É possível o cérebro tornar-se silencioso?
[...] PERGUNTA: A deterioração mental que se está processando em cada um de nós não resulta de distração?
KRISHNAMURTI: Ora, senhor, por que razão somos distraídos? E porque não devemos ser distraídos? Enquanto vos falo, é distração escutar aquela corrente, escutar os pássaros, ver as folhas reluzindo ao sol? Isso, por certo, só se torna distração, se desejais afastar tudo mais para o lado, a fim de vos concentrardes no que estou dizendo. Distração denota conflito, não achais? Desejais prestar atenção ao que estou dizendo, mas a mente se desvia para o pássaro, o rio, o trem, a folha. Resistis a essas fugas da mente, desejais detê-las, obrigar a mente a voltar e, daí, por conseguinte, resulta distração, conflito. Mas, se, ao contrário, puderdes escutar ao mesmo tempo a corrente e o que se está dizendo, não há distração, não há contradição. Porque estais atento, não estais lutando contra a distração. No momento em que se luta contra a distração, há conflito e, por conseguinte, deterioração.
Assim, para a mente que está atenta não há distração. Experimentai o que estou dizendo. Escutai a corrente, ficai apercebido do pássaro que canta, notai aquela folha — se a estais vendo como eu a vejo, daqui — reluzindo ao sol, vede todas estas pessoas aqui presentes, vestidas de diferentes cores, olhando em direções várias, escutando em diferentes posturas, e não vos irriteis com a importunação destas moscas. Vereis então que não haverá distração alguma, e a mente estará, por conseguinte, sobremaneira vigilante. Mas a mente que está sempre a lutar contra a distração, porque deseja concentrar-se numa dada coisa, acha-se em conflito e, por conseguinte, num estado de deterioração.
PERGUNTA: É possível o cérebro ficar quieto, alguma vez?
KRISHNAMURTI: Este é com efeito um problema tremendo, uma vez que o cérebro é produto do tempo; ele vem à existência pela associação, por meio de reações nervosas, e acumulou durante séculos um cabedal de memória ou conhecimento instintivo, mediante o qual reage. Isto é um fato, e não uma explicação pessoal de cunho especulativo. O cérebro humano desenvolveu-se, do macaco ao homem primitivo e deste ao homem civilizado. Aprendeu, acumulou vastíssima experiência. Sabe quando há perigo, busca o prazer e procura evitar a dor. Tem inumeráveis desejos, ambições, impulsos, exigências, todos a solicitá-lo em diferentes direções.
Ora bem, em vista de tudo isso, a questão é se é possível ao cérebro — que acumulou tão extraordinária soma de experiência, na forma de memória, e que, neurologicamente é sensível, está sempre à escuta, observando, sentindo, interpretando — se é possível ao cérebro, em tais condições, ficar completamente quieto. Pode ele manter-se ativo, sensível, e ao mesmo tempo completamente tranquilo? Digo que pode, não teoricamente, porém de fato; e é só então que a mente, o cérebro, é capaz de meditação. O ato da meditação é uma coisa maravilhosa — mas não tratarei disto nesta manhã.
O interrogante, pois, deseja saber se é possível ao cérebro tornar-se quieto — esse cérebro tão altamente desenvolvido, com seu enorme cabedal de memória, mediante o qual está constantemente reagindo. Sendo produto de associação, experiência, de memória, resultado do tempo, pode, em algum tempo, o cérebro ficar quieto? A maioria das pessoas se acha em conflito, dividida por inumeráveis desejos: desejo de preencher-se, pintando, escrevendo, fazendo isto ou aquilo. Desejam tornar-se conhecidas, tornar-se alguém, neste mundo monstruoso e estúpido. E, nessas condições, pode o cérebro — que tanto é o consciente como o inconsciente — ficar totalmente silencioso? Se pode, de que maneira poderá saltar de um estado para o outro? Iremos examinando esse problema enquanto formos prosseguindo.
Krishnamurti, Saanen, 7 de julho de 1963,
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