Esta tarde gostaria de falar sobre o medo. Temos de o examinar profundamente, e não procurar, apenas, algum remédio superficial ou um conceito ou um ideal para ser aplicado como meio de se ficar livre do medo, pois desse modo isso nunca é possível.
Gostaria não só de examinar tudo isto verbalmente, mas também de ir além da palavra, para investigar, não verbalmente, se é de fato possível ficarmos completamente livres do medo, tanto do medo biológico, fisiológico, como do medo psicológico.
Para quase todos nós, a palavra ocupa um lugar muito importante. Somos escravos das palavras. O nosso pensar é verbal, e sem palavras dificilmente podemos pensar. Há talvez um modo não verbal de pensar; mas, para compreender o pensar não verbal, temos de nos libertar da palavra, do símbolo, do pensamento verbal. Para a maioria de nós, porém, a palavra, o símbolo, ocupa um lugar extraordinariamente importante na nossa vida. E, assim, a mente é escrava das palavras — palavras como “indiano”, “hindu”, “brâmane”, etc.
Para penetrarmos muito profundamente neste problema do medo, temos não só de compreender o significado da palavra, mas também — se possível — de libertar a mente da palavra, e desse modo compreender profundamente o significado do medo.
Para investigar muito profundamente, é indispensável um sentido de humildade — mas não como “virtude”. A humildade não é uma “virtude”, é um estado de ser — ou somos humildes ou não somos. Não podemos buscá-la, nem cultivá-la; não podemos ser vaidosos e pôr uma camada de humildade sobre essa vaidade — como a maioria de nós tenta fazer. Vamos aprender sobre o medo. E para aprender sobre o medo e a sua enorme importância na nossa vida, a sua escuridão e os seus perigos, temos de investigar o que ele é. E, portanto, é preciso esse estado de humildade sem medo, uma humildade sem desejo de recompensa, e não cultivada.
Para a maioria de nós, a “virtude” é meramente uma coisa que cultivamos como meio de resistir às exigências dos nossos próprios desejos e também às experiências de uma determinada sociedade, em que acontece vivermos. Mas a virtude, a bondade, não está contida na esfera do tempo. Não se pode “acumular” virtude, não se pode cultivá-la. Ela é, por exemplo, ser bom e não tornar-se bom. Estas duas coisas são totalmente diferentes. Florescer em bondade é inteiramente diferente de tornar-se “bom”. Tornar-se “bom” é um meio de alcançar uma recompensa, de evitar uma punição ou de resistir a alguma coisa, e nisso não há florescimento.
Do mesmo modo, deve haver humildade como um estado imediato, e não como um estado que se adquire. Só nesse estado de humildade é possível perceber globalmente, compreender, e aprender. Pois — quando se trata de matérias não técnicas — só há aprender, e não “ser ensinado” e “adquirir conhecimentos”. Podemos adquirir conhecimentos, informação sobre matemática. Mas sobre o medo, temos de aprender, não de livros, não com estudos de psicologia mas através da observação de nós mesmos. E não se pode aprender se não há humildade. Assim, cada um tem de ser, simultaneamente, mestre e discípulo de si mesmo, e esse discípulo é a mente que está a aprender. A pessoa cuja mente está a aprender não é um discípulo submisso, que aceita, que segue. Aquele que se submete, que segue, não está a investigar o que é a Verdade; está apenas a ajustar-se a um padrão de “bom comportamento”, do qual espera obter, como recompensa final, aquilo a que chama a Verdade.
A humildade é, pois, um estado da mente, no qual não há medo. A humildade é diferente do respeito. Pode-se respeitar outrem, e porque há essa consideração, não há desrespeito. Respeitamos o governador, o primeiro-ministro, mas tratamos rudemente o nosso empregado; nisto há desrespeito. Assim, a humildade é completamente diferente do respeito; é uma qualidade da mente. E só a mente que tem humildade é capaz de aprender. Portanto, só em humildade se pode observar, com precisão, cada movimento do pensamento. Porque, então, a mente está num estado de aprender, num estado de atenção — não de concentração. Examinaremos a atenção e a concentração noutra oportunidade, quando falarmos da meditação.
Esta tarde, estamos a tratar do medo. Estamos a investigar se é de fato possível — não verbalmente, não idealmente, não teoricamente, mas realmente — ficarmos livres do medo, profunda, fundamental e radicalmente livres. Não sei se alguma vez cada um de nós fez esta pergunta a si mesmo — provavelmente não. Aceitamos o medo, o medo psicológico, como inevitável e, portanto, tentamos reprimi-lo ou fugir dele. Mas quando fazemos essa pergunta a nós mesmos, se é de fato possível ficarmos completamente, totalmente, livres do medo, descobrimos por nós próprios uma coisa extraordinária, que é um estado em que a mente não só tem humildade, mas também a qualidade de estar em completa inocência. Vamos examinar isso esta tarde.
Estamos a falar do medo — e não de uma dada espécie de medo. Há várias espécies de medo, interna e externamente, dentro e fora de nós. Exteriormente há perigo. Medo significa perigo — o perigo de se perder um emprego, o perigo de se morrer, de se sofrer um acidente; o medo de não se alcançar uma certa posição, de não se ter sucesso pessoal, de não se ter dinheiro suficiente; o medo da pobreza, do desconforto, da doença, da dor. A dor física é relativamente fácil de ser encarada; há uma solução — recorrer ao médico ou aceitá-la. Podemos aceitar uma dor física quando temos a consciência, a percepção de que essa dor física não distorce a mente, não torna o pensamento amargo e ansioso, e também quando a mente está atenta a si mesma, de modo a não criar nem temer algum mal futuro. Pode-se enfrentar tudo isso de maneira bastante inteligente, com bastante equilíbrio e compreensão. Mas do que estamos a tratar é do medo psicológico, que é muito mais complexo, e que precisa de uma investigação intensa e de uma extraordinária atenção para ser examinada. Pode-se compreender muito bem que se há medo psicológico, de qualquer espécie ou forma, esse medo distorce todo o percebimento.
Como disse no outro dia, não estais apenas a escutar ou apenas a ouvir palavras, mas estais a escutar e a ouvir ao mesmo tempo. O “orador” está apenas a usar palavras para comunicar. A natureza da palavra e a compreensão da palavra dependem de ambas as partes — de vós e de mim. Mas a arte de escutar é inteiramente vossa. Se só escutais as palavras e não ides diretamente aonde elas indicam, ficareis parados a ouvir as palavras, e não ireis mais longe. E, como disse, estamos a aprender. Para aprender tem de haver humildade, para aprender é preciso escutar, é preciso ouvir. E ouvir realmente, escutar, aprofundar, tudo isso exige atenção, e na verdadeira atenção não há resistência. Por exemplo, ouve-se o som da buzina daquele carro, a voz do corvo, um barulho de tosse; mas, ao mesmo tempo, está-se tão atento que se ouve a palavra e se percebe intelectualmente o seu significado, através dos ouvidos, do sistema nervoso, etc. E, além de tudo isso, há o estado de aprender. E só assim a mente pode examinar profundamente este problema do medo.
Todos temos medos psicológicos, de várias espécies. A maioria de nós aceita-os constrangidamente, por não encontrar outra solução. Conhecemos várias formas de medo: medo da morte, medo da opinião pública; medo de não sermos capazes interiormente, de alcançar, de conseguir, de chegar a determinado objetivo, de ter êxito em alguma coisa; medo do que pode acontecer se não nos ajustarmos; e, também, o medo implantado por um ideal a alcançar.
Por favor, demos um pouco de atenção a isto. Geralmente, somos idealistas bastante “simples” — simples no sentido de não refletirmos muito sobre o assunto. Somos conformistas, sempre a dizer “sim” e nunca “não”. Estamos a ajustar-nos e somos levados pela sociedade a conformar-nos, a imitar, a condescender.
E isso o que está a acontecer presentemente neste país. Todos vós sois ideologicamente não-violentos. Aceitais isso talvez só verbalmente, e não efetivamente. Mas tendes pregado isso e apontado incessantemente o seu valor mortal. Os “homens de religião”, os políticos, e todos os que querem ter sucesso na política, pregam esta mesma coisa, em todo o mundo, usando-a, no começo, como instrumento político, como meio de ação. Tendes aceitado e seguido isso, durante anos, como um ideal. Mas de súbito, tem lugar um incidente e todos vos tornais militaristas, com igual ardor. E ninguém recusa esta enorme contradição. Toda uma geração que aceitava a não-violência está agora a ser treinada para aceitar a violência!
Vedes a importância de compreender esse estado da mente que aceita coisas contraditórias com igual facilidade? Certamente que essa mente, porque aceita ideais, pode ser levada a seguir determinada direção, como qualquer rebanho. Mas a mente que compreende o medo, essa não tem ideais; por isso, não pode ser dirigida por propaganda nenhuma, por nenhum político, por nenhum livro, por nenhum instrutor, nem pela sociedade. Essa mente, que não se deixa guiar, ou que não se está a ajustar a nenhum padrão de ideais, enfrenta cada minuto de cada ação e de cada pensamento, compreendendo todos os movimentos do pensamento e do sentir, o presente, o factual, o que é — muito mais significativo do que “o que deveria ser”.
“O que deveria ser” é o ideal; é portanto inexistente, ilusório, sem nenhum significado. Mas o que é, o real, é de imensa significação; só este pode ser transformado, e não “o que deveria ser”. Assim, com uma completa compreensão dos ideais, podemos varrê-los todos. E ficaremos, portanto, com uma carga a menos — o que não significa que, com isso, nos tornamos diferentes... Quando varremos o ideal, ficamos realmente frente a frente com o fato, com o que é o fato de que somos violentos. E podemos então enfrentar o fato. Mas se ficamos todo o tempo a “tornar-nos” não-violentos, a enganar-nos, a hipnotizar-nos, estamos num estado de ilusão. Tais pessoas geralmente são neuróticas. Mas aquele que está completamente atento a si mesmo não tem ideais; move-se de fato para fato — os seus fatos psicológicos, o que é.
E assim foi afastado um dos fatores do medo. Compreendamos, por favor, o enorme significado disto. No momento em que ficamos livres de ideais — que são enexistentes, sem realidade — ficamos frente a frente com o que é, com o fato de que somos violentos. E quando nos apercebemos de que somos violentos, podemos enfrentar isso adequadamente. Não há assim hipocrisia, não há dissimulação, nem se põe nenhuma máscara de não-violência, enquanto se arde em ódio interiormente! Assim, se compreendemos isso, não verbalmente mas de fato, ficamos livres dessa enorme contradição entre “o que deveria ser” e o que é. Eliminamos de uma só vez esta contradição; e ficamos, portanto, capazes de encarar todo esse problema do conformismo, do ajustamento. Então, já não haverá ajustamento, mas apenas compreensão do fato da violência.
A nossa sociedade está baseada na violência — violência que é competição, ambição, cada um apenas interessado em si próprio, isolando-se dos outros. Podemos dizer, “Deves amar o próximo”. E excelente! Mas, então, não se pode ser ambicioso ao mesmo tempo. O amor e a ambição não podem coexistir; contudo, no emprego, está-se em competição, para uma posição melhor, um trabalho melhor, mais dinheiro — conhecemos o sistema todo...
Assim, temos de compreender todo este mecanismo dos ideais: como projetamos estes ideais para fugirmos do fato, e como os ideais estimulam e criam ajustamento, contradição e conflito, provocando, portanto, medo.
Precisamos de compreender toda essa estrutura dos ideais. Mas não se pode compreender só intelectualmente. “Compreensão intelectual” é coisa que não existe; quando se diz “Compreendo intelectualmente”, o que se quer dizer é que se compreende o significado da palavra. Compreensão implica compreender com a totalidade da mente — emocionalmente, verbalmente, intelectualmente, isto é, com a totalidade de nosso ser; e esse compreender é completo e instantâneo. Se compreendermos isto — relativamente aos ideais, ao ajustamento, à contradição — teremos então eliminado um dos principais fatores do medo.
Por favor, enquanto o “orador” fala, observai tudo isto, em vós mesmos; não ouçais apenas as palavras, só para concordar e dizer “Que é que vai dizer a seguir?” O que vou dizer a seguir, o que virá ainda não sei; o que virá a seguir será igualmente difícil se não o investigardes em vós mesmos. Estamos a andar, a viajar juntos, aliviando a mente de um dos principais fatores do medo.
Há ainda toda esta questão da disciplina — que é entendida como “treinar-nos psicologicamente” para nos ajustarmos a um determinado padrão, o padrão chamado religioso ou o padrão moral de uma dada sociedade. Mas, na realidade, a palavra disciplina significa aprender. Não sei se já alguma vez refletistes sobre o que é a disciplina e se de fato já tentastes disciplinar-vos — não teoricamente, mas efetivamente — para verdes se podeis disciplinar-vos, e quais as consequências disso. Se já o tentastes, tereis visto que há resistência — resistência a um determinado desejo, a um determinado impulso ou a uma forte tendência; resistência ou repressão que significa controle.
Toda a repressão, toda a resistência, todo o controle é contrário ao aprender. Se aprendemos a respeito de alguma coisa, a respeito da cólera, por exemplo, não só estamos conscientes de que estamos encolerizados, como também observamos a causa, o motivo da cólera, sendo a cólera a reação, e assim por diante. Examinamos tudo isso, compreendemo-lo. Nesse mecanismo de compreender não há resistência, não há necessidade de controle, porque dessa compreensão nasce uma diferente espécie de disciplina, que é o ato de aprender.
Não sei se estais a entender tudo isto. Aquilo de que precisamos é de uma mente livre, e não de uma mente disciplinada — disciplinada no sentido comum do termo — uma mente treinada para se ajustar a um determinado padrão. A mente “disciplinada” é uma mente morta; é rotineira, estreita, limitada, pequena; nunca é livre. E só a mente livre pode compreender, ir além, fazer uma viagem infinita dentro de si mesma.
Assim, a mente que está meramente a “disciplinar-se” — o que significa resistir, controlar — não tem possibilidade de compreender a natureza do medo.
Tenta-se descobrir a causa do medo. Diz-se, “Tenho medo por causa disto”, e pensa-se que é muito importante encontrar a causa do medo; mas não é isso o que é importante. Pensamos que, compreendendo a causa, ficaremos livres do medo. Se observarmos bem, veremos que, embora possamos conhecer a causa, o medo ainda continua. Assim, a mera pesquisa psicológica da causa do medo não nos liberta do medo. Isso é apenas um dos fatores.
Mas há então o fator real, que requer muita compreensão. Vamos examiná-lo agora. Em todos nós existe o “observador”, o “pensador”, e o pensamento — dois estados separados; um deles é o pensador, o observador, o experienciador, e o outro é a coisa experienciada, a coisa observada, neste caso o pensamento. Os dois, no que diz respeito à maioria de nós, estão separados; há uma enorme divisão entre eles. Observai, por favor; não aceiteis nem rejeiteis o que está a ser dito. Observai-vos a vós mesmos; deixai que o “orador” seja apenas um espelho em que vos estais a observar, para verdes a realidade e não aquilo que gostaríeis de ver.
Há uma divisão entre o pensador e o pensamento. E então surge a questão: como lançar uma ponte entre o pensador e o pensamento? O pensamento cria a ideia, que é pensamento racionalizado; ou muitos pensamentos racionalizados são reunidos, constituindo uma ideia, uma conclusão, um conceito. Há o pensador e há o conceito, que ele formula por meio do pensamento, e que se torna o padrão. Portanto, o pensador separa de si o conceito. E, por isso, há conflito entre o pensador e o pensamento, porque o pensador, (em função desse padrão), está sempre a tentar corrigir o pensamento, a tentar alterá-lo, modificá-lo, ou dar-lhe continuidade.
Ora, será real esta divisão? Vemos que esta separação existe. Mas haverá, na verdade, um pensador separado do pensamento? Quando não pensamos em coisa nenhuma, onde está o pensador? Escutai, por favor. Não estou a pôr uma questão retórica, para responderdes, para concordardes ou discordardes. Se fizerdes esta pergunta a vós próprios, como estais a fazer agora, tereis de descobrir, de observar, se, quando não há nenhum pensamento, há algum centro a partir do qual se pensa.
Só existe pensamento e é o pensamento que cria o pensador, por várias razões psicológicas — por desejar segurança, ou então como um meio de ter mais experiências, de ter um centro de onde atuar, etc., etc...
Há, assim, esta divisão entre o pensador e o pensamento; e portanto há conflito. Enquanto existir essa divisão, terá de haver medo. O pensador procura então controlar o medo, dominá-lo; tenta resistir ao medo, livrar-se dele. Está, portanto, sempre a olhá-lo como se fosse uma coisa separada de si próprio, e por isso nunca se liberta do medo. Esta é, aliás, uma das principais causas da continuidade do medo. Enquanto há divisão entre o observador e a coisa observada, há contradição, há divisão: o medo ali e ele (o observador) aqui. E, observando o medo, o observador quer livrar-se dele; portanto, tenta todos os métodos para se ver livre do medo.
Se não há pensador, mas apenas o estado de medo — o estado de medo, e não a entidade que sente o medo — então é possível compreender o medo, examiná-lo. Vamos então examiná-lo um pouco.
Que é realmente o medo — o medo psicológico? E um estado em que se é sensível a um perigo, psicologicamente — o perigo de perder a nossa companheira, de perder o emprego, etc.. Que é este medo psicológico? Na verdade, ele significa “tempo”. Se não houvesse “tempo” não haveria medo. Podemos pensar em determinada coisa, pensar no perigo, pensar em perder o emprego, pensar na morte, pensar no intervalo entre a realidade atual e o que poderá acontecer — o intervalo de “tempo” é a causa do medo. Se não houvesse nenhum “tempo”, se não houvesse um “amanhã”, correspondente ao pensamento, “que irá acontecer amanhã”, se a mente se ocupasse apenas a encarar o estado real de medo, que aconteceria então?
Há o tempo cronológico, indicado pelo relógio. Mas se não houver tempo psicológico — não só o tempo do “amanhã” mas também o tempo do “ontem” — isto é, se o pensamento não se ocupar com “o que poderá acontecer amanhã”, ou se não voltar ao que já aconteceu, para o relacionar com o presente — vemo-nos então confrontados, não com o medo, mas apenas com um estado.
Se vos tendes observado a vós mesmos — sabeis o que realmente acontece quando sentis medo, quando há um “perigo” psicológico? Suponhamos, por exemplo, que tenho medo que se descubra o que “eu” sou. Se isso se descobrisse, “eu” poderia perder a minha reputação, a minha posição, etc.. Assim ponho uma máscara. E atrás dessa máscara, há sempre ansiedade, um sentimento de culpa, e o sentimento de que preciso de estar sempre vigilante, para nunca tirar a máscara e deixar ver o que está atrás dela. Esse é o meu estado real. O que se vê é a máscara e não o meu estado; mas o que está atrás da máscara é o meu verdadeiro estado, e eu tenho medo disto. Então, o que se passa? Não estais suficientemente interessados em mim para tirar-me a máscara e olhar. Porque tendes as vossas próprias máscaras, e muitas — isso não vos interessa. Mas eu penso que podereis, talvez, olhar. O “podereis” é o futuro, e o passado e alguma coisa que eu fiz e que podereis descobrir. Estou enredado no “tempo”. Foi o mecanismo do pensamento que criou esse “tempo” e nesse “tempo” — que pode ser uma fração de segundo, um dia, ou dez anos — o pensamento está enredado. O pensamento criou esse “tempo”, imaginando que podereis olhar o que esta atrás da minha máscara. Assim, é o pensamento que cria o medo — o medo surge porque existe “tempo”. Mas não podemos pôr isso de lado, não podemos dizer: “não terei medo do tempo”. O que temos e de compreender este mecanismo, extraordinariamente sutil.
Então, se investigarmos suficientemente esta questão, descobriremos também que, de fato, nunca experimentamos realmente esse estado de medo. Não é o mesmo estado de quem está fisicamente à beira de um precipício ou se vê frente a frente com uma cobra venenosa. Então, imediatamente, lá está o medo, e isso exige uma reação imediata.
Provavelmente, a maioria de nós nunca olhou face a face o estado de medo psicológico, porque chegamos a ele através das palavras e são as palavras que geram o medo. Vejamos. Tomemos, por exemplo, a palavra “morte”. Não vou falar da morte agora; trataremos disso noutra reunião. Estamos a referir-nos a palavras como “Deus”, “morte”, “comunismo”, etc. A palavra tem uma influência extraordinariamente importante. A palavra “morte” evoca toda a espécie de imagens e de medos — a palavra ou o símbolo, ou uma coisa que vemos transportar na rua, um corpo morto, que é um símbolo. Assim, é a palavra que cria esse medo.
Compreendemos, pois, o que está implicado nesse extraordinário mecanismo do medo — palavra, “tempo”, ideal, “disciplina”, ajustamento, e essa divisão entre o experienciador e a coisa experienciada. Vemos que tudo isso está implicado, quando começamos a investigar o medo, e temos de o compreender totalmente, e não em fragmentos. E se chegamos até aí, temos de ir muito mais fundo ainda, investigando toda a questão do consciente e do inconsciente.
A maioria de nós vive na superfície. Todas as nossas atividades, toda a nossa rotina, todas as nossas sensações são superficiais. Nunca mergulhamos, nunca vamos até à profundidade da nossa consciência, para compreender. E para compreender, a mente superficial, que está sempre ativa, tem de ficar quieta.
A mente tem de estar totalmente livre do medo, porque se há qualquer sombra de medo, em qualquer nível da nossa consciência, qualquer medo inexplorado, oculto, dissimulado, isso projetará uma ilusão que trará obscuridade. A mente que quer de fato compreender o que é verdadeiro, o real — o extraordinário estado da mente que compreende aquilo a que se chama Verdade — não deve ter, psicologicamente, medo de espécie alguma. Há o medo físico — quando se encontra uma serpente, salta-se para longe dela — isso é perfeitamente natural; esse medo é necessário; se não existe, a pessoa torna-se neurótica. É uma reação normal de uma mente sã. Mas estamos a falar do medo psicológico, que é um estado neurótico. A mente que deseje realmente compreender, fazer uma viagem de exploração e de aprofundamento dessa coisa extraordinária chamada Realidade — onde não há medida, nem tempo, nem ilusão, e que está além da imaginação — essa mente tem de estar completamente livre do medo. Essa mente, portanto, nunca estará vivendo no passado nem no futuro. Mas não traduzamos isto apressadamente como uma coisa “no presente”, como alguns dos filósofos mais famosos, filósofos decepcionados, falam do presente — isto é, viver completamente “no presente”, aceitar tudo “no presente” — o bom, o mau, o indiferente — viver nele e tirar o melhor partido possível. Não preciso de nomear essa filosofia — o que disse é suficiente; sabemos o que ela é.
Assim, a mente que está atenta a tudo o que está ligado ao medo, não se interessa pelo passado, mas quando o passado se apresenta, encara-o adequadamente, em vez de fazer dele um degrau para o futuro. Essa mente, portanto, está a viver no presente ativo e, sendo assim, compreende cada movimento do pensamento, do sentir, e também do medo, logo que ele surge.
Há muito que aprender. O aprender não tem fim. E com ele não há medo, não há ansiedade. Devemos fazer desse aprender parte de nós mesmos, para nunca ficarmos prisioneiros das coisas que aconteceram no passado ou poderão acontecer no futuro, para nunca ficarmos enredados no “tempo” como pensamento. Só a mente que se libertou de todo este medo pode estar vazia. E então, nesse estado de vazio, pode compreender o que é supremo e inominável.
Krishnamurti, Madrasta, 19 de janeiro de 1964,
O despertar da sensibilidade