos de destruir a estrutura psicológica da sociedade, dentro em nós mesmos — destruí-la completamente. Esse é, sem dúvida, o problema supremo de nossa existência. Pois nós vivemos uma vida bem superficial; e procuramos penetrar profundamente, pela leitura, pela aquisição de conhecimentos, de mais e mais informações. Mas todo conhecimento, toda informação fica sempre na superfície.

A questão, por conseguinte, é realmente esta: como pode uma pessoa viver neste mundo sem produzir conflito exteriormente e sobretudo intimamente? Porque o conflito interior dita o conflito exterior. Só a mente que está verdadeiramente livre de conflito, em todos os níveis, por não ter problemas psicológicos de espécie alguma — só ela pode descobrir se algo existe além dela própria.

Essencialmente, nosso problema não é como ganhar mais dinheiro, ou como abolir a bomba de hidrogênio, ou se devemos aderir ao Mercado Comum Europeu — esses problemas não são profundos. Eles serão ajustados e controlados por fatores econômicos, pelos acontecimentos históricos, e pelas inumeráveis pressões dos governos soberanos, das sociedades e religiões. O importante é sermos capazes de alhear-nos deles, não pelo retrair-nos, tornar-nos monge ou freira, mas pela real compreensão de todo o seu significado. Temos de descobrir por nós mesmos se é possível ficar-se completamente livre da estrutura psicológica da sociedade — vale dizer, ficar livre da ambição. Digo ser isso perfeitamente possível; mas não é fácil. É muito difícil ficar livre da ambição. Ambição implica “mais”; “mais” implica tempo; e tempo significa “chegar”, “ alcançar”. Negar o tempo é estar livre da ambição. Não me refiro ao tempo cronológico; esse não se pode negar, porque, se o fazemos, estamos arriscados a perder a condução. Mas o tempo psicológico, que nós próprios criamos a fim de nos tornarmos algo interiormente — esse pode-se negar. E isso significa, realmente, morrer para o amanhã, sem desesperar.

Como sabeis, há pessoas muito sutis, intelectuais, que examinaram os mecanismos externos do homem. Examinaram a sociedade, com suas intermináveis guerras, examinaram as igrejas com suas crenças, seus dogmas, seus salvadores; e, depois, viram-se em desespero. E, em virtude desse desespero, conceberam uma filosofia de aceitação do “imediato”, de não pensar no amanhã, porém viver o mais completamente possível no agora. Eu não me estou referindo a nada disso. Qualquer indivíduo materialista, superficial, pode fazê-lo — e não precisa ser muito inteligente. E é isso, infelizmente, o que quase todos nós fazemos. Vivemos para hoje, e o hoje se prolonga em muitos “amanhãs”. Não tenho nada disso em mente. Refiro-me ao negar a ambição, total e imediatamente; morrer psicologicamente para a estrutura social, de modo que a mente nunca se aprisione no tempo; na ambição, no desejo de ser ou de não ser alguma coisa.

Vede, senhores, a morte é uma coisa maravilhosa; e para compreender a morte, requer-se muita penetração; morrer para a ambição, naturalmente, sem esforço; negar a inveja. A inveja implica comparação, êxito, ânsia de “mais”; vós tendes mais e eu tenho menos; possuís muitos conhecimentos, e eu sou ignorante. Pode-se pôr fim a esse mecanismo, total e instantaneamente? Pode-se acabar com ele, morrer totalmente para a inveja, a avidez, a competição, mas só quando somos capazes de olhá-lo sem o desfigurar. Há sempre desfiguração quando há motivo. No desejardes morrer para a ambição, a fim de serdes outra coisa, ainda sois ambicioso. Isso não é morrer, absolutamente. Se renunciais com um motivo, não há renúncia. E a maioria das renúncias é inspirada por esse motivo para ser, alcançar, chegar, achar.

Parece-me, pois, que apenas nos estamos tornando cada vez mais atilados, cada vez mais instruídos. Somos criados com palavras, com ideias, teorias, conhecimentos, e resta pouco espaço vago na mente de onde se possa ver alguma coisa com clareza. Só a mente vazia pode ver com nitidez, e não a mente abarrotada de informações e conhecimentos, não a que está incessantemente ativa, no afã de buscar, alcançar, exigir. Mas a mente vazia não está “em branco”. É sobremodo difícil perceber quando a mente está vazia. E só nesse vazio há compreensão; só nesse vazio há criação.

Para se alcançar esse estado de vazio, cumpre negar toda a estrutura social — a estrutura psicológica da ambição, do prestígio, do poder. É relativamente fácil a pessoas de mais idade não serem ambiciosas, renunciar ao poder e à posição; mas essas renúncias são superficiais. Eis porque tanto importa compreender o inconsciente. Para compreenderdes o inconsciente, aquilo que está oculto e desconheceis, não podeis examiná-lo com uma mente positiva, educada, analista. Se examinais o inconsciente pelo mecanismo consciente da análise, criais inevitavelmente conflito.

Compreendei isso, pois não é complicado. Nossa maneira de abeirar-nos de qualquer problema psicológico profundo é sempre positiva. Isto é, queremos “manipular” o problema, controlá-lo ou resolvê-lo e, por conseguinte, o analisamos ou seguimos um certo sistema, a fim de o compreendermos. Mas não podemos compreender uma coisa que não conhecemos por meio daquilo que já conhecemos, não podemos ditar o que essa coisa deve ou não deve ser. Temos de abeirar-nos dela com as mãos vazias; e ter as mãos vazias, ou a mente vazia, é uma das coisas mais difíceis. Nossa mente está repleta das coisas que temos conhecido; estamos carregados de nossas lembranças, e cada pensamento é uma reação a essas lembranças. Com o pensamento positivo abeiramo-nos daquilo que não é positivo, do oculto, do inconsciente.

Agora, se — sem estardes imbuídos de nenhuma ideia, e livres de qualquer expectativa de serdes ensinados — puderdes escutar simplesmente o que se está dizendo, acho que então descobrireis que sois capazes de examinar o inconsciente — que tem tanta força e tanto ímpeto — sem criardes contradições e, por conseguinte, sem esforço.

Senhores, não sois obrigados a aceitar minhas declarações a esse respeito, e espero não o façais, porque em tal caso estaríeis fazendo de mim vossa autoridade — o que seria lamentável.

Existe o incognoscível, algo que se acha muito além da mente, muito além do pensamento. Mas não tendes possibilidade de vos aproximardes dele com a carga dos vossos conhecimentos e lembranças, com as cicatrizes da experiência, o peso da ansiedade, da “culpa”, do medo. E dessas coisas não podeis livrar-vos por meio de nenhum esforço. Só sereis livres delas ao escutardes cada pensamento e cada sentimento sem procurardes interpretar o que escutais; escutai simplesmente, observai simplesmente, e permanecei atentos, “de dentro do vazio”. Podereis então viver neste mundo sem serdes atingidos pelos seus ódios, sua fealdade, sua brutalidade. Podereis trabalhar como escriturário, motorista de ônibus, gerente de banco, ou seja o que for, sem ficardes aprisionados nessa condição. Mas, se associardes à vossa função os fatores psicológicos da ambição, da autoridade, do poder, do prestígio, não podereis viver neste mundo sem perpétuo sofrimento.

A maioria de nós está realmente ciente de tudo isso. Não há necessidade de ouvir uma palestra destas para o sabermos. Bem sabemos que este é um mundo horrível, brutal, feio, em que todas as religiões, todas as facções políticas estão procurando moldar o pensamento do homem; em que as entidades promotoras do bem-estar social nos estão dando cada vez mais conforto e nos tornando mais embotados e estúpidos, porque nos temos servido do conflito como meio de nos tornarmos exteriormente inteligentes, brilhantes. Mas, interiormente, não mudamos em nada; continuamos a ser o que há séculos somos: medrosos, ansiosos, “culpados”, a buscar o poder, a buscar satisfação sexual. Estamos perpetuando nossas tendências animais, e isso significa que ainda funcionamos dentro da estrutura psicológica da sociedade.

A questão é como quebrar de todo essa estrutura, como destruí-la completamente e ficar fora dela, sem se tornar insano e sem virar monge, freira ou eremita. Essa estrutura só pode ser quebrada imediatamente, não há um tempo determinado para fazê-lo. Ou o fazeis agora, ou nunca. Não estou empregando a palavra “nunca” para sugerir a ideia de “inferno”, no sentido religioso do termo; mas, se não fordes capazes de compreender, de prestar completa atenção neste momento, podereis fazê-lo amanhã? Se o deixardes para amanhã, continuareis incapazes de prestar atenção total.

A atenção, pois, não é questão de tempo. A compreensão não é um processo de gradual desenvolvimento até chegarmos a compreender. Eis porque muito importa saber escutar, saber ver as coisas como são, olhar um fato sem opinar, sem julgar, sem condenar; perceber que sois ambicioso — percebê-lo, simplesmente, como uma realidade, sem dizerdes que é “certo” ou “errado”, ou perguntardes o que vos sucederia neste mundo se não fôsseis ávido, etc. etc. Se puderdes olhar simplesmente para o fato sem desfigurá-lo, descobrireis que o próprio ato de observá-lo não somente elimina a dualidade “observador e coisa observada”, geradora de conflito, mas também liberta uma grande soma de energia. E vós necessitais de energia. Não me refiro à energia produzida pelo conflito. Essa energia é destrutiva. Refiro-me à energia que é gerada quando se vê um fato completamente, totalmente: que sois sensual, que sois ambicioso, que sois invejoso, que sois medroso. E não podeis vê-lo assim, se estais enredado nas palavras. Palavras são ideias; ideias são pensamento. Para se olhar o fato totalmente, sem desfiguração, é preciso haver um espaço vazio na mente que olha.

Não interpreteis erradamente a palavra “vazio”. Como sabeis, nossa mente nunca está quieta; está sempre a “tagarelar”, sempre criando teorias, construindo, destruindo e juntando de novo. Mas, quando está tranquila, não há tempo, não há espaço; desaparecem o tempo e o espaço. Não há “amanhã” ou o próximo segundo. Essa tranquilidade da mente é pura atenção, e essa atenção total é virtude. Eis a virtude verdadeira; não há outra virtude, não há outra moralidade. Qualquer outra forma de virtude ou de moralidade é criada pela mente, pela ambição, pela inveja, ou seja pela estrutura psicológica da sociedade.

Perceber as coisas como realmente são extingue os problemas. Com a mente completamente vazia de problemas — e ela pode ficar vazia — quando negou todos os problemas, quando já não enseja problema nenhum, descobrireis então, se tiverdes penetrado até essa profundidade, a existência de algo que está muito além, algo que não se pode medir e nenhuma religião pode apreender. E, como viveis neste mundo caótico e confuso, é essencial terdes uma mente assim — mente capaz de olhar tudo com clareza e sanidade, ver cada fato tal como é. Só essa mente é tranquila, serena e só a ela pode revelar-se o imensurável.

Krishnamurti, Londres, 5 de junho de 1962, O homem e seus desejos em conflito


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill