[...] Queremos ser amados, e, também, amar; desejamos possuir a capacidade de descobrir e compreender a Verdade — a Verdade não ouvida da boca de outrem, não achada num determinado livro. Queremos conhecer a Verdade, experimentar a Verdade diretamente, sem interpretação.
Temos problemas incontáveis; o dia inteiro é cheio de problemas — que espécie de ação empreender, que profissão adotar, o desejo de preenchimento e ( por falta de compreensão dele) a cadeia sem fim de frustração. A fim de resolver estes problemas, apelamos em geral para alguém, para um livro, um sistema, um líder, um guru, ou para nossa experiência pessoal. Entretanto, se observarmos atentamente, o nosso desejo de achar uma solução por intermédio de alguém, de um guru, de um livro, de uma panaceia política, de um guia, verá que ele só nos leva à frustração. Não é isso o que acontece, na vida de quase todos nós?
[...] Vocês possuem livros religiosos, possuem guias e filósofos, observam numerosos rituais e, todavia, sempre estão acompanhados do temor, da frustração, da desesperança, da amargura, da ansiedade. Tal é o fado de todos nós!
E à medida em que vamos envelhecendo, com uma carga cada vez maior de experiências e desenganos, vemos que estamos perdendo a coisa mais essencial da nossa vida: a fé, não é exato? Entendo por "fé", não a mesma coisa que vocês estão acostumados a entender — a fé no líder, a fé no guru, e na experiência pessoal. Vocês podem não acreditar em coisa alguma, e fazem muito bem; porque, se não acreditam em nada, possuem uma possibilidade de descobrimento. Entretanto, o viver sem fé leva ao cinismo, ao ceticismo, a uma vida de gozos superficiais, e superficial beneficência. Se não nos tornamos cínicos, nos tornamos pessoas muito ativas e prestativas; mas aquela chama tão essencial ao pensar criador, é negada, sufocada. Creio ser essa coisa, essa chama, que nos cumpre encontrar, e não a solução para um problema qualquer, pois as soluções dos problemas são relativamente fáceis.
Se são inteligentes, se possuem capacidade e energia, lhes é então relativamente simples estudar o problema. O estudo perfeito do problema representa, justamente, a sua solução, porquanto a solução não se acha fora do problema. Porém, para se estudar o problema, descobrir a verdade que ele encerra, para isso, necessita-se energia, vitalidade; e essa vitalidade, essa energia, são destruídas quando seguem alguém, quando obedecem ao guru, ao guia político, ou a um sistema econômico. Toda energia criadora de vocês se dissipou no seguirem alguma coisa, no disciplinarem suas mentes de acordo com um determinado padrão de ação. Se falha ou se morre o guia de vocês, se veem sós.
Ora, é possível termos aquela fé criadora — se posso usar tal expressão — sem a identificarmos com um determinado padrão de pensamento? Não me refiro aqui à fé num guru, num livro, na experiência pessoal, mas àquela fé, àquela confiança que nasce do direto experimentar, por nós mesmos — prescindindo de tradições e mentores, compreendendo o problema diretamente, nos aplicando a ele com energia, com aquela extraordinária confiança, aquela capacidade de lhe descobrir a verdade intrínseca. Essa fé, sem dúvida é a verdadeira solução. Porque, sem ela, não somos entes humanos criadores. O que se faz necessário no mundo, hoje em dia, não são líderes, nem sistemas, nem gurus, mas, sim, a capacidade, por parte de cada indivíduo, para descobrir por si mesmo o que é a Verdade.
A Verdade não é coisa de vocês ou minha. A Verdade não é pessoal. É algo que surge quando a mente se acha muito lúcida, simples, direta, silenciosa. Só então surge a Verdade. Não podemos perseguir a Verdade. Tentamos persegui-la quando estamos dominados pela ânsia de solução para determinado problema.
O que se necessita, pois, é a confiança, a fé imprescindível para o descobrimento da Verdade. Não podemos descobrir o que é a Verdade, se nossas mentes estão condicionadas. Infelizmente, a janela pela qual observamos a vida, está condicionada. Estamos condicionados como hinduístas, muçulmanos, cristãos ou budistas — isto é, estamos condicionados para pensar de uma determinada maneira. A conduta, o padrão de ação nos é inculcado desde a infância. E, por conseguinte, quando crescemos e começamos a experimentar, o fazemos através dessa cortina de condicionamentos; esta é uma óbvia consequência psicológica, quer nos agrade, quer não.
Nunca somos livres para descobrir. Até agora abrigamos uma determinada forma de condicionamento — capitalista, ou socialista. Dizemos agora: "esta forma é insensata; nos tornemos comunistas". Se tornar comunista também é condicionamento. Por meio de um condicionamento, se pode resolver algum problema? Ao contrário, só se pode resolver um problema quando somos livres para meditar nele a fundo e experimentá-lo diretamente. E visto que estamos tão condicionados — religiosa, econômica, climaticamente, enfim, de todos os modos — não somos livres para olhar, observar, descobrir. Estamos agrilhoados, principalmente neste país; somos incapazes de pensar independentemente, livremente, por nós mesmos, sem ajuda dos guias, dos livros, dos líderes.[...] Tão inutilizadas estão as nossas mentes pela imitação, que somos incapazes de abandonar todos os livros e todos os guias, para refletirmos por nós mesmos sobre cada problema e descobrirmos a Verdade.
[...] Nos achamos numa tremenda crise, quer reconheçamos, quer não. E, no meio desta crise, não podemos continuar seguindo um livro anacrônico ou um guia qualquer; temos de encontrar a Verdade no nosso próprio coração, e só a encontraremos se nossa mente estiver "descondicionada". Enquanto houver o condicionamento que nos faz buscar, seguir, ou criar ideologias e adorar ídolos; enquanto houver condicionamento da nossa mente, nos fazendo proceder como hinduístas, comunistas, socialistas, capitalistas, ou o que quer que seja, não encontraremos a Verdade contida em problema algum. Só quando vocês e eu descobrimos a Verdade, que não é pessoal, individual, haverá a possibilidade de se promover uma revolução que não seja uma revolução de ideias, mas a revolução da Verdade. Dela necessitamos nos tempos atuais.
Importa igualmente descobrir qual é a relação de vocês para com a Realidade Criadora, ou como quiserem chamá-la — pois os nomes não têm importância. Essa Realidade Criadora nunca será encontrada, enquanto a mente de vocês estiver cristalizada, atulhada de ideias e palavras sem nenhuma significação. Não a encontrarão, não a descobrirão, se a mente de vocês não é capaz de se libertar do pensamento tradicional.
A Verdade não é uma estrutura mental. A mente não pode perceber a Verdade. A Verdade não é produto da mente; ao contrário, enquanto a mente estiver em atividade, tentando imaginá-la, descobri-la, desenterrá-la, jamais a encontrará. Apenas a encontrará, quando houver a compreensão que liberta a mente e lhe dá a única possibilidade de profundo silêncio. É essencial uma mente silenciosa, uma mente tranquila, de uma tranquilidade que não é produzida por disciplina, coerção ou persuasão. Uma mente disciplinada não é uma mente livre; uma mente estreita, condicionada, é incapaz de compreender o que é a Verdade. A mente, porém, que compreende, que penetra, capaz de "experimentar" diretamente, na ação, nas relações, no viver de cada dia — essa mente é também capaz de descobrir a Verdade; e essa Verdade é que nos liberta dos problemas.
[...] Os problemas são criados pelo nosso pensar, nosso viver, nossas ações, e queremos achar uma solução fora dos nossos pensamentos, nossas atividades e relações de cada dia. Por isso estamos sempre à espera de alguém que nos diga o que devemos fazer. E como há sempre quem esteja muito disposto a nos dizer o que devemos fazer, a essas pessoas chamamos líderes, guias; consequentemente, no fim de nossa busca encontramos a busca, a frustração, a desesperança, a amargura; nossa vida foi toda desperdiçada; e começa a desintegração do nosso próprio ser. Assim, pois, só no estudo do problema pode ser encontrada uma solução verdadeira.
[...] Os problemas são criados pelo nosso pensar, nosso viver, nossas ações, e queremos achar uma solução fora dos nossos pensamentos, nossas atividades e relações de cada dia. Por isso estamos sempre à espera de alguém que nos diga o que devemos fazer. E como há sempre quem esteja muito disposto a nos dizer o que devemos fazer, a essas pessoas chamamos líderes, guias; consequentemente, no fim de nossa busca encontramos a busca, a frustração, a desesperança, a amargura; nossa vida foi toda desperdiçada; e começa a desintegração do nosso próprio ser. Assim, pois, só no estudo do problema pode ser encontrada uma solução verdadeira.
Jiddu Krishnamurti em Autoconhecimento — Base da Sabedoria