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terça-feira, 10 de abril de 2018

Morrer é conhecer o amor


Morrer é conhecer o amor

Com vossa permissão, desejo hoje tratar de um assunto um tanto complexo, que é a morte. Mas, antes de entrarmos na matéria desejo sugerir àqueles que estão tomando notas que não o façam. Este orador não está pronunciando uma conferência, para fazerdes anotações e depois interpretardes, vós ou outro, o que se está dizendo. Intérpretes são exploradores, não importa se bem intencionados ou se meramente desejosos de “fazer nome”. Assim, desejo sugerir-vos com toda a seriedade que presteis atenção e experimenteis agora, em vez de deixardes para refletir mais tarde sobre o que se disse, ou ouvir comentários de outras pessoas a tal respeito, pois tudo isso é extremamente fútil.

Desejo também salientar que as palavras, em si mesmas, pouco significam. São apenas símbolos de que nos servimos para fins de comunicação. Tenho de empregar certas palavras, mas faço-o apenas com o fim de comunicar-vos algo; e cada um deve procurar através delas o seu caminho para a compreensão de coisas não explicáveis verbalmente; e, já que temos a tendência de interpretar as palavras consoante aos nossos gostos e aversões, existe o perigo de perdermos o verdadeiro significado do que se está dizendo. Estamos tentando averiguar o que é falso e o que é verdadeiro; e, para isso, temos de transcender as palavras. E, no transcender as palavras, estamos expostos ao perigo de nossa interpretação pessoal, individual, nas palavras. Assim, se desejamos realmente penetrar fundo nesta questão da morte, como pretendo fazer, devemos estar apercebidos das palavras e seus significados e ter o cuidado de não as interpretar de acordo com nossos gostos e desgostos. Se nossa mente está livre da palavra, do símbolo, estamos então aptos a comungar uns com os outros além do nível das palavras.

A morte é um problema muito complexo, difícil de experimentar realmente e penetrar fundo. Por isso, ou tratamos de racionalizá-la, explicá-la e nos quedamos satisfeitos; ou, ainda, temos crenças, dogmas, ideias, nas quais nos refugiamos. Mas dogmas, crenças e racionalizações não resolvem o problema. A morte existe; está sempre presente. Ainda que os médicos e cientistas logrem prolongar a vida do organismo físico por mais cinquenta anos ou além, a morte nos aguarda. E para a compreendermos não devemos considerá-la verbal, intelectual ou sentimentalmente, porém enfrentando realmente o fato e penetrando-o. Isso requer muita energia, muita clareza de percebimento; e a energia e a clareza são-nos negadas quando há medo.

Em maioria, jovens ou velhos, temos pavor da morte. Embora vejamos passar todos os dias o coche fúnebre, a morte nos aterroriza; e, havendo medo, não há compreensão. Assim, para se penetrar a questão da morte, o primeiro requisito essencial é que se esteja livre do medo. E com “penetrar” quero dizer “viver com a morte” — não verbalmente, não intelectualmente, mas conhecer de fato o sentimento de viver com uma coisa tão brutal, tão peremptória, com a qual é escusado discutir ou barganhar. Mas, para fazê-lo, devemos primeiramente estar livres do medo; e isso é dificílimo.

Não sei se já tentastes ficar livre do medo de alguma coisa: medo da opinião pública, de perder o emprego, de não ter crença alguma. Se o fizestes, deveis saber como é difícil nos livrarmos completamente do medo. Conhecemos realmente o medo? Ou há sempre um intervalo entre o “processo de pensamento” e a realidade? Se temo a opinião pública, o que outros dizem, esse temor é simplesmente um processo de pensamento, não? Mas, ao apresentar o momento real de enfrentar o fato — o que se está dizendo de nós — nesse exato momento não existe medo. No percebimento total não há experimentador. Não sei se já tentastes alguma vez ficar completamente apercebidos sem escolha, completamente perceptivo sem nenhuma barreira à atenção. Com essa percepção podemos ver que estamos sempre fugindo das coisas que tememos, sempre a escapar-nos. Esta fuga à coisa que o pensamento chama temível é que cria o medo, essa fuga é medo — e isso significa, realmente, que o medo é causado pelo tempo e o pensamento.

E que é o tempo? Afora o tempo cronológico ou cronométrico, representado pelo ontem e o hoje, existe o tempo, interiormente, psicologicamente? Ou o pensamento inventou o tempo como meio de alcançar, de ganhar, a fim de preencher o intervalo entre o que é e o que deveria ser? O que deveria ser é meramente uma expressão ideológica; não tem validade, é simples teoria. O real, o fato, é o que é. Quando estamos frente a frente com o que é, não há medo. Tememos saber o que efetivamente somos, mas, se enfrentamos realmente o que é, não há temor. O pensamento, o pensar acerca do que é, eis o que gera o medo. E o pensamento é processo mecânico, reação mecânica da memória, e a questão é se o pensamento pode morrer para si mesmo. Pode uma pessoa morrer para todas as lembranças, experiências, valores, juízos, que acumulou?

Já alguma vez tentastes morrer para alguma coisa? Morrer, sem argumentar, sem escolher, morrer para uma dor ou, mais especialmente, para um prazer? No morrer não há argumentação; não se pode argumentar com a morte; ela é peremptória, absoluta. Da mesma maneira devemos morrer para a memória, morrer para um pensamento, para todas as coisas, todas as ideias que acumulamos. Se já experimentastes isso, deveis saber quanto é difícil; deveis saber como a mente, o intelecto, se apega à memória. Para se abandonar uma dada coisa totalmente, completamente, sem nada exigir em troca, necessita-se de claro percebimento, não achais?

Enquanto houver continuidade de pensamento, como tempo, como prazer e dor, tem de haver medo; e onde há medo, aí não há compreensão. Isso me parece bem simples e claro. Tememos tantas coisas! Mas, se tomardes uma dessas coisas e morrerdes para ela, completamente, descobrireis que a morte não é o que imagináveis que fosse; é algo completamente diferente. Mas nós desejamos a continuidade. Tivemos experiências, acumulamos conhecimentos, acumulamos várias formas de virtude, formamos nosso caráter, etc.; e tememos que isso se acabe e, assim, perguntamos: “Que me acontecerá quando vier a morte?” E este é realmente o problema. Conhecendo a inevitabilidade da morte, recorremos à crença na reencarnação, na ressurreição, e a todas as fantasias contidas na crença — e isso, na realidade, é uma continuação do que somos. E, com efeito, que sois vós? Dor, esperança, desespero, várias formas de prazer; sois entes confinados no tempo e no sofrimento. Fruímos uns poucos momentos de alegria, mas o resto de nossa vida é vazio, superficial, uma batalha constante, cheia de canseiras e misérias. Isto é tudo o que conhecemos da vida e é isto que desejamos continue. Nossa vida é uma continuidade do conhecido; movemo-nos e agimos do conhecido para o conhecido; e quando se destrói o conhecido, manifesta-se o sentimento de medo, medo de enfrentar o desconhecido. A morte é o desconhecido. Ora, pode-se morrer para o conhecido, e enfrentá-lo? Eis o problema.

Não estou falando de teorias. Não estou oferecendo ideias. Estamos procurando averiguar o que significa viver. Viver sem medo bem pode significar imortalidade, ficar livre da morte. Morrer para as lembranças, para o ontem e para o amanhã, isso, por certo, é “viver com a morte”; e nesse estado não existe o medo à morte e todas as absurdas invenções criadas pelo temor. E que significa “morrer interiormente”? O pensamento é a continuação do ontem no futuro, não? O pensamento é reação da memória. A memória resulta da experiência. E experiência é o processo de “desafio” e “reação”. Pode-se ver que o pensamento está sempre funcionando na esfera do conhecido; e enquanto estiver funcionando o mecanismo do pensamento, tem de haver medo. Porque é o pensamento que impede a investigação do desconhecido.

Notai que estamos procurando pensar juntos na questão. Não vos falo como uma pessoa que descobriu algo novo e vos está contando o que descobriu, para acompanhardes verbalmente a descrição. Deveis acompanhá-la investigando vossa mente e coração. Há necessidade de autoconhecimento; porque o conhecimento de si mesmo é o começo da libertação do medo.

Estamos perguntando se é possível “viver com a morte”, não no último instante, quando a mente está debilitada, ou na velhice ou quando se sofre um acidente, porém agora mesmo. “Viver com a morte” deve ser uma experiência extraordinária, algo totalmente novo, nunca pensado e que o pensamento jamais poderá descobrir. E para descobrir o que significa “viver com a morte”, necessita-se de imensa energia, não achais? Viver com vossa esposa, vosso marido, vossos filhos, e não vos deixardes perverter, deformar; viver com uma árvore, com a natureza — necessita-se de energia para se conseguir isso. Para viver com uma coisa feia necessita-se de energia; porque, do contrário, a coisa feia vos deformará ou com ela vos acostumareis, mecanicamente; e o mesmo se aplica à beleza. Se não viveis intensamente, completamente, plenamente num mundo desta espécie, onde se encontra toda espécie de propaganda, de influência, de pressão, de controle, de falsos valores, vos acostumareis com tudo e isso vos embotará a mente, o espírito. E para se ter energia, não deve haver medo; o que significa que nada absolutamente se deve exigir da vida. Não sei se podeis chegar tão longe: nada exigir da vida.

Há dias falamos sobre a “necessidade”. Temos necessidade de certos confortos físicos, de alimento, de morada; mas fazer exigências psicológicas à vida significa mendigar, ter medo. Há necessidade de intensa energia para se estar só. Compreender isso não é questão de refletir a seu respeito. Só há compreensão quando não há escolha, julgamento, porém, apenas, observação. Morrer cada dia significa não transportar de ontem para hoje todas as vossas ambições, vossos pesares, vossas lembranças de preenchimento, vossas mágoas, vossos ódios. A maioria de nós definha, mas isso não é morrer. Morrer é conhecer o amor. O amor não tem continuidade, não tem amanhã. O retrato de uma pessoa na parede, a sua imagem em vossa mente — isso não é amor, é só memória. Assim como o amor é o desconhecido, assim também a morte é o desconhecido. E para ingressarmos no desconhecido — que é a morte e o amor — precisamos, primeiramente, morrer para o conhecido. Só então a mente está nova, jovem, “inocente”; e nela não existe a morte.

Se vos observardes, assim como vos mirais num espelho, vereis que nada mais sois que um feixe de lembranças, não é verdade? E todas essas lembranças pertencem ao passado; são coisas passadas e acabadas, não é mesmo? Assim, não se pode morrer para tudo isso, instantaneamente? Tal é possível, mas exige muita investigação de si mesmo, percebimento de cada pensamento, cada gesto, cada palavra, para que não haja acumulação. Por certo, isso se pode fazer. Pode-se então saber o que significa morrer todos os dias; e talvez saibamos então o que é amar todos os dias, e, não, conhecer o amor apenas como lembrança. Tudo o que agora conhecemos é só fumo — o fumo do apego, do ciúme, da inveja, da ambição, da avidez, etc. Não conhecemos a chama que está a arder por trás da fumaça. Mas, se pudermos dissipar completamente o fumo, descobriremos então que viver e morrer são a mesma coisa, não teoricamente, mas de fato. Afinal de contas, tudo o que continua, que não chega a um fim, não é criador. O que tem continuidade nunca pode ser novo. Só na destruição da continuidade encontra-se o novo. Não me estou referindo à destruição social ou econômica, que é muito superficial. E se penetrardes isso bem fundo, não apenas no nível consciente, mas ainda nas profundezas existentes além dos limites do tempo, além da consciência — a qual está sempre contida na estrutura do pensamento — descobrireis então que morrer é uma coisa extraordinária. O morrer é, então, criação. Não é criação escrever poemas, pintar quadros, inventar novidades mecânicas. A criação só pode vir depois de morrermos para todas as técnicas, todo o saber, todas as palavras.

A morte, pois, como a concebemos, é medo. E quando não existe medo, porque estamos acolhendo a morte a cada minuto, então cada minuto é uma coisa nova; ele é novo porque, interiormente, “o velho” foi destruído. E para destruir não deve haver medo, porém, tão só, o sentimento de completa solidão; a possibilidade de estar completamente só, sem Deus, sem família, sem nome, sem tempo. Mas isso não significa desespero. A morte não é desespero. Pelo contrário, ela é viver cada minuto completamente, totalmente, sem as limitações do pensamento. Descobre-se então que a vida é morte, e que a morte é criação e amor. A morte, que é destruição, é criação e amor; essas três coisas estão sempre juntas, são inseparáveis. Ao artista só preocupa a expressão, coisa muito superficial, e ele não é criador. A criação não é expressão, transcende o pensamento e o sentimento, é livre da técnica, livre da palavra e da cor. E essa criação é amor.

Krishnamurti, Paris, 19 de setembro de 1961, O Passo Decisivo

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill