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sábado, 29 de agosto de 2015

Por que nos orgulhamos tanto do nosso saber?

Pergunta: Por que você diz que o saber e a crença precisam ser suprimidos para que a verdade exista? 

Krishnaurti: Que é o saber e a crença de vocês? Se examinam o saber e a crença de vocês, que são eles? Só lembranças. Não é verdade? De que é que vocês têm conhecimento? Das lembranças de vocês, das experiências de outras pessoas, registradas num livro! Se pensam a respeito do saber de vocês, que é ele? Lembrança. Estão obtendo explicações, ministradas por outras pessoas, e possuem suas próprias experiências, baseadas em suas lembranças. Vocês se deparam com um incidente e o traduzem de acordo com a memória de vocês, a que chamam de experiência. O saber de vocês é um processo de reconhecimento. Sabemos o que são as crenças. Elas são criadas pela mente, no seu desejo de estar certa, de estar protegida, de estar em segurança. 

Assim, como pode a mente, tolhida que está pelo saber, essa mente, que é acumulação do passado, traduzindo o presente segundo sua própria conveniência, como pode essa mente, com sua carga de saber, compreender o que é verdadeiro? A verdade tem de ser algo que está além do tempo. Ela não pode ser projetada pela mente; não pode ser talhada pela minha experiência; tem de ser algo incognoscível, em face da minha experiência passada. Se eu a conheço, do passado, isso então é reconhecimento e portanto não é a verdade. Se ela é apenas uma crença, é então uma "projeção" dos meus próprios desejos. 

Por que nos orgulhamos tanto do nosso saber? Estamos aprisionados em nossas crenças, no "estado de conhecimento", no sentido em que é geralmente compreendido o conhecimento. Vocês temem o "ser nada". Eis porque fazem questão de tantos títulos; possuem a preocupação de adquirir nomes, ideias, reputação, de se exibirem. Com toda essa carga na mente, dizem: "estou procurando a verdade, desejo compreender a verdade". O que acontece se examinam atentamente todo processo da aquisição de saber e da formação da crença? Verificam, sem dúvida, que essas coisas são artifícios da mente — o acreditar, o saber; elas lhes conferem certo prestígio, certo poderes; os outros lhes respeitam como um homem extraordinário, muito lido e muito culto. E ficando mais velhos, se acham com o direito a mais respeito, porque, naturalmente, se tornaram mais sábios, pelo menos assim o pensam. O que fizeram foi apenas amadurecer na própria experiência de vocês. A crença destrói os entes humanos, divide os entes humanos. O homem que crê nunca pode amar; porque, para ele, a crença é mais significativa do que ser bondoso, cordial, solícito; a crença proporciona certa força, certa vitalidade, um falso sentimento de segurança. 

Assim, examinando bem as coisas, que encontram? Só palavras, só memória. A verdade é algo que deve achar-se além dos limites da imaginação, além do processo da mente. Ela tem de ser eternamente nova, uma coisa não suscetível de reconhecer-se, de descrever-se. Se citam Sankara, Buda, XYZ, já começaram a comparar — o que demonstra que, pela comparação, desistiram de pensar, de sentir, de experimentar. Esse é um dos sacrifícios da mente. O saber de vocês está destruindo a percepção imediata daquilo que é a verdade. 

Eis porque é importante compreender, no seu todo, o processo do saber e da crença, para o abandonarmos. Sejam simples, vejam essas coisas com simplicidade e não com uma mente ardilosa. Verão, assim, que a mente, que amontoou tanta experiência, tantas explicações, que está limitada por tantas crenças, começa a se renovar. Ela já não está à procura do novo, já não está reconhecendo, deixou de reconhecer; acha-se, por conseguinte, em estado de constante experimentar, não relacionado com o passado; há um movimento novo, que não é suscetível de repetir-se. 

Importa, por essa razão, que todo saber, toda crença sejam devidamente compreendidos. Não podem suprimir o saber; precisam compreendê-lo; não podem fechar a porta ao saber. Qual é, agora, a reação de vocês? Sairão daqui e continuarão a proceder da maneira habitual, porque possuem o medo de se afastar do velho padrão. 

Para achar a verdade, não há guru, não há exemplo, não há caminho; a virtude não conduzirá à verdade; a prática da virtude é a auto-perpetuação. O saber, evidentemente, só nos dá respeitabilidade. 

O homem "respeitável" e fechado dentro de sua própria importância, nunca encontrará a verdade. A mente precisa estar de todo vazia, não procurar, não "projetar". Só quando a mente está totalmente tranquila, apresenta-se a possibilidade daquilo que é imensurável.

Krishnamurti em, Quando o Pensamento Cessa

quinta-feira, 14 de maio de 2015

A verdadeira sabedoria

A verdadeira sabedoria não é caracterizada apenas pelo sentimento de eternidade, mas também pelo sentimento de pura alegria. Neste universo, mesmo aquilo que é mais doce e bonito não é nada, comparado àquilo que está contido dentro dele mesmo - nada! A menos que você tenha realmente algum insight sobre a extraordinária beleza, bondade e luz que estão no coração de tudo o que existe, não poderá entender como é insignificante este mundo superficial. Sim, há um mundo extraordinário por trás deste que conhecemos, e está dito que, assim que alguém começa a entrar nesse mundo, ele sente que há um constante festival ocorrendo, e isso é só o começo!

A condição do corpo não tem nenhuma relação com aquela alegria. Quando você começa a declinar no outro lado da infância, verá o quanto a beleza e os valores de sua vida dependeram de um corpo jovem e saudável. É claro que o jovem não sabe disso; nem mesmo acredita quando alguém lhe diz. Mas, quando a juventude se vai, o corpo é como um instrumento antigo que se tornou desafinado; não importa o quão hábil seja o artista, não conseguirá tocar boa música. Até mesmo a mente perde o seu vigor quando o corpo envelhece, porque, em nosso estado presente, nossos pensamentos são dependentes do cérebro. Contudo, a alegria que mencionei não é dependente nem deste corpo nem desta mente. Mesmo quando o corpo se desintegra e eventualmente morre, não fará diferença àquela experiência. Em nosso estado comum, até as coisas mais maravilhosas estão sujeitas à destruição; existem só por algum tempo, e depois tentamos nos apegar a ela através da memória. Não é trágico que na velhice vivamos apenas de memórias, pois é a única coisa que temos de melhor? Voltamos aos momentos mais doces de nossa vida, às pessoas maravilhosas que conhecemos e amamos - mas eles já se foram! A memória não pode nos satisfazer, assim como uma foto de um jantar suntuoso não pode satisfazer um homem que está morrendo de fome. 

Mas, saiba que naquele estado de sabedoria não há destruição. Uma vez que você o alcança, a alegria obtida nunca irá lhe deixar; será sua para sempre.

Swami Ashokananda, em Revista Vedanta

domingo, 7 de dezembro de 2014

Espaço para receber

Para a maioria de nós, conhecimento ou aprendizagem tornou-se um vício, e pensamos que através do saber seríamos criativos. Uma mente que está repleta de fatos, de conhecimento - é ela capaz de receber algo novo, repentino, espontâneo? Se a sua mente está abarrotada com o conhecido, existe nela algum espaço para receber algo que venha do desconhecido?

Certamente, o conhecimento vem sempre do conhecido, e com o conhecido estamos tentando entender o desconhecido, entender alguma coisa que está além da medida.

Tome, por exemplo, uma coisa bem ordinária que acontece com a maioria de nós: aqueles que são religiosos - seja lá o quê, no momento, essa palavra possa significar - tentam imaginar o que é Deus, ou tentam pensar sobre o que é Deus. Eles leram inúmeros livros, leram sobre as experiências dos vários santos, dos Mestres, dos Mahatmas, e tudo o mais, e eles tentam imaginar , ou tentam sentir o que é a experiência de outra pessoa. Ou seja, com o conhecido, tenta-se abordar o desconhecido. Pode-se fazer isso? Pode-se pensar em algo que não é conhecível? Só se pode pensar em algo que você conhece. Mas existe essa perversão extraordinária acontecendo no mundo nos tempos atuais: pensamos que entenderemos se tivermos mais informação, mais livros, mais fatos, mais publicações.

Certamente, para se dar conta de algo que não é a projeção do conhecido, deve haver a eliminação, através do entendimento do processo do conhecido. Por que é que a mente sempre se agarra ao conhecido? Não é porque a mente está constantemente buscando certeza, segurança? A sua própria natureza é fixada no conhecido, no tempo; e como pode essa mente, cuja própria fundação está baseada no passado, no tempo, experimentar o que não é do tempo? Ela pode conceber, formular, imaginar o desconhecido, mas isso é absurdo total. O desconhecido pode aparecer somente quando o conhecido é entendido, dissolvido, colocado de lado. E isso é extremamente difícil, porque no momento que você tem uma experiência de qualquer coisa, a mente a traduz em termos do conhecido e a reduz ao passado.

Não sei se vocês notaram que cada experiência é imediatamente traduzida dentro do conhecido, é nomeada, tabulada, e registrada. Assim, o movimento do conhecido é conhecimento. E, obviamente, esse conhecimento, aprendizado, é um impedimento.

Suponha que você nunca tenha lido um livro - religioso ou de psicologia -, e que você teria que encontrar o sentido, o significado da vida. Como você começaria? Suponha que não houvesse Mestres, organizações religiosas, nem Buda, nem Cristo, e você tivesse que começar do início. Como você começaria? Primeiro, você teria que entender o seu próprio processo de pensar, não teria? - e não projetar você mesmo, os seus pensamentos, no futuro, e criar um Deus que lhe agrade; isso seria muito infantil. Assim, primeiro você teria que entender o processo do seu próprio pensar. Certamente, esse é o único jeito de descobrir qualquer coisa nova, não é?

Quando dizemos que a aprendizagem ou o conhecimento é um impedimento, é uma barreira, certamente não estamos incluindo o conhecimento técnico - como dirigir um carro, como operar uma máquina, ou a eficiência que esse conhecimento traz. Temos em mente uma coisa bem diferente: esse senso de felicidade criativa que nenhuma quantidade de conhecimento ou aprendizagem trará. E, ser criativo no sentido mais verdadeiro dessa palavra, é estar livre do passado a cada momento. Porque é o passado que está continuamente lançando sombra no presente. Simplesmente se apegar às informações, às experiências dos outros, àquilo que outra pessoa disse, ainda que importante, e tentar aproximar a sua ação àquilo - tudo isso é conhecimento, não é? Mas, para descobrir algo novo, você deve começar por você mesmo; você deve começar uma viagem completamente desnudado, especialmente de conhecimento. Porque é muito fácil, através de conhecimento e crença, ter experiência; mas aquelas experiências são meramente produtos da auto-projeção, e portanto totalmente falsas, não reais.

E se você vai descobrir por você mesmo o que é novo, não é bom carregar o peso do velho, especialmente o conhecimento - o conhecimento de outra pessoa, por maior que seja. Agora, você usa o conhecimento como um meio de auto-proteção, segurança, e você quer estar bem certo que você tem a mesma experiência de Buda, ou de Cristo, ou de X. Mas o homem que está se protegendo constantemente através do conhecimento, não é obviamente um verdadeiro buscador da verdade.

Para o descobrimento da verdade, não existe caminho. Você precisa entrar no mar sem mapas - o que não é deprimente, o que não é ser aventureiro. Certamente, quando você quer encontrar algo novo, quando você está experimentando com qualquer coisa, sua mente tem que estar muito quieta, não tem? Mas se a sua mente estiver abarrotada, preenchida com fatos, conhecimento, eles agem como um impedimento ao novo; e, para a maioria de nós, a dificuldade é que a mente se tornou tão importante, tão predominantemente significativa, que ela interfere constantemente com qualquer coisa que possa ser nova, com qualquer coisa que possa existir simultaneamente com o conhecido. Assim, o conhecimento e o aprendizado são impedimentos àqueles que buscam, que tentam entender aquilo que não é do tempo.

Krishnamurti, Ojai, Califórnia, 17 Julho de 1949

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Níveis de transmissão da mensagem

Quanto mais sábio é o homem, mais ele vive em níveis diferentes de sabedoria simultaneamente. Ele tem de viver assim porque precisa falar de acordo com o nível das pessoas que encontra. Caso contrário, nada do que ele disser terá significado. Se Buda falar com você a partir do nível mais elevado dele, será inútil. Você o tomará por louco. Aconteceu muitas vezes de pessoas como ele serem consideradas loucas. A razão disso é que tudo o que diziam parecia ter sido dito por um louco. Portanto, se eles falarem a partir do nível deles, serão tachados de loucos. 

Se tiverem de falar no seu nível, terão de descer. Terão de descer ao nível onde você possa entendê-los. Então não parecerão loucos. Portanto, têm de falar a partir de quantos níveis existirem entre as pessoas que forem ouvi-los. 

(...) É por isso que as afirmações de pessoas como Budas são encontradas em muitos níveis diferentes. Às vezes, uma só afirmação contém muitos níveis. É porque quando alguém como Buda começa a falar, o faz a partir de seu próprio nível, e quando pára de falar, desceu ao nível em que você está. Muitas vezes, numa só frase, há uma longa jornada — porque ele começa a falar a partir do nível em que ele está. Começa com grandes expectativas em relação a você; aos poucos, vai reduzindo suas expectativas e, nas suas últimas afirmações, chega ao nível em que você está. 

O nível dele e o seu representam duas profundas divisões, mas isso não significa que estejam distantes, separados ou diferentes. São como o mar e a onda. Ás vezes o mar pode existir numa onda, mas a onda jamais poderá existir sem o mar. A Não-Forma pode existir sem forma, mas uma forma jamais existirá sem a Não-Forma. 

O S H O 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O não-saber é o ponto mais alto na evolução humana

Não saber significa que alguém não é nem ignorante nem instruído. Ele não é instruído porque ele não está interessado em mera informação e ele não é ignorante porque ele não está ignorando — ele não está ignorando a questão mais essencial. Ele não está ignorando seu próprio ser, sua própria consciência.

Não saber tem uma beleza própria, uma pureza. É justamente como um espelho puro, um lago completamente silencioso refletindo as estrelas e as árvores na margem. O estado de não-saber é o ponto mais alto na evolução humana. 

O estado de não-saber é realmente o estado de saber, porque quando todo o conhecimento e toda ignorância desaparecem você pode refletir a existência como ela é. O conhecimento é adquirido depois do seu nascimento, mas o saber vem com você. E quanto mais conhecimento você adquire, mais e mais o saber começa a desaparecer porque ele vem coberto com conhecimento. Conhecimento é exatamente como poeira e sabedoria é como o um espelho.

O coração do saber é agora. Conhecimento é sempre do passado. Conhecimento significa memória. Conhecimento significa que você acumulou sua experiência. Sabedoria é do presente. E como você pode estar no presente se você está se apegando demais ao conhecimento? É impossível, você terá que parar de se apegar ao conhecimento. E conhecimento é adquirido, sabedoria é a sua natureza. Sabedoria é sempre agora — o centro do saber é agora. E o centro do agora? 

A palavra "agora" é bonita. O centro dela é a letra "o", que é também o símbolo para zero. O centro do agora é o zero, nada. Quando a mente não é mais, quando você é somente um nada, simplesmente um zero — Buda chama isto exatamente assim, shunya, o zero — então, tudo o que o rodeia, tudo que está dentro e fora, é conhecido, mas conhecido não como conhecimento, conhecido de uma maneira totalmente diferente. Assim como uma flor sabe como abrir, e o peixe sabe como nadar e a criança sabe como crescer no útero da mãe, e você sabe como respirar — mesmo quando adormecido, mesmo em coma, você continua respirando — e o coração sabe como bater. Essa é uma maneira totalmente diferente de saber, tão intrínseca, tão interna. Não é adquirida, é natural. 

O conhecimento é conseguido na troca pelo saber. E quando você tem conhecimento, o que acontece com a sabedoria? Você se esquece da sabedoria. Você tem conhecimento e você se esqueceu da sabedoria.  E a sabedoria é a porta para o divino; o conhecimento é uma barreira para o divino. O conhecimento tem utilidade no mundo. Sim, ele o tornará mais eficiente, habilidoso, um bom mecânico, isto e aquilo; você pode conseguir uma profissão melhor. Tudo isto está aí e eu não estou negando. E você pode usar o conhecimento desse jeito; mas não deixe o conhecimento se tornar uma barreira entre você e o divino. Quando o conhecimento não for necessário, coloque-o de lado e mergulhe num estado de não-saber — que é um estado de saber, real saber. O conhecimento é conseguido na troca pela sabedoria e a sabedoria é esquecida. Ela só tem que ser re-lembrada — você a esqueceu. 

A função do Mestre é ajudar você a re-lembrá-la. A mente tem que ser re-lembrada, pois a sabedoria não é nada a não ser re-conhecimento, re-cordação, re-lembrança. Quando você se depara com alguma verdade, quando você vê um Mestre, e você vê a verdade em seu ser, alguma coisa dentro de você imediatamente a reconhece. Nem mesmo um único momento é perdido. Você não pensa sobre isto, se é verdade ou não — para pensar precisa-se de tempo. Quando você ouve a verdade, quando você sente a presença da verdade, quando você chega a uma comunhão com a verdade, alguma coisa dentro de você imediatamente a reconhece, sem nenhum argumento. Não que você aceite, não que você acredite: você reconhece. E isso não poderia ser reconhecido se já não fosse de alguma maneira conhecido, em algum lugar, profundamente dentro de você.

(...) A sociedade lhe ensina conhecimento. Tantas escolas, colégios, universidades... todos com o objetivo de criar conhecimento, mais conhecimento, implantar conhecimento nas pessoas. E a função do Mestre é justamente o oposto: o que a sociedade fez a você o Mestre tem de desfazer. Sua função é basicamente anti-social, e nada pode ser feito a respeito disso. O Mestre está destinado a ser anti-social.

Jesus, Pitágoras, Buda, Lao Tzu, todos eles são anti-sociais, mas no momento em que eles reconhecem a beleza de não-saber, a vastidão de não saber,  a ignorância de não saber, no momento em que o sabor do não saber acontece a eles, eles querem compartilhar isto com os outros, eles querem dividir isto com os outros. E esse próprio processo é anti-natural.

(...) A sociedade, de fato, torna você desenraizado da sua natureza. Ela leva você para fora de seu centro. Ela o torna neurótico.

OSHO 

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Sem compreensão do sofrimento, não há sabedoria

Esta manhã eu gostaria de falar sobre o sofrimento. É um problema muito complexo, e como não se pode examiná-lo em grandes detalhes, irei, se possível, examinar apenas o essencial.

Sem compreensão do sofrimento, não há sabedoria; o fim do sofrimento é o início da sabedoria. Para compreender o sofrimento e ficar completamente livre dele é preciso uma compreensão, não só dos sofrimentos particulares individuais, mas também do enorme sofrimento do homem. Para mim, sem estar totalmente livre do sofrimento, não pode haver sabedoria, nem a mente é capaz de realmente investigar essa coisa imensurável que pode ser chamada de Deus, ou de qualquer outro nome.

A maioria de nós sofre de diferentes formas - na relação, com a morte de alguém, por não se realizar e definhar, ou tentando ter, tentando tornar-se algo, e chegando ao fracasso total. E há todo o problema do sofrimento físico - doença, cegueira, incapacidade, paralisia, e assim por diante. Por toda a parte há esta coisa extraordinária chamada sofrimento - com a morte à espera na esquina. E nós não sabemos como enfrentar o sofrimento, então ou o adoramos, ou o racionalizamos, ou tentamos fugir dele. Vá a qualquer igreja cristã e você vai descobrir que o sofrimento é adorado; é transformado em algo extraordinário, sagrado, e dizem que só através do sofrimento, através do Cristo crucificado, você pode descobrir Deus. No Oriente, eles têm as suas próprias formas de evasão, outras formas de evitar o sofrimento, e me parece uma coisa extraordinária que tão poucos, seja no Oriente ou no Ocidente, estejam realmente livres do sofrimento.

Seria uma coisa maravilhosa se, no processo de escutar - sem emoção, não sentimentalmente - ao que está sendo dito esta manhã, e antes de deixarem esta tenda, vocês pudessem realmente compreender o sofrimento e se libertarem totalmente dele, porque então não haveria autoengano, nem ilusões, nem angústias, nem medo, e o cérebro poderia funcionar claramente, com agudeza, logicamente. E então, talvez, a pessoa soubesse o que é o amor.

Agora, para compreender o sofrimento, a pessoa tem que investigar todo o processo do tempo. Tempo é sofrimento, não só o sofrimento do passado, mas também o sofrimento que envolve o futuro - a idéia de chegar, a luta para conseguir, a esperança de que algum dia você vai ser alguma coisa, com sua inevitável sombra de frustração. Esta ideia de realização, de se tornar algo no futuro, que é tempo psicológico, é para mim o maior sofrimento - e não o fato de meu filho morrer, ou que minha esposa ou marido me deixa, ou que não sou um sucesso. Tudo isto, parece-me, é bastante trivial, se é que posso usar essa palavra, que espero que vocês não interpretem mal. Existe um sofrimento muito mais profundo, que é tempo psicológico: pensar que vou mudar nos próximos anos, que, com o tempo, vou me transformar, vou afastar-me do hábito, eu vou conseguir libertação, adquirir sabedoria, encontrar Deus. Tudo isto implica tempo - e esse, para mim, é o maior sofrimento. Mas, para investigar profundamente o problema, a pessoa tem que descobrir por que existe sofrimento dentro de si mesma - esta onda de sofrimento em que a pessoa é apanhada e que faz dela uma prisioneira. Compreendendo primeiro o sofrimento particular dentro de nós mesmos, talvez possamos compreender também o sofrimento coletivo do homem, o desespero da humanidade.

Por que sofremos? E existe um fim para o sofrimento? Existem muitas formas de sofrimento. Problemas de saúde são um tipo de sofrimento - a incapacidade de pensar devido à debilidade do cérebro, e os vários tipos de dor física. Depois há todo o campo do sofrimento psicológico - sentir-se frustrado porque não se é capaz de alcançar, ou não se tem capacidade, nem entendimento, nem inteligência; e também essa constante batalha de desejos conflitantes, de autocontradição, com as suas ansiedades e desesperos . Existe ainda a ideia da transformação através do tempo, tornar-se melhor, mais nobre, mais sábio, na qual também há sofrimento sem fim. E, finalmente, há o sofrimento da morte, o sofrimento da separação, do isolamento, o sofrimento de se estar completamente sozinho, de estar apartado e não ter qualquer relação com coisa alguma.

Conhecemos todas estas diferentes formas de sofrimento. Os muito letrados, o intelectual, o santo, as pessoas religiosas em todo o mundo são tão torturadas como nós pelo sofrimento, e se existe uma saída, eles não a encontraram. Investigar muito profundamente em nós mesmos é saber que esta é a primeira coisa que queremos - pôr um fim ao sofrimento - mas não sabemos como fazer isso. Estamos bem familiarizados com o sofrimento, nós o vemos nos outros e em nós mesmos, e ele está no próprio ar que respiramos. Vá para onde você for - retirar-se num mosteiro, andar nas ruas apinhadas - o sofrimento está sempre presente, abertamente, ou oculto, esperando, olhando.

Agora, como encontrar o sofrimento? O que se faz a respeito dele? E como a pessoa se liberta dele, não apenas superficialmente, mas totalmente, de modo que não haja absolutamente sofrimento? Estar completamente livre do sofrimento não significa que não se sente amor, nem compaixão, que não se tem bondade, nem compreensão pelo outro. Ao contrário, na total liberdade do sofrimento, não há indiferença. É uma liberdade que traz grande sensibilidade, abertura; e como a pessoa chega a essa liberdade? Vocês todos conhecem o sofrimento; não é algo estranho a vocês. Está aí. E como você o encontra? Será que você só o encontra superficialmente, verbalmente?

Por favor, acompanhem. Passo a passo vamos juntos até o fim. Veja se você pode ouvir esta manhã com toda atenção, estando consciente de suas próprias reações, e investigar profundamente comigo este problema do sofrimento - não que você vai me seguir; o que seria muito absurdo. Mas se pudermos compreender isto juntos, investigarmos ampla e profundamente, então, talvez, quando sair daqui, você poderá olhar para o céu, e o sofrimento nunca o tocará novamente. Então não haverá medo, e quando todo o sofrimento acabar, esse algo imensurável pode seguir com você.

Então, como é que você aborda o sofrimento? Receio que a maioria de nós o aborda muito superficialmente. Nossa educação, nossa formação, o nosso conhecimento, as influências sociológicas a que estamos expostos, tudo nos torna superficiais. A mente superficial é aquela que foge para a igreja, para alguma conclusão, algum conceito, alguma crença ou ideia. Esses são todos refúgios para a mente superficial que está em sofrimento. E se você não consegue encontrar um refúgio, constrói um muro em torno de si mesmo e torna-se cínico, duro, indiferente, ou você foge através de alguma reação fácil, neurótica. Todas essas defesas contra o sofrimento impedem mais investigação. Espero que vocês estejam seguindo comigo, pois isto é o que a maioria de nós realmente faz.

Agora, observe um cérebro ou mente superficial- por favor, se eu usar a palavra mente ou cérebro, quero dizer a mesma coisa. No outro dia examinamos a separação do cérebro e da mente, mas a separação é apenas verbal e não importa. Vou utilizar a palavra mente, e eu espero que vocês acompanhem e entendam o que está sendo dito.

A mente superficial não pode resolver este problema do sofrimento, porque o que ela tenta é evitar o sofrimento. Ela foge do fato do sofrimento através de uma resposta fácil e imediata. Se você tiver uma dor de dente grave, naturalmente vai imediatamente ao dentista, porque você quer se livrar dessa dor física - o que é normal e uma reação correta. Mas a dor psicológica é muito mais profunda e mais sutil, e nenhum médico, nenhum psicólogo, nada pode dissolvê-la para você. Mas a sua reação instintiva é fugir dela. Você liga o rádio, vê televisão, vai ao cinema - você sabe, todas as distrações que a civilização moderna inventou. Entretenimento de qualquer tipo, seja um serviço religioso ou um jogo de futebol, é essencialmente o mesmo. É apenas uma maneira de escapar de sua própria miséria, do seu vazio - e isto é o que vocês todos estão fazendo em todo o mundo: usando várias formas do circo para esquecer de si mesmo.

Do mesmo modo, é a mente superficial que tenta encontrar explicações. Ela diz,"quero saber por que eu sofro. Por que eu deveria sofrer e você não?" Ela sente que não fez nada particularmente errado nesta vida, por isso aceita a teoria de vidas passadas e a idéia daquilo que na Índia é chamado de karma - causa e efeito. Ela afirma, "Eu fiz algo errado no passado, e agora estou pagando", ou "Agora estou fazendo algo bom, e vou ter o benefício disso no futuro." Assim, a mente superficial fica presa em explicações.

Por favor preste atenção à sua própria mente, observe como você explica seu sofrimento à distância, perde-se no trabalho, em idéias, ou apega-se a uma crença em Deus, ou numa vida futura. E se nenhuma explicação, nenhuma crença tem sido satisfatória, você escapa através da bebida, através do sexo, ou se tornando cínico, duro, amargo, frágil. Consciente ou inconscientemente, isto é o que está realmente acontecendo com cada um de nós. Mas a ferida do sofrimento é muito profunda. Geração após geração, foi transmitida pelos pais para seus filhos, e a mente superficial nunca tira a bandagem dessa ferida; mas ela realmente não sabe, não está realmente familiarizada com o sofrimento. Apenas tem uma ideia sobre o sofrimento. Tem uma imagem, um símbolo do sofrimento, mas nunca aborda o sofrimento - ela aborda apenas a palavra sofrimento. Vocês entenderam? A palavra sofrimento ela conhece, mas não estou certo de que conhece realmente o sofrimento.

Conhecer a palavra fome e ter fome são duas coisas muito diferentes, não são? Quando você tem fome, não fica satisfeito com a palavra comida. Você quer comida, o fato. Agora, a maioria de nós fica satisfeita com palavras, símbolos, ideias, e com nossa reação a estas palavras, e nunca ficamos totalmente com o fato. Quando de repente ficamos cara a cara com o fato do sofrimento, ele nos dá um choque, e nossa reação é fugir dele. Pergunto-me se você notou isso em si mesmo? Por favor, siga o seu próprio estado mental, e não apenas ouça as palavras que estão sendo ditas. Nós nunca encontramos o sofrimento, nunca vivemos com ele. Vivemos com uma imagem, com a memória do que foi, e não com o fato. Vivemos com uma reação.

Agora, se frente ao sofrimento a mente tem um motivo, ou seja, se quiser fazer alguma coisa com o sofrimento, não pode haver qualquer compreensão do sofrimento mais do que não pode haver amor se existe um motivo para amar. Entenderam? A maioria de nós tem um motivo quando olha para o sofrimento, queremos fazer algo sobre ele. Isto é, suponha que eu perdi alguém por morte; profundamente, psicologicamente, já não posso obter o que quero dessa pessoa, e estou sofrendo. Se eu não tenho motivo para olhar meu sofrimento, ainda será sofrimento, ou o sofrimento será uma coisa totalmente diferente? Vocês estão acompanhando tudo isto?

Digamos que meu filho morre, e estou sofrendo porque fiquei sozinho. Investi todas as minhas esperanças nele, e agora meu mundo inteiro desmoronou. Eu queria criar para mim uma certa imortalidade, uma continuidade através de meu filho; ele devia perpetuar meu nome, herdar minha propriedade, continuar meu negócio, e ao fim de todas essas coisas me deu um choque. Agora, posso eu entender o sofrimento em que estou se existe uma motivação por trás de meu olhar para ele? E se houver um motivo por trás do amor, é amor? Não concorde comigo, por favor, basta observar-se. Certamente, não pode haver um motivo se eu quero entender o sofrimento, se quiser descobrir a plena profundidade e significado do sofrimento - ou do amor, porque eles sempre andam juntos. Morte, amor e sofrimento são inseparáveis; estão sempre juntos, e com eles está também a criação, mas esse é outro assunto, e vamos examiná-lo em outra ocasião. Se eu quiser compreender profundamente, completamente, o fato do sofrimento, não posso ter um motivo que determine minha reação a esse fato. Posso viver com o fato e compreendê-lo somente quando não tenho motivo. Vocês entenderam? Se não, vocês podem fazer perguntas depois sobre este ponto. Se eu "amo" você porque você pode me dar uma coisa - o seu corpo, seu dinheiro, sua lisonja, seu companheirismo, ou seja o que for - certamente não é amor, é? Claro, você obtém algo de mim também, e essa troca para a maioria de nós é amor. Eu sei que cobrimos tudo com belas palavras, mas por trás da fachada verbal há essa pressão de ter, de possuir.

Agora, sofrimento não é autopiedade? Você foi privado de alguma forma, sua relação com o outro foi um fracasso; você não se realizou sendo reconhecido como um grande homem em nome da reforma social, em nome da arte, em nome de qualquer uma de um milhão de coisas, com todos os estúpidos disparates implicados - então há sofrimento. Compreender o sofrimento é viver com ele, olhar para ele, conhecê-lo pelo que ele realmente é - e você não pode conhecê-lo se olhar com um motivo, que é tempo. Uma mente superficial que está eternamente preocupada em aperfeiçoar-se, com pena de si mesma, torturando-se numa relação particular, querendo se livrar do sofrimento e não encarar o fato - tal mente vai continuar sofrendo indefinidamente. O fato é que você está sozinho. Pela sua educação, suas atividades, seus pensamentos e sentimentos, você isolou-se profundamente, e não pode viver com esse extraordinário sentimento de solidão; você não sabe o que significa, porque aborda isso com uma palavra que evoca medo.

Assim, você vê a dificuldade - as formas sutis de fuga que a mente construiu de modo que ela é incapaz de viver com essa coisa extraordinária que chamamos sofrimento. Para ser livre do sofrimento, todo este processo tem de ser entendido, conscientemente bem como inconscientemente, e você só pode entendê-lo quando viver com o fato, olhar para ele sem motivo. Você tem de ver os truques de sua própria mente - as fugas, as coisas agradáveis a que você se apega, e as coisas dolorosas de que você deseja livrar-se com rapidez. Você tem que observar o vazio, o embotamento e a estupidez de uma mente que apenas foge. E faz pouca diferença se você foge para Deus, para o sexo, ou para a bebida, porque todas as fugas são essencialmente iguais. Vocês entenderam?

O que acontece quando você perde alguém por morte? A reação imediata é uma sensação de paralisia, e quando você sai desse estado de choque, há o que chamamos de sofrimento. Agora, o que essa palavra sofrimento significa? O companheirismo, as palavras alegres, os passeios, as muitas coisas agradáveis que vocês fizeram e esperavam fazer juntos - tudo isto é levado em um segundo, e você fica vazio, exposto, solitário. É isso que você contesta, é contra isso que a mente se rebela: ser repentinamente deixado consigo mesmo, absolutamente solitário, vazio, sem qualquer apoio. Agora, o que importa é viver com esse vazio, só viver com ele, sem reação, sem racionalização, sem fugir dele para mediuns, para a teoria da reencarnação, e todos esses disparates estúpidos - viver com ele com todo seu ser. E se você investigar passo a passo, vai descobrir que existe um fim para o sofrimento- um verdadeiro fim, não apenas um fim verbal, não o fim superficial que vem da fuga, da identificação com um conceito, ou do compromisso com uma idéia. Então você vai descobrir que não há nada a proteger porque a mente está completamente vazia e já não está reagindo no sentido de tentar preencher esse vazio; e quando todo o sofrimento chegou então ao fim, você terá iniciado outra viagem - uma viagem que não tem fim nem começo. Há uma imensidão que está além de todas as medidas, mas você não pode entrar nesse mundo sem o fim total do sofrimento.

Pergunta: O humor é uma fuga do sofrimento?

Krishnamurti: Antes de você fazer uma pergunta, por favor, fique um pouco em silêncio e reflita, se aprofunde no que acaba de ser dito. Se você aparece imediatamente com uma pergunta, significa que não investigou realmente. O que estivemos considerando juntos tem um grande significado. Não é algo barato que você pode comprar para acabar com o sofrimento e então dizer,"Bom, eu já acabei com o sofrimento." Isso seria demasiado infantil. Quando tivermos descoberto todo o campo da experiência humana, que foi enriquecida através de séculos de sofrimento humano, você não pode apenas removê-lo com uma palavra, com um símbolo, ou fugindo. Para obter a resposta certa, você deve fazer a pergunta certa; e você vai fazer a pergunta certa apenas quando estiver realmente nisso, depois de ter se exposto ao problema.

Pergunta: E quanto ao sofrimento que não é da própria pessoa, mas sofrimento por alguém?

Krishnamurti: Antes de investigar essa pergunta, vamos olhar para a pergunta anterior:"O humor é uma fuga do sofrimento?" Se você pode rir de seu sofrimento, isso é uma fuga? Existe esta coisa imensa chamada sofrimento, e você percebe a que a reduziu, quando faz tal pergunta? Quando você está sofrendo, talvez possa rir, mas ainda há sofrimento. Existe a dor, a tortura que está ocorrendo no mundo: a miséria de não ter alimento, de ter medo da morte, de ver o homem rico no grande carro e sentir inveja, a brutalidade, a tirania que está ocorrendo no Oriente, e todo o resto. Você pode rir à distância de tudo isso? Receio que você não esteja realmente ciente de seu próprio sofrimento.

A segunda pergunta é:"O que pensa sobre o sofrimento que se sente por outra pessoa?" Quando você vê alguém sofrendo, não sofre também? Quando você vê um homem que é cego, ou um homem que não tem comida, ou um homem que não é amado, que está preso na miséria, guerra, confusão, você não sofre com ele? Agora, por que se deveria sofrer com ele? Eu sei que é o aceito, o tradicional, a coisa respeitável para dizer, "Eu sofro com você". Mas por que você deveria sofrer? Se você tem um pouco, dê desse pouco. Você dá sua simpatia, seu afeto, seu amor. Mas por que você deveria sofrer? Por favor, acompanhe. Se meu filho contrai poliomielite e está morrendo, por que eu deveria sofrer? Sei que isto soa terrivelmente cruel para você. Após ter feito todo o possível, dado meu amor, minha simpatia, trazido o médico, o remédio, e de ter me sacrificado - mas é sacrifício? É essa a palavra certa? - tendo feito tudo ao meu alcance, por que eu deveria sofrer? Quando eu sofro por alguém, isso é sofrimento? Reflita, investigue; não aceite simplesmente o que estou dizendo. Sabe, quando você vai para a Índia e para outros lugares no Oriente, vê imensa pobreza - pobreza tal que não se conhece no Ocidente. Quando anda na rua, fica perto de pessoas que têm hanseníase e outras doenças. Você faz tudo que pode, mas qual é a necessidade de sofrer? O amor sofre? Oh, você terá que investigar tudo isto. Certamente, o amor nunca sofre.

Pergunta: Pode o profundo sofrimento transformar-se em profunda alegria?

Krishnamurti: Você faz uma pergunta desta natureza, quando está sofrendo? Por favor, do que você está falando?

Comentário: Quero dizer o sofrimento em si transforma-se em alegria.

Krishnamurti: Se o sofrimento transforma-se em alegria, onde você está no final do mesmo? Senhor, algumas pessoas, feliz ou infelizmente, ouviram-me durante quarenta anos, e conheço muito bem essas pessoas. Temos nos encontrado uma vez ou outra ao longo dos anos. Eu sofro porque não compreenderam? Elas ainda perguntam sobre autoridade, sobre autoexpressão, sobre Deus - você sabe, todas as coisas infantis que são perguntadas. Eu sofro? Eu sofreria apenas se esperasse alguma coisa delas; eu ficaria desapontado se tivesse me colocado numa posição de ficar desapontado pelo sentimento de que eu sou alguém que está dando alguma coisa para outro alguém. Espero que compreendam o que estou falando.

Por favor, o que é importante não é a forma de transformar sofrimento em alegria, ou se sofrimento se transforma em alegria, ou se você deveria sofrer quando vê outros sofrendo - todas estas questões não têm de fato qualquer importância. O importante é entender o sofrimento em você mesmo e, assim, acabar o sofrimento. Só então você vai descobrir o que está além do sofrimento. Caso contrário, é como se sentar deste lado da montanha e especular sobre o que está do outro lado. Você está apenas falando, adivinhando. Você não põe as mãos no problema, não o encara; você não entra profundamente em si mesmo e procura, pesquisa, compreende; e não faz isso porque sabe que isso significaria realmente deixar muitas coisas - deixar suas pequenas ideias, suas reações tradicionais, respeitáveis.

Comentário: A pessoa sofre quando não pode ajudar alguém.

Krishnamurti: Se você pode ajudar alguém física ou economicamente, você ajuda, e está acabado. Mas por que você sofre, se não pode? Você mesmo não enfrentou o problema básico, então quem é você para "ajudar" o outro? Os sacerdotes em todo o mundo estão "ajudando" alguém - que significa o quê? Eles estão ajudando a condicionar os outros de acordo com as suas próprias crenças e dogmas. Desinteressadamente alimentar os famintos, construir uma terra melhor, um mundo melhor - isso é uma ajuda. Mas dizer ao outro, "eu vou ajudá-lo psicologicamente" - que presunção! Quem é você psicologicamente para ajudar outra pessoa? Deixe isso para os comunistas, que pensam que são Deus e podem ditar a milhões de pessoas o que devem fazer. Mas por que você deveria sofrer se não pode ajudar o outro? Você pode fazer tudo para ajudar, o que pode não ser muito, mas por que passar por esta tortura do sofrimento? Ah, você não percebe, você não entrou de fato no problema verdadeiro!

Pergunta: Sei que para ser completamente livre do sofrimento, a pessoa tem que estar totalmente consciente, plenamente atenta o tempo todo. Tenho raros momentos de total consciência, mas o resto do tempo fico preso num estado de desatenção. É este o meu destino para o resto da vida, e posso, portanto, nunca ficar livre do sofrimento?

Krishnamurti: Como o interrogante diz, estar livre do sofrimento é estar completamente atento. A atenção é virtude em si mesma. Mas infelizmente a pessoa não está atenta o tempo todo. Estou atento hoje, mas amanhã não estou, e estou novamente depois de amanhã. No período intermediário estou distraído, e todos os tipos de atividades prosseguem, e não estou plenamente consciente. Portanto, o interrogante diz,"eu vejo que estou preso no estado de desatenção, e isso significa que estou fadado a nunca ser livre do sofrimento?"

Ora, senhor, a idéia de ser livre para sempre implica tempo, não é? Dizemos,"eu não sou livre agora, mas ficando atento serei livre, e quero que essa liberdade continue pelo resto de meus dias." Então, estamos preocupados com a continuidade da atenção. Dizemos,"De alguma maneira devo estar sempre atento; de outro modo vou sempre estar em sofrimento." Queremos que este estado de atenção continue dia após dia.

Agora, o que continua? O que é isso que tem continuidade? Não me responda, por favor; apenas ouça por dois minutos, e você verá algo extraordinário. O que tem continuidade? Certamente, é quando penso em uma coisa, seja prazerosa ou dolorosa, que ela tem continuidade. Você entendeu? Quando eu penso sobre um prazer ou uma dor, o meu pensamento sobre isso lhe dá continuidade. Se eu gosto de você, eu penso em você, e meu pensamento sobre você dá continuidade à imagem agradável que formei de você: assim, pela continuidade de pensamento, de associação, de memória, a minha reação a você se torna uma reação mecânica, não é? É como a de um computador, que responde de acordo com a memória, a associação, com base numa imensa quantidade de informações armazenadas.

Agora, com essa mesma mentalidade nós dizemos,"Devo ter continuidade de atenção." Compreende, senhor? Você acompanhou, senhor? Mas se virmos o que está implicado em ambos, atenção e continuidade, nunca colocaremos as duas coisas juntas. Não sei se você entendeu o que estou tentando transmitir. O erro que estamos cometendo é tentar relacionar continuidade com atenção. Queremos que o estado de atenção continue, mas o que irá continuar é nosso pensar sobre esse estado, e, portanto, não será atenção. É o pensamento que dá continuidade ao que chamamos atenção, mas quando o pensamento dá continuidade à atenção, não é o estado de atenção. Se você dá toda a sua mente a isso e compreende, descobrirá que existe um estado peculiar de atenção sem continuidade, sem tempo.

Pergunta: Em que medida o sofrimento é atenuado pela aceitação?

Krishnamurti: Por que eu deveria aceitar o sofrimento? Essa é apenas outra atividade superficial da mente. Eu não quero aceitar o sofrimento, ou atenuá-lo, ou fugir dele. Eu quero entender o sofrimento, quero ver o que ele significa; quero conhecer a beleza, a fealdade, a extraordinária vitalidade que ele tem. Não quero transformá-lo em algo que ele não é. Aceitando o sofrimento, ou fugindo dele, ou abordando-o com um conceito, uma fórmula, não estou lidando com ele. Portanto, uma mente para compreender o sofrimento não pode fazer nada sobre ele, não pode transformar o sofrimento ou torná-lo mais brando. Para ser livre do sofrimento, você não pode fazer nada com ele. É porque sempre fazemos alguma coisa com ele que ainda estamos no sofrimento.

18 de julho de 1963
Sexta Palestra em Saanen

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Sem autoconhecimento, não é possível ordem

Presentemente, nossa vida é bastante superficial, vazia, estúpida; e, quando uma mentalidade limitada tenta adivinhar o que é misterioso, incognoscível, o que ela cria é obviamente uma imagem de sua própria limitação. A questão, pois, é se a mente vulgar, a mente que está cheia de preocupações, de desespero, que luta ansiosamente para mudar, para tornar-se alguma coisa — se essa mente insignificante é capaz de transformar-se, de romper suas limitações, ampliar seus horizontes; pois, se disso não for capaz, é quase impossível haver sanidade. Sanidade é ordem, tanto exterior como interior; e é também muito importante a maneira de estabelecer essa ordem.

Interiormente, quase todos nos achamos em extrema desordem. Podeis ter muita cultura, conhecimentos muito bem coordenados, clareza objetiva; por fora, podemos mostrar muita firmeza, muita habilidade no argumentar, porém, interiormente, achamo-nos, quase todos, confusos e em conflito. Isso se pode observar na vida de muitos escritores talentosos. Porque têm talento e se acham em contradição consigo mesmos, sob forte pressão e tensão, produzem literaturas de todos os gêneros, mas basicamente, essa produção é obra de espíritos doentes. E, geralmente, ouso dizer, estamos confusos; não há claridade interior. Essa claridade não pode ser descoberta com a ajuda de outrem, nem por seguirmos alguma autoridade ou sistema de pensamento, antigo ou moderno. Tal claridade é ordem; e a ordem, em seu sentido fundamental, sutil, é virtude. A moralidade que a sociedade impõe não é absolutamente moralidade. A moralidade social é imoralidade, porque causa toda espécie de contradição, toda espécie de ambição e competição. A sociedade, por sua própria natureza — seja a do mundo comunista, seja a do mundo ocidental — produz, com efeito, um conformismo externo, social, a que se chama “moralidade”; mas, se a examinarmos profundamente, perceberemos que essa moralidade é imoral.

Estou falando sobre a virtude — a qual nenhuma relação tem, absolutamente, com a sociedade e sua pretensa moralidade. A virtude só pode tornar-se existente quando há, em nosso interior, ordem psicológica. Quando compreendemos a estrutura social — a estrutura psicológica da sociedade, da qual fazemos parte — nessa compreensão há ordem, e da ordem vem a virtude. Sem a virtude, não há para a mente possibilidade de clareza, sanidade; por conseguinte, a sanidade e a virtude andam juntas. Considero importantíssimo compreender isto, porque, para a maioria, a virtude se tornou muito cansativa, coisa ridícula e antiquada, sem significação, principalmente no mundo moderno.

(...) Assim como mantemos nosso quarto bem arrumado, limpo, agradável — e isso fazemos todos os dias — assim também há necessidade de ordem interna; mas, a ordem interna exige muito mais atenção, exige percebimento de tudo o que se passa na esfera íntima. A mente deve estar consciente de todos os seus pensamentos e sentimentos, de seus desejos e ânsias, patentes e secretos; dessa percepção resulta a ordem, que é virtude... A virtude não é algo contínuo, permanente. A virtude é a ordem que renasce a cada momento e, por conseguinte, nela existe liberdade, e não revolta... Revolta não é liberdade, a revolta fica dentro do padrão social; e a liberdade está fora desse padrão. O padrão ou molde da sociedade é psicológico: é inveja, avidez, ambição, os variados conflitos em que tomamos parte. Nós somos a sociedade que nós mesmos criamos; e se não estamos livres dela, não há nenhuma possibilidade de ordem. A virtude, pois, é de suma importância, porque traz a liberdade. E nós devemos ser livres; mas não é isso o que quer a maioria das pessoas. Poderão deseja liberdade política — liberdade para votar num certo político, ou liberdade nacional; mas isso não é liberdade, absolutamente.    

(...) A liberdade é coisa inteiramente diferente; e a maioria de nós não deseja a liberdade interior, no sentido profundo da palavra, porque isso significa que o indivíduo terá de ficar completamente , sem nenhum guia, nenhum sistema, sem seguir nenhuma autoridade. Para tanto, requer-se, dentro de nós, uma ordem extraordinária. Em geral, desejamos ter o amparo de alguém e, se não de uma pessoa, o amparo de uma ideia, de uma crença, de uma norma de conduta, de um padrão estabelecido pela sociedade, por certo líder ou pessoa considerada “espiritual”, ou por nós mesmos fixado.

Assim, em regra aceitamos a autoridade. E cumpre tornar bem claro, aqui, que a autoridade a que nos estamos referindo não é a autoridade da Lei do país. Referimo-nos à autoridade que seguimos por medo de nos vermos sós, medo de firmar-nos sobre nossas próprias pernas; de não contarmos com ninguém para termos uma norma de vida, de conduta, ou clareza interior. Porque essa espécie de autoridade gera o menosprezo, gera a inimizade e a divisão entre os homens. O homem que busca a verdade não reconhece autoridade nenhuma, em tempo algum, e esse estar livre da autoridade é para nós uma das coisas mais difíceis de compreender, não só no mundo Ocidental mas também no Oriente, porque pensamos que alguém pode colocar em ordem nossa vida — um salvador, um mestre, um instrutor espiritual, etc. — coisa inteiramente absurda. Só mediante a nossa própria clareza, nossa própria investigação, percebimento, atenção, começaremos a aprender todos os fatos relativos a nós mesmos; e desse aprender, dessa autocompreensão, vem a liberdade e a ordem e, por conseguinte, a virtude.

Assim, a percepção de que devemos estar inteiramente sós vem quando começamos a compreender-nos. O autoconhecimento é a base da sabedoria, e a sabedoria vem sempre só, pois não pode ser adquirida por meio de livros e de citações alheias. A sabedoria é algo que tem de ser descoberto por cada um, e não constitui um resultado do saber. O saber e a sabedoria não andam juntos. Surge a sabedoria na madureza do autoconhecimento. Sem autoconhecimento, não é possível ordem e, por conseguinte, não há virtude.

Jiddu Krishnamurti — O descobrimento do Amor

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Abrindo mão do complexo de sabe tudo

Pensamos compreender as coisas mediante acumulação de conhecimentos, mediante comparação. Positivamente, por essa maneira nada se compreende. Se você compara uma coisa com outra, você é absorvido por essa ocupação. Só se pode compreender uma coisa quando lhe aplicamos toda a nossa atenção, e qualquer forma de comparação ou avaliação é uma distração.

(...) Qualquer forma de conhecimento cumulativo destrói todas as possibilidades de novos descobrimentos(...) Se uma pessoa é capaz de estudar, de observar A SI MESMA, começa a descobrir como a memória cumulativa atua sobre todas as coisas que vê; fica a pessoa, continuamente, a avaliar, a rejeitar ou aceitar, condenar ou justificar, e, nessas condições, a sua experiência fica sempre restrita ao campo do conhecido, do condicionado.

Mas, sem a memória cumulativa, COMO DIRETRIZ, muitos de nós nos sentimos perdidos, cheios de medo, e por consequência incapacitados para observar a nós mesmos TAIS COMO SOMOS. Sempre que há esse processo de acumulação, que é cultivo da memória, a observação que fazemos de nós mesmos se torna muito superficial.

A acumulação é que é a causa do sofrimento. Nós não morremos para todas as coisas, de dia em dia, não morremos para as inumeráveis tradições, para a família, para nossas próprias experiências, nosso próprio desejo de fazer mal a outrem. Precisamos morrer para TUDO isso, de momento a momento, morrer para esta vasta memória constituída de acumulações, porque só então a mente está livre do "eu", a entidade nascida da acumulação.

(...) Ora bem, se pudermos realmente atingir esse estado de "NÃO SABER", isso denotará um extraordinário senso de humildade; não há aí, a arrogância do saber, a resposta presunçosa, que visa a causar impressão. Quando você é capaz de dizer "não sei" — e muito poucas pessoas são capazes de tal — então, nesse estado, desaparece todo o temor, uma vez que terminou a atividade de reconhecimento, o rebuscar da memória; já não há busca nenhuma no campo do conhecido. É então que surge a coisa extraordinária.

Devo perceber que todo pensamento, por mais sutil e elevado ou por mais ignóbil e estúpido, tem suas raízes no conhecido, na memória. Se percebo isso com muita clareza, então a mente, ao ver-se na presença de um problema imenso, é capaz de dizer "NÃO SEI" — porque não tem resposta alguma, guardada na memória. Então, todas as respostas do Buda, do Cristo, dos Mestres, dos GURUS, nada significam; porque, se alguma coisa significam, esta significação provém da coleção de lembranças que constituem o meu condicionamento.

Se, pois, percebo a verdade de tudo isso, e ponho de lado, decididamente, todas as respostas, o que só posso fazer quando possuo essa imensa humildade do "NÃO SABER", qual é então o estado da mente? Qual é o estado da mente que diz: "Não sei se há Deus, se existe o Amor" — isto é, da mente que nenhuma resposta tem, tirada da memória? Por favor, não responda a esta pergunta já, para si mesmo, porque se assim o fizer a resposta será apenas o reconhecimento do que pensa que esse estado deve ser ou não ser. Se você diz "É um estado de negação, nesse caso você o está comparando com algo que já sabe e, por conseguinte, é inexistente, em você, o estado de "NÃO SABER".

(...) Assim, pois, a mente que é capaz de dizer "NÃO SEI", acha-se no único estado em que é possível descobrir alguma coisa. Mas o homem que diz "SEI", o homem que estuda todas as variedades da experiência humana, cuja mente está carregada de um saber enciclopédico, poderá esse homem, em algum tempo, experimentar algo que não é acumulável? Ele verá que isso é dificílimo. Quando a mente afasta de si todo o saber que adquiriu, quando para ela não existem nem Budas, nem Cristos, nem Mestres, nem instrutores, religiões, citações; quando está absolutamente SÓ, não contaminada — o que significa que cessou o movimento do conhecido — é só então que se apresenta a possibilidade de uma tremenda revolução, uma transformação fundamental. Essa transformação é obviamente necessária; e só aqueles poucos — você, ou eu, ou X — que fizerem nascer em si mesmos esta revolução, são capazes de criar um mundo novo, e não os idealistas, ou intelectuais, os homens de imenso saber, ou aqueles que estão a praticar boas obras; não serão estes que criarão o Novo Mundo. Eles são só reformadores. O homem religioso é aquele que não pertence a religião nenhuma, nenhuma nação, nenhuma raça, aquele que interiormente está completamente só, num estado de "NÃO SABER"; e para ele é que está reservada a benção do Sagrado.

JK - Realização sem esforço


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A inteligência não está separada do amor

Só o autoconhecimento pode trazer a tranquilidade e a felicidade ao homem, porque o autoconhecimento é o começo da Inteligência e da integração. A inteligência não é mero ajustamento superficial; não é cultivo da mente, aquisição de saber. Inteligência é a capacidade de compreender as coisas da vida, é a percepção dos valores corretos.

A educação moderna, desenvolvendo o intelecto, fornece teorias e mais teorias, fatos e mais fatos, mas não nos faz compreender o processo total da existência humana. Somos altamente intelectuais; desenvolvemos mentes astuciosas, e vivemos num emaranhado de explicações. O intelecto se satisfaz com teorias e explicações, a inteligência não; e para a compreensão do processo total da existência, é necessária uma integração da mente e do coração, na ação. A inteligência não está separada do amor.

(...) Não somos criadores, porque enchemos de saber, de erudição e de arrogância nossos corações e nossas mentes; estamos cheios de citações do que outros pensaram e disseram. Mas o experimentar vem em primeiro lugar, e não a maneira de experimentar. É necessário que haja amor, para que possa haver a expressão do amor.

Está claro, pois, que a inteligência não resulta do mero cultivo do intelecto, isto é, do desenvolvimento das capacidades e conhecimentos. Há distinção entre intelecto e inteligência. Intelecto é o pensamento funcionando independente da emoção, e inteligência é a capacidade de SENTIR e RACIOCINAR; e enquanto não apreciarmos a vida com inteligência, e não apenas com o intelecto ou só o sentimento, nenhum sistema político ou educativo do mundo nos salvará do caos e da destruição.

A erudição não é comparável com a inteligência, erudição não é sabedoria. A sabedoria não é comerciável, não é artigo que se possa comprar pelo preço do estudo e da disciplina. A sabedoria não se encontra nos livros; não pode ser acumulada, guardada ou armazenada na memória. A sabedoria vem pela negação do “eu”. Ter a mente aberta é mais importante do que aprender; e podemos ter a mente aberta, não quando a atestamos com conhecimentos, mas quando estamos cônscios dos nossos próprios pensamentos e sentimentos, quando observamos com cuidado a nós mesmos e as influências que nos cercam, quando prestamos ouvidos a outrem, quando observamos o rico e o pobre, o poderoso e o humilde. A sabedoria não pode ser adquirida pelo temor e pela opressão, mas só pelo exame e pela compreensão dos incidentes de cada dia, nas relações humanas.

Com nossa busca de saber, com nossos desejos gananciosos, estamos perdendo o amor, estamos embotando o sentimento do belo, a sensibilidade à crueldade; estamos nos tornando cada vez mais especializados e cada vez menos INTEGRADOS.

A sabedoria não pode ser substituída pela erudição, e não há quantidade de explicações, não há acumulo de fatos que liberte o homem do sofrimento. A erudição é necessária, a ciência tem seu lugar próprio; mas, a mente e o coração estão sufocados pela erudição, e se a causa do sofrimento é posta de parte com uma explicação, a vida se torna vazia e sem sentido.

(...) O saber, o conhecimento de fatos, embora em constante crescimento, é por sua própria natureza limitado. A sabedoria é infinita, abarcando o saber bem como a esfera de ação; mas se nos apoderamos de um ramo, pensamos que temos a árvore toda. O conhecimento da parte nunca nos fará conhecer a alegria do todo. O intelecto jamais nos levará ao todo, porque ele é apenas um segmento, uma parte.

Separamos o intelecto do sentimento, desenvolvemos o intelecto à custa do sentimento. Somos como um tripé com uma perna mais longa do que as outras, não temos equilíbrio. Somos educados para sermos intelectuais; nossa educação cultiva o intelecto, para torna-lo penetrante, astucioso, ambicioso, e assim ele tem o papel mais importante em nossa vida. A inteligência é muito superior ao intelecto, porque é a INTEGRAÇÃO da razão e do amor; mas só pode haver inteligência, quando há autoconhecimento, a profunda compreensão do processo total de nós mesmos.

O essencial para o homem, jovem ou velho, é que viva plena e integralmente, e, por conseguinte, nosso problema mais importante é o cultivo da inteligência, que traz INTEGRAÇÃO. Atribuir-se indevida importância a qualquer uma das partes da nossa organização total, dá-nos uma visão parcial e, portanto, deformada da vida. É essa visão deformada que está causando a maioria de nossas dificuldades. Todo desenvolvimento parcial de nossa feição geral será inevitavelmente desastroso, tanto para nós como para a sociedade, e por conseguinte é deveras da maior importância que consideremos nossos problemas humanos de um ponto de vista INTEGRADO.

Ser um ente humano INTEGRADO é compreender o processo completo da nossa própria consciência, tanto oculta como evidente. Não é possível ser integrado, se atribuímos indevido valor ao intelecto. Damos muita importância ao cultivo da mente, mas dentro de nós somos insuficientes, pobres e confusos. Viver pelo intelecto é o caminho da desintegração, porque as ideias, assim como as crenças, não podem unir as pessoas, a não ser como grupos antagônicos.

Enquanto dependermos do pensamento como meio de integração, haverá desintegração; compreender a ação desintegradora do pensamento é cônscios dos movimentos do “eu”, dos movimentos do nosso próprio desejo. Devemos ter consciência do nosso condicionamento e das suas reações, tanto coletivas como pessoais. Só quando estamos perfeitamente cônscios das atividades do “eu”, com seus desejos e lutas contraditórias, suas esperanças e temores, temos a possibilidade de transcender o “eu”.

Só o amor e o pensar correto farão a verdadeira revolução, a revolução interior. Mas, como podemos ter amor? Podemos tê-lo, não pelo cultivo do ideal do amor, e sim quando não há ódio, quando não há avidez, quando a consciência do “eu”, causa de todo antagonismo, se extingue. Um homem todo entregue às atividades de exploração, ganância, inveja, nunca poderá amar.

Sem amor e sem pensar correto, a opressão e a crueldade crescerão continuamente. O problema do antagonismo do homem com o homem pode ser resolvido, não pelo cultivo do ideal da paz, mas só pelo entendimento das causas da guerra, que residem em nossa atitude perante a vida e perante nossos semelhantes; e este entendimento só há de nascer quando houver educação correta. Sem uma transformação do coração, sem boa vontade, sem a mudança interior, que nasce do autopercebimento, não haverá paz nem felicidade para os homens.

Jiddu Krishnamurti — A educação e o significado da vida     

sábado, 28 de setembro de 2013

É preciso um profundo estado de não-saber


Jesus costumava dizer repetidas vezes a seus discípulos: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Quem tem olhos para ver, veja”. Dizia isso tantas vezes, como se pensasse que as pessoas não ti­nham ouvidos e olhos. E esta é a minha experiência também: to­das as pessoas têm olhos, mas muito poucas são capazes de ver; todas as pessoas têm ouvidos, mas é raro, raríssimo até, encon­trar alguém que seja capaz de ouvir - pois apenas ouvir as pala­vras não é ouvir, e apenas ver figuras não é ver. Se não se chegar ao significado, ao conteúdo; se não se ouvir o silêncio que é a alma das palavras, então não se está ouvindo.

É preciso escutar em profundo silêncio, em profunda agnosia. Lembre-se de Dionísio, de sua palavra agnosia: um estado de não-saber. Se você sabe, o seu próprio conhecimento já é um distúr­bio; você não pode ouvir. E por isso que os eruditos, os estudio­sos, são incapazes de ouvir: eles estão cheios demais de baboseiras. A mente deles vive tagarelando por dentro; talvez estejam reci­tando shastras, escrituras, mas isso não faz diferença; o que está acontecendo por dentro não tem valor algum.

A menos que você esteja em silêncio absoluto, sem nem mes­mo um único pensamento perturbando seu íntimo, nem uma minúscula onda no lago da consciência, você não será capaz de ouvir. E, se não puder ouvir, então tudo o que você achar que ou­viu estará errado.

Por esses motivos, Jesus foi mal compreendido, Sócrates foi mal compreendido, Buda foi mal compreendido. Eles falavam com bastante clareza. É impossível melhorar as afirmações de Só­crates — elas são muito claras, quase perfeitas, tão perfeitas quanto a linguagem permite. As afirmações de Buda são muito simples, nelas não há complexidade, mas mesmo assim surgem os mal-entendidos.

De onde surge todo esse mal-entendido? Por que todos os grandes profetas, teerthankaras, todos os grandes Mestres ilumi­nados, são mal compreendidos? Pelo simples motivo de que as pessoas não sabem ouvir. Elas têm ouvidos, por isso acreditam que são capazes de ouvir. Não são surdas, não precisam de apa­relho de audição, mas por trás de seus ouvidos há excesso de ba­rulho, e elas têm a mente ocupada tentando interpretar o que está sendo dito, para comparar, analisar, argumentar, duvidar - elas se perdem em todos esses processos.


Osho, em "Filhos do Universo: Reflexões Sobre Desiderata"

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Do intelecto analítico à razão intuitiva

Sentidos, intelecto, razão...

Esta trilogia marca o itinerário evolutivo do homem sobre a face da Terra. No princípio da grande jornada, o homem só atingia aquilo que os sentidos lhe ofereciam, como reflexo do mundo circunjacente. E neste plano o homem se parece com o animal.

Mais tarde, despertou o homem a faculdade analítica do intelecto — e com isso o homem entrou no primeiro estágio da sua característica hominalidade. Nasceu o homem-ego, o homem-persona, o homem-intelecto.

O grosso da presente humanidade se acha ainda neste primeiro estágio hominal, incluindo, naturalmente, o estágio animal dos sentidos.

Sentidos e intelecto formam o homem-ego, cuja inteligência atingiu, sobretudo nos últimos tempos, notável desenvolvimento. A inteligência humana se revela pela ciência, cujo campo é a investigação das relações de causa e efeito que vigoram entre os fenômenos que os sentidos nos apresentam. O intelecto conhece causas e efeitos — mas ignora a Causa Única dessas causas e desses efeitos múltiplos.

Entretanto, faz parte da natureza humana uma faculdade ultra-intelectiva, que os gregos chamavam "Lógos" (diferenciando-a do "nóos", ou intelecto) e que os romanos designavam pelo termo "ratio". Infelizmente, em nossos dias, raras vezes se faz a devida distinção entre "intelecto" e "razão". No uso geral, as palavras razão e racional e o termo "lógico" (derivado de "lógos", razão) se referem, quase sempre, à atividade do intelecto; dizemos que fulano é um intelectualista unilateral, meramente analítico, e dizemos que sicrano pensa logicamente, quando entendemos que ele se guia pelos ditames da inteligência.

Na Filosofia Univérsica, porém, que prima por uma terminologia de precisão matemática, fazemos questão de pensar e falar com a mais alta e rigorosa precisão;  não confundimos razão com intelecto.

O intelecto age analiticamente — a razão reage intuitivamente.

O intelecto é ego-pensante — a razão é cosmo-pensada. E pode mesmo chegar a ser cosmo-pensante, no caso que atinja o clímax do seu poder. No estágio racional aparece o homem-Eu, o homem-indivíduo (indiviso).

O homem-Eu, no estágio da razão, age pela sapiência ou sabedoria. Ultrapassou a simples ciência do homem-ego, que age analiticamente.

A humanidade do presente, raras vezes, age com sapiência; conhece apenas a ciência, que é do ego intelectual. Só de vez em quando aparece um ser humano que se guia pela sapiência do Eu intuitivo.
O modo de agir sapiencial é, para o homem intelectual, um absurdo, um paradoxo — e o é na verdade, porque "absurdo" em latim e "paradoxal" em grego querem dizer "para além do intelecto".No primeiro século, Paulo de Tarso escreveu aos cristãos de Corinto:

"O homem intelectual (psychikós) não compreende as coisas que não são do espírito (pnêuma, sinônimo de Lógos), que lhe parecem tolices; nem as pode compreender, porque as coisas do espírito devem ser compreendidas espiritualmente".
Que diríamos de um homem que quisesse ouvir diretamente, com os ouvidos, as ondas eletrônicas de uma estação emissora? Não as pode ouvir, porque os ouvidos só percebem ondas aéreas, que estão em outra dimensão de frequência vibratória. Os nossos ouvidos só podem ouvir vibrações eletrônicas depois de convertidas em vibrações aéreas pelo aparelho receptor e transformador do rádio.

O intelectual analítico não pode perceber a irradiação do racional intuitivo, a não ser que ele racionalize primeiro a sua inteligência.

(...) A inteligência ego-pensante é prelúdio necessário para a razão cosmo-pensada. De fato, não se trata de duas faculdades separadas, como à primeira vista parece; trata-se de uma única faculdade, a qual, quando imperfeitamente realizada, se chama intelecto ou inteligência e, quando em plena maturação, se chama Razão ou Lógos. Semente e a planta são essencialmente a mesma coisa, embora existencialmente diferentes.

Quando o homem atinge a plenitude de sua evolução hominal, verifica ele que é tanto ego-pensante como cosmo-pensado — verifica que é cosmo-pensante, homem cosmificado, universificado.

(...) Quando o homem atinge a plenitude da sua consciência ou conscientização, nada mais sabe ele de um aquém ou de um além, porque a dimensão espacial do Finito se dilui na indimensão do Infinito. O mesmo se dá com o conceito ilusório do tempo, que se dilui na verdade do eterno, que é a ausência do tempo. Quando o homem-ego ultrapassa a sucessividade analítica da sua mente e entra, como homem-Eu, na simultaneidade intuitiva da razão, então tudo isto se torna natural, evidente e compreensível.

(...) Por via de regra, o homem só conhece as suas periferias sensoriais ou, quando muito, a sua zona semiperiférica mental. Mas nem os sentidos nem a mente representam a realidade central do homem; atingem o factual, mas não o real. Para além de todas as facticidades desponta a realidade.

O homem irreal ou semi-real deve ser plenamente realizado, para que seu ego doente seja saturado pelo seu Eu sadio. No homem pleni-real não há males. Todos os males de que o homem sofre vem da zona do seu ego mental, da sua persona. Somente o contato com a individualidade real pode curar a personalidade irreal; somente a verdade pode libertar o homem da inverdade, que gera os males. 

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill