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domingo, 1 de abril de 2018

O sofrimento é atividade egocêntrica

O sofrimento é atividade egocêntrica

A semana passada falamos da vida holística (uma maneira de viver sem fragmentação, sem divisões, ao contrário de nossas vidas). Analisamos essa questão com bastante profundidade. Vimos que as causas da fragmentação são os diferentes fatores de nossa vida social, moral e religiosa que nos dividem em hindus, muçulmanos, cristãos, budistas, etc. As religiões são as máximas responsáveis desta catástrofe. Também falamos do tempo (o passado com todas recordações, a acumulação de experiências, etc.) Dizemos que o tempo se modifica no presente e segue para o futuro. Assim é a nossa vida. Segundo os biólogos e os arqueólogos, levamos mais de três milhões e meio de anos vivendo na Terra. Durante este longo período chamado “evolução”, temos acumulado muita memória. Também falamos da limitação da memória e do pensamento, e de como essa limitação divide o mundo geográfica, nacional e religiosamente.

[...] Nossas vidas, nossa vida cotidiana está em desordem. Isso significa uma contradição: dizer uma coisa e fazer outra, crer em algo e atuar de maneira totalmente diferente a como o faríamos. Essa contradição gera desordem. Pergunto-me se todos nos percebemos desse problema. Segundo parece, cada vez há mais e mais desordem no mundo, devido aos maus governos, à economia e às condições sociais. Sempre está presente a ameaça da guerra, que cada vez parece mais iminente, mais e mais pressionada, e os governos de todo o mundo, inclusive das pequenas nações, estão comprando armamento. Em todo o mundo há uma enorme desordem, e nossas vidas diárias também bebem dessa fonte, ainda que constantemente tratemos de conseguir ordem. Queremos ordem, porque sem ela, os seres humanos, sem dúvida, se destruirão entre eles.

Espero que compartilhemos este tema, que pensemos, observemos e escutemos juntos, para ter um diálogo no qual possam participar. Não se trata de acumular umas poucas ideias ou conclusões, senão que juntos devemos averiguar por que vivemos em desordem, e se pode haver uma completa ordem em nossas vidas e, portanto, na sociedade.

Nós temos criado a sociedade com nossa cobiça, nossa ambição, nossa inveja e com nosso conceito de liberdade individual. Essa sensação de individualidade tem gerado enorme desordem. Por favor, não estamos acusando a ninguém; tão só observamos o que ocorre no mundo. Em nossas vidas, tal como vivemos depois destes milhões de anos, segue havendo desordem, apesar de que sempre buscamos ordem, porque sem ordem não é possível funcionar com liberdade e de maneira holística. Assim, pois, devemos descobrir o que é ordem, não como um projeto, não como algo que devemos enquadrar e logo seguir. A ordem é algo muito ativo, muito vivo; não se adapta a nenhum modelo, seja idealista, histórico, conclusões dialéticas ou imposições religiosas. As religiões de todo o mundo se apoiam em certas leis, imposições e preceitos, mas os seres humanos não os seguem de nenhuma maneira. De modo que vamos descartar todas estas conclusões ideológicas e crenças religiosas, que nada têm que ver com nossa existência cotidiana. Já temos aceitado e seguido leis impostas pelas religiões, mas só tem gerado mais fanatismo, etc.

O que é a ordem? É possível descobrir o que é ordem quando nossos cérebros estão confusos e em desordem? Por isso devemos saber o que é desordem e não o que é a ordem, porque quando não há desordem, naturalmente aparece a ordem. Estão de acordo? Uma das causas da desordem, talvez a maior causa, seja o conflito. Se há conflito (não só entre homem e mulher, senão também entre nações, religiões, crenças e fés) deve haver desordem.

[...] Devemos estudar a questão de se vivemos nessa ilusão de que somos indivíduos separados. A teoria comunista, como talvez saiba a maioria, diz que somos o resultado de nosso meio ambiente e, em consequência, se modificamos nosso ambiente, também modificaremos os seres humanos. Isso é totalmente absurdo, como se torna patente quando se observa a Rússia totalitarista. O domínio de uns poucos e o controle do pensamento, entre outras coisas, não tem colocado fim a individualidade como se esperava, senão totalmente o contrário. De modo que uma das maiores causas da desordem em nossas vidas se deve a que cada um acredita que é livre, cada um pensa em sua própria realização, em seus desejos, em suas ambições, em seus prazeres particulares. Descubramos se a individualidade é um fato ou se é uma ilusão largamente estabelecida e respeitada. Podemos investigá-lo juntos sem aceitá-lo ou negá-lo? É uma tolice dizer: “Estou de acordo com você”, ou “Não estou de acordo”. Não estão de “acordo” ou em “desacordo” com o nascer ou pôr do Sol; é um fato. Nunca dizem: “Estou de acordo de que o Sol nasce pelo leste”. Assim, pois, podemos deixar de lado esse conceito de estar de acordo ou em desacordo, e investigar sem preferências, sem resistências, se existe realmente a individualidade ou se existe algo totalmente diferente?

Nossa consciência é o resultado de um milhão de anos ou mais. Contém toda a essência animal e primitiva, visto que viemos do animal, da natureza. Vemos que no mais profundo de nossas consciências, ainda há fortes respostas animais: estão os medos e o desejo de segurança. Tudo isso faz parte de nossa consciência. Nossas consciências também contém inumeráveis crenças, fés, reações, ações, diferentes recordações, medos, prazeres, sofrimentos e essa busca de total segurança. Isso é tudo o que somos. Podemos pensar que temos uma parte divina, mas isso só faz parte de nosso pensar. Acreditamos que toda essa consciência pertence a cada um de nós, não é verdade? O cristianismo, o hinduísmo e as demais religiões sustentam que somos almas separadas.

Bem, agora, nós o questionamos. Você não compartilha do sofrimento com o resto dos seres humanos? Os homens de todo o mundo têm diferentes tipos de medo e de prazeres. Eles sofrem e você também o faz. Eles rezam e fazem todo tipo de absurdas cerimônias, igual a vocês; e buscam estímulos e sensações através de cerimônias, igual a vocês. De modo que compartilhamos a consciência com toda a humanidade; você é a humanidade inteira. Primeiro, veja a lógica de tudo isto. Qualquer ser humano sofre na Terra, independente de sua religião ou crença. Todo ser humano sofre, profunda ou superficialmente, e trata de escapar desse sofrimento. Mas essa consciência, que consideramos “minha”, que é “nossa consciência pessoal”, não é um fato, porque todos os seres humanos que vivemos nesta maravilhosa e bela Terra (que pouco a pouco destruímos) passamos pelos mesmos problemas: dor, ansiedade, solidão, desespero, lágrimas, risos, contradições, o conflito entre o homem e a mulher, entre o esposo e a esposa. Bem, se temos essa consciência, somos indivíduos? Porque você é isso, sua consciência. Não importa o que pense ou imagine, suas tendências, suas atitudes, seus talentos e seus dons, já que tudo isso é compartilhado pelo resto dos seres humanos, que são exatamente como você ou semelhantes. Isso é um fato lógico. E a lógica tem seu lugar. Você deve pensar com clareza, com lógica, com sanidade, raciocinando. Mas a lógica se baseia no pensamento. Por mais lógico que possa ser, o pensamento é limitado. Por isso deve ir mais além do pensamento, mais além dos limites do raciocínio e da lógica.

Você é a humanidade inteira; não somos indivíduos. Escutem esta informação: você são a humanidade inteira; são a humanidade, não são indianos nem todas essas absurdas divisões. Ao escutar uma afirmação como esta, a convertem numa abstração? Quer dizer, convertem esse fato numa ideia? O fato é uma coisa e a ideia a respeito do fato é outra. O fato é que vocês acreditam que são indivíduos. Suas religiões, suas vidas cotidianas, seus condicionamentos lhes faz crer que são indivíduos. E se alguém como o orador lhes diz: “analisem-no com cuidado, estão seguros de que é assim?” A princípio resistem e respondem: “O que está dizendo?”. O descartam. Mas se escutam detidamente, então acabamos compartilhando essa informação de que são a humanidade inteira. Como escutam essa afirmação, como escutam seu som? A convertem numa ideia afastada do fato e logo perseguem essa ideia?

Ao escutar a afirmação de que sua consciência, com todas as reações e ações, é compartilhada por toda a humanidade, porque cada ser humano passa pelo desespero, a sensação de solidão, o sofrimento e a dor, igual a você, como escuta essa afirmação? A recusa ou a examina? A analisa ou tão só diz: “Que besteira?” O que está fazendo, não amanhã, senão agora? Qual é a sua reação? Pode escutar sua profundidade, seu som, sua beleza, sua imensidade, sua tremenda responsabilidade, ou tratá-la de forma superficial, verbal, dizendo: “Sim, a entendo intelectualmente”. O entendimento intelectual pouquíssimo significado. Deve estar em seu sangue, em suas entranhas, e daí surge uma qualidade diferente no cérebro, uma qualidade holística, não fragmentada. A fragmentação é o que cria a desordem. Nós, como indivíduos, temos fragmentado a consciência humana e, portanto, vivemos em desordem.

Perceber que somos a humanidade inteira é amor. Então não matará a ninguém, não fará dano a ninguém. Se afastará de qualquer agressão, da violência e da crueldade das religiões. Nossa consciência é uma com a humanidade. Não veem a beleza, a imensidão disso. Regressarão a seus próprios padrões, pensando que todos somos indivíduos; lutarão, se esforçarão, competirão, cada um tratando de preencher seu próprio pequeno e detestável ego. Sim, senhor, isso não significa nada para você, porque regressará ao seu modo de viver. De modo que é preferível que não escute nada de tudo isto. Se escuta uma verdade e não atua, essa verdade se converte em veneno. Por isso nossas vidas são muito opacas e superficiais.

Também devemos falar juntos do porque o homem busca sempre o prazer: de possuir, de realizar, de poder, de ter um status. Está o prazer sexual, que se mantém com o incessante pensamento centrado no sexo, o imaginar, o criar representações e imagens, quer dizer, o pensamento estimula o prazer, e as sensações se convertem em prazer. Assim, pois, devemos compreender o que é o prazer e por que o buscamos. Não dizemos que é bom ou mal. Não estamos condenando o prazer, da mesma maneira que não fazemos o mesmo com o desejo. O desejo é parte do prazer. Realizar um desejo é a mesma natureza do prazer. O desejo pode ser a causa da desordem, cada um querendo realizar seu próprio e particular desejo.

Assim que juntos vamos estudar se o desejo é uma das maiores causas da desordem; devemos explorar o desejo, não condená-lo, não escapar dele, nem tratar de reprimi-lo. Quase todas as religiões dizem: “Reprima o desejo”, o qual é absurdo. Vejamos: o que é o desejo? Façam-se essa pergunta. Seguramente muitos de nós nunca nos temos questionado. O aceitamos como parte da vida, como um instinto natural do homem ou da mulher e, em consequência, dizemos: “por que devemos nos preocupar?” Há pessoas que renunciam ao mundo, que ingressam em mosteiros, e tratam assim de reprimir seus desejos adorando a um símbolo ou a uma pessoa. Tenham presente que não estamos condenando o desejo. Tratamos de descobrir o que é e por que o homem leva milhões de anos preso no solo do desejo físico, senão também no psicológico, na rede dos desejos.

[...] Estamos observando o desejo, sua origem, e por que sempre os seres humanos estão presos no desejo. Se têm um pouco de dinheiro querem mais; se têm um pouco de poder, querem mais. E o poder em todas as suas formas, seja sobre sua esposa ou seus filhos, político ou religioso, é uma coisa abominável. É maléfico, porque não tem nada que ver com a verdade. Assim, qual é a origem do desejo? Vivemos de sensações; se não as tivéssemos, sejam elas biológicas e psicológicas, seríamos seres humanos mortos; não é certo? O grasnar de um corvo atua sobre o tímpano e os nervos, e esse som se traduz como o grito do corvo. Isso é uma sensação. A sensação surge do escutar ou de ver, e logo vem o contato. Você vê um jardim muito bem cuidado: tem uma cor verde intensa, perfeita, não têm ervas daninhas. É belo de contemplar. Primeiro o vê, então, se é sensível, se aproxima e toca a relva. Quer dizer, primeiro vê, depois há um contato, e logo se produz a sensação.

Vivemos de sensações; são necessárias. Se você não é sensível está embotado, está meio morto, como a maioria das pessoas. Tomemos um exemplo simples. Observa um belo sári ou camisa em uma tenda. A vê. Entra na tenda e a toca; ao tocá-la surge uma sensação e diz: “Deus meu, que textura tão bela!” O que ocorre mais tarde?...

Vejo um belo automóvel, tocam o abrilhantado, sua forma e seu perfil. Daí surge uma sensação. Mais tarde, o pensamento interfere e diz: “Que fantástico seria tê-lo, que bonito seria dirigi-lo!” Que ocorreu? O pensamento interferiu e deu forma à sensação, acrescentou à sensação a imagem de si mesmo sentado no automóvel e o dirigindo. Nesse momento, nesse segundo, quando o pensamento cria a imagem de si mesmo sentado no automóvel, surge o desejo. O desejo aparece quando o pensamento lhe dá forma, quando cria uma imagem da sensação. Bem, agora, esta é uma expressão da existência, é parte da vida. Mas vocês têm aprendido a reprimir, a dominar ou a viver com o desejo e todos os seus problemas. Então, se compreendem isso, não intelectualmente, senão de verdade, se entendem que o pensamento da forma à sensação, e um segundo depois surge o desejo, a pergunta seguinte é: podemos ver e tocar o automóvel, o qual é uma sensação, mas não permitir que o pensamento crie uma imagem? Trata-se de manter um intervalo.

Mas também deve-se averiguar o que é a disciplina, já que está relacionada com o desejo. A palavra disciplina procede do termo discípulo cujo significado etimológico é “aquele que aprende”. Um discípulo é aquele que aprende (aprender, não conformar-se, não controlar, não reprimir, não obedecer, não seguir, senão o contrário, aprender através da observação). Assim, estamos aprendendo sobre o desejo. Aprender não é memorizar. A maioria estão treinados, em especial se pertencem ao exército, a disciplinar-se segundo um padrão, a copiar, a seguir, a obedecer. Mas se você aprende, então esse mesmo aprender tem sua própria ordem; não há necessidade de impor uma ordem mediante uma lei ou qualquer outra coisa. Aprender, descobrir se é possível que a sensação floresça sem permitir que o pensamento interfira, manter a sensação e o pensamento separados. O farão? Se o fazem, verão, descobrirão que o desejo tem seu lugar. E quando se compreende a natureza do desejo, o conflito cessa.

Também devemos falar do amor, do sofrimento e da morte. Tudo isto é muito sério porque afeta a sua vida diária. Não se trata de um jogo intelectual, pois que afeta a sua vida; não a de outros, senão à maneira em que se vive há milhões de anos. Observem isso. Tudo isto têm criado grandes estragos no mundo. Todos querem uma posição de destaque, realizar algo, ser algo. E se observamos, vemos que há um enorme sofrimento. Cada ser humano no mundo, tanto se ocupa uma posição destacada como se é um simples aldeão ignorante, passa por esse enorme sofrimento. Pode ser que não reconheça a natureza, a beleza e a força do sofrimento, mas passa por essa dor igual a sua. Os seres humanos têm padecido do sofrimento durante milhões de anos, e não têm solucionado este problema, senão, ao contrário, porque tratam de fugir dele. Qual é a relação entre o sofrimento, o amor e a morte? É possível colocar fim ao sofrimento? Essa é uma das perguntas que a humanidade tem se feito durante um milhão de anos. É possível terminar com a dor, a ansiedade, a tristeza e o sofrimento?

O sofrimento não é só particular, senão que também se inclui o da humanidade. Historicamente, tem havido cinco mil anos de guerras. Isso significa que cada ano muitas pessoas matam a outras para garantir a segurança de sua tribo, sua religião, sua nação, sua comunidade e sua proteção individual, entre outras coisas. Percebem o que as guerras fazem, dos estragos que geram? Quantos milhos têm chorado, quantos milhões têm sido feridos, têm perdido os braços, pernas, olhos, e inclusive seus rostos? Vocês não sabem nada de tudo isto. Bem, é possível colocar fim ao sofrimento e toda a dor que isso implica? O que é o sofrimento? Não sabem o que é? Lhes envergonha reconhecê-lo? Quando seu filho, sua filha ou outro que acredita amar se parte, não tem derramado lágrimas? Não tem sentido uma terrível solidão ao perder para sempre um companheiro? Não se fala da morte, senão dessa coisa imensa que o homem padece sem nunca encontrar uma solução.

Se o sofrimento não cessa, não há amor. O sofrimento é parte de nosso interesse próprio, de nosso egoísmo, de nossa atividade egocêntrica. Possivelmente chora por alguém, por seu filho, por seu irmão, por sua mãe, por quê? Porque perdeu alguém a quem estava unido, a alguém que lhe oferecia companhia e conforto, entre outras coisas. Ao perder essa pessoa se dá conta do muito vazia, do muito solitária, que é sua vida. Então chora. E aparecem muitas outras pessoas dispostas a lhe consolar, e você cai com muita facilidade nessa armadilha do conforto. Há o conforto de Deus, que é uma imagem criada pelo pensamento, ou de alguma ideia ou conceito ilusório. Isso é tudo o que queremos. Nunca questionamos essa urgência, esse desejo de conforto. Nunca questionamos se realmente existe o conforto. Necessita-se de uma cama ou uma cadeira confortável, o que está bem. Mas nunca nos questionamos se existe realmente o conforto psicológico, interno. Por acaso esse conforto não é uma ilusão que você tem convertido em sua verdade?

Você pode converter uma ilusão em sua verdade (a de que você é Deus, de que Deus existe). Esse deus foi criado pelo pensamento, pelo medo. Se não tivesse medo, não haveria nenhum deus. Deus é uma invenção que nasce do medo, da solidão, do desespero e da busca de um conforto duradouro do homem. Nunca nos questionamos se existe satisfação profunda e duradoura. Todos querem sentir-se satisfeitos, não só com a comida, senão também sexualmente, ou conseguindo alguma posição de autoridade e obtendo conforto dessa posição. Questionamo-nos se realmente existe algum tipo de conforto, se existe algo que seja gratificante desde o momento em que nascemos até que morremos. Não escutem só a mim; investiguem, ponham sua energia, seu pensamento, seu sangue e seu coração em descobri-lo. Se não tivessem ilusões, existiria o conforto? Há que se ter em conta que é outro tipo de prazer.

Esse é um problema muito complexo de nossa vida (por que somos tão superficiais, banais, cheios de conhecimentos de outras pessoas e de livros; por que não somos independentes, seres humanos livres para descobrir, por que somos escravos). Não se trata de perguntas retóricas, senão de questionamentos que cada um deve se fazer. No próprio perguntar e duvidar, chega a liberdade. Sem ela, a verdade não tem nenhum sentido.

Amanhã analisaremos a questão do que é uma vida religiosa, e se existe algo totalmente sagrado, santo, algo que não tenha sido inventado pelo pensamento.

Krishnamurti, Bombaim, terceira palestra pública
9 de fevereiro de 1985
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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Não fique perdido na floresta dos prazeres

O que é Felicidade? Depende de você, de seu estado de consciência ou de inconsciência, se você está adormecido ou desperto.(...)

A felicidade depende de onde você está em sua consciência. Se você estiver adormecido, então o prazer é a felicidade. Prazer significa sensação, tentar alcançar algo por meio do corpo. De todas as maneiras, as pessoas estão tentando alcançar a felicidade por meio do corpo. O corpo pode lhe dar apenas prazeres momentâneos, e cada prazer é equilibrado na mesma medida, no mesmo grau pelo desprazer, pelo sofrimento.

Cada prazer é seguido pelo seu oposto, pois o corpo existe no mundo da dualidade. Assim como o dia é seguido pela noite, a morte é seguida pela vida e a vida é seguida pela morte...

Trata-se de um circulo vicioso. Seu prazer é seguido pela dor, sua dor será seguida pelo prazer, mas você nunca ficará à vontade. Quando estiver em um estado ficará com medo de perdê-lo e esse medo o envenenará. Quando estiver perdido na dor, é claro, estará em sofrimento e fará todo esforço possível para sair dele, apenas para voltar a ele mais tarde.

Buda chama isso de roda do nascimento e da morte.

Seguimos nos movendo nessa roda e nos apegamos a ela...e a roda segue em frente. Às vezes aflora prazer, às vezes o sofrimento, mas somos esmagados entre essas duas rochas.

A pessoa adormecida não conhece mais nada além de algumas sensações do corpo: comida e sexo; esse é seu mundo. Ela segue se movendo entre esses dois... Estes dois são os terminais de seu corpo: comida e sexo. Se ela reprime o sexo, fica viciada em comida; se ela reprime a comida fica viciada em sexo. A energia segue movendo como um pêndulo. No máximo, tudo o que você chama de prazer é apenas um alívio de um estado tenso. (...)

O que chamamos de "felicidade" depende da pessoa. Para a pessoa adormecida, sensações prazerosas são a felicidade; ela vive de prazer em prazer. Ela está simplesmente correndo de uma sensação a outra, vivendo de pequenas excitações; sua vida é muito superficial, não tem profundidade, não tem qualidade. Ela vive no mundo da quantidade.

E há pessoas que estão no meio, que não estão adormecidas nem despertas. Às vezes você tem essa experiência quando levanta pela manhã e ainda não sabe se está acordado ou ainda está dormindo. Ouve os sons, mas ainda tem a impressão de tudo fazer parte do sonho; não é parte de sonho, mas você ainda está em um estado intermediário.

O mesmo acontece quando você começa a meditar. O não-meditador dorme e sonha; o meditador começa a se afastar do estado adormecido em direção ao estado desperto; ele está em um estado transitório. Então felicidade tem um significado totalmente diferente; ela se torna mais uma qualidade e menos uma quantidade, é mais psicológica e menos fisiológica.

O meditador desfruta mais a música, a poesia, desfruta criar alguma coisa, desfruta a natureza e sua beleza, o silêncio, desfruta o que nunca desfrutou antes, e isso é muito mais duradouro. Mesmo se a música cessar, algo se prolonga nele.

E a felicidade não é um alívio. A diferença entre o prazer e essa qualidade de felicidade é que essa última não é um alívio, mas um enriquecimento. Você fica mais repleto e começa a transbordar. Ao escutar uma boa música, algo se desencadeia em seu ser, uma harmonia surge em você; você se torna musical. Ou, ao dançar, subitamente você se esquece de seu corpo; ele fica leve, deixa de existir a força da gravidade sobre você; de repente você está em um espaço diferente: o ego não é mais tão sólido, o dançarino se dissolve e se funde na dança.

Isso é bem superior, bem mais profundo do que o prazer que você obtém da comida e do sexo; isso tem uma profundidade, mas também não é o final.

O final acontece somente quando você está completamente desperto, quando você é um Buda, quando todo o sono, o sonhar se foram, quando todo o seu ser estiver repleto de luz, quando não houver escuridão dentro de você. Toda escuridão desapareceu e, com essa escuridão, o ego se foi; todas as tensões desapareceram, toda angústia, toda ansiedade.

Você fica em um estado de total satisfação e vive no presente, sem mais nenhum passado e nenhum futuro. Você fica completamente no aqui-agora; este momento é tudo, o agora é o único tempo e o aqui é o único espaço. E então de repente, todo o céu repousa sobre você. Esse é o estado de plenitude, a felicidade verdadeira.

Procure o estado de plenitude, ele é seu direito inato.

Não fique perdido na floresta dos prazeres; eleve-se um pouco mais, alcance a felicidade e depois a plenitude.

O prazer é animal, a felicidade é humana, a plenitude é divina.
O prazer o prende, o acorrente; ele é uma escravidão. A felicidade lhe dá um pouco mais de corda, um pouco de liberdade, mas somente um pouco. A plenitude é a liberdade absoluta; você começa a se elevar, ela lhe dá asas. Você deixa de ser parte da terra grosseira e passa a ser parte do céu, você se torna luz, alegria.

O prazer depende dos outros; a felicidade não depende tanto dos outros, mas ainda assim está separada de você; a plenitude não dependente e também não está separado...ele é o seu próprio ser, a sua própria natureza.

Osho em Alegria a Felicidade que Vem de Dentro.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Na compreensão do prazer dá-se o findar do sofrimento

Vejamos o que está implicado no prazer e se é possível viver-se num mundo em que não exista o prazer, porém um extraordinário estado de alegria, de bem-aventurança. 

Estamos, todos nós, empenhados na busca do prazer, nesta ou naquela forma — prazer intelectual, sensual ou cultural; o prazer da reforma, de dizer aos outros o que devem fazer, de atenuar os males da sociedade, de fazer o bem; o prazer de ter conhecimentos mais vastos, maior satisfação física, mais experiências, mais compreensão da vida, de possuir todas as qualidades engenhosas e sutis da mente; e, naturalmente, o prazer supremo: a posse de Deus. 

O prazer é a estrutura da sociedade. Da infância à morte, secreta ou ardilosamente, ou abertamente, buscamos o prazer. Assim, qualquer que seja a nossa forma de prazer, acho que devemos vê-la muito claramente, porque será ela que irá guiar e moldar a nossa vida. Por conseguinte, o importante é que cada um de nós investigue com atenção, cautela, precisão, a questão do prazer, porque achar o prazer e depois nutri-lo e mantê-lo constitui uma necessidade básica da vida e sem ele a existência se torna monótona, estúpida, ensombrada pela solidão e sem nenhum significado. 

Perguntareis então: "Então por que razão não deve a vida ser guiada pelo prazer?" — Pela razão muito simples que o prazer traz necessariamente a dor, a frustração, o sofrimento, o medo, e, como resultado do medo, a violência. Se desejais viver dessa maneira, vivei; aliás, é o que a maioria faz. Mas, se desejais livrar-vos do sofrimento, deveis compreender a inteira estrutura do prazer. 

Compreender o prazer não significa negá-lo. Não o estamos condenando ou dizendo que é bom ou mau, mas, se o cultivamos, o façamos de olhos abertos, sabendo que a mente que está a buscar prazer encontrará inevitavelmente a sua sombra — a dor. As suas coisas não podem ser separadas, embora busquemos o prazer e procuremos evitar a dor. 

Ora, por que é que a mente está sempre a exigir prazer? Por que razão fazemos coisas nobres e ignóbeis sempre com esse desejo secreto de prazer? Por que nos sacrificamos e sofremos, sempre pendentes desse tênue fio do prazer? O que é o prazer, e como nasce?...

O prazer se torna existente em quatro fazes: percepção, sensação, contato e desejo. Vejo um belo automóvel, por exemplo; vem em seguida uma sensação, uma reação; depois o toco com as mãos ou imagino tocá-lo; e vem então o desejo de possuir o carro e ostentar-me com ele. Ou vejo uma nuvem formosa, uma montanha claramente delineada contra o céu, uma folha que acaba de brotar na primavera, um vale profundo, chio de encantos e esplendor, um glorioso pôr-de-sol, um rosto belo, inteligente, vivo e não cônscio de sua beleza e, portanto, já sem beleza. Olho essas coisas com intenso deleite e, enquanto as observo, não há observador, porém, tão-só a beleza pura, qual a do amor. Por um momento estou ausente com todos os meus problemas, ansiedades e aflições; só existe aquela coisa maravilhosa. Posso olhá-la com alegria e no próximo momento esquecê-la, ou, então, a mente pode interferir — e aí começa o problema: minha mente pensa naquilo que viu e na sua beleza; digo de mim para mim que gostaria de tornar a vê-lo muitas vezes. O pensamento começa a comparar, a julgar, a dizer: "Quero repetir isso amanhã". A continuidade de uma experiência que por um segundo proporcionou deleite é mantida pelo pensamento. 

O mesmo se sucede em relação ao desejo sexual ou outro. Não há nada de mau no desejo. Reagir é perfeitamente normal. Se me picais com um alfinete, eu reajo, a não ser que esteja paralisado. Mas, o pensamento interfere, fica a ruminar aquele deleite e o converte em prazer. O pensamento deseja repetir a experiência e, quanto mais repetida, tanto mais mecânica ela se torna; quanto mais pensais nela, tanto mais força o pensamento confere ao prazer. Desse modo, o pensamento cria e mantém o prazer através do desejo e dá-lhe continuidade; por conseguinte, a reação natural do desejo, ante uma coisa bela, é pervertida pelo pensamento. O pensamento a converte em memória, que é então nutrida pelo pensar repetidamente naquela coisa. 

Naturalmente, a memória tem seu lugar próprio, num certo nível. Sem ela, não teríamos possibilidade de atuar na vida de cada dia. Em sua própria esfera, a memória tem de ser proficiente, mas há um estado da mente onde há muito pouco lugar para ela. A mente que não está tolhida pela memória tem a verdadeira liberdade.

Já notastes que, quando reagis a uma dada coisa totalmente, com todo o coração, quase não fica memória? É só quando não respondeis a um desafio com todo o vosso ser que se apresenta o conflito, a luta, que acarreta confusão e prazer ou dor. A luta gera memória. Essa memória é continuamente acrescentada por outras memórias, e são essas memórias que reagem. Tudo o que é resultado da memória é velho e, por conseguinte, nunca é livre. Liberdade de pensamento é algo que não existe; é puro contra-senso. 

O pensamento nunca é novo, porque o pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento. O pensamento, que é velho, torna também velho aquilo que olhastes com deleite e que por um momento sentistes profundamente. Do velho vem o prazer; nunca do novo. Do novo não existe o tempo. 

Assim, se puderdes olhar todas as coisas sem permitir a intrusão do prazer — olhar uma rosa, uma ave, a cor de um vestido, a beleza de uma extensão de água rutilando ao sol, ou qualquer coisa deleitável — se puderdes olhar assim, sem desejardes que a experiência se repita, então não haverá dor, nem medo e, por conseguinte, haverá uma alegria infinita.

É a luta para repetir e perpetuar o prazer que o converte em dor. Observai isso em vós mesmos. A própria exigência da repetição do prazer produz dor, porque ele nunca é a mesma coisa de ontem. Lutais para alcançar o mesmo deleite não só para o vosso senso estético, mas também para a vossa mente, e ficais magoado e desapontado, porque ele vos é negado. 

Já observastes o que acontece quando vos é negado um pequeno prazer? Quado não tendes o que desejais, vos tornais ansioso, invejoso, rancoroso. Já notastes que quando vos é negado o prazer de fumar ou de beber, o prazer sexual ou qualquer outro — já notastes as lutas que tendes de sustentar? E tudo isso é uma forma de medo, não é verdade? Tendes medo de não obter o que desejais ou perder o que possuís. Quando uma dada fé ou ideologia que cultivais há muitos anos é abalada ou vos é arrebatada pela lógica da vida, não tendes medo de vos verdes só? Essa crença vos proporcionou durante anos satisfação e prazer, e quando vos é retirada ficais desgovernado, vazio, e o medo perdura até achardes outras formas de prazer, outra crença.

Isso me parece muito simples, e, por ser tão simples, não queremos ver a sua simplicidade. Gostamos de complicar tudo. Se vossa esposa vos abandona, não sentis ciúme? Não sentis raiva? Não odiais o homem que a seduziu? E que é tudo isso senão o medo perder o que vos dava muito prazer, de perder essa companhia, perder aquela segurança e satisfação conferidas pela posse

Assim, se compreendeis que quando se busca o prazer tem de haver dor, podeis, se vos aprouver, viver dessa maneira, porém, com pleno conhecimento do passo que estais dando. Se, entretanto, desejais colocar fim à dor, deveis estar completamente atento à estrutura total do prazer; mas não deveis repeli-lo, como fazem os monges e os sanyasis, que não olham para uma mulher porque é pecado e, dessa maneira, destroem a vitalidade da própria compreensão; porém, cumpre ver todo o significado e importância do prazer. Encontrareis então infinita alegria na vida. Não se pode pensar na alegria. A alegria é uma coisa imediata e se nela pensais a converteis em prazer. Viver no presente é a percepção imediata da beleza e o grande deleite que nela se encontra, sem dela procurar extrair prazer.

Krishnamurti em, LIBERTE-SE DO PASSADO

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

É possível morrer para o prazer e a dor?

A maioria de nós deseja uma vida que tenha continuidade, ou seja tempo e espaço. A morte, portanto, é uma coisa horrorosa, que se deve evitar, e a vida algo que cumpre prolongar com auxílio de medicamentos, de médicos, etc. Ou, ante a inevitabilidade da morte, dizemos: "Quero crer em alguma coisa: que eu continuarei existente e vocês continuarão existentes, sempre no espaço". 

(...) E a morte... por que tanto medo da morte? Esse medo existe não só para os velhos, porém para todos. Por quê? E, sentindo medo, inventamos teorias agradáveis e confortadoras: reencarnação, karma, ressurreição, etc. etc. É ao medo que cumpre compreender... mas não voltemos a questão do medo. Estamos tentando compreender o que significa morrer. 

A maioria de nós deseja continuidade física — lembranças de coisas passadas, esperanças, satisfações, preenchimentos; vivemos, em geral, com nossas lembranças, associações, quadros, retratos. E tudo pode findar, ao perecer o corpo físico. Isto é muito perturbador. Já vivi tanto — cinquenta ou sessenta anos; tenho lutado para cultivar certas virtudes, adquirir conhecimentos; e que vale a vida, se tenho de separar-me de tudo, acabar num dado momento? origina-se assim, o tempo-espaço. Entendem? Tempo, compreendido como espaço e distância. Mas tudo o que tem continuidade, que não conhece o findar, não pode renovar-se nunca, ser jovem viçoso, "inocente". Só aquilo que morre tem a possibilidade de conhecer a criação, de ser novo, fresco. Assim, é possível morrer em vida, conhecer a vitalidade, a energia da morte, com todos os sentidos plenamente despertos? Que significa morte? Não a morte de velhice, doença ou acidente, porém a morte de uma mente em plena atividade, que provou, que experimentou e adquiriu conhecimento; quer dizer, a morte do passado? Compreende?

Não sei se já alguma vez experimentaram — ainda que por divertimento — morrer para todas as coisas que conhecem. Dirão, então: "Se morro para todas as minhas lembranças, para minha experiência, meu saber, meus retratos, meus símbolos, meus apegos e ambições, o que resta? Nada. Mas, para saber o que é a morte, a mente, por certo, deve estar reduzida a nada. Consideremos uma coisa. Já experimentaram morrer, não só para o sofrimento, mas também para o prazer? Desejamos morrer para o sofrimento, para as lembranças desagradáveis; mas morrer também para o prazer, as alegrias, as coisas que lhes conferem um extraordinário senso de vitalidade — já experimentaram isso? Se o fizerem, verão que se pode morrer para o passado. Morrer para todas as coisas, de modo que, ao se dirigirem para o escritório, para o trabalho, tenham a mente nova — por certo, isto é amor e não as coisas lembradas. 

Assim, a mente foi construída através do tempo; a mente é tempo. Todo o pensamento molda a mente no tempo. E para não ser moldado pelo tempo, o pensamento deve cessar completamente. Não um cessar forçado, um cessar mecânico, não uma interrupção, porém o findar consistente em perceber a verdade de que ele deve cessar. 

Assim, para sabermos o que é a morte, precisamos "viver com a morte". Se desejam conhecer uma criança, precisam viver com a criança, e não ter medo dela. Mas, em maioria, nós morremos mil mortes, antes da morte real. "Viver com a morte" é morrer para o ontem, de modo que o ontem não produza marca no dia de hoje. Experimente-o. Percebendo-se o que há de verdadeiro nisso, tem então o viver um significado todo diferente; não há então separação entre o viver e o morrer e a morte. Mas, nós temos medo de viver e temos medo de morrer; e não compreendemos nem o viver, nem a morte. Para "vivermos com uma coisa" temos de amá-la; e amar é morrer para ontem — porque então se pode viver. Viver não é continuidade da memória, ou voltar ao passado, dizendo: "Como eu era feliz na minha infância!"

Não conhecemos a morte e não conhecemos a vida. Conhecemos as agitações, as ansiedades, as "culpas", os temores, as terríveis contradições e conflitos; mas não sabemos o que é viver. E só conhecemos a morte como coisa aterrorizante, temível; a afastamos do pensamento e evitamos falar a respeito dela, buscamos refúgio numa dada crença, como sejam discos voadores, reencarnação ou outra coisa qualquer. 

Há, pois, um morrer e, portanto, um viver, quando o tempo, o espaço e a distância são compreendidos em termos do "desconhecido". Ora, nossa mente funciona sempre no campo do "conhecido", e nós nos movemos do conhecido para o conhecido; e nada mais conhecemos; e quando a morte interrompe esta continuidade "do conhecido para o conhecido", nos aterrorizamos e nenhum consolo encontramos. O que desejamos é consolo, não a compreensão de algo que não conhecemos, não o viver com algo que não conhecemos.

Assim, o conhecido é o "ontem". Eis tudo o que sabemos. Não sabemos o que é o "amanhã". Projetamos o passado, através do presente, no futuro; e daí nasce a esperança e o desespero. Mas, para compreender realmente a coisa chamada "morte", que deve ser algo extraordinário, incognoscível, impensável, inimaginável, precisamos procurar conhecê-la, "viver com ela", precisamos nos chegar a ela, sem conhecimento e sem medo. E eu digo que isso é possível, que uma pessoa pode morrer para todos os dias passados. Afinal de contas, todos os dias passados são constituídos de prazer e de dor. E quando morremos para o passado, a mente está vazia; e, assustando-se com esse vazio, ela de novo começa a se mover de um conhecido para outro. Mas, se se puder  morrer para o prazer e a dor — não determinado prazer ou determinada dor — a mente está então fora do tempo e do espaço. E essa mente contém então o tempo e o espaço, sem o conflito do tempo e do espaço, não sei se estão compreendendo. Nossa linguagem é muito limitada. Vejamos se sobre isso podemos conversar.

Krishnamurti em, O PASSO DECISIVO

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O objeto obscuro de nosso desejo

[...] Só se pode renunciar àquilo que anteriormente se conheceu: conhecer certos males nos permitirá apreciar melhor quando ficarmos livres deles.
Sabemos que a palavra pecado, em grego hamartia, quer dizer “errar o alvo”, visar algo e não atingi-lo. Assim o pecado é antes de tudo uma doença do desejo, uma desorientação ou uma perversão de sua “mira”. O primeiro efeito terapêutico do ensinamentos dos Terapeutas do Deserto será dizer de novo ao homem e o fim e a finalidade de seu desejo, porque, tendo se tornado máquina desejante, joguete de múltiplas pulsões, seu drama e sofrimento são não saber mais para o que, para quem dirige-se a multidão de seus desejos amiúde contrários ou opostos. Para os Terapeutas “o objeto obscuro de nosso desejo” seria o próprio Ser, O On; sem esta mira última ele se perde, se dispersa e sofre. A infelicidade do homem, a causa de todas as doenças, dirão mais tarde os Padres do Deserto, é esquecer o Ser. O sofrimento é recalcar esse desejo essencial do Ser. “Tu nos fizeste para ti, Senhor, e nosso coração não descansará até que repouse em ti”. Reorientar o desejo, torna-lo “a memória bem-aventurada do Ser”, fazê-lo voltar do “esquecimento”, é dar-lhe o sabor do Real Absoluto, presente em todas as realidades relativas, o que lhe permitirá não adorar e não desprezar nenhuma. Não adorar nada, pois toda realidade, relativa por definição, não é absoluta; não desprezar nada, pois toda realidade, relativa pelo próprio fato de sua existência, participa da Única Fonte de todo Real. Nem desprezo nem idolatria, este seria o começo de uma atitude justa com respeito ao mundo e ao que nele habita, quando o desejo é “orientado” ou “polarizado” para a própria Fonte de tudo o que vive e respira.

Assim, para os Terapeutas, a cura psíquica está ligada ao conhecimento metafísico. Nada é grave se não se perde a consciência do “Ser que É”. Hoje em dia a doença mental não é ainda a perda do Real? O fechamento em “representações” ou reflexos do real que tomamos como a própria Realidade?

O apego ao prazer

A primeira perturbação que ameaça desequilibrar a harmonia de uma pessoa e acorrentar a sua liberdade é para Fílon de Alexandria “o apego ao prazer”. O prazer em si mesmo não é uma coisa má; é até o sinal de que uma coisa está bem feita. “O prazer é para o ator virtuoso aquilo que é o fruto para a flor”, sinal de que um ato chegou a bom termo. Mas o prazer é fugaz, e há quem gostaria de fazê-lo durar! Querer fazer durar aquilo que não é feito para durar só pode ser causa de dor. O apego ao prazer implica a dor; neste sentido é que é preciso curar-se do apego, acolhê-lo quando vem coroar um mato bem feito, mas não chorar por causa da coroa quando murcha; não ficar segurando-a, não se apegar a ela. Mais que no prazer, a fonte do sofrimento estaria no apego ao prazer ou na busca do prazer pelo prazer. Fazer do prazer um fim é falhar no único fim que pode saciar-nos plenamente: o Ser.

Assim, a busca do prazer nos faz desviar-nos da meta, ela é fonte de ilusão. Nós nos apegamos ao reflexo e perdemos a luz. A terapia proposta por Fílon para tratar aquilo que ele considera como “patologia” vai começar pelo “domínio dos sentidos”, porque “os sentidos geram prazer”, e o prazer é um dos grandes fatores de alienação da criatura humana. Todas as realidades exteriores podem exercer decisiva ascendência sobre o ser humano e reduzi-lo à escravidão, os amigos do dinheiro procuram dinheiro, e os amigos da consideração procuram consideração, e é isto que os caracteriza. Pois entregaram o melhor ao pior, a alma às realidades inanimadas. Não se trata, para Fílon de Alexandria, de mutilar-se, nem de renunciar ao uso dos sentidos, mas de aprender a moderação. O que o aflige intensamente, nos banquetes pagãos, que denuncia vigorosamente, é a falta de medida, a devassidão que tira do ser humano os seus traços humanos. Não é mais senhor dos próprios sentidos e dos prazeres que os alimentam; está subjugado pelos sentidos. Aí só existe a loucura, ou no mínimo uma “desordem”: o animal tornou-se senhor daquele a quem deveria servir. 

[...] O desejo é uma potência do exílio; rouba-nos o instante[...] O drama do ser humano é desejar realidades relativamente reais e pedir a essas realidades transitórias que sejam "a" Realidade e permaneçam imutáveis. Só poderá decepcionar-se. A conversão do desejo consiste em considerar tudo o que existe não como sendo o Ser, mas como a sua expressão ou Sua manifestação. O desejo idolatra os seus objetos, esta é a sua enfermidade ou a sua perversão: pedir o Infinito a seres finitos, pedir o Absoluto a seres relativos. A cura do desejo, para os Terapeutas do Deserto, consistirá portanto, num primeiro momento, em reorientar o desejo para aquilo que É, ou mais exatamente, para "aquele que É", o Ser. 

Jean-Yves Leloup - Cuidar do Ser: Fílon e os Terapeutas de Alexandria

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O entrave

Quando tivermos passado além dos conhecimentos, então teremos o Conhecimento; a Razão foi o auxílio, a Razão é o entrave.

Quando tivermos passado além do querer, então teremos o Poder; o Esforço foi o auxílio, o Esforço é o entrave. 

Quando tivermos passado além dos prazeres, então teremos a felicidade; o Desejo foi o auxílio, o Desejo é o entrave. 

Quando tivermos passado além da individualização, então seremos as Pessoas reais; o Ego foi o auxílio, o Ego é o entrave. 

Quando tivermos passado além da humanidade, então seremos o Homem; o Animal foi o auxílio, o Animal é o entrave. 

Transforma tua razão em uma intuição ordenada; que tudo em ti seja luz. Este é teu alvo. 

Transforma teu esforço em um conhecimento igual e soberano da força da alma; que tudo em ti seja força consciente. Este é teu alvo. 

Transforma teu prazer em um êxtase igual e sem objetivo; que tudo em ti seja felicidade. Este é teu alvo. 

Transforma o indivíduo dividido na personalidade universal; que tudo em ti seja divino. Este é teu alvo. 

Transforma o animal no Pastor dos rebanhos; que tudo em ti seja Krishna. Este é teu alvo. 

- Sri Aurobindo -

(Texto extraído do livro "Sabedoria de Sri Aurobindo", Editora Shakti) 

terça-feira, 30 de julho de 2013

Diálogo sobre amor, sexo, prazer e desejo

Interrogante: Vim, na verdade, com o fim de perguntar-lhe: Que é amor?

Krishnamurti: Antes de entrarmos na matéria, deve ficar-nos bem claro que a palavra não é a coisa, a descrição não é a coisa descrita, porque não há explicação, por mais extensa, por mais sutil e hábil que seja, que possa abrir o coração à imensidade do amor. Isso precisa ser compreendido, para não nos atermos às palavras; as palavras são úteis para a comunicação, mas, ao falarmos sobre uma coisa que é essencialmente “não verbal”, devemos estabelecer entre nós um estado de comunhão, de modo que ambos sintamos e percebamos a mesma coisa ao mesmo tempo, com plenitude da mente e do coração. De contrário, estaremos apenas brincando com palavras. Como considerarmos essa coisa realmente tão sutil que não pode ser alcançada pela mente? Temos de caminhar com certa cautela. Não devemos, primeiramente, ver o que ela não é?  — pois assim talvez tenhamos a possibilidade de ver o que ela é. Pela negação pode-se chegar ao positivo, mas, se tratamos meramente de perseguir o positivo, seremos levados a suposições e conclusões, que são fatores de divisão. Você está perguntando o que é o amor. Estamos dizendo que poderemos encontrá-lo quando soubermos o que ele não é Qualquer coisa produtiva de divisão, separação, não é amor, porque na divisão há conflito, luta e brutalidade.

Interrogante: O que você quer dizer com isto: divisão e separação causam luta?

Krishnamurti: O pensamento, por sua própria natureza, é divisório. É o pensamento que busca o prazer e o conserva. É o pensamento que cultiva o desejo.

Interrogante: Você pode dizer mais alguma coisa sobre o desejo?

Krishnamurti: vemos uma casa, temos a sensação de que é bela, e vem então o desejo de possuí-la e dela fruir prazer; então, nos esforçamos por adquiri-la. Tudo isso constitui o centro, e esse centro é a causa da divisão. Esse centro é o sentimento da existência de um “eu” é o sentimento de separação. Ele tem sido chamado “ego” e por outros nomes de toda espécie — “eu inferior”, em oposição à ideia de um “eu superior”. Mas, não há necessidade de complicações a esse respeito, pois se trata de uma coisa muito simples. Onde há o centro, que é o sentimento do “eu”, o qual, com suas atividades se isola a si próprio, há divisão e resistência. E tudo isso é processo do pensamento. Assim, quando você pergunta o que é o amor, deve saber que ele não faz parte desse centro. O amor não é prazer e dor, não é ódio, nem violência em qualquer forma.

Interrogante: Portanto, nesse amor a que você se refere não pode haver sexo, já que não pode haver desejo.

Krishnamurti: Por favor, não tire nenhuma conclusão. Nós estamos investigando, explorando. Qualquer conclusão ou suposição impede o aprofundar da investigação. Para responder a essa pergunta, temos também de considerar a energia do pensamento. O pensamento, como dissemos, sustenta o prazer, pensando naquilo que proporcionou prazer, cultivando a imagem, a representação dessa coisa. O pensamento engendra o prazer. O pensar no ato sexual gera luxúria, coisa muito diferente do ato sexual. O que interessa à maioria das pessoas é a paixão da luxúria. O desejar, antes e depois do ato sexual, é luxúria. Esse desejar é pensamento. Pensamento não é amor.

Interrogante: Pode haver ato sexual se não houver esse desejo nutrido pelo pensamento?

Krishnamurti: Isso você tem de descobrir por si mesmo. O sexo tem um papel importantíssimo em nossa vida, por ser, talvez, a única experiência profunda e direta que temos. Intelectual e emocionalmente, ajustamo-nos, imitamos, seguimos, obedecemos. Há dor e atrito em todas as nossas relações, exceto no ato sexual. Sendo esse ato tão diferente e tão belo, torna-se uma paizão e, por conseguinte, uma nova servidão. Essa servidão é a imperiosa necessidade que temos de sua continuação; mais uma vez, a ação do centro divisor. Vemo-nos de tal maneira cercados de restrições — intelectualmente, na família, na comunidade, pela moralidade social, pelas sanções religiosas — que só nos resta esta única relação em que há liberdade e intensidade. Daí o lhe darmos tão extraordinária importância. Mas, se houvesse liberdade em todos os sentidos, o sexo não seria aquela paixão nem o imenso problema que hoje é. Tornamos o sexo um problema porque não podemos saciar-nos dele, ou porque nos sentimos “culpados” se nos saciamos, ou porque, saciando-nos, infringimos as regras estabelecidas pela sociedade. É a sociedade velha que chama a sociedade nova de “desregrada”, porque na nova sociedade o sexo faz parte da vida. Libertando-se a mente da servidão da imitação, da autoridade, do ajustamento e das prescrições religiosas, o sexo terá o seu justo lugar e não será uma paixão insaciável. Daí se vê que a liberdade é essencial ao amor — não a liberdade da revolta, a liberdade de fazemos o que nos agrada ou de cedermos, aberta e secretamente, aos nossos desejos, porém, a liberdade que vem com a compreensão integral da estrutura e natureza do centro. A liberdade é então amor.

Interrogante: Essa liberdade não é desregramento?

Krishnamurti: Não. Desregramento é servidão. Amor não é ódio, nem ciúme, nem ambição, nem espírito de competição com o simultâneo medo ao fracasso. Não é “amor divino” nem “amor humano” — que também significa divisão. O amor não é de um ou da multidão. Havendo amor, ele é pessoal e impessoal, com e sem objeto. Ele é como o perfume de uma flor, que pode ser respirado por um só ou por todos. O que tem verdadeira importância é o perfume, e não a quem ele pertence.

Interrogante: Onde entra, nisso, o perdão?

Krishnamurti: Quando há amor, não pode haver perdão. O perdão só vem depois de termos acumulado rancor; perdoar é ressentimento. Onde não há ferida, não há necessidade de cura. É a desatenção que gera o ressentimento e o ódio e, ao nos tornarmos cônscios deles, perdoamos; o perdoar fomenta a divisão. Se você tem consciência de que está perdoando, está pecando; se está cônscio de que é tolerante, você é intolerante. Quando está cônscio de que se acha em silêncio, não há silêncio. Quando deliberadamente se propõe a amar, é violento. Enquanto houver um observador a dizer “eu sou” ou “eu não sou”, o amor não pode existir.

Interrogante: Que lugar cabe o medo, no amor?

Krishnamurti: Como você pode fazer tal pergunta? Onde existe um, o outro não existe. Quando existe amor, você pode fazer o que quiser.

Jiddu Krishnamurti — A luz que não se apaga

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Pode o pensamento, estabelecer corretos relacionamentos?

Como já observamos, a sociedade está nos fazendo, e nós estamos ficando cada vez mais mecânicos, superficiais, insensíveis, indiferentes. Uma horrível matança está ocorrendo no Extremo Oriente e nos mantemos relativamente despreocupados  Alcançamos grande prosperidade, mas essa prosperidade está nos destruindo, porque estamos nos tornando indiferentes e indolentes, porque nos mecanizamos, perdendo a estreita relação com todos os homens e todos os entes vivos; e parece-me importantíssimo fazermos esta pergunta: Que é relação — se de fato alguma relação existe — e que lugar compete, nessa relação, ao amor, ao pensamento e ao prazer?

(...) Consideremos esta questão da relação, questão realmente importantíssima, porque viver é estar em relação; e, considerando-a, indaguemos o que significa viver. Que é nossa vida, que exige relações profunda, seja com a esposa, o marido, os filhos, a família, seja com a comunidade ou outra entidade qualquer? Ao tratarmos desta questão, não podemos considerá-la fragmentariamente, porque, se tomamos uma única seção, uma única parte da totalidade da existência e procuramos resolver só essa parte, a questão não fica de modo nenhum resolvida. (...)Assim, pergunto se podemos, pelo menos por esta tarde (e espero por todo o resto de nossa vida) observar a vida sem estarmos fragmentados — como católicos, protestantes, especialistas do Zen, ou seguidores de determinado guru, determinado Mestre, coisa absurda e pueril. Temos um problema imenso, que é o de compreender a existência, de aprender a viver. E, como dissemos  viver é relação, não há viver se não estamos em relação. E, como a maioria de nós não se acha em relação, no sentido mais profundo da palavra, tentamos identificar-nos com alguma coisa — com a nação, com um dado sistema ou filosofia, ou certo dogma ou crença. É isto que se observa no mundo: a identificação de cada indivíduo com alguma coisa — com a família ou com sua própria pessoa — e eu não sei o que significa "identificar-se consigo mesmo".

Esta existência fragmentária, separativa, leva inevitavelmente a várias formas de violência. Assim, se pudéssemos dispensar atenção ao problema das relações, teríamos talvez a possibilidade de resolver as iniquidades sociais, as injustiças, a imoralidade e aquela coisa terrífica chamada "respeitabilidade", que o homem sempre cultivou. "Ser respeitável" é ser moral em conformidade com uma coisa verdadeiramente imoral. Em tais condições, há alguma espécie de relação? Relação significa estar em contato  profundamente, fundamentalmente, com a natureza, com outro ente humano — estar em relação, não de sangue, como membro de uma família, ou como marido e mulher, pois isso dificilmente pode chamar-se "estar em relação". Para compreender a natureza desta questão, temos de considerar outro ponto, ou seja o mecanismo da formação de imagens, da criação de uma ideia, de um símbolo. Quase todos nós temos imagens acerca de nós mesmos e a imagem de outrem; temos tais imagens, nas relações. Tendes vossa imagem do orador, e o orador, como não vos conhece, não tem imagem nenhuma de vós. Mas, quando conhecemos uma pessoa intimamente, dela já formamos uma imagem; a própria intimidade implica a imagem que tendes da pessoa — a esposa tem uma imagem do marido, e este tem uma imagem dela. E há a imagem da sociedade, e as imagens que temos acerca de Deus, da verdade, de tudo.

Como se origina essa imagem? E, se ela existe — e ela existe, pode-se dizer, em todas as pessoas — como é então possível haver qualquer relação real? Relação significa estar profundamente em contato um com outro. Dessa relação pode nascer a cooperação, o trabalhar juntos, fazer coisas juntos. Mas, se há alguma imagem — eu com uma imagem de vós, e vós com uma imagem de mim — que relação pode haver, a não ser a relação de uma ideia, de um símbolo, de uma certa memória, que se torna a imagem? Estão essas imagens em relação, e é nisso que consistem as relações? Pode haver amor, no verdadeiro sentido desta palavra (não em conformidade com os sacerdotes  ou em conformidade com os teólogos, ou em conformidade com os comunistas ou esta ou aquela pessoa), pode haver efetivamente esse sentimento de amor quando as relações são puramente conceituais, entre imagens, e não relações reais? Só pode haver relação entre os entes humanos quando aceitamos o que é, e não o que deveria ser. Estamos sempre vivendo no mundo das fórmulas, dos conceitos, que são imagens do pensamento. Pode, pois, o pensamento, o intelecto, estabelecer relações corretas  Pode a mente, o cérebro, com todos os seus instrumentos de autoproteção, formados através de milhões de anos — pode esse cérebro, que é inteiramente reação da memória e do pensamento  estabelecer relações corretas entre os seres humanos? Que lugar compete à imagem, ao pensamento, nas relações? Há realmente lugar para eles?

(...)Ora, que são relações? Temos, de fato, alguma espécie de relação? Vivemos tão fechados, tão absorvidos em proteger-nos, que nossas relações se tornaram apenas superficiais, sensuais, aprazíveis. Se nos examinarmos em silêncio (não de acordo com Freud ou Jung ou outro especialista), se observarmos a nós mesmos tais como realmente somos, talvez possamos descobrir o quanto estamos a isolar-nos todos os dias, a erguer em torno de nós muralhas de defesa, de medo. Olhar a nós mesmos é mais importante e de maior necessidade do que nos observarmos de acordo com um especialista. Se vos olhais de acordo com Jung ou Freud, ou Buda, ou outrem, estais a olhar-vos com olhos alheios. Isso estamos sempre fazendo; para olhar, já não dispomos de nossos próprios olhos, e eis porque estamos perdendo a beleza que há em olhar.

Pois bem; quando vos olhais diretamente, não descobris que vossas atividades diárias (vossos pensamentos, vossas ambições  vossa agressividade, vossa constante ânsia de ser amado e de amar, a constante tortura do medo, a agonia do isolamento), não descobris que essas coisas são fortemente separativas e causadoras de profundo isolamento? E, nesse profundo isolamento, que relação podeis ter com outro, com esse outro que também se isola com sua ambição, sua avidez, sua avareza, sua ânsia de domínio, de posse, de poder, etc.? Eis, pois, duas entidades chamadas entes humanos a viverem em seu próprio isolamento, a gerarem filhos, etc., mas sempre no isolamento. E a cooperação entre essas duas entidades isoladas torna-se mecânica; alguma cooperação, entretanto, é necessária entre eles, para que possam viver, ter família, trabalhar num escritório ou numa fábrica mas eles permanecem sempre entidades isoladas, com suas crenças e dogmas, suas nacionalidades — bem conheceis todas as coisas de que o homem se cerca para isolar-se dos demais  O isolamento, portanto, é, essencialmente, o fator do estado de "não relação". E nas pseudo-relações desse isolamento, o prazer se torna da máxima importância.

Pode-se ver como, em todo o mundo, o prazer se está tornando cada vez mais exigente, mais insistente, porque todo prazer — se o observais atentamente — é um processo de isolamento; e esta questão do prazer precisa ser examinada no contexto das relações. O prazer é produto do pensamento, não? Houve prazer numa coisa que ontem experimentastes, na beleza ou na percepção sensitiva, ou no excitamento dos sentidos ou do sexo. Pensais nessas coisas, formais uma imagem daquele prazer ontem experimentado  Eis como o pensamento sustenta e dá nutrição à coisa que ontem chamastes deleitável. E, assim, o pensamento exige, hoje, a continuação daquele prazer. Quanto mais pensais na experiência que tivestes e que por um momento vos deleitou, tanto mais o pensamento lhe dá continuidade, na forma de prazer e de desejo. E que relação tem isso com a questão fundamental da existência humana: Como estamos relacionados? Se nossa relação é produto do prazer sexual, ou do prazer derivado da família, da propriedade, do domínio, do controle, do medo de nos vermos desprotegidos, privados de segurança interior e, por conseguinte, sempre a buscar o prazer — então que lugar compete ao prazer nas relações? A exigência de prazer destrói todas as relações, sejam sexuais, sejam de outra espécie. E, se bem observarmos, veremos que todos os nossos chamados "valores morais" baseiam-se no prazer, embora o disfarcemos com a "virtuosa" moralidade de nossa respeitável sociedade.

Assim, quando nos interrogamos, quando olhamos fundo em nós mesmos, percebemos essa atividade de auto-isolamento, esse "eu", esse "ego", a erguer defesas em torno de si, e essas próprias defesas são o "eu". Este "eu" é isolamento, é ele que produz fragmentos, que produz o "olhar" que se fragmenta em pensador e pensamento. Assim, que lugar compete ao prazer, que é produto de uma lembrança sustentada e nutrida pelo pensamento — o pensamento que é sempre velho, e nunca livre? Que tem a ver esse pensamento, que concentrou sua existência no prazer, com as relações? Fazei a vós mesmos esta pergunta, não vos limiteis a ouvir as palavras deste orador — que amanhã já não estará aqui. Vós tendes de viver vossa própria vida e por conseguinte, o orador é inteiramente sem importância. O importante é fazerdes a vós mesmos estas perguntas, e, para fazê-las, deveis ser ardorosos, estar inteiramente dedicados à investigação. Porque só ao manifestardes esse ardor, essa determinação, estais vivendo, só quando sois profundamente aplicados, a vida desabrocha, tem significado, tem beleza. Deveis interrogar-vos: É ou não é um fato que estamos vivendo na dependência de uma imagem, de uma fórmula, de um fragmento que nos está isolando? Não foi por causa desse isolamento que o medo, com sua dor e prazer (produtos do pensamento), se tornou existente? Tenta então aquela imagem identificar-se com algo que seja permanente  com Deus, com a verdade, com a nação, a bandeira, etc.

Assim, se o pensamento é velho (e ele é sempre velho e, por conseguinte, nunca é livre), como pode ele compreender as relações? As relações estão sempre no presente, no presente vivo (não no passado morto, da memória, das lembranças, do prazer e da dor), as relações estão ativas agora; "estar em relação" significa justamente isso. Ao olhardes para outra pessoa com olhos cheios de afeição, de amor, estabelece-se uma relação imediata (...) Mas, se o pensamento se intromete, então essa relação se converte em imagem. Assim, pergunta-se: Que é o amor? O amor é prazer? O amor é desejo? É o amor a lembrança de uma multiplicidade de coisas que formastes e conservastes — a respeito de vossa esposa, de vosso marido, de vosso próximo, da sociedade  da comunidade, de vosso Deus? Pode-se chamar a isso amor?

Se o amor é produto do pensamento (como de fato é, na maioria dos casos), então esse amor está fechado entre cercas, emaranhado na rede do ciúme, da inveja, do desejo de dominar, de possuir e ser possuído, da ânsia de ser amado e de amar. Pode, então, haver amor a um e amor a todos? Se amo um, destruo o amor para com outros? E como, para a maioria de nós, o amor é prazer, companhia, conforto, segregação na família e o sentimento de segurança que nela se encontra — existe, aí, realmente amor? Pode um homem que está acorrentado à família amar o seu próximo? Podeis discorrer teoricamente acerca do amor, ir à igreja para amar a Deus (o que quer que isso signifique) e, no dia seguinte, ir para o trabalho e destruir o vosso próximo — porque estais em competição com ele, ambicionando o seu cargo, as suas posses, e desejando melhorar a vós mesmos, comparando-vos com ele. Assim, quando, dentro em vós existe essa atividade, da manhã à noite, e mesmo durante o sono, em sonhos, podeis estar em relação? Ou relação é coisa de todo diferente?

Só pode haver relação quando há total abandono do "eu", do "ego". Quando não existe "eu", estais então em relação; nesta, não há separação de espécie alguma. Provavelmente, nunca experimentamos esse estado de total negação (não intelectual, porém real), de total cessação do "eu". E talvez seja esse estado que a maioria de nós está buscando, sexualmente ou pela identificação com uma coisa superior. Todavia, esse processo de identificação com uma coisa superior deriva do pensamento; e o pensamento é sempre velho (como o "eu", o "ego", ele pertence ao passado). Apresenta-se, assim, a questão: Como é possível abandonar de todo esse processo isolante, esse processo que se centraliza no "eu"? Como é possível isso? (...)Como pode o "eu", cujas atividades diárias são motivadas pelo medo, pela ansiedade, pelo desespero, a tristeza, a confusão e a esperança — como pode esse "eu" que se separa de outro pela identificação com Deus, com seu condicionamento, sua sociedade, suas atividades morais e sociais, com o Estado — morrer, desaparecer, para que o ente humano possa estar em relação? Porque, se não estamos em relação, iremos viver em guerra uns com os outros. Poderá não haver matança mútua, porque isso se está tornando muito perigoso, a não ser, talvez, em terras muito longínquas. Como podemos viver de modo que não haja separação, de modo que possamos cooperar realmente?

Há tanta coisa por fazer neste mundo — acabar com a pobreza, viver com felicidade, viver deleitosamente em vez de viver na agonia e no medo, edificar uma sociedade de espécie completamente diferente, com uma moralidade superior. Isso, porém, só se tornará possível quando a moralidade da atual sociedade for totalmente negada. Há tanto que fazer, e que não poderá ser feito enquanto estiver em funcionamento o processo de isolamento  Falamos do "eu", do "meu", e do "outro"; "o outro" está do outro lado do muro, e o "eu" e o "meu" deste lado. Como pode, pois, essa essência da resistência, que é o "eu" ser totalmente abandonada? Porque esta é realmente a questão mais importante, em todas as relações — já que percebemos que a relação entre imagens não é relação nenhuma e que, quando existe tal qualidade de relação, há necessariamente conflito e estamos sempre em guerra uns com os outros.

(...)Não sei se já vistes o que significa ter uma mente totalmente vazia. Vós tendes vivido num espaço criado pelo "eu" (um espaço limitadíssimo). O espaço que o "eu" (o processo de isolamento) criou entre uma pessoa e outra, é esse o único espaço que conhecemos, o espaço entre ele próprio e a circunferência (a fronteira que o pensamento criou). Nesse espaço é que vivemos; nele há divisão. Dizeis: "Se abandono a mim mesmo, ou se abandono o centro que é o "eu", ficarei vivendo num vácuo." Mas, já alguma vez abandonastes o "eu", de fato, realmente  de modo que dele não tenha ficado nenhum resquício? Já vivestes neste mundo nesse estado de espírito — no vosso trabalho  com vossa esposa ou marido? Se alguma vez já vivestes assim, deveis saber que há um estado de relação em que o "eu" não existe, um estado que não é utópico, que não é coisa sonhada ou experiência mística, irracional, porém um estado possível: viver numa dimensão em que todos os entes humanos estejam relacionados.

Mas essa possibilidade só existe se compreendemos o que é o amor. E, para existirmos, para vivermos nesse estado, temos de compreender o prazer (sustentado pelo pensamento) e todo o seu mecanismo. Então, se poderá ver instantaneamente todo o complicado mecanismo que construímos para nós mesmos e em redor de nós. Não há necessidade de percorrermos todo o processo analítico, ponto por ponto. Toda análise é fragmentária e, por essa porta, não virá resposta nenhuma.

Existe este imenso e complexo problema da existência, com seus temores, ansiedades, esperanças, passageira felicidade e alegrias, mas a análise não pode resolvê-lo. O que o resolverá é abarcá-lo, no seu todo, num rápido lance de olhos. Só podemos compreender uma coisa quando a olhamos (não com o olhar prolongado  exercitado, do artista, do cientista ou do homem que se exercitou para "olhar"), só podemos compreender uma coisa quando a olhamos com toda a atenção, quando a vemos, em seu conjunto, num relance de olhos. E, assim, vos sentireis livres. Estareis então fora do tempo. O tempo se deterá e, por conseguinte, terá fim o sofrer. O homem entregue à amargura ou ao medo não está em relação. Como pode um homem ambicioso de poder estar em relação? Ele poderá ter família, dormir com sua mulher, mas não está em relação. Quem compete com outro não está em nenhuma relação. E toda a nossa estrutura social, com sua moralidade, se baseia na competição. Achar-se em relação, fundamental e essencialmente, significa a cessação do “eu”, gerador de separação e do sofrimento.

Krishnamurti — 25 de abril de 1968 – Onde está a Bem-aventurança

sexta-feira, 22 de março de 2013

O que está em ação quando o pensamento está ausente?


Vocês são capazes de olhar a vida de vocês? (...) Olhem para a própria vida; se o fizerem, verão que há nela muita luta, descontentamento, obediência, medo, busca de prazer. Não veem isto: que a vida de vocês, como a estão vivendo, se compõe de ansiedade e medo (consciente e inconsciente), que há nela um extraordinário sentimento de solidão e infinito tédio; e que, na impossibilidade de alterá-la, dela vocês fogem, frequentando os templos, lendo o Gita ou ouvindo comentários sobre o Gita feitos por profissionais, ou aceitando o que dizem os gurus? Aí está, pois, a vida de vocês. Há possibilidade de alterá-la integralmente, não apenas suas circunstâncias externas, mas também sua estrutura íntima, que criou a estrutura externa? É possível alterar radicalmente a natureza psicológica de vocês? Senão, vocês nunca terão energia; mas, se puderem alterá-la, terão energia em abundância. Ora, já concluímos se impossível qualquer alteração, que não temos possibilidade nenhuma de nos transformarmos totalmente. Já nos habituamos a viver com medo, a sofrer, a esconder-nos de nossas secretas tribulações. Consideramos, pois, a vida, como uma coisa que não se pode transformar e, por essa razão, evitamos esse problema central.

Nesta tarde vamos averiguar se podemos transformar a nossa vida — como quer que sejamos, intelectuais ou emotivos, ou medíocres, com pontos de vista vulgares sobre o todo da vida. (...) Essa transformação só pode verificar-se quando se está em relação; vocês não podem se isolar para tentarem resolver seus problemas. Eles só podem ser resolvidos se vocês se acham em relação, porque só no estado de relação podem descobrir todas as suas tribulações e aflições, toda confusão de vocês. Vamos, pois, investigar juntos, porque se trata de nosso problema, de nossa aflição, e porque se trata desta vida que nos cumpre viver com alegria, fruindo as belezas da natureza, e não num perpétuo estado de sofrimento, confusão e aflição. Cabe-nos, pois, resolver este problema juntos, quer dizer, em relação uns com os outros.

Quando vocês se observam interiormente, não descobrem dois princípios ativos: o medo e o prazer? Não veem que o prazer assume formas diferentes — ora é a busca de Deus, ora o desejo de ser pessoa importante, politicamente ou a outros respeitos? E não veem também em ação, dentro de vocês, o princípio do medo? Temos, pois, estas duas coisas. De uma, o prazer, queremos mais, da outra, o medo, queremos menos. (...) O medo e o prazer constituem nossos principais movimentos — movimentos contraditórios, em nossa vida; e porque, inconscientemente, vocês têm medo, se tornam apegados, dependentes de alguma pessoa — sua mulher, seu marido, seu guru. E quando dependem psicologicamente, interiormente de outra pessoa, e nela buscam consolação, amparo, por causa dessa dependência precisam possui e a pessoa, dominá-la, ou se submeterem ao seu domínio. E, ao observarem que são dependentes, podem perceber que a fonte dessa dependência é o medo — medo de estar só, medo de errar, de não seguir o caminho certo, medo de ficar sem a consolação, sem a companhia de alguém, de não poder se amparar em alguém. Assim, por meio da dependência, podem, neste momento, aqui nesta sala, descobrir que realmente estão com medo. Sem precisarem provocar o medo, descobrem que, basicamente, vocês têm medo. Estamos em comunhão? Estar em comunhão, como já dissemos, é compartilhar um problema de interesse comum. Nosso problema comum é este. Igualmente, quando dependem de uma pessoa, não há só medo, mas também, inevitavelmente, ciúme, ansiedade.

Eis, pois, o que implica a dependência. Ora, temos possibilidade de nos libertarmos dessa dependência? Porque, em geral, nós gostamos de ser possuídos. Já notaram isso? Gostamos de pertencer a alguém, de pertencer a um grupo, de nos comprometer a seguir um certo padrão de ação, para termos o sentimento de estar vivendo virtuosamente. Deste modo, observando bem a dependência, podem ver, por vocês mesmos, que na base dela está o medo.(...) Temos a possibilidade de nos libertar desse medo, não apenas do medo e da dependência superficiais, existentes nas relações, mas do medo  profundamente enraizado em nós? (...) Podem vocês, como entes humanos, se libertarem completamente do medo? Porque, se um homem teme, faz as coisas mais irracionais que se podem imaginar.  Com medo, um homem está como que desequilibrado, num estado de neurose e, portanto, incapacitado de pensar com clareza, de observar com exatidão. Vocês já não notaram que o medo torna a vida sombria, opressiva, uma carga insuportável, uma tortura? E, não sabendo dissolvê-lo, fogem mediante os maiores absurdos.

Há o medo da dor física. Há anos, ou dias, vocês sofreram de dor física, dores lancinantes ou superficiais. A dor que sofreram há dois anos ou há dois dias deixou, em seus cérebros, a marca, isto é, a "memória" dela, e não desejam que ela retorne. O que ocorre? Tendo sentido a dor física, não desejam que ela se repita. Vocês têm a ideia de que ela pode voltar, e essa ideia gera medo. Vocês pensam na dor de ontem ou de há dois dias e não desejam sofrê-la novamente. O pensamento, que é reação da memória, diz: "Não quero tornar a sentir essa dor". Assim, psicologicamente, a dor continua existente; não podem esquecê-la. O pensar na dor passada mantém viva essa dor, e quanto mais vocês nela pensam, mais forte se torna a "memória" dela e o medo de voltarem a senti-la.

O pensamento, pois, gera o medo. Posso perder meu emprego; esse "posso" está no futuro: penso isso, portanto, sinto medo. Penso na morte, e esse pensamento me faz medo. Assim, como dissemos, o pensamento gera medo, não só medo do passado, mas também medo do futuro. Se vocês não compreenderem bem este ponto, nunca ficarão livres do medo. Vamos, pois, verificar juntos se vocês podem se libertar totalmente do medo. Serão, então, homens livres e largarão todos os seus gurus; serão capazes de pensar, de ver, de viver, em plena claridade num estado apaixonado. Dessa forma, cabe a vocês compreenderem a fundo esta questão.

Como vimos, o pensamento tanto dá continuidade à dor psicológica como à dor física. Experimentaram ontem um grande prazer sensorial — um prazer sexual, ou o prazer de uma bela árvore, sua forma, sua beleza, dignidade, sua potência, ou um belo pôr do Sol. Este prazer se registrou no cérebro de vocês. Ao admirarem o anoitecer — se alguma vez se deram ao trabalho de admirar o anoitecer —, no momento dessa experiência, não pensam: "Preciso repetí-la". Só há a experiência; m,as, um segundo após, exclamam: "Que coisa bela! Quero repetí-la!"

Esse desejo de repetição é o começo do prazer. Compreendem? O desejo da repetição de um incidente que proporcionou deleite, o buscá-la, o exigi-la, é prazer, e este, por sua vez, é pensamento. Isto é, ver o pôr do Sol, depois, pensar nele e desejar a repetição dessa experiência — isso é prazer, não? O mesmo acontece em relação ao prazer sexual: o desejo de repetição, a imagem, o pensar nesse prazer, o ruminá-lo e desejá-lo de novo. Por conseguinte, o pensamento, o pensar, tanto gera o medo como o prazer. Mas se, depois de sentirem a dor física, a derem como terminada, dela não fizerem nenhum registro, ela não terá continuidade — a continuidade produzida pelo pensar a seu respeito.

(...) Visto que somos entes humanos, e não meros animais, nos cumpre viver inteligentemente — viver uma vida maravilhosa e de beleza, e não cheios de ansiedades, de sentimentos de "culpa", frustração, medo — medo que se expressa de diferentes maneiras: medo do escuro, medo da morte, medo de perder dinheiro, medo de não podermos nos tornar pessoas importantes...

Como dissemos, o pensamento nutre, sustenta e dá continuidade ao medo e ao prazer. (...) Por que é que o pensamento, que tantas maravilhas criou neste mundo — uma admirável tecnologia, miraculosos medicamentos, várias ciências — porque é que esse mesmo pensamento gera e mantém vivos o medo e o prazer? Assim, o que é o pensamento, quando deve ele funcionar total e radicalmente, e quando deve ele estar completamente quieto? O pensamento é a reação da memória, do conhecimento, da experiência, armazenados no cérebro; essa memória, essa reação, é pensamento. A memória, a inteligência, o conhecimento, criaram o foguete que foi à Lua, criaram verdadeiras maravilhas tecnológicas, o avião, tantas coisas extraordinárias e, no entanto, esse mesmo pensamento dá continuidade ao medo, esse mesmo pensamento busca o prazer, e esse mesmo prazer se torna medo. Percebem a dificuldade? Vocês necessitam do pensamento para "funcionarem" racional, objetiva, logicamente e, ao mesmo tempo, veem que o pensamento está sempre causando medo.

Cabe-nos, pois, descobrir por que razão o pensamento interfere (se posso usar o verbo "interferir") sempre que há uma experiência de prazer, ou de dor; por que razão, quando experimentamos qualquer coisa, quando temos dor física ou moral, o pensamento "interfere" e dela se apodera. Por que isso? (...) Para ser capaz de falar inglês, preciso de abundantes conhecimentos dessa língua, preciso de memória, etc.; e o pensamento se serve dessa memória das palavras inglesas para comunicar qualquer coisa. O pensamento, pois, está fazendo uso desses conhecimentos, mas faz também uso do conhecimento que gera medo, do conhecimento da dor sentida ontem, do conhecimento do prazer ontem experimentado.

(...) Por que é que o pensamento está sempre evitando o medo e apegando-se ao prazer? (...) Por que é que o pensamento interfere sempre que há uma experiência? Compreendem? (...) O pensamento está fazendo a todas as horas isso, sempre funcionando entre o prazer e a dor. E o pensamento é o responsável pela existência de ambos. (...) Cabe a vocês, pois, descobrir por vocês mesmos o que é que está em ação quando o pensamento está ausente.

(...) Veja, senhores, eu desejo de todo o coração lhes transmitir esta coisa, a fim de que, ao saírem daqui, sejam entes humanos novos, entes humanos vivos e não eternamente dominados pelo medo. (...) Ora, vocês pensam conhecer o medo, pensam conhecer o prazer, mas na realidade, nada sabem a seu respeito. (...) Por conseguinte, a mente que está aprendendo é uma mente inteligente, e não aquela que diz: "Aprendi" ou "Sei o que é o medo". Isto é, a mente que está aprendendo é inteligente. E não é inteligente a mente que diz: "Você é meu guru, me ensine..." Essa é uma mente entorpecida, incapaz de aprender; é uma mente morta, neurótica. (...) Quando vocês estão aprendendo, a mente está desperta. A mente desperta é uma mente inteligente, e essa inteligência é que lhes dirá quando se deve ou não se deve fazer uso do conhecimento. (...) cada um tem que descobrir a Verdade por si próprio. A Verdade não é uma coisa "em segunda mão". Vocês não podem adquiri-la por intermédio de um guru, de um livro. Para conhecê-la, vocês têm que aprender... e a beleza do aprender é o "não saber". Vocês não sabem o que é a Verdade... Para descobrirem, precisam de paixão, de "intensidade"... O aprender, pois, traz a inteligência e, se agora estão realmente aprendendo, não de mim, vocês têm essa extraordinária inteligência que não se adquire de livro algum.

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill