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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Sem compreensão do sofrimento, não há sabedoria

Esta manhã eu gostaria de falar sobre o sofrimento. É um problema muito complexo, e como não se pode examiná-lo em grandes detalhes, irei, se possível, examinar apenas o essencial.

Sem compreensão do sofrimento, não há sabedoria; o fim do sofrimento é o início da sabedoria. Para compreender o sofrimento e ficar completamente livre dele é preciso uma compreensão, não só dos sofrimentos particulares individuais, mas também do enorme sofrimento do homem. Para mim, sem estar totalmente livre do sofrimento, não pode haver sabedoria, nem a mente é capaz de realmente investigar essa coisa imensurável que pode ser chamada de Deus, ou de qualquer outro nome.

A maioria de nós sofre de diferentes formas - na relação, com a morte de alguém, por não se realizar e definhar, ou tentando ter, tentando tornar-se algo, e chegando ao fracasso total. E há todo o problema do sofrimento físico - doença, cegueira, incapacidade, paralisia, e assim por diante. Por toda a parte há esta coisa extraordinária chamada sofrimento - com a morte à espera na esquina. E nós não sabemos como enfrentar o sofrimento, então ou o adoramos, ou o racionalizamos, ou tentamos fugir dele. Vá a qualquer igreja cristã e você vai descobrir que o sofrimento é adorado; é transformado em algo extraordinário, sagrado, e dizem que só através do sofrimento, através do Cristo crucificado, você pode descobrir Deus. No Oriente, eles têm as suas próprias formas de evasão, outras formas de evitar o sofrimento, e me parece uma coisa extraordinária que tão poucos, seja no Oriente ou no Ocidente, estejam realmente livres do sofrimento.

Seria uma coisa maravilhosa se, no processo de escutar - sem emoção, não sentimentalmente - ao que está sendo dito esta manhã, e antes de deixarem esta tenda, vocês pudessem realmente compreender o sofrimento e se libertarem totalmente dele, porque então não haveria autoengano, nem ilusões, nem angústias, nem medo, e o cérebro poderia funcionar claramente, com agudeza, logicamente. E então, talvez, a pessoa soubesse o que é o amor.

Agora, para compreender o sofrimento, a pessoa tem que investigar todo o processo do tempo. Tempo é sofrimento, não só o sofrimento do passado, mas também o sofrimento que envolve o futuro - a idéia de chegar, a luta para conseguir, a esperança de que algum dia você vai ser alguma coisa, com sua inevitável sombra de frustração. Esta ideia de realização, de se tornar algo no futuro, que é tempo psicológico, é para mim o maior sofrimento - e não o fato de meu filho morrer, ou que minha esposa ou marido me deixa, ou que não sou um sucesso. Tudo isto, parece-me, é bastante trivial, se é que posso usar essa palavra, que espero que vocês não interpretem mal. Existe um sofrimento muito mais profundo, que é tempo psicológico: pensar que vou mudar nos próximos anos, que, com o tempo, vou me transformar, vou afastar-me do hábito, eu vou conseguir libertação, adquirir sabedoria, encontrar Deus. Tudo isto implica tempo - e esse, para mim, é o maior sofrimento. Mas, para investigar profundamente o problema, a pessoa tem que descobrir por que existe sofrimento dentro de si mesma - esta onda de sofrimento em que a pessoa é apanhada e que faz dela uma prisioneira. Compreendendo primeiro o sofrimento particular dentro de nós mesmos, talvez possamos compreender também o sofrimento coletivo do homem, o desespero da humanidade.

Por que sofremos? E existe um fim para o sofrimento? Existem muitas formas de sofrimento. Problemas de saúde são um tipo de sofrimento - a incapacidade de pensar devido à debilidade do cérebro, e os vários tipos de dor física. Depois há todo o campo do sofrimento psicológico - sentir-se frustrado porque não se é capaz de alcançar, ou não se tem capacidade, nem entendimento, nem inteligência; e também essa constante batalha de desejos conflitantes, de autocontradição, com as suas ansiedades e desesperos . Existe ainda a ideia da transformação através do tempo, tornar-se melhor, mais nobre, mais sábio, na qual também há sofrimento sem fim. E, finalmente, há o sofrimento da morte, o sofrimento da separação, do isolamento, o sofrimento de se estar completamente sozinho, de estar apartado e não ter qualquer relação com coisa alguma.

Conhecemos todas estas diferentes formas de sofrimento. Os muito letrados, o intelectual, o santo, as pessoas religiosas em todo o mundo são tão torturadas como nós pelo sofrimento, e se existe uma saída, eles não a encontraram. Investigar muito profundamente em nós mesmos é saber que esta é a primeira coisa que queremos - pôr um fim ao sofrimento - mas não sabemos como fazer isso. Estamos bem familiarizados com o sofrimento, nós o vemos nos outros e em nós mesmos, e ele está no próprio ar que respiramos. Vá para onde você for - retirar-se num mosteiro, andar nas ruas apinhadas - o sofrimento está sempre presente, abertamente, ou oculto, esperando, olhando.

Agora, como encontrar o sofrimento? O que se faz a respeito dele? E como a pessoa se liberta dele, não apenas superficialmente, mas totalmente, de modo que não haja absolutamente sofrimento? Estar completamente livre do sofrimento não significa que não se sente amor, nem compaixão, que não se tem bondade, nem compreensão pelo outro. Ao contrário, na total liberdade do sofrimento, não há indiferença. É uma liberdade que traz grande sensibilidade, abertura; e como a pessoa chega a essa liberdade? Vocês todos conhecem o sofrimento; não é algo estranho a vocês. Está aí. E como você o encontra? Será que você só o encontra superficialmente, verbalmente?

Por favor, acompanhem. Passo a passo vamos juntos até o fim. Veja se você pode ouvir esta manhã com toda atenção, estando consciente de suas próprias reações, e investigar profundamente comigo este problema do sofrimento - não que você vai me seguir; o que seria muito absurdo. Mas se pudermos compreender isto juntos, investigarmos ampla e profundamente, então, talvez, quando sair daqui, você poderá olhar para o céu, e o sofrimento nunca o tocará novamente. Então não haverá medo, e quando todo o sofrimento acabar, esse algo imensurável pode seguir com você.

Então, como é que você aborda o sofrimento? Receio que a maioria de nós o aborda muito superficialmente. Nossa educação, nossa formação, o nosso conhecimento, as influências sociológicas a que estamos expostos, tudo nos torna superficiais. A mente superficial é aquela que foge para a igreja, para alguma conclusão, algum conceito, alguma crença ou ideia. Esses são todos refúgios para a mente superficial que está em sofrimento. E se você não consegue encontrar um refúgio, constrói um muro em torno de si mesmo e torna-se cínico, duro, indiferente, ou você foge através de alguma reação fácil, neurótica. Todas essas defesas contra o sofrimento impedem mais investigação. Espero que vocês estejam seguindo comigo, pois isto é o que a maioria de nós realmente faz.

Agora, observe um cérebro ou mente superficial- por favor, se eu usar a palavra mente ou cérebro, quero dizer a mesma coisa. No outro dia examinamos a separação do cérebro e da mente, mas a separação é apenas verbal e não importa. Vou utilizar a palavra mente, e eu espero que vocês acompanhem e entendam o que está sendo dito.

A mente superficial não pode resolver este problema do sofrimento, porque o que ela tenta é evitar o sofrimento. Ela foge do fato do sofrimento através de uma resposta fácil e imediata. Se você tiver uma dor de dente grave, naturalmente vai imediatamente ao dentista, porque você quer se livrar dessa dor física - o que é normal e uma reação correta. Mas a dor psicológica é muito mais profunda e mais sutil, e nenhum médico, nenhum psicólogo, nada pode dissolvê-la para você. Mas a sua reação instintiva é fugir dela. Você liga o rádio, vê televisão, vai ao cinema - você sabe, todas as distrações que a civilização moderna inventou. Entretenimento de qualquer tipo, seja um serviço religioso ou um jogo de futebol, é essencialmente o mesmo. É apenas uma maneira de escapar de sua própria miséria, do seu vazio - e isto é o que vocês todos estão fazendo em todo o mundo: usando várias formas do circo para esquecer de si mesmo.

Do mesmo modo, é a mente superficial que tenta encontrar explicações. Ela diz,"quero saber por que eu sofro. Por que eu deveria sofrer e você não?" Ela sente que não fez nada particularmente errado nesta vida, por isso aceita a teoria de vidas passadas e a idéia daquilo que na Índia é chamado de karma - causa e efeito. Ela afirma, "Eu fiz algo errado no passado, e agora estou pagando", ou "Agora estou fazendo algo bom, e vou ter o benefício disso no futuro." Assim, a mente superficial fica presa em explicações.

Por favor preste atenção à sua própria mente, observe como você explica seu sofrimento à distância, perde-se no trabalho, em idéias, ou apega-se a uma crença em Deus, ou numa vida futura. E se nenhuma explicação, nenhuma crença tem sido satisfatória, você escapa através da bebida, através do sexo, ou se tornando cínico, duro, amargo, frágil. Consciente ou inconscientemente, isto é o que está realmente acontecendo com cada um de nós. Mas a ferida do sofrimento é muito profunda. Geração após geração, foi transmitida pelos pais para seus filhos, e a mente superficial nunca tira a bandagem dessa ferida; mas ela realmente não sabe, não está realmente familiarizada com o sofrimento. Apenas tem uma ideia sobre o sofrimento. Tem uma imagem, um símbolo do sofrimento, mas nunca aborda o sofrimento - ela aborda apenas a palavra sofrimento. Vocês entenderam? A palavra sofrimento ela conhece, mas não estou certo de que conhece realmente o sofrimento.

Conhecer a palavra fome e ter fome são duas coisas muito diferentes, não são? Quando você tem fome, não fica satisfeito com a palavra comida. Você quer comida, o fato. Agora, a maioria de nós fica satisfeita com palavras, símbolos, ideias, e com nossa reação a estas palavras, e nunca ficamos totalmente com o fato. Quando de repente ficamos cara a cara com o fato do sofrimento, ele nos dá um choque, e nossa reação é fugir dele. Pergunto-me se você notou isso em si mesmo? Por favor, siga o seu próprio estado mental, e não apenas ouça as palavras que estão sendo ditas. Nós nunca encontramos o sofrimento, nunca vivemos com ele. Vivemos com uma imagem, com a memória do que foi, e não com o fato. Vivemos com uma reação.

Agora, se frente ao sofrimento a mente tem um motivo, ou seja, se quiser fazer alguma coisa com o sofrimento, não pode haver qualquer compreensão do sofrimento mais do que não pode haver amor se existe um motivo para amar. Entenderam? A maioria de nós tem um motivo quando olha para o sofrimento, queremos fazer algo sobre ele. Isto é, suponha que eu perdi alguém por morte; profundamente, psicologicamente, já não posso obter o que quero dessa pessoa, e estou sofrendo. Se eu não tenho motivo para olhar meu sofrimento, ainda será sofrimento, ou o sofrimento será uma coisa totalmente diferente? Vocês estão acompanhando tudo isto?

Digamos que meu filho morre, e estou sofrendo porque fiquei sozinho. Investi todas as minhas esperanças nele, e agora meu mundo inteiro desmoronou. Eu queria criar para mim uma certa imortalidade, uma continuidade através de meu filho; ele devia perpetuar meu nome, herdar minha propriedade, continuar meu negócio, e ao fim de todas essas coisas me deu um choque. Agora, posso eu entender o sofrimento em que estou se existe uma motivação por trás de meu olhar para ele? E se houver um motivo por trás do amor, é amor? Não concorde comigo, por favor, basta observar-se. Certamente, não pode haver um motivo se eu quero entender o sofrimento, se quiser descobrir a plena profundidade e significado do sofrimento - ou do amor, porque eles sempre andam juntos. Morte, amor e sofrimento são inseparáveis; estão sempre juntos, e com eles está também a criação, mas esse é outro assunto, e vamos examiná-lo em outra ocasião. Se eu quiser compreender profundamente, completamente, o fato do sofrimento, não posso ter um motivo que determine minha reação a esse fato. Posso viver com o fato e compreendê-lo somente quando não tenho motivo. Vocês entenderam? Se não, vocês podem fazer perguntas depois sobre este ponto. Se eu "amo" você porque você pode me dar uma coisa - o seu corpo, seu dinheiro, sua lisonja, seu companheirismo, ou seja o que for - certamente não é amor, é? Claro, você obtém algo de mim também, e essa troca para a maioria de nós é amor. Eu sei que cobrimos tudo com belas palavras, mas por trás da fachada verbal há essa pressão de ter, de possuir.

Agora, sofrimento não é autopiedade? Você foi privado de alguma forma, sua relação com o outro foi um fracasso; você não se realizou sendo reconhecido como um grande homem em nome da reforma social, em nome da arte, em nome de qualquer uma de um milhão de coisas, com todos os estúpidos disparates implicados - então há sofrimento. Compreender o sofrimento é viver com ele, olhar para ele, conhecê-lo pelo que ele realmente é - e você não pode conhecê-lo se olhar com um motivo, que é tempo. Uma mente superficial que está eternamente preocupada em aperfeiçoar-se, com pena de si mesma, torturando-se numa relação particular, querendo se livrar do sofrimento e não encarar o fato - tal mente vai continuar sofrendo indefinidamente. O fato é que você está sozinho. Pela sua educação, suas atividades, seus pensamentos e sentimentos, você isolou-se profundamente, e não pode viver com esse extraordinário sentimento de solidão; você não sabe o que significa, porque aborda isso com uma palavra que evoca medo.

Assim, você vê a dificuldade - as formas sutis de fuga que a mente construiu de modo que ela é incapaz de viver com essa coisa extraordinária que chamamos sofrimento. Para ser livre do sofrimento, todo este processo tem de ser entendido, conscientemente bem como inconscientemente, e você só pode entendê-lo quando viver com o fato, olhar para ele sem motivo. Você tem de ver os truques de sua própria mente - as fugas, as coisas agradáveis a que você se apega, e as coisas dolorosas de que você deseja livrar-se com rapidez. Você tem que observar o vazio, o embotamento e a estupidez de uma mente que apenas foge. E faz pouca diferença se você foge para Deus, para o sexo, ou para a bebida, porque todas as fugas são essencialmente iguais. Vocês entenderam?

O que acontece quando você perde alguém por morte? A reação imediata é uma sensação de paralisia, e quando você sai desse estado de choque, há o que chamamos de sofrimento. Agora, o que essa palavra sofrimento significa? O companheirismo, as palavras alegres, os passeios, as muitas coisas agradáveis que vocês fizeram e esperavam fazer juntos - tudo isto é levado em um segundo, e você fica vazio, exposto, solitário. É isso que você contesta, é contra isso que a mente se rebela: ser repentinamente deixado consigo mesmo, absolutamente solitário, vazio, sem qualquer apoio. Agora, o que importa é viver com esse vazio, só viver com ele, sem reação, sem racionalização, sem fugir dele para mediuns, para a teoria da reencarnação, e todos esses disparates estúpidos - viver com ele com todo seu ser. E se você investigar passo a passo, vai descobrir que existe um fim para o sofrimento- um verdadeiro fim, não apenas um fim verbal, não o fim superficial que vem da fuga, da identificação com um conceito, ou do compromisso com uma idéia. Então você vai descobrir que não há nada a proteger porque a mente está completamente vazia e já não está reagindo no sentido de tentar preencher esse vazio; e quando todo o sofrimento chegou então ao fim, você terá iniciado outra viagem - uma viagem que não tem fim nem começo. Há uma imensidão que está além de todas as medidas, mas você não pode entrar nesse mundo sem o fim total do sofrimento.

Pergunta: O humor é uma fuga do sofrimento?

Krishnamurti: Antes de você fazer uma pergunta, por favor, fique um pouco em silêncio e reflita, se aprofunde no que acaba de ser dito. Se você aparece imediatamente com uma pergunta, significa que não investigou realmente. O que estivemos considerando juntos tem um grande significado. Não é algo barato que você pode comprar para acabar com o sofrimento e então dizer,"Bom, eu já acabei com o sofrimento." Isso seria demasiado infantil. Quando tivermos descoberto todo o campo da experiência humana, que foi enriquecida através de séculos de sofrimento humano, você não pode apenas removê-lo com uma palavra, com um símbolo, ou fugindo. Para obter a resposta certa, você deve fazer a pergunta certa; e você vai fazer a pergunta certa apenas quando estiver realmente nisso, depois de ter se exposto ao problema.

Pergunta: E quanto ao sofrimento que não é da própria pessoa, mas sofrimento por alguém?

Krishnamurti: Antes de investigar essa pergunta, vamos olhar para a pergunta anterior:"O humor é uma fuga do sofrimento?" Se você pode rir de seu sofrimento, isso é uma fuga? Existe esta coisa imensa chamada sofrimento, e você percebe a que a reduziu, quando faz tal pergunta? Quando você está sofrendo, talvez possa rir, mas ainda há sofrimento. Existe a dor, a tortura que está ocorrendo no mundo: a miséria de não ter alimento, de ter medo da morte, de ver o homem rico no grande carro e sentir inveja, a brutalidade, a tirania que está ocorrendo no Oriente, e todo o resto. Você pode rir à distância de tudo isso? Receio que você não esteja realmente ciente de seu próprio sofrimento.

A segunda pergunta é:"O que pensa sobre o sofrimento que se sente por outra pessoa?" Quando você vê alguém sofrendo, não sofre também? Quando você vê um homem que é cego, ou um homem que não tem comida, ou um homem que não é amado, que está preso na miséria, guerra, confusão, você não sofre com ele? Agora, por que se deveria sofrer com ele? Eu sei que é o aceito, o tradicional, a coisa respeitável para dizer, "Eu sofro com você". Mas por que você deveria sofrer? Se você tem um pouco, dê desse pouco. Você dá sua simpatia, seu afeto, seu amor. Mas por que você deveria sofrer? Por favor, acompanhe. Se meu filho contrai poliomielite e está morrendo, por que eu deveria sofrer? Sei que isto soa terrivelmente cruel para você. Após ter feito todo o possível, dado meu amor, minha simpatia, trazido o médico, o remédio, e de ter me sacrificado - mas é sacrifício? É essa a palavra certa? - tendo feito tudo ao meu alcance, por que eu deveria sofrer? Quando eu sofro por alguém, isso é sofrimento? Reflita, investigue; não aceite simplesmente o que estou dizendo. Sabe, quando você vai para a Índia e para outros lugares no Oriente, vê imensa pobreza - pobreza tal que não se conhece no Ocidente. Quando anda na rua, fica perto de pessoas que têm hanseníase e outras doenças. Você faz tudo que pode, mas qual é a necessidade de sofrer? O amor sofre? Oh, você terá que investigar tudo isto. Certamente, o amor nunca sofre.

Pergunta: Pode o profundo sofrimento transformar-se em profunda alegria?

Krishnamurti: Você faz uma pergunta desta natureza, quando está sofrendo? Por favor, do que você está falando?

Comentário: Quero dizer o sofrimento em si transforma-se em alegria.

Krishnamurti: Se o sofrimento transforma-se em alegria, onde você está no final do mesmo? Senhor, algumas pessoas, feliz ou infelizmente, ouviram-me durante quarenta anos, e conheço muito bem essas pessoas. Temos nos encontrado uma vez ou outra ao longo dos anos. Eu sofro porque não compreenderam? Elas ainda perguntam sobre autoridade, sobre autoexpressão, sobre Deus - você sabe, todas as coisas infantis que são perguntadas. Eu sofro? Eu sofreria apenas se esperasse alguma coisa delas; eu ficaria desapontado se tivesse me colocado numa posição de ficar desapontado pelo sentimento de que eu sou alguém que está dando alguma coisa para outro alguém. Espero que compreendam o que estou falando.

Por favor, o que é importante não é a forma de transformar sofrimento em alegria, ou se sofrimento se transforma em alegria, ou se você deveria sofrer quando vê outros sofrendo - todas estas questões não têm de fato qualquer importância. O importante é entender o sofrimento em você mesmo e, assim, acabar o sofrimento. Só então você vai descobrir o que está além do sofrimento. Caso contrário, é como se sentar deste lado da montanha e especular sobre o que está do outro lado. Você está apenas falando, adivinhando. Você não põe as mãos no problema, não o encara; você não entra profundamente em si mesmo e procura, pesquisa, compreende; e não faz isso porque sabe que isso significaria realmente deixar muitas coisas - deixar suas pequenas ideias, suas reações tradicionais, respeitáveis.

Comentário: A pessoa sofre quando não pode ajudar alguém.

Krishnamurti: Se você pode ajudar alguém física ou economicamente, você ajuda, e está acabado. Mas por que você sofre, se não pode? Você mesmo não enfrentou o problema básico, então quem é você para "ajudar" o outro? Os sacerdotes em todo o mundo estão "ajudando" alguém - que significa o quê? Eles estão ajudando a condicionar os outros de acordo com as suas próprias crenças e dogmas. Desinteressadamente alimentar os famintos, construir uma terra melhor, um mundo melhor - isso é uma ajuda. Mas dizer ao outro, "eu vou ajudá-lo psicologicamente" - que presunção! Quem é você psicologicamente para ajudar outra pessoa? Deixe isso para os comunistas, que pensam que são Deus e podem ditar a milhões de pessoas o que devem fazer. Mas por que você deveria sofrer se não pode ajudar o outro? Você pode fazer tudo para ajudar, o que pode não ser muito, mas por que passar por esta tortura do sofrimento? Ah, você não percebe, você não entrou de fato no problema verdadeiro!

Pergunta: Sei que para ser completamente livre do sofrimento, a pessoa tem que estar totalmente consciente, plenamente atenta o tempo todo. Tenho raros momentos de total consciência, mas o resto do tempo fico preso num estado de desatenção. É este o meu destino para o resto da vida, e posso, portanto, nunca ficar livre do sofrimento?

Krishnamurti: Como o interrogante diz, estar livre do sofrimento é estar completamente atento. A atenção é virtude em si mesma. Mas infelizmente a pessoa não está atenta o tempo todo. Estou atento hoje, mas amanhã não estou, e estou novamente depois de amanhã. No período intermediário estou distraído, e todos os tipos de atividades prosseguem, e não estou plenamente consciente. Portanto, o interrogante diz,"eu vejo que estou preso no estado de desatenção, e isso significa que estou fadado a nunca ser livre do sofrimento?"

Ora, senhor, a idéia de ser livre para sempre implica tempo, não é? Dizemos,"eu não sou livre agora, mas ficando atento serei livre, e quero que essa liberdade continue pelo resto de meus dias." Então, estamos preocupados com a continuidade da atenção. Dizemos,"De alguma maneira devo estar sempre atento; de outro modo vou sempre estar em sofrimento." Queremos que este estado de atenção continue dia após dia.

Agora, o que continua? O que é isso que tem continuidade? Não me responda, por favor; apenas ouça por dois minutos, e você verá algo extraordinário. O que tem continuidade? Certamente, é quando penso em uma coisa, seja prazerosa ou dolorosa, que ela tem continuidade. Você entendeu? Quando eu penso sobre um prazer ou uma dor, o meu pensamento sobre isso lhe dá continuidade. Se eu gosto de você, eu penso em você, e meu pensamento sobre você dá continuidade à imagem agradável que formei de você: assim, pela continuidade de pensamento, de associação, de memória, a minha reação a você se torna uma reação mecânica, não é? É como a de um computador, que responde de acordo com a memória, a associação, com base numa imensa quantidade de informações armazenadas.

Agora, com essa mesma mentalidade nós dizemos,"Devo ter continuidade de atenção." Compreende, senhor? Você acompanhou, senhor? Mas se virmos o que está implicado em ambos, atenção e continuidade, nunca colocaremos as duas coisas juntas. Não sei se você entendeu o que estou tentando transmitir. O erro que estamos cometendo é tentar relacionar continuidade com atenção. Queremos que o estado de atenção continue, mas o que irá continuar é nosso pensar sobre esse estado, e, portanto, não será atenção. É o pensamento que dá continuidade ao que chamamos atenção, mas quando o pensamento dá continuidade à atenção, não é o estado de atenção. Se você dá toda a sua mente a isso e compreende, descobrirá que existe um estado peculiar de atenção sem continuidade, sem tempo.

Pergunta: Em que medida o sofrimento é atenuado pela aceitação?

Krishnamurti: Por que eu deveria aceitar o sofrimento? Essa é apenas outra atividade superficial da mente. Eu não quero aceitar o sofrimento, ou atenuá-lo, ou fugir dele. Eu quero entender o sofrimento, quero ver o que ele significa; quero conhecer a beleza, a fealdade, a extraordinária vitalidade que ele tem. Não quero transformá-lo em algo que ele não é. Aceitando o sofrimento, ou fugindo dele, ou abordando-o com um conceito, uma fórmula, não estou lidando com ele. Portanto, uma mente para compreender o sofrimento não pode fazer nada sobre ele, não pode transformar o sofrimento ou torná-lo mais brando. Para ser livre do sofrimento, você não pode fazer nada com ele. É porque sempre fazemos alguma coisa com ele que ainda estamos no sofrimento.

18 de julho de 1963
Sexta Palestra em Saanen
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill