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sexta-feira, 20 de abril de 2018

Viver no presente é viver sem desespero

Viver no presente é viver sem desespero

Estivemos considerando muitos problemas atinentes à nossa vida cotidiana, pois, sem a compreensão desses cotidianos problemas de conflito, avidez, inveja, ambição, agonias do amor — sem a completa compreensão deles, é totalmente impossível a uma pessoa descobrir, por si própria, se algo existe além das coisas construídas pelo cérebro: a "respeitável" moralidade da rotina diária, as invenções das numerosas igrejas do mundo inteiro, o muito óbvio ponto de vista materialista e a atitude intelectual perante a vida.

Ora, a meu ver, todo problema humano que continua a ser "um problema" há de, inevitavelmente, embotar e insensibilizar a mente, porque esta fica a dar voltas e mais voltas, sem conseguir sair de sua confusão e aflição. É, portanto, vitalmente necessário compreender e liquidar cada problema logo que surge. Creio que raros dentre nós compreendemos que qualquer problema humano que não seja imediatamente resolvido confere à mente um senso de continuidade, com infinito conflito, que torna a mente insensível, embotada, estúpida. Este fato precisa ser claramente compreendido; é necessário, igualmente, compreender que não estamos falando com base em nenhum sistema de filosofia, ou considerando a vida segundo determinada linha de pensamento. Como sabeis, temos examinado várias questões — mas não de um ponto de vista oriental ou ocidental. Tratamos de cada problema, não como cristãos ou hinduístas, ou budistas-zen, ou de qualquer outro ponto de vista tendencioso, porém, tão só, como entes humanos racionais, inteligentes, livres de tendências e neuroses.

Desejo apreciar nesta manhã uma questão importante, ou seja a morte — não só a morte do indivíduo, mas também a morte como ideia que vimos mantendo há séculos como problema, sem o termos até hoje resolvido. Há, não só o medo individual à morte, mas também uma monstruosa atitude coletiva em relação à morte — tanto na Ásia como nos países ocidentais — atitude que precisa ser compreendida. Vamos, pois, considerar juntos esta importante questão.

Quando consideramos um vasto e importante problema, as palavras só têm o fim de possibilitar a comunicação, a comunhão entre nós. Mas, as próprias palavras podem facilmente tornar-se um obstáculo, quando se está tentando compreender esta profunda questão da morte, a menos que lhe dispensemos atenção completa e não tratemos, apenas verbal, leviana ou intelectualmente, de descobrir uma razão para sua existência.

Antes, ou mesmo no mecanismo de compreender essa coisa extraordinária chamada a morte, teremos também de compreender o significado do tempo, outro fator importante em nossa vida. O pensamento cria o tempo, e o tempo controla e modela nosso pensamento. Estou empregando a palavra "tempo", não apenas no sentido cronológico — ontem, hoje e amanhã — mas também no sentido psicológico — o tempo que o pensamento inventou, para alcançar, realizar, adiar. Ambos (o tempo cronológico e o tempo psicológico) são fatores em nossa vida, não? Precisamos estar apercebidos do tempo cronológico, pois de outro modo não poderíamos reunir-nos aqui às onze horas. O tempo cronológico é evidentemente necessário, nos eventos de nossa vida; esta é uma questão simples e clara, que não há necessidade de examinarmos muito profundamente. Assim, o que temos de explorar, discutir e compreender é o mecanismo psicológico que chamamos "tempo".

Por favor, como tenho dito em cada uma de nossas reuniões, se vos limitardes a escutar as palavras, acho que não poderemos ir muito longe. Em geral, somos escravos das palavras e dos conceitos ou fórmulas resultantes de combinações de palavras. Não façais pouco caso disto, pois cada um de nós tem sua fórmula, conceito, ideia, ideal — racional, irracional, ou neurótico — em conformidade com o qual estamos vivendo. A mente se está orientando por um certo padrão, uma determinada série de palavras, combinadas em conceito ou fórmula. Isto é verdade em relação a cada um de nós, e não vos enganeis a esse respeito — existe uma ideia, um padrão segundo o qual estamos moldando nossa vida. Mas, se desejamos compreender esta questão da morte e da vida, têm de desaparecer definitivamente todas as fórmulas, padrões e "ideações" — que só existem porque não compreendemos o viver. O homem que está vivendo total e completamente, sem medo, nenhuma ideia tem a respeito do viver. Sua ação é pensamento, e seu pensamento é ação; não são duas coisas separadas. Mas, porque tememos a coisa chamada "morte", separamo-la da vida; colocamos a vida e a morte em dais compartimentos estanques, separados por largo espaço, e vivemos em conformidade com a palavra, a fórmula do passado, a tradição do que foi; e a mente que se acha enredada nesse mecanismo nunca terá a possibilidade de ver todas as implicações da morte, e da vida, nem tampouco de compreender o que é a verdade.

Se, investigando junto comigo esta questão, a estais investigando como cristão, budista, hinduísta, ou o que quer que seja, vos vereis completamente confusos. E se, para esta investigação, trouxerdes o resíduo de vossas numerosas experiências, o conhecimento adquirido dos livros e de outras pessoas, também assim não só ficareis desapontados, mas também algo confusos. O homem que realmente deseja investigar, deve estar, em primeiro lugar, livre de todas estas coisas, que constituem seu background, seu cabedal — e aí se encontra nossa maior dificuldade. Precisamos libertar-nos do passado, mas não como reação, porque, sem essa liberdade, não é possível descobrir-se nada novo. A compreensão é liberdade. Mas, como disse há dias, mui poucos de nós desejamos ser livres. Preferimos viver numa protetora estrutura construída por nós mesmos ou pela sociedade. Toda perturbação que se verifica dentro desse padrão causa-nos grande inquietação, e, a ver-nos perturbados, preferimos uma vida de negligência, morte e declínio.

Para investigarmos esta imensa questão da morte, não só devemos estar apercebidos, sem escolha, de nossa escravidão às fórmulas, aos conceitos, mas também de nossos temores, nosso desejo de continuidade, etc. Para investigar, é necessário chegar-nos ao problema de maneira nova. Notai por favor, que isto é muito importante. A mente deve estar lúcida e não embargada por nenhum conceito ou ideia, para podermos examinar uma coisa tão extraordinária, como deve ser a morte. A morte deve ser algo extraordinário, e não essa coisa que procuramos "enganar" e que tanto tememos.

Psicologicamente, somos escravos do tempo — que é a memória de ontem, do passado, com todo o seu acúmulo de experiências; não só nossa memória como pessoa particular, mas também a memória do "coletivo", da raça, do homem através das idades. O passado se constitui dos sofrimentos do homem, individuais e coletivos, de suas aflições, alegrias, sua tremenda luta com a vida, com a morte, com a verdade, com a sociedade. Tudo isso é o passado — o "ontem" milhares de vezes multiplicado; e, para quase todos nós, o presente é o movimento do passado para o futuro. Não há essas divisões rigorosas de passado, presente e futuro. O que foi, modificado pelo presente, é o que será. Isso é tudo o que sabemos. O futuro é o passado, modificado pelos acidentes do presente; o amanhã é o ontem, remodelado pelas experiências, as reações e o conhecimento de hoje. É a isso que chamamos "tempo".

O tempo é coisa que foi construída pelo cérebro, e este, a seu turno, é resultado do tempo, de milhares de dias passados. Todo pensamento é resultado do tempo, reação da memória de ontem, das ânsias, frustrações, fracassos, sofrimentos, iminentes perigos; e com esse fundo consideramos a vida, consideramos todas as coisas. Se há Deus, se não há, qual a função do Estado, a natureza das relações, como superarmos ou ajustarmo-nos ao ciúme, à ansiedade, ao sentimento de culpa, ao desespero, ao sofrimento — todas estas questões consideramos com aquele fundo temporal.

Ora, o que quer, que consideremos com esse fundo, se desfigura; e quando é muito grande a crise que nos exige atenção e a olhamos com os olhos do passado, atuamos neuroticamente, como o faz a maioria de nós, ou construímos para nós mesmos uma muralha de resistência a ela (a crise). Tal é o inteiro mecanismo de nossa vida.

Notai, por favor, que estou expondo tudo isso verbalmente, mas se olhardes apenas as palavras e não observardes vosso próprio mecanismo de pensar — e isso significa vos verdes tais como sois — então, não levareis, ao sairdes daqui, nesta manhã, uma compreensão completa da morte; e essa compreensão é necessária, para que possais ficar livres do medo e ingressar numa esfera completamente diferente.

Como vimos, estamos perenemente traduzindo o presente em termos do passado, e desse modo conferindo continuidade ao que foi. Para a maioria de nós, o presente é a continuação do passado. Encontramo-nos com os sucessos diários de nossa vida — que têm sempre sua novidade, seu significado — com o peso morto do passado, criando dessa maneira aquilo que denominamos "futuro". Se tiverdes observado vossa própria mente, não apenas a consciente, mas também a inconsciente, sabereis que ela é o passado, que nela nada existe de novo, nada que não esteja corrompido pelo passado, pelo tempo. E há aquilo que chamamos "o presente". Existe um presente não contaminado pelo passado? Existe presente que não condicione o futuro?

Provavelmente nunca pensastes nisto, e teremos de examiná-lo um pouquinho. Em geral, só queremos viver no presente, porque o passado é tão pesado, tão oneroso, tão inesgotável, e o futuro tão incerto. A mente moderna diz: "Vivei completamente no presente. Não vos preocupeis com o que irá acontecer amanhã, porém vivei para hoje. A vida, de qualquer maneira, é tão aflitiva, e já nos bastam os males de um só dia; portanto, vivei cada dia completamente, e esquecei tudo o mais". Isso, obviamente, é uma filosofia do desespero.

Ora, é possível viver-se no presente sem se trazer para ele o tempo, que é o passado? Decerto, só podeis viver nessa totalidade do presente quando compreendeis a totalidade do passado. Morrer para o tempo é viver no presente; e só se pode viver no presente após compreender-se o passado — e que significa que devemos compreender nossa própria mente, não apenas a mente consciente, que frequenta diariamente o escritório, que acumula conhecimentos e experiência, que tem reações superficiais, etc., mas também a mente inconsciente, na qual estão sepultadas as tradições acumuladas, da família, do grupo, da raça. Sepultado no inconsciente se acha também o imenso sofrer do homem e o medo à morte. Tudo isso é o passado, que sois vós mesmo — e deveis compreendê-lo. Se o não tiverdes compreendido; se não tiverdes investigado os movimentos de vossa própria mente e coração, de vossa avidez e sofrimento; se não vos conhecerdes completamente, não podereis viver no presente. Viver no presente é morrer para o passado. No mecanismo de compreensão de vós mesmo vos tornais livre do passado, que constitui vosso condicionamento — vosso condicionamento de comunista, de católico, protestante, hinduísta, budista, o condicionamento que vos foi imposto pela sociedade, e por vossa própria avidez, inveja, ânsias, desesperos, pesares e frustrações. É vosso condicionamento que dá continuidade ao "eu", ao "ego".

Como outro dia apontei, se não conheceis a vós mesmo — tanto vossos estados conscientes como os inconscientes toda a vossa investigação se desviará, receberá uma tendência. Não tereis base para o pensar racional, claro, lógico, são. Vosso pensar seguirá um certo padrão, uma certa fórmula ou sistema de ideias — mas isso não constitui o pensar verdadeiro. Para se pensar lúcida e logicamente, sem se tornar neurótico, sem se deixar prender a nenhuma forma de ilusão, é necessário compreender todo esse mecanismo da própria consciência, construído pelo tempo, pelo passado. Mas, pode-se viver sem o passado? Isso, por certo, é morte. Entendeis? Voltaremos à questão do presente, após vermos, por nós mesmos o que é a morte.

Que é a morte? Eis uma pergunta que interessa a moços e velhos; portanto, fazei-a a vós mesmo. A morte significa apenas o findar do organismo físico? É disso que temos medo? É nosso corpo que desejamos continue a existir? Ou é por uma outra forma de continuidade que ansiamos? Todos percebemos que o corpo, a entidade física se gasta pelo uso, por ação de várias pressões, influências, conflitos, ânsias, exigências, sofrimentos. Alguns provavelmente gostariam se se pudesse fazer o corpo durar cento e cinquenta anos ou mais, e é possível que os médicos e cientistas possam, juntos, encontrar afinal alguma maneira de prolongar a agonia em que em regra vivemos. Mas, mais cedo ou mais tarde, o corpo morre, o organismo físico chega a seu fim. Como qualquer máquina, acaba por desgastar-se.

Para a maioria de nós, a morte é algo muito mais profundo do que o findar do corpo, e todas as religiões prometem uma certa espécie de vida além da morte. Ansiamos por uma continuidade; queremos uma garantia de que algo subsistirá após a morte do corpo. Esperamos que a psique, o ego — esse ego que muito experimentou, lutou, adquiriu, aprendeu, sofreu, gozou; esse ego que no Ocidente se chama "alma" e que tem outro nome no Oriente — esperamos que esse ego subsista. Assim, o que nos interessa é a continuidade, e não a morte. Não queremos saber o que é a morte; não querermos conhecer o extraordinário milagre, a beleza, a profundeza, a vastidão da morte. Não desejamos investigar essa coisa que desconhecemos. O que queremos é só — subsistir. Dizemos: "Eu, que vivo há quarenta, sessenta, oitenta anos; eu, que tenho minha casa, minha família, meus filhos e netos; eu, que há tantos anos frequento diariamente o escritório; eu, com minhas contendas e apetites sexuais — quero continuar a viver." Só isso nos interessa. Sabemos que há morte, que é inevitável o findar do corpo físico e, por conseguinte, dizemos: "Preciso de uma garantia da continuidade de mim mesmo após a morte". Eis porque temos crenças, dogmas, ressurreição, reencarnação — mil-e-uma maneiras de fugir à realidade da morte; e, quando nos vemos em guerra, erguemos cruzes em intenção dos desventurados que tombaram. Essa coisa vem acontecendo há milênios.

Ora, em verdade nunca nos aplicamos de corpo e alma a investigar o que é a morte. Dela só nos abeiramos com a condição de nos ser garantida a continuidade numa vida futura. Dizemos: "Desejo que o "conhecido" continue existente" — e esse "conhecido" são nossas qualidades, nossas capacidades, a lembrança de nossas experiências, de nossas lutas, preenchimentos, frustrações, ambições; e, também, nosso nome e nossas posses. Tudo isso é o "conhecido", que desejamos continue a existir todo inteiro. Uma vez nos seja dada a certeza dessa continuidade, talvez então desejemos investigar o que é a morte e se existe o "desconhecido" — que deve ser algo maravilhoso que cumpre descobrir.

Estais vendo, pois, a dificuldade. O que desejamos é a continuidade, e nunca perguntamos a nós mesmos o que é que constitui a continuidade, que dá origem a essa cadeia, esse movimento da continuidade. Se observardes bem, vereis que é o pensamento, e nada mais, que nos dá a noção da continuidade. Por meio do pensamento vos identificais com vossa família, vossa casa, vossos quadros ou poesias, com vosso caráter, vossas frustrações, vossas alegrias. Quanto mais pensais num dado problema, tanto mais fortaleceis a raiz e a continuidade desse problema. Se gostais de alguém, pensais nessa pessoa, e esse próprio pensamento dá a noção de continuidade no tempo. É claro que deveis pensar; mas sois capaz de pensar momentaneamente e depois abandonar o pensamento? Se não dissésseis: "Eu gosto disso, é coisa minha — é meu quadro, uma expressão de minha personalidade, meu Deus, minha mulher, minha virtude — e quero conservá-lo" — se não dissésseis tal coisa, não teríeis nenhum sentimento de continuidade no tempo. Mas, nunca pensais em cada problema de maneira clara e completa. Há sempre o prazer que desejais conservar, e a dor de que desejais livrar-vos, o que significa que pensais em ambas essas coisas; e, assim, o pensamento dá continuidade a ambas. O que chamamos "pensamento" é reação da memória, da associação — essencialmente a mesma coisa que a "reação" de um computador; e chegastes ao ponto em que, por vós mesmo, percebeis a verdade disso.

Em geral, não desejamos descobrir por nós mesmos o que é a morte; pelo contrário, desejamos continuar a existir no "conhecido". Se morre meu irmão, meu filho, minha mulher ou marido, fico aflito, sozinho, a lastimar-me, sendo isso o que chamo "sofrimento", e sigo vivendo nesse perturbado, confuso, lastimável estado. Separo a morte da vida, desta vida de disputas, amarguras, desespero, desilusões, frustrações, humilhações, insultos, porque esta é a vida que conheço, e a morte eu desconheço. A crença e o dogma me satisfazem, até morrer; e é isso o que em geral, nos acontece.

Ora, esse senso de continuidade que o pensamento dá á consciência é inteiramente superficial, como se pode ver. Nele, não há nada de misterioso ou de nobilitante; e, ao compreenderdes o seu total significado, pensareis, quando necessário, clara, lógica, sãmente, sem sentimentalismo, sem a constante ânsia de preenchimento, de ser ou vir a ser alguém. Sabereis, então, viver no presente; e viver no presente significa morrer de momento a momento. Sereis então capaz de investigar porque vossa mente, nada temendo, não tem ilusões. Ser sem ilusões é absolutamente necessário, e só há ilusões enquanto existe medo. Não havendo medo, não há ilusão. Nasce a ilusão quando o medo se enraíza na segurança — segurança, na forma de determinada relação, de uma casa, uma crença, ou na forma de posição e de prestígio. O medo cria a ilusão. Enquanto existir o medo, a mente estará enredada em várias formas de ilusão e, por conseguinte, nenhuma possibilidade terá de compreender a morte.

Vamos agora investigar o que é a morte — eu, pelo menos, o vou investigar, expor; mas vós só compreendereis a morte, só podereis com ela viver completamente, conhecer-lhe a profundeza, o significado pleno, quando não tiverdes medo e, por conseguinte, nenhuma ilusão. Estar livre do medo é estar vivendo completamente no presente, e isso significa que não se está funcionando mecanicamente no hábito da memória. De modo geral, estamos interessados na reencarnação, ou em saber se continuaremos a viver após a morte do corpo — e tudo isso é muito fútil. Já compreendemos a futilidade desse desejo de continuidade? Percebemos que é, cinicamente, o "mecanismo" do pensar, a máquina do pensamento, que exige continuidade? Uma vez tenhais percebido esse fato, compreendereis a extrema superficialidade, a estupidez de tal exigência. O "eu" subsiste após a morte? Que importa isso? E que é esse "eu" que desejais continue existente? Vossos prazeres e sonhos, vossas esperanças, desesperos e alegrias, vossas posses e o nome de que sois portador, vosso insignificante caráter e o conhecimento que adquiristes em vossa vida angustiada, estreita, conhecimento que foi acrescentado pelos professores, pelos literatos, pelos artistas. E isso que desejais subsista, só isso.

Ora, quer sejais velho, quer moço, tendes de acabar com tudo isso — extirpá-lo radicalmente, "cirurgicamente", à maneira do operador com seu bisturi. A mente se torna então sem ilusão e sem medo; por conseguinte, é capaz de observar e de compreender o que é a morte. O medo existe por causa do nosso desejo de conservar o "conhecido". O "conhecido" é o passado vivente no presente e a modificar o futuro. Assim é nossa vida, dia após dia, ano após ano, até morrermos; e como pode essa mente compreender aquilo que não tem "tempo", que não tem "motivo", que é totalmente desconhecido?

Compreendeis? A vida é o desconhecido, e vós tendes ideias a respeito dela. Evitais encarar a morte, ou tratais de racionalizá-la, dizendo-a inevitável; ou tendes uma crença que vos dá consolo, esperança. Mas, só a mente amadurecida, a mente sem medo, sem ilusão, e sem essa estúpida busca de "auto-expressão" e de continuidade — só essa mente pode observar e descobrir o que é a morte, já que sabe viver no presente.

Prestai atenção a isto, por favor: Viver no presente é viver sem desespero, porque não há apego ao passado, nem esperança para o futuro; por conseguinte, a mente diz: "O hoje me basta". Ela não foge ao passado, nem fecha os olhos ao futuro, porém compreendeu a totalidade da consciência, que não é só individual, mas também coletiva, e, por conseguinte, não existe nenhum "eu" separado da multidão. Com a compreensão total de si própria, compreendeu a mente tanto o "particular" como o "universal"; por conseguinte, rejeitou a ambição, o preconceito, o prestígio social. Tudo isso desapareceu da mente que está vivendo toda no presente e, por conseguinte, morrendo, a cada minuto do dia, para tudo o que se torna conhecido. Vereis, então, se tiverdes chegado até ai, que a morte e a vida são uma só coisa. Estais vivendo totalmente no presente, completamente atento, sem escolha, sem esforço. A mente está sempre vazia, e desse vazio vós olhais, observais, compreendeis, e, por conseguinte, viver é morrer. O que tem continuidade nunca pode ser criador. Só o que finda pode saber o que é criar. Quando a vida é também morte, existe a Verdade, há criação; porque a morte é o desconhecido, como o são a Verdade e o Amor.

Desejais fazer perguntas e debater sobre o que estivemos dizendo nesta manhã?

PERGUNTA: Morrer é ato de vontade, ou é o próprio desconhecido?

KRISHNAMURTI: Senhor, já morrestes, alguma vez, para vosso prazer — morrestes para ele, simplesmente, sem argumentar, sem reagir, sem procurar criar condições especiais, sem perguntar de que maneira abandoná-lo ou porque deveis abandoná-lo? Tereis de fazer isto ao morrerdes fisicamente, não é verdade? Com a morte não se discute. Não se pode dizer à morte: "Dai-me mais alguns dias de vida". Não há esforço de vontade no morrer — morremos, pura e simplesmente. Ou já morrestes alguma vez para vossos desesperos, ambições — abandonando tudo isso, simplesmente, pondo-o de lado, como a folha que morre no outono, sem nenhuma batalha da vontade, nem ansiedade sobre o que vos irá suceder se o fizerdes? Já fizestes isso? Parece-me que não. Quando sairdes daqui, morrei para algo a que estais apegado — vosso hábito de fumar, vosso apetite sexual, vossa ânsia de ser famoso, como artista, como poeta, como isto ou aquilo. Abandonai isso, simplesmente, varrei-o para o lado, como o farteis com qualquer coisa estúpida — sem esforço, sem escolha, sem decisão. Se vosso morrer for total — e não apenas o desistir de fumar cigarros ou de beber — de que fazeis um problema tremendo — sabereis o que significa viver no momento presente — supremamente, sem nenhum esforço, com todo o vosso ser; e então, talvez, uma porta se vos abrirá para o Desconhecido.

Krishnamurti, Saanen, 21 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill