Pergunta: Por que você diz que o saber e a crença precisam ser suprimidos para que a verdade exista?
Krishnaurti: Que é o saber e a crença de vocês? Se examinam o saber e a crença de vocês, que são eles? Só lembranças. Não é verdade? De que é que vocês têm conhecimento? Das lembranças de vocês, das experiências de outras pessoas, registradas num livro! Se pensam a respeito do saber de vocês, que é ele? Lembrança. Estão obtendo explicações, ministradas por outras pessoas, e possuem suas próprias experiências, baseadas em suas lembranças. Vocês se deparam com um incidente e o traduzem de acordo com a memória de vocês, a que chamam de experiência. O saber de vocês é um processo de reconhecimento. Sabemos o que são as crenças. Elas são criadas pela mente, no seu desejo de estar certa, de estar protegida, de estar em segurança.
Assim, como pode a mente, tolhida que está pelo saber, essa mente, que é acumulação do passado, traduzindo o presente segundo sua própria conveniência, como pode essa mente, com sua carga de saber, compreender o que é verdadeiro? A verdade tem de ser algo que está além do tempo. Ela não pode ser projetada pela mente; não pode ser talhada pela minha experiência; tem de ser algo incognoscível, em face da minha experiência passada. Se eu a conheço, do passado, isso então é reconhecimento e portanto não é a verdade. Se ela é apenas uma crença, é então uma "projeção" dos meus próprios desejos.
Por que nos orgulhamos tanto do nosso saber? Estamos aprisionados em nossas crenças, no "estado de conhecimento", no sentido em que é geralmente compreendido o conhecimento. Vocês temem o "ser nada". Eis porque fazem questão de tantos títulos; possuem a preocupação de adquirir nomes, ideias, reputação, de se exibirem. Com toda essa carga na mente, dizem: "estou procurando a verdade, desejo compreender a verdade". O que acontece se examinam atentamente todo processo da aquisição de saber e da formação da crença? Verificam, sem dúvida, que essas coisas são artifícios da mente — o acreditar, o saber; elas lhes conferem certo prestígio, certo poderes; os outros lhes respeitam como um homem extraordinário, muito lido e muito culto. E ficando mais velhos, se acham com o direito a mais respeito, porque, naturalmente, se tornaram mais sábios, pelo menos assim o pensam. O que fizeram foi apenas amadurecer na própria experiência de vocês. A crença destrói os entes humanos, divide os entes humanos. O homem que crê nunca pode amar; porque, para ele, a crença é mais significativa do que ser bondoso, cordial, solícito; a crença proporciona certa força, certa vitalidade, um falso sentimento de segurança.
Assim, examinando bem as coisas, que encontram? Só palavras, só memória. A verdade é algo que deve achar-se além dos limites da imaginação, além do processo da mente. Ela tem de ser eternamente nova, uma coisa não suscetível de reconhecer-se, de descrever-se. Se citam Sankara, Buda, XYZ, já começaram a comparar — o que demonstra que, pela comparação, desistiram de pensar, de sentir, de experimentar. Esse é um dos sacrifícios da mente. O saber de vocês está destruindo a percepção imediata daquilo que é a verdade.
Eis porque é importante compreender, no seu todo, o processo do saber e da crença, para o abandonarmos. Sejam simples, vejam essas coisas com simplicidade e não com uma mente ardilosa. Verão, assim, que a mente, que amontoou tanta experiência, tantas explicações, que está limitada por tantas crenças, começa a se renovar. Ela já não está à procura do novo, já não está reconhecendo, deixou de reconhecer; acha-se, por conseguinte, em estado de constante experimentar, não relacionado com o passado; há um movimento novo, que não é suscetível de repetir-se.
Importa, por essa razão, que todo saber, toda crença sejam devidamente compreendidos. Não podem suprimir o saber; precisam compreendê-lo; não podem fechar a porta ao saber. Qual é, agora, a reação de vocês? Sairão daqui e continuarão a proceder da maneira habitual, porque possuem o medo de se afastar do velho padrão.
Para achar a verdade, não há guru, não há exemplo, não há caminho; a virtude não conduzirá à verdade; a prática da virtude é a auto-perpetuação. O saber, evidentemente, só nos dá respeitabilidade.
O homem "respeitável" e fechado dentro de sua própria importância, nunca encontrará a verdade. A mente precisa estar de todo vazia, não procurar, não "projetar". Só quando a mente está totalmente tranquila, apresenta-se a possibilidade daquilo que é imensurável.
Krishnamurti em, Quando o Pensamento Cessa