Pela aquisição de conhecimentos, pode alguém perceber diretamente algo verdadeiro, real, algo diferente das formulações da mente?... Existe percebimento direto pela instrução, pelo saber, ou só percebemos diretamente, quando não existe a barreira do saber?
O que se entende por "aprender"? Você de seja encontrar a felicidade, a realidade, a serenidade, a liberdade; é isso em geral o que você busca, tateando no escuro. Vendo-se descontente, insatisfeito com essas coisas, as relações, as ideias, você está em busca de algo transcendental, e procura um swami, um guru, ou X, que você acredita possuir a qualidade que você está buscando. Você deseja aprender como alcançar essa extraordinária integração da totalidade da consciência humana e, assim, você vem aqui com a mesma intenção com que se aproxima de qualquer instrutor religioso, ou seja, a intenção de aprender. Afinal de contas, é esta a intenção da maioria das pessoas aqui presentes, e se você tiver a bondade de prestar atenção ao que se está dizendo, estou certo de que não perderá em vão o seu tempo.
Ora, pode-se ensinar a ter percebimento direto? Pode realizar-se essa totalidade de integração, essa clareza de percebimento, mediante o saber, a instrução, ou por meio de algum método? O aprender uma técnica ou a observância de um dado sistema pode levar a esse resultado? Para a maioria de nós, aprender é adquirir uma nova técnica substituir o velho pelo novo. Espero que esteja me fazendo claro.
Existem vários métodos, que você bem conhece, e um outro dos quais está praticando, na esperança de perceber diretamente algo que se possa chamar a Realidade, o estado onde não existe o "vir a ser", porém apenas Ser. Por essa mesma razão você veio ter aqui: com o propósito de aprender, não é verdade? Você deseja saber qual é o método que este orador lhe oferecerá para a revelação daquele estado extraordinário. Deseja saber como atingir esse estado, passo a passo, pela prática de certas formas de meditação, pelo cultivo da virtude, da autodisciplina, etc. Mas eu acho que nenhum método pode produzir o claro percebimento; pelo contrário.
Todo método implica tempo, não é exato? Quando você pratica um método, precisa do tempo, como ponte sobre o intervalo entre o que é e o que deveria ser. O tempo é necessário, para se percorrer a distância criada pela mente entre o fato e a dissolução do fato, ou seja, o fim que se deseja alcançar. Toda ideologia se baseia nessa ideia de consecução de um fim, através do tempo; e, assim, começamos a adquirir, a aprender e, por conseguinte, nos amparamos no Mestre, no guru, no instrutor, porque ele vai ajudar-nos a chegar lá.
Pois bem. O percebimento ou experiência direta daquela realidade depende do tempo? Existe um intervalo que é necessário transpor, pelo processo do conhecimento? Se existe, neste caso o conhecimento assume extraordinária importância. Então, quanto mais a pessoa souber, quanto mais se exercitar, quanto mais se disciplinar, etc., tanto maior será a sua capacidade de construir a ponte para a realidade. Admitimos que o tempo é necessário. Isto é, sou violento, digo que é necessário tempo para eu chegar a um estado de não-violência; preciso de tempo para praticar a "não-violência", para controlar, disciplinar a mente. Aceitamos esta ideia; porém ela pode ser uma ilusão, pode ser totalmente falsa. O percebimento pode ser imediato, independente do tempo. Eu penso que, em absoluto, ele não depende do tempo — se posso empregar a palavra "penso", sem o intuito de transmitir uma opinião, mas de apresentar um fato real. Ou uma pessoa percebe, ou não percebe. Não há nenhum processo gradual de "aprender a perceber". É a ausência de experiência — baseada, esta, sempre no conhecimento — que dá o percebimento.
(...) Nossas atividades, nossas buscas, são todas egocêntricas. Para empregar uma palavra de uso corrente, nossa ação, nosso pensamento é egoísta, interessado unicamente no "eu"; e, como lemos ou ouvimos dizer que o "eu" é uma barreira, reconhecemos necessário que ele deixe de existir — não o "eu superior" ou o "eu inferior", mas o "eu", a mente que é ambiciosa, que tem medo, que é ardilosa, em suas atividades ditadas pela própria avidez, pela própria dependência, a mente resultado do tempo. Essa mente é egocêntrica; e pode esse egocentrismo ser removido imediatamente, ou tem de ser desbastado aos poucos, camada por camada, mediante um processo gradual de instrução, experiência, e continuidade do tempo?
Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA
(...) Nossas atividades, nossas buscas, são todas egocêntricas. Para empregar uma palavra de uso corrente, nossa ação, nosso pensamento é egoísta, interessado unicamente no "eu"; e, como lemos ou ouvimos dizer que o "eu" é uma barreira, reconhecemos necessário que ele deixe de existir — não o "eu superior" ou o "eu inferior", mas o "eu", a mente que é ambiciosa, que tem medo, que é ardilosa, em suas atividades ditadas pela própria avidez, pela própria dependência, a mente resultado do tempo. Essa mente é egocêntrica; e pode esse egocentrismo ser removido imediatamente, ou tem de ser desbastado aos poucos, camada por camada, mediante um processo gradual de instrução, experiência, e continuidade do tempo?
Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA