Enquanto somos bem jovens, a maioria de nós talvez não seja grandemente afetada pelos conflitos da vida, pelas preocupações, pelas alegrias passageiras, pelos desastres físicos, pelo medo da morte e as distorções mentais que pesam sobre a geração mais velha. Felizmente, enquanto somos jovens, a maioria de nós ainda não se encontra no campo da batalha da vida. Mas, à medida que envelhecemos, os problemas, as angústias, as dúvidas, as lutas econômicas e interiores, tudo isso começa a acumular-se em nós, e então desejamos encontrar o sentido da vida, queremos saber o que ela significa. Ficamos perplexos com os conflitos, com as dores, com a pobreza, com os desastres. Queremos saber porque algumas pessoas estão bem colocadas e outras não; porque um ser humano tem saúde, é inteligente, bem-dotado, capaz, ao passo que o outro não o é. E se somos pouco exigentes, ficamos logo presos a uma hipótese, a alguma teoria ou crença; encontramos uma resposta, mas não é nunca a verdadeira resposta. Verificamos que a vida é feia, dolorosa, triste, e começamos a inquirir; mas não tendo suficiente confiança própria, vigor, inteligência, inocência, para continuar inquirindo, somos logo colhidos nas malhas de alguma teoria ou crença, especulação ou doutrina que explique satisfatoriamente tudo isso. Aos poucos nossas crenças e dogmas se tornam profundamente enraizados e inabaláveis, porque por detrás deles está um constante medo do desconhecido. Nunca examinamos o medo; desviamo-nos dele e nos refugiamos nas crenças — a cristão, a budista, a hindu — verificamos que elas dividem as pessoas. Cada conjunto de dogmas e crenças possui uma série de rituais, uma série de compulsões que amarram a mente e separam um homem do outro.
Então começamos a inquirir para tentar descobrir a verdade, o significado de toda essa miséria, dessa luta, dessa dor, e acabamos com um conjunto de crenças, rituais, teorias. Não temos a necessária confiança própria, nem vigor, nem inocência, para afastar a crença para um lado e inquirir; desse modo, a crença passa a atuar como um fator de deterioração em nossa vida.
A crença é corruptora porque atrás dela e dos ideais de moralidade aninha-se o "eu", o ego — o ego que está cada vez maior e mais poderoso. Achamos que crer em Deus é religião. Consideramos que crer é ser religioso. Se vocês não creem, serão considerados ateus e condenados pela sociedade. Uma sociedade condena os que não creem em Deus, e outra condena os que nele creem. Ambas são uma só e a mesma coisa.
Nessas condições, a religião se torna uma questão de crer, e o crer atua como uma limitação sobre a mente; então a mente nunca é livre. Mas é só em liberdade que vocês podem encontrar a verdade, Deus; não através de uma crença; porque a crença projeta o que vocês pensam que deveria ser Deus, o que vocês acreditam que deva ser a verdade. Se vocês creem que Deus é amor, que Deus é bom, que Deus é isto ou aquilo, sua própria crença lhes impede de compreender o que seja Deus, o que seja a verdade. Mas o caso é que vocês desejam esquecer-se numa crença; querem sacrificar-se; desejam emular outrem, abandonar essa luta constante que prossegue dentro de vocês e buscar a virtude.
Sua vida é uma luta constante em que há tristeza, sofrimento, ambição, prazeres transitórios, felicidade que vem e vai; então a mente quer algo grandioso em que se apegar, algo além de si mesma com que possa identificar-se. A isso ela chama Deus, verdade, e identifica-se com tal coisa através da crença, da convicção, da racionalização, de várias formas de disciplina e moralidade idealista. Mas essa coisa grandiosa, que cria especulação, ainda faz parte do "eu", é coisa projetada pela mente em seu desejo de escapar às tormentas da vida.
Identificamo-nos com uma pátria — a Índia, a Inglaterra, a Alemanha, a Rússia, os Estados Unidos. Vocês pensam em si mesmos como sendo hindus. Por que? Por que se identificam com a Índia? Já examinaram isso, já foram além das palavras que lhes captaram a mente? Vivendo numa cidade ou num pequeno vilarejo, levando uma vida miserável com suas lutas e conflitos familiares, estando insatisfeitos, descontentes, infelizes, vocês se identificam com uma pátria, chamada Índia. Isto lhe dá uma sensação de grandeza, de importância, uma satisfação psicológica, então dizem: "Sou indiano"; e por isso estão dispostos a matar, a morrer ou aleijar-se.
Da mesma forma, porque vocês são realmente insignificantes e estão em constante batalha consigo mesmos e com os outros, porque estão confusos, angustiados, incertos, porque sabem que há morte, vocês se identificam com algo mais além, algo vasto, importante, cheio de significado, a quem chamam de Deus. Essa identificação com aquilo a que chamam de Deus dá-lhes uma sensação de enorme importância, e vocês se sentem felizes. Portanto, a identificação de vocês com algo maior é um processo de auto-expansão; é, ainda, a luta do "eu", do ego.
A religião, como geralmente a conhecemos, consiste numa série de crenças, dogmas, rituais, superstições; é a adoração de ídolos, de amuletos e de gurus, e achamos que tudo isso nos levará a alguma meta fundamental. A meta fundamental é a nossa própria projeção; é aquilo que desejamos, o que pensamos que nos tornará felizes, uma garantia de imortalidade. Presa a esse desejo de certeza, a mente cria uma religião de dogmas, de hierarquia clerical, de superstições e de adoração de ídolos; e aí ela se estagna. Será isso religião? Religião é uma questão de crença, uma questão de aceitação ou de tomada de conhecimento das experiências e afirmações de outras pessoas? É religião a mera prática da moralidade? É comparativamente fácil levar uma vida digna — fazer isto e não fazer aquilo. Vocês podem simplesmente imitar um sistema moral. Mas por trás dessa moralidade aninha-se o ego agressivo, crescendo, expandindo-se, dominando. Será isso religião?
Vocês precisam descobrir o que é a verdade, porque isto é o que realmente importa — não o fato de vocês serem ricos ou pobres, se estão satisfatoriamente casados e têm filhos, pois todas essas coisas têm fim; e sempre há morte. Por isso, sem qualquer forma de crença, vocês precisam ter o vigor, a confiança própria, iniciativa de descobrir por si mesmos o que seja a verdade, o que é Deus. Crenças não libertarão suas mentes; a crença só corrompe, aprisiona, escurece. A mente só pode ser livre através de seu próprio vigor e confiança.
Certamente, uma das funções da educação é criar indivíduos que não sejam prisioneiros de nenhuma força de crença, de nenhum modelo de moral ou de respeitabilidade. É o "eu" que meramente procura tornar-se moral, respeitável. O indivíduo verdadeiramente religioso é aquele que descobre, que diretamente experimenta o que é Deus, o que é a verdade. Essa experiência direta nunca é possível mediante qualquer forma de crença, ritual, seguimento ou adoração de outro. A mente verdadeiramente religiosa é livre de todos os gurus. Vocês, como indivíduos, à medida que crescem e vivem suas vidas, podem descobrir a verdade a cada momento, e portanto são capazes de ser livres.
(...) O indivíduo precisa despertar a própria inteligência, não através de alguma forma de disciplina, resistência, compulsão, coerção, mas sim através da liberdade. É só pela inteligência nascida da liberdade que o indivíduo pode descobrir o que está por trás da mente. Essa imensidão — o inominável, o ilimitado, aquilo que não é mensurável por meio de palavras e em que há o amor que não procede da mente — precisa ser experimentado diretamente. A mente não pode concebê-lo; portanto, ela precisa estar muito quieta, extraordinariamente tranquila, sem nenhum exigência nem desejo. Só então será possível existir aquilo que pode ser chamado Deus ou de realidade.
Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA