Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

terça-feira, 10 de abril de 2018

O mecanismo da autoridade do passado


O mecanismo da autoridade do passado

Penso que todos percebemos a necessidade de uma certa mudança. Quanto mais inteligentes e penetrantes somos, tanto mais premente, tanto mais urgente se nos mostra a necessidade de mudança; mas, em geral, pensamos em mudança no nível superficial — mudança das circunstâncias, mudança de emprego, um pouco mais de dinheiro, etc.

Mas nós nos referimos à mudança total, completamente radical e revolucionária. Para promovermos esta mudança, precisamos fazer perguntas fundamentais. Importa verificar como se faz uma pergunta. Podemos fazer perguntas resultantes de reação. Desejo produzir uma certa mudança em mim próprio ou na sociedade, e essa mudança bem pode ser uma reação. A pergunta que faço a mim mesmo pode ser o resultado de uma reação ou independente de reação. Só há duas maneiras de fazer uma pergunta: uma que é reação, e a outra que não é reação. Se fazemos perguntas resultantes de reação, receberemos invariavelmente respostas superficiais. Fazer perguntas não procedentes de reação é dificílimo, porque para essas perguntas talvez não haja resposta alguma. Deve, pois, haver um inquirir que fica sem resposta; e isso, a meu ver, é bem mais significativo do que fazer uma pergunta que tem resposta.

Desejo discorrer nesta tarde sobre uma mudança de todo indispensável à mente que busca a revolução completa, total, a mente que exige liberdade completa, se tal coisa existe — liberdade completa. E, a meu ver, para investigarmos esta questão cumpre em primeiro lugar verificar o verdadeiro significado da autoridade, porquanto a mente de quase todos nós está sob o completo domínio da autoridade — a autoridade da tradição, a autoridade da família, a autoridade da técnica, a autoridade do conhecimento, da religião e da moral social. Eis as várias formas de autoridade que nos moldam a mente. Até que ponto pode a mente ficar livre delas, e que significa ser livre? Desejo examinar esta matéria, porque acho que a autoridade — se não for perfeitamente compreendida destrói todo o pensar, deforma o pensamento, e a mente que só funciona mecanicamente, dentro dos limites do conhecimento, é incapaz de transcender a si própria.

Por conseguinte, parece-me, cabe-nos investigar devidamente a questão da autoridade, interrogar-nos por que e em que nível obedecemos às leis físicas das experiências psicológicas que se tornam conhecimento e nos orientam. Porque deve haver obediência? Todos os governos, principalmente os governos tirânicos, não querem que os cidadãos em circunstância nenhuma critiquem os seus líderes. Pode-se ver bem claramente porque se exige essa obediência absoluta. Também se pode ver porque, psicologicamente, nós seguimos a autoridade — a autoridade do guru, a autoridade da tradição, a autoridade da experiência — a qual invariavelmente gera hábito, bom ou mau, resistência ao mau e sujeição ao bom. Um hábito se torna também autoridade, tal como a autoridade do conhecimento, do especialista, do policial, da mulher sobre o marido ou do marido sobre a mulher.

Até que ponto pode a mente ser livre dessa autoridade? É possível obedecer à lei, ao Governo, ao policial e, interiormente, ser de todo livre da autoridade, inclusive a autoridade da experiência, com seu saber e sua memória? Se me permitis dizê-lo, seria sobremodo lamentável se vos limitásseis a ouvir esta palestra verbalmente, intelectualmente, em vez de “experimentardes” deveras o que se está dizendo. Isto é, devemos perguntar-nos sob que autoridade, sob que compulsão, nossa mente funciona, e perceber que a experiência no-la está moldando. De tudo isso precisamos estar bem apercebidos, pois, afinal de contas, estamos falando, não para fazer propaganda, nem para convencer-vos de alguma coisa ou forçar-vos a adotar determinada norma de ação. Só quando começamos a interrogar-nos, parcial ou completamente, pode haver ação verdadeira; só então poderá terminar toda à nossa angústia. Ouvir estas palavras apenas verbal ou intelectualmente parece-me um completo desperdício de tempo. Não se trata aqui de argumentar, de concordar ou discordar; trata-se, sim, de olhar todos os fatos externos e observar como, interiormente, a nossa mente está escravizada pela autoridade, e investigar se podemos ficar livres dela (pois, evidentemente, a liberdade supõe que se esteja livre da autoridade) e qual o estado da mente quando realmente livre da autoridade, e, também, se é possível um tal estado.

Para descobrir por si própria, deve a pessoa fazer perguntas fundamentais; e uma das perguntas fundamentais é esta: Por que obedecemos — por que fazemos isto ou aquilo? (Não vos estou aconselhando a obedecer ou desobedecer; mas, sem dúvida, cumpre fazer tal pergunta, para podermos descobrir.)

Isso poderá parecer um pouco infantil, sem madureza, mas se pudermos penetrar muito lentamente na matéria, passo por passo, talvez venhamos a compreender se é possível, ou não, ficarmos inteiramente livres do passado — que é autoridade. Eis uma questão fundamental, porquanto o passado está-nos sempre moldando a mente — a passada experiência, o conhecimento passado, os incidentes e acidentes passados, as pretéritas lisonjas, os insultos recebidos, o que disseram e o que será dito em consequência do que disseram. E apresenta-se, assim, a questão de se é realmente possível ficarmos livres dessa imensa teia do passado que está sempre traduzindo o presente e, por conseguinte, pervertendo o presente que forma o futuro.

Pois bem. Por que obedecemos? O escolar obedece porque o professor é um homem investido de autoridade, de poderes discricionários, e porque tem de passar em seus exames, etc. E há, ainda, a obediência à lei, também muito compreensível: obedecemos-lhe, geralmente, porque tememos ser punidos e por várias outras razões. É necessária, sem dúvida, uma inteligente obediência à lei. Mas, há necessidade de qualquer outra forma de obediência? Por que deve o passado — digo psicologicamente, interiormente — condicionar a mente e, por essa maneira, impor-lhe restrições, obrigá-la á ajustar-se ao seu padrão? Dizemos que, se nenhum passado temos, na forma de conhecimento, não há ação possível. Se não houvesse conhecimentos acumulados — ou seja a ciência — nada poderíamos fazer, não poderíamos ter nossa moderna existência. O conhecimento científico, portanto, é essencial, e um homem precisa obedecer para poder ser um físico. Mas esse homem, para ser um físico criador, não um simples inventor de novidades mecânicas, deve desembaraçar-se do conhecimento e achar-se num total estado de negação — se posso empregar esta palavra — para poder ser sensível, alertado, em alto grau, e, assim, capaz de perceber algo novo.

A mente é moldada pelo passado, pelo tempo, por cada incidente, cada movimento, cada precedente vibração — ou pensamento. Pode esse passado — que na realidade é memória — ser apagado? Porque, se o não apagarmos (e é possível apagá-lo), nunca veremos algo novo, nunca experimentaremos algo totalmente imprevisto, desconhecido. No entanto, o passado está-nos sempre guiando, moldando; cada instinto, cada pensamento, cada sentimento é por ele guiado, ele que se constitui de memória; e a memória nos impele a obedecer, a seguir. Espero vos estejais observando em funcionamento, enquanto ouvis o que se está dizendo.

Onde a memória é necessária e essencial, e onde não é? Pois a memória é uma autoridade para a maioria de nós. Memória é toda a experiência acumulada, do passado, da raça, da pessoa; e a reação dessa memória é pensamento. Quando vos denominais hinduísta ou cristão, ou estais ligado a determinado movimento, tudo isso é reação da memória. Assim, só o homem que compreendeu realmente toda a anatomia, toda a estrutura da autoridade, da memória, pode experimentar algo totalmente novo. Por certo, se há ou não há Deus, isso só se pode descobrir quando a mente é de todo nova, quando ela já não está condicionada pela tradição de crença ou de descrença. Assim, pois, pode-se eliminar completamente a autoridade, a memória, que gera medo e da qual procede o impulso para obedecer? Como a maioria de nós está buscando a segurança, numa ou noutra forma, segurança física ou segurança psicológica — para termos segurança externamente, precisamos obedecer à estrutura da sociedade, e, para termos segurança interior, precisamos obedecer à experiência, ao conhecimento, à memória acumulada, e armazenada. É possível apagar por inteiro a memória, exceto a memória mecânica da existência diária, que em nada influi, que não cria, não gera mais memória? Quanto mais velhos ficamos, mais confiamos na autoridade; e, dessa maneira, todo o nosso pensar se torna estreito, limitado.

Para podermos operar uma mutação completa, cumpre duvidar a fundo da autoridade. Para mim, esse duvidar é bem mais importante do que investigar como ficar livre da autoridade; porque, duvidando, desvendaremos a natureza da autoridade, sua significação, seu valor, sua nocividade, seu caráter venenoso. Pelo duvidar, descobre-se o que é verdadeiro. O problema está então resolvido e ninguém precisa perguntar a si mesmo: Como poderei ficar livre da autoridade? Mas é absolutamente necessário duvidar de tudo, de todas as formas de crença e todas as formas de tradição, demolir todo o edifício. Do contrário, permaneceremos medíocres. Neste país, pode ser uma verdadeira calamidade a existência de líderes; a autoridade política, a autoridade do guru, a autoridade dos livros sagrados destruiu realmente todo o pensar e, por consequência, não existe um verdadeiro investigar. Se todas as investigações se iniciam com a aceitação da autoridade do Gita, da Bíblia, ou do que quer que seja, como é possível prosseguir a investigação? E como o homem que crê em Deus ou numa certa utopia querer investigar, indagar: seu investigar nenhuma validade tem.

A maioria de nós começa com a aceitação de uma certa autoridade. Poderá ser necessária à criança a aceitação de determinada autoridade; mas, quando a criança começa a crescer, começa a raciocinar, deve ser ensinada a pôr em dúvida os pais, a pôr em dúvida o mestre, a pôr em dúvida a sociedade; mas nunca lha ensinamos. Isso, naturalmente, não sucede porque, basicamente, existe o medo; e a mente temerosa só pode criar ilusões. E do medo nasce a autoridade. O homem sem medo não segue nenhuma autoridade, crença ou ideal; e só esse homem, é óbvio, pode descobrir se há, ou não, o Imensurável.

Entretanto, a autoridade é necessária na especialização. Para o homem que busca a liberdade (não a liberdade consistente em estar livre de alguma coisa, pois isso é uma reação e, por conseguinte, não é liberdade), para o homem que busca a liberdade, a fim de descobrir, a liberdade está justamente no começo, e não no fim. Para descobrirmos o verdadeiro, descobri-lo por nós mesmos, e não através do que nos dizem, ou nos transmitem livros sagrados (se eles existem), a mente deve ser livre. Do contrário, tornamo-nos apenas mecanizados, passando em nossos exames, obtendo emprego e seguindo o padrão da sociedade; e esse padrão é sempre corruptor, sempre destrutivo.

Com efeito, para o homem que busca o verdadeiro, a sociedade é um inimigo. Ele não pode reformá-la. É uma de nossas ideias favoritas, essa de que os bons reformarão a sociedade. O bom é o homem que abandona a sociedade. Com “abandonar” não estou significando “abandonar a casa, a roupa, o abrigo” mas, sim, abandonar as coisas que a sociedade representa, ou sejam, basicamente, autoridade, ambição, avidez, inveja, ânsia de aquisição — abandonar todas essas coisas que a sociedade tornou respeitáveis. Realmente, só com o profundo investigar é que começamos a destroçar o falso, a demolir o edifício erguido pelo pensamento para sua mesma proteção.

Krishnamurti, Varanasi, 03 de janeiro de 1961, A mutação Interior

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill