Naquela manhã, um grupo de jovens
invadira a casa. Cerca de trinta estudantes de várias universidades. Um dos
rapazes começou a falar, com lábios trêmulos e a cabeça baixa.
“Quero viver uma vida diferente. Não
me quero ver escravizado ao sexo, às drogas, empenhado na “corrida dos ratos”. Desejo
viver fora deste mundo e, todavia, estou preso a ele. Pratico o ato sexual e no
dia seguinte me sinto totalmente deprimido. Sei que desejo viver pacificamente,
com amor no coração, mas sou arrebatado por meus impulsos, pela força da
sociedade em que vivo. Quero obedecer a esses impulsos e, entretanto, ao mesmo
tempo me revolto contra eles. Quero viver no cume da montanha, mas estou sempre
a descer ao vale, porque minha vida está lá. Não sei o que fazer. Começo a
aborrecer-me com tudo. Meus pais não podem socorrer-me e tampouco os
professores com que às vezes procuro conversar sobre estes assuntos. Eles se
acham tão confusos e aflitos como eu, de fato mais do que eu, porque são muito
mais velhos.”
O importante é nunca chegar a uma
conclusão, ou a alguma decisão pró ou contra o sexo, nunca se deixar enredar em
ideologias conceptuais. Olhemos todo o quadro de nossa existência. O monge faz
voto de celibato porque pensa que, para ganhar o seu céu, deve evitar todo o
contato com uma mulher; mas, por todo o resto da vida luta contra suas exigências
físicas; em conflito com o céu e a terra, passa o resto dos seus dias na
escuridão, em busca da luz. Cada um de nós está empenhado nesta mesma batalha
psicológica, tal como o monge consumido de desejos e procurando reprimi-los em
troca da promessa do paraíso. Nós temos um corpo físico, com suas exigências. Essas
exigências são estimuladas e influenciadas pela sociedade em que vivemos, pelos
anúncios, pelas moças semi-nuas, pelo insistente desejo de divertimento,
recreação, entretenimento, e pela moralidade da sociedade, a moralidade da
ordem social, que é desordem e imoralidade. Fisicamente somos estimulados —
comida mais farta e saborosa, bebida, televisão. O todo da existência moderna
focaliza-nos a atenção no sexo. Vemo-nos provocados de todas as maneiras —
pelos livros, pelas conversas, e por uma sociedade extremamente conivente. Tudo
isso nos cerca; não adianta fechar-lhe os olhos. Nós temos de ver, em sua
inteireza, essa maneira de vida, com suas absurdas crenças e divisões, e a
total inexpressividade de uma vida toda consumida num escritório ou numa
fábrica. E no fim de tudo — a morte. Temos de ver muito claramente toda esta
confusão.
Agora, olhe por aquela janela, e
veja aquelas maravilhosas montanhas, lavadas e renovadas pela chuva da noite
passada, e aquela esplendorosa luz da Califórnia, não existente em nenhuma
outra parte. Veja, naqueles montes a beleza da luz. Pode-se sentir o cheiro do
ar puro e o frescor da terra. Quanto mais atento ficar, quanto mais sensível se
tornar a essa imensa e incrível luz e beleza, quanto mais “estiver com ela” —
tanto mais se intensificará a sua percepção. Isso também é sensual, tal como
olhar uma moça. Não pode “responder” com seus sentidos àquela montanha e,
depois, “desliga-los” ao ver uma moça; dessa maneira divide a vida, e em tal
divisão sem encontra o sofrimento e o conflito. Isso não significa que deve
evitar ou fugir ao conflito, ou entregar-se ao sexo ou outro apetite de tal
maneira, que fique isolado do conflito. A compreensão do conflito não significa
que deve vegetar ou tornar-se igual uma vaca.
Compreender essas coisas
significa não ficar preso a elas, não depender delas. Significa: nunca negar
coisa alguma, nunca chegar a conclusão nenhuma ou alcançar um certo estado ou
princípio ideológico, verbal, para tentar viver de acordo com ele. A própria
percepção de todo o conteúdo do mapa que se está desdobrando é inteligência. Essa
inteligência é que atuará, e não uma conclusão, decisão ou princípio
ideológico.
Nossos corpos se embotaram, tal
como se embotaram nossa mente e nosso coração, por causa de nossa educação, de
nosso ajustamento a um padrão estabelecido pela sociedade, o qual nega a sensibilidade
do coração. Esse padrão nos manda à guerra, destruindo-nos toda a beleza,
ternura e alegria. A observação de tudo isso, não verbal ou intelectual, porém
real, torna altamente sensíveis o corpo e a mente. O corpo exigirá então o alimento
adequado; a mente não se verá então enredada em palavras, em símbolos, em
banalidades do pensamento. Saberemos então viver no fundo do vale e no alto da
montanha; não haverá mais separação ou contradição entre ambos.
Krishnamurti — A outra margem do
caminho