Nosso problema é... saber se o homem vive para o bem da sociedade ou se a sociedade existe para o bem-estar do homem. A religião e o governo existem para educar o homem, tornando-o livre para descobrir por si mesmo o que é verdadeiro, ensinando-o a ser bom, a ter visão do grandioso? Ou existem para tiranizar o homem, brutalizá-lo, liquidá-lo, só porque uns poucos têm o poder de destruir?... O que tem importância... é averiguar porque razão a sociedade compele o homem ao conformismo, e porque o indivíduo se submete a isso. Sem dúvida, só a mente livre é capaz de investigar, e não aquela que está amarrada a um livro, uma religião organizada, uma ideologia. Uma sociedade que condiciona a mente para adorar ao Estado, e uma sociedade que condiciona a mente para adorar a ideia chamada "Deus", são igualmente tirânicas.
Mas, pode existir uma sociedade que ajude efetivamente o homem, o indivíduo, a ser bom, a não ser ávido, a ser livre da inveja, da ambição? É este naturalmente o nosso interesse. O homem só pode ser bom quando é livre — livre, não para fazer o que bem entende, mas para compreender o movimento total da vida. Para isso requer-se uma escola completamente diferente, uma educação completamente diferente; requerem-se pais e professores que compreendam tudo o que a liberdade implica. De outro modo, só teremos mais tirania, e não menos, porque o Estado só quer eficiência. Precisa-se de homens eficientes para se ter uma nação industrializada, precisa-se de homens eficientes para matar, lutar, destruir — e nisto se concentra toda a atenção dos governos atualmente existentes. E os governos se separam ainda mais dos indivíduos, pela ação das chamadas religiões. Nenhuma religião organizada ousa sacudir o jugo e dizer para o governo: "Você está errado". Ao contrário, abençoam os canhões e cruzadores de batalha. Durante a última guerra apareceu um livro intitulado "Deus foi meu co-piloto" de autoria de um homem que bombardeara cidades, assassinando milhões de pessoas. Naturalmente aqui em Madanapale, esta questão da guerra não lhes toca de perto. Mas não há dúvida de que a guerra é apenas uma expressão, uma manifestação ampliada de nossa vida de cada dia. Vivemos numa batalha sem tréguas com nós mesmos e com o nosso próximo, somos ambiciosos, queremos poder, mais prestígio, posição mais alta; e este mesmo espírito aquisitivo se manifesta no grupo e na nação. Queremos ser poderosos, para defender a nós mesmos ou para agredir a outros, assim por diante...
Não importa, pois, o que você pensa ou o que eu penso a respeito do comunismo ou da democracia; o que importa é descobrir como se pode libertar a mente. Porque, só a mente livre é capaz de compreender a Verdade, conhecer Deus, e sem esta compreensão a vida significa muito pouco. É a compreensão da Verdade ou Deus — a real experiência dele, não a crença nele — que tem a máxima importância, principalmente nesta hora em que o mundo se encontra em tamanho caos e miséria.
Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA
Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA