Krishnamurti: Vocês têm uma terrível preocupação de resolver problemas, não é verdade? Eu não a tenho. Sinto muito. Logo de início eu lhes disse que não me interessava resolver problemas, vem seus, nem meus. Não sou protetor de vocês ou guia. Vocês são o próprio instrutor e o próprio discípulo. Aqui estão para aprender, e não para perguntarem a outro o que devem e o que não fazer. Aqui não há nenhuma questão, sobre o que se deve fazer por um inválido, ou por alguém que não tem dinheiro suficiente, ou que é iletrado, etc, etc. Aqui estão para aprender de si mesmos a respeito dos problemas que possuem, e não para serem instruídos por mim. Portanto, não me coloquem nessa falsa posição, porque eu não quero lhes instruir. Se o fizesse, me tornaria um guia, um guru, e iria aumentar as muitas inutilidades já existentes no mundo com que se explora o próximo. Estamos aprendendo, não mediante estudo, porém pelo nos mantermos vigilantes, despertos, totalmente conscientes de nós mesmos; nossa relação, por conseguinte, é completamente diferente da relação de mestre e discípulo. Este orador não está lhes instruindo, nem lhes dizendo o que devem fazer — isso seria completa falta de maturidade.
(...) Não vou lhes dizer o que devem fazer em relação aos seus problemas. Vou lhes apontar como aprender, e o que é aprender; e verão então que, quando aprendem a respeito de um problema, o problema termina. Mas se apelam para alguém, lhe pedindo que diga o que devem fazer a respeito de um problema, vocês se tornam como uma criança irresponsável, cujos passos são guiados por outro, e terão mais problemas ainda. isto é verdadeiro e simples, e, assim sendo, peço-lhes de uma vez por todas que o acolham na mente e no coração de vocês. Aqui estamos para aprender e não para sermos instruídos. Ser instruído é confiar à memória o que se ouve de outro; mas a mera repetição, de memória, não traz a solução de problemas. Só há maturidade no movimento do aprender. O uso do conhecimento, daquilo que foi aprendido meramente de memória, como meio de resolver os problemas humanos, procede de falta de maturidade, e só pode criar mais padrões, mais problemas.
O simples desejo de resolver um problema é uma fuga aos problemas, não acham? Não penetrei o problema, não o estudei, não o explorei, não o compreendi. Não conheço a beleza, ou a feiura, ou a profundidade do problema; minha única preocupação é resolvê-lo, afastá-lo de mim. Esta ansiedade de resolver um problema, sem o ter compreendido, é uma fuga ao problema; por conseguinte, torna-se mais um problema. Toda fuga gera novos problemas.
Pois bem, tenho um problema que desejo compreender completamente. Não desejo fugir dele, não desejo "verbalizar" a respeito dele, não desejo falar para outro sobre ele; só quero compreende-lo. Não estou esperando que ninguém me diga o que fazer. Sei que ninguém pode me dizer o que devo fazer; e que, se alguém o fizesse e eu aceitasse sua instrução, isso constituiria um ato muito fútil e absurdo. Assim, tenho de aprender sem ser instruído e sem fazer uso da lembrança do que aprendi a respeito de anteriores problemas, para atender o problema presente. Oh, não percebem a beleza disso!
(...) Tenho um problema, e desejo compreende-lo, aprender a respeito dele. Para aprender a respeito dele, não posso trazer as lembranças do passado e, com ajuda delas, ocupar-me com o problema; porque o problema novo exige uma maneira nova de estudá-lo, e não posso aplicar-me a ele com minhas lembranças mortas, estúpidas. O problema é ativo, e portanto, tenho de ocupar-me dele no presente ativo; por conseguinte, o elemento tempo deve ser afastado totalmente.
Desejo descobrir como surgem os problemas — os problemas psicológicos. Como disse, se compreendo toda a estrutura causadora dos problemas e fico, por conseguinte, livre de por mim mesmo criar problemas, saberei então como agir em relação ao dinheiro, ao sexo, ao ódio, em relação a tudo na vida; e, no lidar com essas coisas, não irei criando novos problemas. Tenho assim, de descobrir de que modo surge o problema psicológico, e não a maneira de resolvê-lo. Entendem? Ninguém pode me dizer como surge o problema; eu mesmo devo compreender isso.
(...) Para mim, como disse, a liberdade é da mais alta importância. Mas a liberdade de modo nenhum pode ser compreendida, se não há inteligência; e a inteligência só pode vir quando temos completamente compreendido, por nós mesmos, as causas dos problemas. A mente deve estar alertada, atenta, num estado de super-sensibilidade, de modo que cada problema seja resolvido assim que se apresenta para nós. De outro modo, não há verdadeira liberdade; só há uma liberdade periférica, fragmentária, sem nenhum valor. Isso é o mesmo que um homem rico dizer que é livre. Santo Deus! Ele é um escravo da bebida, do sexo, do conforto, de dúzias de coisas. E o homem pobre que diz: "Sou livre, porque não tenho dinheiro" — esse tem outros problemas. A liberdade, pois, e a manutenção dessa liberdade, não pode ser uma mera abstração: ele deve constituir para vocês, como ente humano, uma necessidade absoluta, porque é só quando existe a liberdade, que podem amar. Como podem amar se são gananciosos, ambiciosos, competidores?
(...) Eu não tenho interesse em resolver o problema ou em procurar alguém que me diga como resolvê-lo. Nenhum livro, nenhum guia, nenhuma igreja, nenhum sacerdote o podem me dizer. Há milênios que nos entretemos com essas coisas, e continuamos carregados de problemas. O frequentar uma igreja, a confissão, a oração — nada disso resolverá nossos problemas, que apenas continuam a se multiplicar, como atualmente está acontecendo. Assim, pois, como surge um problema?
Como disse, quando não há contradição dentro de nós mesmos, não há problema algum. A auto-contradição implica conflito do desejo. Mas o desejo em si nunca é contraditório. Por certo, o que cria a contradição são os objetos do desejo. Porque pinto quadros, ou escrevo livros, ou por qualquer coisa estúpida que faço, desejo ser famoso, aplaudido. Quando ninguém me reconhece os méritos, há uma contradição e fico em estado lastimoso. tenho medo da morte, que não compreendi; e nisso a que chamo "amor", há contradição. Vejo, pois, que o desejo é o começo da contradição — não o desejo em si, mas os objetos do desejo são contraditórios. Se tento mudar ou negar os objetos do desejo, dizendo que me aterei a uma só coisa e a nada mais, essa coisa, por sua vez, se torna também um problema, porque tenho de resistir, erguer barreiras a tudo o mais. Assim, o que devo fazer, não é meramente mudar ou reduzir os objetos de meu desejo, porém compreender o desejo em si.
Krishnamurti em, A MENTE SEM MEDO - 14 de julho de 1964