PERGUNTA: Que se entende por “estar apercebido sem escolha”?
KRISHNAMURTI: Não devemos atribuir exagerada significação à palavra “apercebido”. “Estar apercebido” não é nada misterioso em que devais exercitar-vos; não é uma coisa que só pode ser aprendida deste orador ou de um certo senhor de longas barbas. Tais coisas são por demais fantásticas e absurdas. “Estar simplesmente apercebido” que significa isso? Cientificar-vos de que estais sentados aí e eu estou sentado aqui; de que eu vos estou falando, e vós me estais escutando; conscientizar-vos deste salão, sua forma, sua iluminação, sua acústica; observar as variadas cores dos traços das pessoas, as atitudes dessas pessoas, seu esforço para prestar atenção, o coçar-se, o bocejar, o enfado, a insatisfação de não poderem extrair do que estão ouvindo algo que possam “levar para casa”; o seu concordar ou discordar do que se está dizendo. Tudo isso é parte do “estar perceptivo” — parte muito superficial, aliás.
Por trás dessa observação superficial, está a reação de nosso condicionamento; eu gosto e não gosto, sou inglês e vós não sois, sou católico e vós sois protestante. E nosso condicionamento, com efeito, é bem profundo. Ele requer investigação, compreensão. Perceber nossas reações, nossos secretos motivos e reações condicionadas — isso também faz parte da conscientização.
Não podeis “estar plenamente consciente” se estais a escolher. Se dizeis “isto é certo e aquilo é errado”, o “certo” e o “errado” dependem do condicionamento pessoal. O que para vós é “certo”, no Extremo-Oriente pode ser “errado”. Credes num Salvador, no Cristo, e eles não creem; e vós pensais que eles irão para o inferno, porque não creem como vós. Tendes recursos para construir maravilhosas catedrais, enquanto eles talvez adorem uma imagem de pedra, uma árvore, uma ave, ou uma pedra, e vós dizeis: “Como são estúpidos esses pagãos!”. “Estar ciente” é perceber tudo isso sem discriminar; é dar-vos conta de vossas reações conscientes e inconscientes. E não podeis estar totalmente conscientes se estais condenando, se estais justificando, ou se dizeis “Conservarei minhas crenças, minhas experiências, meus conhecimentos”. Nesse caso, só percebeis parcialmente; e percepção parcial é, em verdade, cegueira.
Ver e compreender não é questão de tempo, não é questão de gradação. Ou vedes, ou não vedes. E não podeis ver, se não estais bem a par de vossas reações, de vosso próprio condicionamento. Estando ciente de vosso condicionamento, deveis observá-lo objetivamente; deveis ver o fato sem emitir opinião ou juízo a respeito dele. Por outras palavras, cumpre olhar o fato sem pensamento. Há então um percebimento, um estado de atenção, sem centro, sem fronteiras, no qual o conhecido não pode interferir; e é nesse estado de atenção total que a mente pode compreender o incognoscível. Uma mente vulgar, uma mente entravada por ideias neuróticas, pelo medo, pela avidez, pela inveja, poderá pensar a respeito do incognoscível, a respeito de Deus, a respeito disto ou daquilo, mas o que pensar terá pouca significação. Essa mente não é, em absoluto, uma mente religiosa.
Krishnamurti, Londres, 12 de junho de 1962,
O homem e seus desejos em conflito