Por que temos medo de largar o conhecido?
PERGUNTA: Tenho medo da morte. Vivi uma vida de muita riqueza e plenitude, intelectual, artística e emocionalmente. Agora, que já vou aproximando do fim, toda essa satisfação acabou e nada mais me resta senão as crenças religiosas de minha meninice — purgatório, inferno etc. — que me enchem de pavor. Podeis renovar-me a confiança?
KRISHNAMURTI: Parece que a próxima pergunta se relaciona também com a morte; portanto, vou lê-la também.
PERGUNTA: Sou jovem, e até há poucas semanas gozava perfeita saúde. Um acidente causou-me uma lesão mortal, e os médicos só me dão poucos meses de vida. Porque haveria de acontecer-me isso, e como irei enfrentar a morte?
KRISHNAMURTI: Acho que em geral nós, jovens e velhos, temos medo da morte. O homem que deseja concluir a sua obra tem medo da morte, visto que aspira a chegar a um resultado. O homem que está fazendo uma carreira triunfante não deseja ser interceptado no meio dela e, portanto, teme a morte. O homem que viveu plenamente, com todas as riquezas deste mundo, também teme a morte. Assim sendo, que devemos fazer?
Vede, nós nunca fazemos perguntas fundamentais. O homem que viveu com riqueza, com plenitude, nunca fez tal pergunta. Aquela vida exuberante e plena foi muito superficial, porque, debaixo, muito profundas, jazem todas as tradições do cristianismo, do hinduísmo etc., ocultas, dormentes; e quando sua vida já não pode ser vivida com riqueza, com plenitude, os sedimentos do passado sobem à superfície e ele fica com medo do purgatório, ou inventa um céu que lhe seja satisfatório. Subsistem, pois, no inconsciente, os sedimentos de nossa cultura, de nossos temores raciais etc. E enquanto estamos ativos, com o espírito lúcido, cheios de saúde, acho necessário investigarmos as profundezas do nosso ser, a fim de descobrirmos e erradicarmos todos aqueles depósitos, aqueles sedimentos de tradição, de temor, de modo que, quando a morte se apresentar, sejamos capazes de enfrentá-la. E isso significa, realmente, que devemos ser capazes de fazer uma pergunta fundamental, agora, não nos deixando satisfazer com respostas superficiais. Há pessoas que creem na reencarnação; dizem que viverão uma vida futura, que há continuidade, que não há aniquilamento, e nessa crença se sentem felizes. Mas o problema não ficou resolvido, porque elas se estão satisfazendo, meramente, com palavras, com explicações. Ou, se sois muito intelectuais, dizeis: "A morte é inevitável, faz parte da existência. Já que nasci, tenho de morrer. Porque fazer disso um problema?" Também estes não resolveram o problema.
Os mais de nós temos medo, mas encobrimos o nosso medo com crenças, com explicações, com racionalização. E temos o homem que diz: "Sou jovem ainda, e porque hei de ser ceifado? Quero viver, conhecer as riquezas da vida. Porque haveria de acontecer-me isso, a mim?" Quando alguém diz: "Porque haveria de acontecer-me isso, a mim?", isto significa, evidentemente: "Não devia acontecer a mim, mas a vós". Interessa, pois, a todos nós este problema. Podemos investigá-lo? Estais dispostos a experimentar o que estou dizendo? Não meramente escutá-lo, mas experimentá-lo deveras, seguindo a descrição e aplicando-a a vós mesmos? A descrição é apenas a porta através da qual tendes de olhar. Se não olhais a descrição, a porta terá muito pouco valor. Nós vamos, pois, olhar para descobrirmos por nós mesmos a verdade relativa a este problema; mas não buscando explicações, substituindo a crença hinduísta na reencarnação pela crença cristã no céu etc.
O fato é que há a morte; o organismo finda. E o fato é que pode haver e pode não haver continuidade. Mas eu desejo saber agora, enquanto tenho saúde, vitalidade, energia, desejo saber o que é viver com plenitude; e desejo saber, também agora, o que significa morrer, sem esperar que um acidente ou uma doença me leve deste mundo. Desejo saber o que significa morrer, desejo entrar vivo na mansão da morte. Desejo, não teoricamente, mas realmente, experimentar essa coisa extraordinária que ela deve ser, penetrar no desconhecido, cortando todos os vínculos do conhecido. Não tornar a encontrar o "conhecido", não tornar a encontrar um amigo, lá, "do outro lado", isto é que me aterra. Tenho medo de largar tudo o que me é conhecido — a família, a virtude que cultivei, a propriedade, a posição, o poder, o pesar, a alegria, todas as coisas que acumulei e que constituem o "conhecido". Tenho medo de deixar tudo isso escapar, para sempre, das profundezas do meu ser, e de me ver em presença do desconhecido — a morte. Posso eu, que sou um resultado do conhecido, procurar sem me mudar para algo também conhecido, mas ingressando em algo que não conheço, algo nunca dantes experimentado? Têm-se escrito livros sobre a morte, várias, religiões têm doutrinado a respeito dela; mas isso são só descrições, são só coisas conhecidas. A morte, decerto, é o desconhecido, assim como a verdade é o desconhecido. E a mente que está pejada do conhecido nunca poderá entrar no reino do desconhecido. A questão, por conseguinte, é esta: se posso deitar fora todo o conhecido. Não posso fazê-lo pela vontade. Tende a bondade de prestar atenção a isto. Não posso lançar fora o conhecido, pela vontade, pela volição. Porque isso supõe um produtor da vontade, uma entidade que diz: "Isto é bom, e isto é mau", "Isto eu quero, e isto eu não quero". A mente está então atuando com base no conhecido, não é exato? Diz ela: "Preciso entrar naquele estado extraordinário que é a morte, o incognoscível, e portanto devo abandonar o conhecido". Essa pessoa se põe então a rebuscar nos vários recantos da sua mente, a fim de expulsar o conhecido. Esta ação permite a subsistência da entidade que deliberadamente expulsa o conhecido. Mas, já que essa própria entidade resulta do conhecido, nunca terá a possibilidade de experimentar aquele estado extraordinário, ou de nele ingressar. Não é claro isto? Isto é, que, se há "experimentador", esse experimentador é resultado do conhecido; e esse experimentador deseja compreender aquilo que se não conhece, o desconhecido. Quaisquer esforços que ele desenvolva nesse sentido, a sua "experiência" estará sempre dentro da esfera do conhecido.
O problema, pois, é: pode o experimentador deixar de existir completamente? Porque ele é o agente, o estímulo, a busca, a entidade que diz: "Isto é o conhecido e eu tenho de passar ao desconhecido". E, sem dúvida, toda ação, todo movimento da parte do observador, do experimentador, está sempre na esfera do conhecido. Nessas condições, pode a mente, que é resultado do conhecido, resultado do tempo, pode essa mente entrar no desconhecido? Não pode, por certo. Está visto, pois, que toda explicação, toda crença a respeito da morte, origina-se sempre do conhecido. Assim sendo, posso eu, pode a minha mente, desnudar-se, de todo, do conhecido? Não há resposta. Isso depende de vós. Vós tendes de descobrir, tendes de investigar, aprofundar o problema. As perguntas fundamentais não se respondem com "sim" ou "não". Tendes de levantar a questão fundamental, e esperar que ela se desdobre por si mesma. E ela não poderá desdobrar-se por si se estais meramente em busca de uma resposta, uma explicação. Esta é uma questão básica: posso eu, que sou o resultado do conhecido, penetrar no desconhecido, que é a morte? Se desejo fazê-lo, tenho de fazê-lo enquanto estou vivo, e não no último momento. No último instante, a mente já não é capaz de observar, de compreender; ela está enferma, cansada, exausta, e a consciência muito enfraquecida. Mas, enquanto estamos cheios de energia, plenamente conscientes, vigilantes, lúcidos, não podemos então investigar, descobrir? "Entrar em vida na mansão da morte", isto não é uma ideia mórbida; é a única solução. Enquanto estamos vivendo uma vida de riqueza, de plenitude — o que quer que isso signifique — ou uma vida desditosa, uma vida pobre, não temos a possibilidade de conhecer aquilo que é imensurável e que o experimentador só pode entrever em raras ocasiões?
Podemos, então, vós e eu, desvencilhar-nos do conhecido? Compreendeis a profundeza do problema? A mente se apega a toda experiência aprazível, e deseja evitar as não aprazíveis. Esta acumulação do que é aprazível é o conhecido; e a fuga ao não aprazível é igualmente o conhecido. Pode a mente morrer, momento por momento, para tudo o que experimentou, e nunca acumular? Porque, se há acumulação, temos, nesse caso, o experimentador, que só observa as coisas baseado nessa acumulação; essa acumulação é o próprio experimentador; este, por conseguinte, nunca poderá conhecer o que se acha além do conhecido. Acho da maior importância que cada um de nós compreenda isso profundamente, porque, então, nem o saber, nem a disciplina, a crença, o dogma, nem o seguir instrutores e gurus etc., tem mais significação alguma. Porque as disciplinas, os métodos, são o conhecido: coisas que se têm de praticar, e alvos que se têm de atingir. Podemos perceber isso, na sua totalidade, dar-lhe toda a nossa atenção? Não visando a alcançarmos o desconhecido, porque tal atenção é mera exclusão, uma forma de avidez. Podemos perceber que, enquanto há qualquer movimento da mente, esse movimento procede do tempo, do conhecido, e que tal movimento em direção ao desconhecido nunca penetrará esta esfera de liberdade? Se podemos perceber isso, então a mente, divisando a verdade relativa à questão, se torna de todo imóvel. Já não está buscando, indagando, esquadrinhando, pois compreende que toda busca, toda indagação, procede do conhecido. Só com a tranquilidade total da mente é que é possível vir à existência o desconhecido.
Krishnamurti, Terceira Conferência em Londres, 19 de junho de 1955