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quinta-feira, 12 de abril de 2018

Sofrimento é memória mais autopiedade


Sofrimento é memória mais autopiedade

Nesta tarde pretendo falar sobre a indolência, o sofrimento, a ação e, se houver tempo, sobre a beleza.

As ideias ou teorias não transformam de fato a mente e o coração. Não há persuasão, não há castigo ou recompensa que possa impedir a astúcia da mente e a crueldade do coração. Não há crença ou dogma capaz de dissuadir a mente, fazê-la abandonar o curso que está seguindo, para alcançar aquilo que deseja. E seria lamentável se cada um de nós saísse destas reuniões levando uma taça cheia de cinzas — de meras ideias e palavras, que nenhuma transformação produzem. E a transformação só é possível quando percebemos ou vemos o fato real.

Muito temos discutido, analisado, citado, argumentado pró ou contra; entretanto, continuamos exatamente como éramos: embotados, insuficientes, insensíveis, completamente absorvidos em nossos próprios compromissos e problemas. E não há quantidade de reflexão, de ansiedade ou de temor que possa dissolver nossos problemas. Vou falar a respeito desses problemas, como já falei a respeito do medo, do poder, da posição, e da autoridade. Não nos interessam ideias; propaganda não revela o fato, e vós tendes de compreender o fato. Nem o templo, nem o livro, nem o guru pode ensinar-vos a olhar; mas, vós tendes de olhar-vos, tendes de ser vossa própria luz; e para serdes vossa própria luz, não deveis seguir ninguém. Nenhuma autoridade há quando sois vossa própria luz — não tendes guru, não sois um seguidor. Ao serdes vossa própria luz, sois uma entidade criadora. Mas não há possibilidade de criação se existe qualquer forma de indolência.

A indolência é a essência da autopiedade. Nós somos preguiçosos, indolentes, dados a pensar de maneira negligente, sem exatidão. Nossa mente está tão confusa como nosso coração e igualmente embotada. E, para compreender a indolência — não “como” livrar-se da indolência — cumpre aprender o que ela é.

Como assinalamos em nossa última reunião, é muito mais importante aprender do que simplesmente resolver um problema. Se puderdes aprender a respeito de um problema, tê-lo-eis resolvido. Vamos aprender acerca da indolência, dessa extraordinária indolência de nossa mente; não vamos acumular conhecimentos sobre a indolência, conhecimentos que se tornam puramente verbais. O aprender implica investigação. Mas, para investigar, a mente deve estar livre para descobrir; e não há liberdade, se vos limitais a aquiescer, a concordar ou negar, ou a defender-vos atrás de uma barreira de palavras e conclusões. Essas coisas são distrações que impedem a clareza necessária ao aprender. Notai, pois, que vamos aprender juntos a respeito da indolência. Isso concerne principalmente aos que vivem neste clima, que têm estado sujeitos a várias formas de tirania e autoridade, e que facilmente deslizam para a letargia mental, a indolência, facilmente aceitam atitudes e valores. Assim, impende perceber que, para aprender, necessita-se de liberdade para investigar.

Nós vamos aprender acerca dessa qualidade, dessa coisa chamada “indolência”. Como disse, a essência da indolência é a autopiedade. Vou estender-me em considerações sobre esta asserção, porquanto, se não compreendermos este problema, esta questão da autopiedade, não compreenderemos o problema seguinte, ou seja, o sofrimento. É justo ser indolente, é bom ser indolente — no sentido de não estarmos incessantemente ativos, como formigas, ou sempre a fazer alguma coisa, como um macaco. A mente da maioria de nós está perpetuamente ocupada com alguma coisa: palavras, problemas, ideias, resultados; sempre a tagarelar entre si, nunca inativa, nunca quieta — sempre sob tensão. E a mente que não é indolente, que não é preguiçosa, mas tem aquela placidez e sua essencial suavidade, percebe num clarão o que é verdadeiro. Essa inatividade, essa “indolência”, essa consciência de um lazer infinito, não deve ser confundida com o conforto. A mente que tem lazer é uma mente excepcional, porquanto não está envolvida na rede da ação, não está perenemente a tagarelar entre si ou a respeito de alguma coisa.

Há, pois, uma qualidade de lazer, de quietude, um “senso” de indiferença, que é necessário. Mas esse estado de quietude, esse “senso” de ilimitado vazio, em que pode ocorrer um lampejo do real — só é possível quando se compreende não só a indolência do corpo, mas também a indolência com que aceitamos ideias, pensamentos, asserções e conclusões, que se tornam as rotinas que ficamos seguindo, tal como um carro elétrico sobre trilhos. E não sabemos, nem sequer estamos apercebidos dessas rotinas. Isso é indolência: não saberdes, não estardes apercebidos de que vosso pensamento, vosso sentimento e vossas atividades “correm” perpetuamente pelas mesmas “linhas”, pelas mesmas rotinas. O mesmo que, aos vinte e cinco ou trinta anos, pensáveis a respeito de uma coisa, pensais ainda hoje. Não há alteração, não há rompimento: nada novo, nada fresco.

E, quanto à preguiça do corpo, à indolência que a maioria das pessoas tem — essa, todos se sentem capazes de ativar, pelo disciplinamento corporal, pelo forçar, impelir, compelir o corpo. Mas, toda forma de compulsão gera conflito; e a mente em conflito com o corpo não dá energia ao corpo, ao organismo: só cria conflito; e esse conflito não é a “qualidade” geradora da energia necessária para ativar o corpo.

Nessas condições, a disciplina, o controle, o forçar o organismo a submeter-se, a erguer-se do leito, a executar várias coisas para “positivar” sua atividade — tudo isso só cria resistência. E onde há resistência, aí há contradição; e é essa contradição que, incompreendida, gera a indolência. Quem estudou e observou o próprio corpo deve saber quando ele necessita e quando não necessita de repouso. Deve saber que não há necessidade de compelir, forçar, impelir o corpo a fazer determinada coisa; o corpo a fará, natural, espontânea, facilmente. Mas é preciso compreender todo o mecanismo da indolência mental. Se um homem se excede no comer, e é indulgente consigo mesmo a vários respeitos, isso denota um estado de extraordinária lassidão, porque sua mente está adormecida; ele se deixa, simplesmente, levar por tal ou qual apetite, e isso se torna hábito, e esse hábito não é mais do que a “continuidade”, sem nenhuma reflexão, do que foi.

Assim, importa compreender o mecanismo da mente que se tornou indolente. Há indolência quando há ajustamento, estabilização num “cantinho” que talhastes para vós mesmo e vossa família e onde vos sentis seguro, emocional e mentalmente — apercebido de terdes alcançado um certo resultado e felicitando-vos por esse êxito. Isso indica que alcançastes um ponto em que vos sentis bem seguro, livre de toda perturbação. É então que começa a indolência. E tal indolência é a essência da autopiedade.

Sabeis o que entendo por “autopiedade”? Autopiedade significa o íntimo sentimento de não poder contar com ninguém; ter intimamente o sentimento de estar abandonado, desprezado; de não ser amado, embora ame; de ter fracassado completamente; de que é necessário ter algum êxito; de ser isto ou de não ser aquilo — a perene “asserção” do próprio “eu”! Em vossas lágrimas, em vossas alegrias, em vossa frustração, em vossas agonias, está o fio, o fio inquebrável, da autopiedade, atravessando toda a vossa vida; e isso é indolência. Foi aí que começastes a submeter-vos, a estabilizar-vos, a “engordar” mentalmente. E todos buscam, nessa indolência, a segurança. E, uma vez firmado esse sentimento de segurança psicológica, ele se torna o sentimento “de onde” agis, “de onde” existis, “de onde” se nutre a vossa vida.

Como disse, não vos limiteis a escutar palavras, mas tratai de observar vossa própria mente, vosso próprio estado de consciência; procurai ver em que grau de exatidão as palavras representam vosso próprio estado; observai vossa própria mente em funcionamento. Então o que estou dizendo terá significação; mas, se vos estais amparando unicamente nas palavras, neste caso estais vazios; e vossas taças jamais se encherão, ainda que fiqueis a buscar por toda a eternidade. Assim, escutar é, com efeito, a observação de vossa própria mente; ver é, com efeito, observar o movimento de vosso próprio pensamento. Porque é o pensamento, a palavra, que vos impede o escutar, o ver. E se desejais compreender, em sua inteireza, o problema do sofrimento, o problema da ação, deveis compreender a autopiedade.

O sofrimento é, ao mesmo tempo, a ação própria e a ação recíproca da autopiedade e da memória. Vós sofreis por terdes perdido alguém; sofreis porque alguém não vos ama; sofreis porque não conseguis um emprego melhor; sofreis porque alguém é mais belo, mais inteligente, mais ativo, mais sensível do que vós. Sois ciumento, invejoso, ávido. Tudo isso são sinais de conflito e de sofrimento. O sofrimento não é uma “crise tremenda” causada por algo incontrolável ou incompreensível. Vós podeis transformar vossa mente de maneira completa, podeis ficar de todo livre do sofrimento e nunca mais serdes por ele atingido.

Se nesta tarde ficardes escutando — escutando realmente, sem esforço algum, sem o desejo de vos livrardes do sofrimento — se puderdes escutar como que num “encantamento”, com naturalidade, com prazer, assim como contemplais o entardecer, o esvoaçar de uma ave ou de uma folha — como se o que escutais não se relacionasse convosco — vereis que a carga do sofrimento será retirada de vossos ombros, não momentaneamente, não por um dia: estareis livre do sofrimento.

Se puderdes compreender o sofrimento — o fato, e não as ideias que formais e nutris a respeito do sofrimento — tereis descoberto o meio de fazê-lo cessar. Existe a ideia do sofrimento e existe o fato real, o sofrimento; são duas coisas diferentes. Em geral, temos a ideia do sofrimento. Se meu filho morre, se perco minha mulher, se alguém não me ama, se não são tão inteligente como vós, a ideia importa mais do que o fato. Não sabemos enfrentar o fato de que há sofrimento (não a ideia de sofrimento).

Por favor, procurai compreender a diferença entre as duas coisas. Porque olhamos o sofrimento através da ideia e, formando ideias a seu respeito, não o olhamos verdadeiramente. O nutrir ideias sobre o penar é autopiedade, é reação da memória e, por conseguinte, não é o sofrimento. A ideia de alimento não é o alimento. Mas a maioria de nós vive de ideias, herdadas ou adquiridas; essa é nossa nutrição mental, com que nos satisfazemos. Por isso, nossa mente se torna embotada, insensível, desatenta, vazia.

Perceber o fato do sofrimento é “estar fora” da autopiedade, livre dela. Autopiedade é uma ideia que temos acerca de nós mesmos. “Porque isso acontece a mim, e não a vós; porque não sou tão poderoso, tão famoso, tão importante, tão popular como sois; porque me foi arrebatado meu filho, minha mulher; porque fui por ela abandonado; porque não sou amado?” — Tudo isso são ideias, nascidas da autopiedade, reações da memória. E com essa autopiedade, com essa reação da memória, olhamos aquilo que consideramos “sofrimento”. O que olhamos, por conseguinte, não é o sofrimento, porém, sim, o movimento da autopiedade. Isso poderá ferir-vos os ouvidos, mas é o fato — o fato psicológico. Se disserdes a uma pessoa que perdeu o pai, a mulher, o irmão, quem quer que seja: “Olhai o fato, não vos deixeis dominar por vossa autopiedade” — essa pessoa vos considerará muito cruel, sem coração, sem compaixão, sem amor.

O fato é que ninguém está livre do sofrimento. Se observardes a vós mesmo em sofrimento, vereis que, só compreendendo-lhe o mecanismo integral, podeis deixar de sofrer. Ao observardes vosso próprio sofrimento, vereis quão estreitamente ele está relacionado com a autopiedade e com todas as lembranças de coisas passadas. São as coisas que passaram e a lembrança que delas guardamos, que geram a autopiedade e o sentimento de solidão. E, assim, o penar continua, dia após dia, mês após mês, até morrerdes. Levantastes em torno de vós mesmo uma muralha de autopiedade, uma muralha de lembranças frustradas. Estais vivendo num túmulo e vossa vida perdeu toda a significação. Daí, investigais o sofrimento, daí ledes livros, daí procurais descobrir como dele escapar.

Por isso, tendes vossos deuses, vossos livros, vossos cinemas, vossas diversões. Todas essas coisas estão no mesmo nível. Se recorreis a uma bebida ou se preferis ir ao templo — é a mesma coisa. Tudo são vias de fuga, nascidas de uma mente que é a própria essência da autopiedade. Não podeis livrar-vos da autopiedade; não digais: “Como me livrarei da autopiedade?” Isso é outra forma de preocupação com vós mesmo e, portanto, autopiedade. O mais que podeis fazer é procurar conhecer o que vos impede de olhar o fato — o sofrimento; o fato — a angústia, a confusão, a desdita que vos envolvem.

Como olhais o fato do sofrimento? Quando o olhais sem autopiedade, sem a recordação das coisas que passaram, há então sofrimento? Se não houvesse a lembrança de meu filho, de como era belo, feliz, o que poderia tornar-se; se não me estou imolando à lembrança dele; se, por meio dele, não “imortalizar” a mim próprio; se nele não depositei tudo — minha própria pessoa, minhas ideias, minhas esperanças, meus temores, minhas frustrações — tudo lembranças de coisas pretéritas — e se a autopiedade e a lembrança das coisas que passaram não existem, há então sofrimento? Não posso, então, olhar o fato com uma mente de todo diferente? Essa mente não é indolente; está livre das coisas que produzem a indolência, a preguiça, a inércia. Isto é, a autopiedade e a lembrança são as causas que tornam a mente embotada; são elas que impedem o completo e instantâneo percebimento do fato. Assim, quem deseja compreender o sofrimento deve compreender todo esse mecanismo de ação egocêntrica e “expansível”, e o mecanismo do hábito, da memória. Vós sois o que sois — um campo de batalha de vossas lembranças, e nada mais. Retirem-se as lembranças da infância, da juventude, de todas as coisas que tendes adquirido, de quantas tendes experimentado e sofrido, das coisas que pensais que sois — e que restará de vós? É o sentimento de solidão, de vazio, de insuficiência, que causa a autopiedade; e esse pensamento gera infinito penar e agitação. Estais-me escutando a fim de vos compreenderdes. E, compreendendo o que estou dizendo, podereis eliminar instantaneamente esse processo da autopiedade.

Não necessitais do tempo. O tempo não é a via da transformação; o tempo nunca produz transformação; o tempo traz a aceitação, o hábito: vós vos acostumais, vos enfastiais, vos tornais embotado, estulto. Mas, para poderdes livrar-vos da “continuidade” da autopiedade, geradora de sofrimento, deveis vê-la incontinenti. E podeis vê-la num instante. Podeis acrescentar-lhe mais particularidades; mas, particularidades não importam, razões nada significam, e não valem as conclusões. A verdade é que sois incapaz de enfrentar o fato — o fato de terdes perdido vosso filho, de não serdes tão inteligente, tão cheio de vitalidade como eu; quando enfrentais esse fato sem autopiedade, estais então livre de mim, já não vos achais num “estado de comparação”.

A mente, pois, se preocupa consigo própria, como o faz a maioria das pessoas. Deveis preocupar-vos com vós mesmos, num certo nível — pois precisais ganhar a vida. Mas a preocupação pessoal num nível mais profundo, no profundo nível psicológico, provoca a inércia, que é indolência. Psicologicamente, interiormente, se vos observardes e ao mundo que vos circunda, podeis ver que vossa ação é simplesmente uma reação, que todas as vossas atividades são reações, “respostas” correspondentes a vossos gostos ou aversões.

Acompanhai-me por mais alguns instantes, pois desejo mostrar que existe uma atividade não resultante de ideia. Vereis que há uma ação procedente da total negação da reação, ação que, por conseguinte, é criadora. Para compreender isso, para penetrar esta questão — que, em verdade, não é complexa, porém requer um estado mental fora do comum — impende compreenderdes as vossas reações, das quais se origina a vossa ação diária. Nós reagimos, nos revoltamos, defendemos, resistimos, adquirimos, submetemo-nos, e tudo isso são reações.

Digo-vos alguma coisa que vos desagrada e, portanto, tratais de fazer algo em reação a isso de que não gostais e que não quereis aceitar. Nesse nível estamos atuando a todas as horas. Fostes educado, condicionado para seguir um certo padrão de vida; esse padrão fica sendo vossa própria vida, vossa norma de vida, interior e exteriormente. E, quando alguém o contesta, vos revoltais, reagis de acordo com vosso condicionamento, consoante os vossos hábitos; dessa reação origina-se outra ação. Vivemos, assim, a mover-nos de reação para reação e, por conseguinte, nunca estamos livres. Esta é uma das origens do sofrimento. Por favor, procurai compreender isso.

Não pode deixar de haver reação. Ao verdes uma coisa feia, vossa mente tem de reagir; ao verdes algo belo, ela tem de reagir; ao verdes uma serpente venenosa, ela tem de reagir; se assim não fosse, estaríeis morto, insensibilizado, desvitalizado, embotado. Mas essa reação difere da reação que a sociedade e vós mesmos desenvolvestes, mediante vossas experiências e que se tornou vosso condicionamento. Se, ao verdes uma árvore, o pôr do sol, não reagis, estais entorpecido. Mas, quando “reagis” em conformidade com vossa autopiedade, com vossas conclusões, vossos hábitos, vossos fracassos, êxitos, esperanças, desesperos — tal reação leva à ação incompleta e, consequentemente, à continuação do conflito e do sofrimento.

Espero estejais percebendo a diferença entre as duas qualidades de reação. A reação que vê e não traduz o que vê segundo seu próprio condicionamento — essa é uma qualidade de reação; é a ação real. E a outra qualidade de reação é aquela que vê e diz: “Isto é belo, quero possuí-lo”. Essa reação procede do condicionamento, da memória, da autocompaixão, do desejo, etc. A reação nascida da ideia é uma coisa, e outra coisa é a reação sem ideia. A reação nascida da “ideação”, de conclusões, de hábitos, de tradições, conduz ao cativeiro, à amargura. E a reação sem ideia, consistente puramente em observar, essa conduz à liberdade — ou, melhor, ela é liberdade — não “conduz”; a liberdade não vos conduz a parte alguma.

Só a mente livre se acha no estado de negação — negação das reações positivas de uma mente condicionada. E só a mente mantida na negação, no estado de negação, pode perceber, num clarão, o que é verdadeiro. Vede, por favor, que não estou dizendo nada de complexo; isto não é complexo, é muito simples. Mas, justamente por causa de sua simplicidade, perdeis seu significado. Porque vossa mente é tão complicada, quereis achar muitas coisas no que estou dizendo — que, afinal de contas, é bem simples. Vossas reações são produto de vosso condicionamento de hinduísta, de homem rico, de homem pobre, de mulher, de homem — do que quer que sejais — com todas as vossas experiências, vossas esperanças, vossos deuses, vossas ânsias, vossos apegos; o condicionamento existe, e vossas reações partem dele. E quanto mais reagis, tanto mais essas reações se aprofundam em vós mesmo. Continuais, assim, no cativeiro de vossas próprias reações, de vossas próprias limitações. Isto é bastante simples. Não requer minuciosa investigação psicológica. Mas, o que verdadeiramente exige energia, atenção, é a negação total das reações positivas da mente condicionada. Ao negardes, observais sem “ideação” sem nenhum pensamento; estais olhando.

Ora, senhores, quando desejais compreender vossos desditosos filhos — desditosos, porque não sabeis educá-los — tratais de mandá-los para escola... e está tudo acabado: as crianças se tornam máquinas.

Não estou fazendo uma preleção sobre educação. Se tendes um filho, deveis observá-lo, prestar-lhe atenção. Se desejais conhecê-lo, não digais que ele deve ser isto ou aquilo, não o obrigueis a fazer isto ou aquilo; observai, aprendei, porque é vosso coração que deve “responder”, e não vossa pequena e feia mentalidade possessiva.

Assim, deveis aprender a conhecer o vosso filho. E não podeis aprender se “respondeis”, se “reagis” como pai, com vossa autoridade, vosso exagerado senso de importância — como se de fato tivésseis criado um mundo maravilhoso! Assim, se desejais compreender uma criança, deveis olhá-la sem pensamento nenhum, descobrir o que ela sente, o que pensa. Ora, se a olhais dessa maneira, vossa mente estará nesse momento vazia, porque estareis interessado na criança. Não a estareis “vestindo” com vossas ideias, vossas esperanças e temores; desejais ver o que ela é.

Pois bem; se sou capaz de olhar o sofrimento — o incidente, a morte de meu filho; se sou capaz de olhar isso, olhar o fato, nesse caso, olho sem nenhuma reação; minha autopiedade e minhas lembranças foram postas de parte. Mas, em geral, nos comprazemos na autopiedade. Não temos outra coisa de que nos nutrirmos e, por conseguinte, a autopiedade se tornou nossa nutrição. Quanto mais velhos ficamos, mais importantes se tornam as lembranças, as coisas pretéritas.

Deste modo, a ação, nascida de reação gera sofrimento. Nossos pensamentos resultam, quase todos, do passado, do tempo. A mente não alicerçada no passado, que bem compreendeu esse “mecanismo” de reação, pode atuar, a cada minuto, de maneira total, completa.

Tende a bondade de escutar, pois o que agora vou dizer será talvez um pouco difícil. Escutai-o, pois, com toda a atenção, como se estivésseis distanciados de mim. Vou falar sobre uma coisa que ireis encontrar, se tiverdes feito com agrado, com prazer, tudo o que indiquei. Depois de terdes examinado todo o mecanismo da ação nascida da reação, e negado essa ação, com enlevo, com alegria — e não com pesar — vereis que, natural e facilmente, alcançareis um estado mental que é a verdadeira essência da beleza.

Importa compreender a beleza. A mente que não é bela, que não se encanta com uma árvore, uma flor, um belo rosto, um sorriso; que não se detém à beira do mar a contemplar as vagas inquietas; que não tem nenhum senso de beleza — essa mente nunca, descobrirá o amor, a verdade. Essa beleza vos foi negada porque ela exige paixão, exige toda a vossa energia, requer atenção completa, não dividida; e essa atenção completa, não dividida, é negação, um estado de negação.

Só do nada pode sair a criação; desse vazio surge aquela criação que é a totalização da energia. Mas vós não podeis alcançá-la. Deveis deixar bem longe a vós mesmo, perder-vos por longe, esquecer-vos; para alcançá-la, deveis estar imaculado, sem lembrança, sem pensamento, sem memória. Porque, aí, nada podeis experimentar, não há experimentar; se buscais experiência, estais ainda preso ao “conhecido”, às coisas de ontem.

Estou falando a respeito da mente não indolente, que não tem autopiedade, que não tem memória, salvo a memória mecânica, necessária ao viver — o lugar onde se reside, o emprego que se exerce, os atos normais da vida. Essa mente não tem “memória psicológica” e, por conseguinte, nada precisa experimentar; por conseguinte, não há “desafio”. Só essa mente é, ela própria, a realidade, a criação, a beleza.

A beleza não está no rosto, por mais delicados que sejam os seus traços. Não é produto da atividade humana. Nem resulta do pensamento, do sentimento. Beleza é aquela comunhão com todas as coisas, sem reação alguma, comunhão com o feio e com o chamado “belo”. Essa comunhão sai do nada; nesse estado há aquela beleza que é Amor.

Krishnamurti, Bombaim, 4 de março de 1962, A mutação Interior


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill